Entrevista com Ozires Silva: “Brasil
desperdiça chance de ter seu carro elétrico”
NÓBREGA, Felipe. “Entrevista com Ozires Silva: ‘Brasil desperdiça chance de
ter seu carro elétrico’”. Folha de São Paulo. São Paulo, 14 de novembro de
2013.
Folha - O Brasil tem uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo, a
Embraer, que foi fundada pelo sr. em 1969 e que hoje atua em um segmento
altamente tecnológico. Por que o país não tem uma marca própria de
automóveis sendo o quarto maior mercado consumidor?
Ozires Silva - O Conselho de Desenvolvimento Industrial [CDI], criado pelo
então presidente Kubitschek, nos anos 1950, tinha regras que jamais
permitiriam a criação de um automóvel nacional. Eu disse isso ao governo na
época, mas fui voto vencido. Depois, quando caiu na minha mão a decisão de
construir aviões, pude seguir uma rota diferente do CDI e criar uma aeronave de
concepção e marca locais.
Então a sua ideia inicial era fomentar uma montadora de carros brasileira?
Claro. Mas o governo fixou que o interessado deveria ter experiência, capital,
recursos humanos, propriedade intelectual e posição no mercado externo. Com
todas essas exigências, quem quisesse montar uma marca nacional seria
desencorajado.
Até países nanicos dentro do cenário automobilístico, como a Noruega,
aproveitaram essa recente onda da eletrificação dos carros para criar
montadoras. O sr. acredita que a tendência possa trazer uma nova chance
para uma marca de carros nacionais?
Acho que sim. Mas o país já está perdendo mais essa janela de oportunidade,
enquanto o mundo inteiro está se movimentando para desenvolver esse tipo de
produto.
Sabemos que é muito mais difícil empreender por aqui. Temos desvantagens
como a complicação burocrática e o custo Brasil.
Por isso ouvimos "vamos trazer a tecnologia de fora, vamos trazer automóvel
de fora". Essa palavra "trazer" nos põe numa situação de segunda classe. Mas
podemos
gerar
coisas
novas.
Veja o exemplo dos nossos aviões.
Como seria o carro elétrico nacional?
Existem várias soluções. Uma delas é o carro com motor elétrico movido a
célula de hidrogênio, que já foi apresentado no Japão [e não precisa ser
recarregado na tomada].
O problema desse sistema é a autonomia reduzida aos padrões a que estamos
acostumados a rodar. Isso se deve também ao fato de o combustível ser
gasoso, menos concentrado.
O etanol líquido, por ter moléculas de hidrogênio em sua composição, poderia
ser uma boa alternativa. Até porque já existe uma rede de distribuição desse
combustível por todo o país. Com a tecnologia atual, seria possível isolar o
hidrogênio do etanol.
Não seria muito caro?
Claro que um carro elétrico nacional com essa tecnologia será muito mais caro
que os veículos que eu posso comprar ali na esquina. Mas automóvel
convencional só é mais barato porque sua escala de produção é muito grande.
Tente usinar um motor a combustão na garagem da sua casa para ver o quanto
ele não custaria. Você não pode pegar um troço absolutamente novo e querer
que ele comece a um preço inferior.
O sr. presidiu a Petrobras no final dos anos 1980, logo após a criação do
Pró-Álcool. O que acha da atual política do biocombustível no Brasil?
É uma política errática, pois o preço do etanol não pode ser atrelado ao da
gasolina. Enfrentei discussões sérias com o governo em 1985, mas fui voto
vencido. Preguei que isso poderia trazer essa colisão no futuro.
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