ALETHEIA Revista de Psicologia Nº 33 - Set./Dez. 2010 ISSN 1413-0394 Presidente Augusto Ernesto Timm Neto Vice-Presidente Joseida Elizabete Timm Reitor Marcos Fernando Ziemer Vice-Reitor Valter Kuchenbecker Pró-Reitor de Administração Levi Schneider Pró-Reitor de Graduação Ricardo Prates Macedo Pró-Reitor Adjunto de Graduação Pedro Antonio Gonzalez Hernandez Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Erwin Francisco Tochtrop Júnior Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Ricardo Willy Rieth Capelão Geral Gerhard Grasel ALETHEIA Revista de Psicologia da ULBRA Disponível on-line pelo portal PePSIC: http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php ISSN 1981-1330 Indexadores: Index-Psi Periódicos (CFP); LILACS (BIREME); IBSS; PsycINFO (APA); PePSIC; Latindex; CLASE; Redalyc Editora Profa. Dra. Aline Groff Vivian Editora associada Profa. Dra. Gláucia Grohs Assistente editorial Ítala Raymundo Chinazzo Aluna de Iniciação Científica Conselho Editorial Profa. Dra. Ângela Helena Marin Profa. Ms. Carmem Aristimunha de Oliveira Prof. Ms. Daniel Abs da Cruz Profa. Dra. Lígia Braun Schermann Profa. Dra. Mayte Raya Amazzaray Conselho Científico Dr. Adolfo Pizzinato (PUCRS, Porto Alegre/RS) Dra. Ana Maria Jacó-Vilela (UERJ, Rio de Janeiro/BR) Dra. Cristina Maria Leite Queirós (Universidade do Porto/PO) Dra. Dóris Vasconcelos Salençon (Sorbonne, Paris/FR) Dr. Eduardo A. Remor (UAM, Madrid/ES) Dr. Fábio de Oliveira (USP, São Paulo/SP) Dr. Francisco Martins (UnB, Brasília/BR) Dr. Hugo Alberto Lupiañez (UDA - Mendoza/AR) Dra. Isabel Arend (UG, Bangor/UK) Dr. João Carlos Alchieri (UFRN, Natal/BR) Dr. Jorge Béria (ULBRA, Canoas/BR) Dr. José Carlos Zanelli (UFSC - Florianópolis/SC) Dra. Liliana Andolpho Magalhães Guimarães (USP, São Paulo/SP) Dr. Marcus Vinicius de Oliveira Silva (UFBA - Salvador/BA) Dra. Maria Lúcia Tiellet Nunes (PUCRS, Porto Alegre/RS) Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi (CEULM, Manaus, AM) Dra. Marília Veríssimo Veronese (UNISINOS, São Leopoldo/RS) Dr. Mário Cesar Ferreira (UnB, Brasília/BR) Dr. Makilim Nunes Baptista (USF-Itatiba,SP) Dr. Pedro Gil-Monte (UV-Valência/ES) Dr. Ramón Arce (USC, Santiago de Compostela/ES) Dr. Ricardo Gorayeb (FMRP-USP, Ribeirão Preto/BR) Dra. Rita de Cássia Petrarca Teixeira (ULBRA – Gravataí/BR) Dra. Suzana Alves (Edinburgh College of Art – UK) EDITORA DA ULBRA E-mail: [email protected] Diretor: Astomiro Romais Coordenador de periódicos: Roger Kessler Gomes Capa: Everaldo Manica Ficanha Editoração: Roseli Menzen Assinaturas Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 29 - Sala 202 Bairro São José - Canoas/RS - CEP: 92425-900 Fone: (51) 3477.9118 - Fax: (51) 3477.9115 [email protected] www.editoradaulbra.com.br Solicita-se permuta. We request exchange. On demande l’échange. Wir erbitten Austausch. Endereço para permuta/exchange Universidade Luterana do Brasil - ULBRA Biblioteca Martinho Lutero - Setor de Aquisição Av. 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C DU 159.9(05) Setor de Processam ento T écnico da Biblioteca Martinho Lutero – ULBRA/Canoas Aletheia REVISTA DE PSICOLOGIA DA ULBRA Consultores 2010 Adolfo Pizzinatto Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Adriana Jung Serafini Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alessandra Turini Bolsoni-Silva Universidade Estadual Paulista (UNESP) Aline Groff Vivian Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Alvaro Merlo Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Paula Porto Noronha Universidade São Francisco (USF) Andrea Gabriela Ferrari Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Aurea de Fátima Oliveira Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Caroline Tozzi Reppold Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Célia Maria Giacheti Universidade Estadual Paulista (UNESP) Celso Gutfreind Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Claisy Maria Marinho-Araujo Universidade de Brasília (UNB) Claudia Abbês Baêta Neves Universidade Federal da Fronteira Sul (UFF) Cleci Maraschin Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cristiane Alfaya Universidade Federal da Bahia (UFBA) Daniela Di Giorgio Schneider Bakos Clínica de Terapia Cognitiva-Comportamental (Cognitá) Débora Silva de Oliveira Fundação Escola Superior do Ministério Público (FESMIP) Deise Maria Fernandes Mendes Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Evanisa Helena Maio de Brum Complexo de Ensino Superior Cachoeirinha (CESUCA) Fátima Araújo Universidade Estadual Paulista (UNESP) Giana Frizzo Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Glaucia Grohs Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) João Carlos Alchier Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Laíssa Prati Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT) Lídia Natália Dobrianskyj Weber Universidade Federal do Paraná (UFPR) Lílian Palazzo Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Liliana Andolpho Magalhaes Guimarães Universidade de São Paulo (USP) Lis Andrea Soboll Universidade Federal do Paraná (UFPR) Luan Flávia Barufi Fernandes Universidade de São Paulo (USP) Luciana Castoldi Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) Luciane De Conti Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Márcia Stengel Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Margarete Oliveira Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Margarette Matesco Rocha Universidade Estadual de Londrina (UEL) Maria Coutinho Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Maria Juracy Filgueiras Toneli Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Maria Lúcia Batezat Duarte Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Marilia Pontes Sposito Universidade de São Paulo (USP) Marília Veríssimo Veronese Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) Marisa Lopes da Rocha Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Marisa Maria Brito da Justa Neves Universidade de Brasília (UNB) Marucia Patta Bardagi Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Mauro Luis Vieira Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Milena Rosa da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Nair Iracema Silveira dos Santos Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Patrícia Alvarenga Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Martins Goulart Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) Regina Maria Varini Mutti Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rita Aparecida Romaro Universidade São Francisco (USF) Silvani Botlender Severo Escola Superior de Teologia (EST) Silvia Coutinho Areosa Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) Vanessa Delfino Universidade de São Paulo (USP) Vicente Cassepp Borges Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Viviane Ziebell de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Aletheia, revista quadrimestral editada pelo Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, publica artigos originais, relacionados à Psicologia, pertencentes às seguintes categorias: artigos de pesquisa, artigos de atualização, resenhas e comunicações. Os artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores e as opiniões e julgamentos neles contidos não expressam necessariamente o pensamento dos Editores ou Conselho Editorial. Sumário 4 Editorial Artigos de pesquisa 6 Estilos parentais e práticas educativas de pais de crianças com TDAH: um estudo piloto Parenting styles and childrearing practices of parents of children with ADHD: A pilot study Silvana Soriano Frassetto; Daniela Di Giorgio Schneider Bakos 18 Experiências de vida e os processos de visibilidade social de mulheres que amam mulheres Experiences of life and the process of social visibility of women who loves women Yáskara Arrial Palma; Aline da Silva Piason; Ana Cláudia Menini Bezerra; Marlene Neves Strey 30 Escala de Altruísmo Autoinformado: evidências de validade de construto Self-report Altruism Scale: Evidences of construct validity Valdiney V. Gouveia; Rebecca Alves Aguiar Athayde; Rildésia S. V. Gouveia; Ana Isabel Araújo Silva de Brito Gomes; Roosevelt Vilar Lobo de Souza 45 A Bela e a Fera: uma análise psicológica da personagem Bela The Beauty and the Beast: A psychological analysis of Belle’s character Luísa Puricelli Pires; Tatiana Helena José Facchin 56 Práticas educativas e estratégias de coping em crianças abrigadas Educational practices and coping strategies for sheltered children Giorgina Leni Batista; Patricia Santos da Silva; Caroline Tozzi Reppold 69 Avaliação de indicadores de problemas de comportamento infantil relatados por pais e professores Evaluation of child behavior problems indicators reported by parents and teachers Juliana Rigon Pedrini; Giana Bitencourt Frizzo 84 Escrever uma vida: biografia e acontecimento To write a life: Happening (événement) and biographeme Sara Hartmann; Tania Mara Galli Fonseca 2 Aletheia 33, set./dez. 2010 95 Priming semântico em crianças: efeitos da força de associação semântica e frequência do alvo Semantic priming in children: Effects of prime-target association strength and target frequency Candice Steffen Holderbaum; Jerusa Fumagalli de Salles 109 Comunicação silenciosa mãe-bebê na visão winnicottiana: reflexões teórico-clínicas Mother-Baby Silent Communication under Winnicott’s View: Theoretical-clinical reflections Josiane Cristina Coradi Prado Telles; Maíra Bonafé Sei; Sérgio Luiz Saboya Arruda Artigos de atualização 123 O abuso sexual no contexto psicanalítico: das fantasias edípicas do incesto ao traumatismo Sexual abuse in the psychoanalytical context: From oedipical phantasies to incest and trauma Bibiana Godoi Malgarim; Silvia Pereira da Cruz Benetti 138 Transtorno obsessivo-compulsivo nas diferentes faixas etárias Obsessive-compulsive disorder in the different age groups Cema Cardona Gomes; Thiago Osório Comis; Rosa Maria Martins de Almeida 151 Revisão da literatura brasileira sobre a problemática do desenvolvimento de crianças assistidas por clínicas-escola Literature review about children’s development problems in school clinics in Brazil Cristine Boaz; Maria Lúcia Tiellet Nunes Relato de experiência 166 Vivências de um serviço de psicologia junto a um núcleo de assistência judiciária Experiences of a Department of Psychology at a Legal Aid Practice Sabrina Daiana Cúnico; Caroline de Oliveira Mozzaquatro; Dorian Mônica Arpini; Milena Leite Silva Resenha 177 O caminho da avaliação neuropsicológica Ana Lúcia Fedalto; Amer Cavalheiro Hamdan Artigo internacional 179 Promover la convivencia escolar: una propuesta de intervención comunitaria Promover a convivência na escola: uma proposta de intervenção comunitária Protecting coexistence in the school: A proposal of community intervention María Clara Rodríguez; Patricia Vaca 190 Instruções aos autores 196 Instructions to authors 202 Instrucciones a los autores Aletheia 33, set./dez. 2010 3 Editorial Em meio a mudanças institucionais e editoriais, o desafio de publicar um periódico científico como a revista Aletheia tornou-se ainda maior. Em tempos de transformações, contamos com a colaboração e compreensão dos membros do Conselho Editorial, professores, comunidade científica e, principalmente, dos autores para continuarmos nosso projeto. Seguindo a linha editorial consolidada pelo periódico, neste número contamos com artigos de pesquisa, estudos de atualização, relato de experiência, resenha e um artigo internacional. Dentre os artigos de pesquisa, publicamos o estudo de Frasetto e Bakos, que investigou estilos parentais e práticas educativas de pais de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). As autoras contribuem para intervenções preventivas e psicoterápicas a partir dos achados do estudo piloto apresentado. Através de um estudo qualitativo, Palma, Piason, Bezerra e Strey discorrem sobre as experiências de vida e os processos de visibilidade social de mulheres homossexuais. O artigo de Gouveia e cols. apresentou evidências de validade de construto de uma escala de altruísmo autoinformado, através de dois estudos quantitativos. Pires e Facchin analisaram o desenvolvimento psicológico da personagem Bela, baseando-se em cenas do filme de Walt Disney a Bela e a Fera. Já as práticas educativas de pais e educadores sociais e estratégias de coping adotadas por crianças abrigadas foram investigadas por Batista, Silva e Reppold. As autoras refletem sobre aspectos que subsidiam a elaboração de programas de treinamento para os pais e educadores sociais, a fim de contribuir com o processo de socialização das crianças abrigadas. O artigo de Pedrini e Frizzo avaliou indicadores de problemas de comportamento de internalização e externalização relatados por pais e professores de crianças de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental de uma escola pública de Porto Alegre. Hartmann e Fonseca percorreram registros de um hospital psiquiátrico para ilustrar a escrita de vida. Holderbaum e Salles investigaram os efeitos de priming semântico em crianças conforme a característica dos estímulos ligados à força de associação e frequência na língua. Por fim, a partir de uma perspectiva winnicottiana, Telles, Sei e Arruda apresentaram reflexões teórico-clínicas sobre a comunicação silenciosa mãe-bebê. Quanto aos artigos de atualização, Malgarim e Benetti destacaram as contribuições da teoria psicanalítica na compreensão das repercussões do abuso sexual e seu impacto no psiquismo, percorrendo as fantasias edípicas do incesto ao traumatismo. Já a revisão teórica de Gomes, Comis e Almeida apontou a repercussão e formas de tratamento do transtorno obsessivo compulsivo em diferentes faixas etárias. Publicamos ainda a revisão da literatura nacional realizada por Boaz e Tiellet Nunes acerca da problemática de desenvolvimento de crianças assistidas por clínicas-escola, de 1980 a 2008, a fim de avaliar se houve mudanças nos problemas de desenvolvimento em relação ao sexo da criança. O relato de experiência de Cúnico, Mozzaquatro e Arpini retratou as vivências de um serviço de assistência judiciária. Já a resenha de Fedalto e Hamdan sintetizou o livro intitulado “Avaliação neuropsicológica”, de Malloy-Diniz e cols. Por fim, as pesquisadoras colombianas Rodrigues e Vaca dissertaram sobre uma proposta de 4 Aletheia 33, set./dez. 2010 intervenção comunitária, desenvolvida com o intuito de promover a convivência escolar, a partir de diferentes formas de interação na escola A Aletheia continua receptiva e pronta para continuar crescendo e contribuindo para a divulgação científica de estudos ligados à Psicologia no meio acadêmico. Profa. Dra. Aline Groff Vivian Editora Profa. Dra. Gláucia Grohs Editora Associada Aletheia 33, set./dez. 2010 5 Aletheia 33, p.6-17, set./dez. 2010 Estilos parentais e práticas educativas de pais de crianças com TDAH: um estudo piloto Silvana Soriano Frassetto Daniela Di Giorgio Schneider Bakos Resumo: Estilos parentais e práticas educativas têm sido considerados preditores para o desenvolvimento infantil. Esta pesquisa teve como objetivo realizar um estudo piloto ao investigar e comparar os estilos parentais e as práticas educativas de pais de crianças com TDAH do tipo combinado e desatento. Participaram desta pesquisa 10 pais e seus filhos de 9 a 12 anos com diagnóstico de TDAH, que responderam ao Inventário de Estilos Parentais. Os resultados demonstram que não há diferença significativa nos estilos parentais quando se comparam os dois tipos de TDAH; porém, a punição inconsistente é significativamente maior na percepção dos pais no manejo dos filhos com TDAH combinado, quando comparado aos filhos com TDAH desatento. Além disso, dentro do grupo de TDAH do tipo combinado, a monitoria positiva, na percepção dos pais, é significativamente maior quando comparado ao que os filhos respondem em relação ao pai. Este estudo contribui para intervenções preventivas e psicoterápicas. Palavras-chave: Estilos parentais; Práticas educativas; TDAH. Parenting styles and childrearing practices of parents of children with ADHD: A pilot study Abstract: Parenting styles and childrearing practices have been considered predictors of child development. This research aimed to conduct a pilot study to investigate and compare the parenting styles and childrearing practices of parents of children with ADHD combined type and inattentive. The participants were 10 parents and their children aged 9 to 12 years diagnosed with ADHD, who responded to Parenting Styles Inventory. The results show that there is no significant difference in parenting styles when comparing the two types of ADHD, but the inconsistent punishment is significantly greater in the perception of parents in managing children with ADHD combined type, compared to children with ADHD inattentive. Furthermore, within the group of ADHD combined type, the positive monitoring in the perception of parents is significantly higher when compared to what the children respond in relation to the father. This study contributes to preventive interventions and psychotherapy. Keywords: Parenting styles, Childrearing practices, ADHD. Introdução As relações entre pais e filhos constituem uma área de pesquisa dentro da Psicologia que tem despertado grande interesse nas últimas décadas, especialmente quando enfoca práticas educativas, ou seja, as estratégias utilizadas pelos pais para orientar o comportamento dos filhos (Cia, Pamplin & Williams, 2008; Gomide, Salvo, Pinheiro & Sabbag, 2005; Weber, Prado, Viezzer & Brandenburg, 2004). Ao conjunto de práticas educativas utilizadas pelos pais na interação com os filhos dá-se o nome de Estilo Parental (Gomide, 2006). O estilo refere-se a um padrão de comportamento parental expresso dentro de um clima emocional criado pelo conjunto das atitudes dos pais, o qual inclui as práticas parentais e também engloba outros aspectos da interação pais-filhos, tais como tom de voz, linguagem corporal, descuido, mudança de humor, etc. (Darling & Steinberg, 1993; Weber & cols., 2004). Já as práticas parentais correspondem a comportamentos com conteúdos específicos e com objetivos de socialização. As práticas são apenas estratégias com o fim de suprimir comportamentos considerados inadequados ou de incentivar a ocorrência de comportamentos adequados (Alvarenga, citado por Weber, Selig, Bernardi & Salvador, 2006). Uma das explicações relevantes sobre estilos e práticas parentais é a de que, ao se tornarem pais, os indivíduos tendem a repetir o modelo aprendido em seu contexto familiar (Weber & cols., 2006). A relação entre a criança e os pais é influenciada por esquemas relativamente duradouros que os pais trazem para a família e pelos esquemas de cada criança que se desenvolvem com base nas interações familiares correntes. Os esquemas constituem as crenças estáveis e duradouras que as pessoas mantêm sobre os outros e suas relações. Os esquemas familiares dos pais costumam ser disseminados e aplicados na educação de seus filhos. Neste caso, a integração com as percepções da prole e as inferências sobre o ambiente familiar e outras experiências de vida contribuem para o posterior desenvolvimento do esquema familiar (Dattilio, 2006). Há estudos realizados com pais de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) demonstrando alterações nas relações pais-filho, como estilos disciplinares altamente diretivos e hostis ou excessivamente permissivos que reforçam os sintomas de hiperatividade, impulsividade e desatenção (Johnston & Mash, 2001). Algumas teorias sugerem que problemas familiares, especialmente envolvendo o estilo parental muito permissivo, estão entre um dos causadores do TDAH. Estudos recentes, em contrapartida, indicam que o estilo parental pode ser consequência e não causa do transtorno (Rohde & Benczik, 1999; Trenas, Cabrera & Osuna, 2008). Um estudo conduzido com crianças com idades entre 7 e 10 anos, diagnosticadas com TDAH do tipo combinado, investigou a percepção dos pais sobre aspectos da vida social, das dificuldades em lidar com o filho e do relacionamento marital. Os achados indicaram que o tipo combinado do TDAH estaria mais fortemente associado a um funcionamento familiar negativo (Presentacion, Garcia, Miranda, Siegenthaler & Jara, 2006). Em similar direção, o estudo realizado por Counts, Nigg, Stawicki, Rappley e Von Eye (2005) também sugeriu que famílias de crianças com o tipo combinado de TDAH apresentavam mais fatores de risco associados com adversidade familiar, como conflito marital, pais com histórico de transtornos psiquiátricos e eventos de vida estressantes, quando comparadas a famílias de crianças com o tipo predominantemente desatento e grupo-controle. Finzi-Dottan, Manor e Tyano (2006) demonstraram que estilos parentais de promoção ou ausência de autonomia estão relacionados a formas de apego ansioso e evitativo, respectivamente, em crianças com TDAH. Estudos que avaliam as relações familiares de crianças e adolescentes portadores de TDAH com comorbidades com transtornos disruptivos sugerem a existência de dificuldades maiores neste contexto. As crianças com comportamento disruptivo (com transtornos de conduta ou desafiador Aletheia 33, set./dez. 2010 7 opositor) apresentam mais sintomas de déficit de atenção e hiperatividade. Os pais destas crianças também relatam maior estresse, agressividade e conflitos na relação com os filhos (Barkley & cols., 2002; Edwards, Barkley, Laneli, Fletcher & Metevia, 2001). As pesquisas acima apresentadas, que abarcam as relações pais-filho e os comportamentos dos filhos, demonstram como o estudo dos estilos parentais pode ser útil para o melhor desenvolvimento das crianças. No contexto de transtornos psiquiátricos, inclusive, conhecer os estilos parentais mais presentes no manejo de determinados comportamentos pode contribuir para um melhor resultado em termos de redução de sintomas. O TDAH é um transtorno do desenvolvimento, de forte influência neurobiológica, cujas implicações variam desde dificuldades no desempenho escolar (onde necessidades de função executiva, como planejamento, organização e persistência de foco atencional tornam-se ainda mais imprescindíveis para a realização das tarefas escolares) até problemas psicológicos e sociais (Mattos & cols., 2006; Rohde, Filho, Benetti, Gallois & Kieling, 2004). A prevalência média em crianças e adolescentes gira em torno de 5%, e o transtorno tende a persistir na vida adulta em cerca de 60% dos casos. No caso de crianças, o diagnóstico do TDAH se baseia nos sintomas atuais que devem se manifestar em, no mínimo, dois ambientes (casa e escola, por exemplo) (Rohde & Halpern, 2004). Os sintomas primários e persistentes do TDAH (desatenção, hiperatividade e impulsividade) são em geral facilmente reconhecíveis, sendo que o tratamento é multimodal, envolvendo intervenções psicossociais e psicofarmacológicas (Gomes, Palmini, Barbirato, Rohde & Mattos, 2007). Embora fatores familiares não sejam apontados como causa do transtorno, diversas pesquisas indicam a importância do contexto familiar no TDAH. A disfunção familiar pode constituir um fator de risco que, ao interagir com a predisposição neurobiológica da criança, exacerba a expressão dos sintomas e modifica o curso do transtorno (Guilherme, Mattos, Serra-Pinheiro & Regalla, 2007). Este trabalho teve como objetivo realizar um estudo piloto ao investigar e comparar os estilos parentais e as práticas educativas de pais de crianças com TDAH dos tipos combinado e predominantemente desatento. Justifica-se pelo entendimento de que diversos problemas do comportamento infantil requerem consideração nos trabalhos de pesquisa, não apenas sobre fatores individuais (sejam eles neurobiológicos ou psicológicos), mas também a compreensão do ambiente em que a criança se desenvolve e como este pode contribuir para a manutenção ou agravamento dos quadros clínicos, incluindo aí o estudo de aspectos familiares e parentais. O esclarecimento de questões acerca dos estilos e práticas parentais que acompanham o ambiente de uma criança com TDAH é necessário, uma vez que fornece embasamento teórico para estudos posteriores, tratamentos psicoterápicos e treinamento de pais. Método Participantes Participaram desta pesquisa 10 pais e seus respectivos filhos, 10 crianças de ambos os sexos de 9 a 12 anos, sendo que 5 tinham diagnóstico de TDAH do tipo combinado e 5 do tipo predominantemente desatento. Foram selecionados aqueles pais que procuraram pelo 8 Aletheia 33, set./dez. 2010 Serviço de Avaliação Neuropsicológica da Clínica-Escola de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) em Canoas, RS, Brasil. Foram incluídas na pesquisa somente crianças que foram diagnosticadas como portadoras de TDAH, as quais foram investigadas através de entrevista diagnóstica e testagem psicológica. Foram excluídos os casos com presença de comorbidades de Eixo I e Retardo Mental. Todos os participantes eram estudantes do ensino fundamental da 3ª à 7ª série, sendo que 4 apresentavam uma repetência em seu histórico escolar. Instrumentos Instrumentos de triagem Para a investigação diagnóstica do TDAH, foram utilizados os subtestes Dígitos e Aritmética da Escala de Inteligência Wechsler (WISC-III). O subteste Dígitos no WISC-III está incluído entre os subtestes suplementares e, juntamente com o subteste Aritmética, auxilia na medida do Índice de Resistência à Distração (Figueiredo & Nascimento, 2007). Além disso, foi utilizado o instrumento MTA-SNAP-IV para avaliação de sintomas de TDAH (Mattos, Serra-Pinheiro, Rohde & Pinto, 2006). Instrumento para avaliar os estilos parentais e as práticas educativas Os participantes responderam ao Inventário de Estilos Parentais (IEP) (Gomide, 2006) que é composto por três escalas: 1) IEP denominado Práticas educativas maternas e paternas (autoaplicação), no qual os pais respondem sobre as práticas educativas adotadas em relação ao filho; 2) IEP denominado Práticas parentais paternas, onde o filho responde sobre as práticas educativas paternas; e 3) IEP denominado Práticas parentais maternas, onde o filho responde sobre as práticas educativas maternas. As questões são basicamente as mesmas e adaptadas de acordo com o tipo de respondente. Este instrumento deriva de um modelo teórico composto por sete práticas educativas, sendo duas consideradas positivas (monitoria positiva e comportamento moral) e cinco negativas (abuso físico, disciplina relaxada, monitoria negativa, negligência e punição inconsistente). As práticas que constituem o IEP são avaliadas através de seis questões cada, totalizando 42 questões. As respostas são dadas em uma escala likert de 3 pontos, representados em sempre, às vezes e nunca, respectivamente. O IEP fornece um escore, o Índice de Estilo Parental (iep), que é o resultado da subtração da soma das práticas negativas, da soma das positivas. Este índice é um escore bruto que é consultado nas tabelas normativas, nas quais são apresentados os percentis correspondentes aos valores encontrados. Encontrando-se o valor percentual, observa-se a qualidade do estilo parental predominante. Essa referência é dada por uma tabela em que os percentis são agrupados nas seguintes categorias: estilo parental ótimo (80 a 99), regular acima da média (55 a 75), regular abaixo da média (30 a 50), e de risco (1 a 25). Neste trabalho, analisou-se o escore final geral e cada prática de forma particular. Diversas pesquisas foram conduzidas visando a elaboração do IEP. A validação psicométrica da versão final foi efetuada a partir da aplicação em 769 jovens pertencentes Aletheia 33, set./dez. 2010 9 a dois grupos: 136 em situação de risco e 633 estudantes de escolas públicas e particulares. Para a validação externa, o IEP foi correlacionado com os seguintes inventários: Inventário de Habilidades Sociais (IHS), Inventário de Depressão de Beck (CDI) e Inventário de Stress de Lipp (ISL) (Gomide, 2006; Sampaio, 2007). Procedimentos O convite para participação na pesquisa foi feito por contato telefônico. Após a anuência dos pais e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi realizada a triagem no intuito de compor a amostra. Após a avaliação diagnóstica, os participantes que preencheram os critérios de inclusão da amostra foram divididos em dois grupos compostos por 5 crianças cada, o grupo com TDAH do tipo combinado (com sintomas de desatenção e hiperatividade – impulsividade) e o grupo do tipo predominantemente desatento (APA, 2002). Posteriormente, o Inventário foi aplicado de forma individual, com os pais e com as crianças. O preenchimento do IEP demorou, em média, 15 minutos. O trabalho teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e Animais da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) sob protocolo nº 2009-283H, seguindo os preceitos do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Análise dos dados Para a análise dos dados, considerou-se as práticas educativas e os percentis relacionados ao iep nos diferentes contextos: 1) respostas dos filhos em relação à mãe; 2) respostas dos filhos em relação ao pai; e 3) autoaplicação, em que os pais respondem sobre a sua forma de educar os filhos. Realizou-se uma análise entre grupos utilizando-se o teste Mann-Whitney, na qual os grupos de TDAH combinado e predominantemente desatento foram comparados com relação ao seu escore obtido no iep e nas práticas educativas nos diferentes contextos acima. Além disso, avaliou-se intragrupo, em cada grupo de TDAH, os diferentes contextos acima quanto aos seus escores no iep e nas práticas educativas, utilizando-se o teste de Friedman. Valores de p < 0,05 indicam diferença significativa entre os grupos analisados. Resultados O presente estudo piloto analisou os estilos parentais e sete práticas educativas percebidas pelos pais e pelas crianças com TDAH do tipo combinado e predominantemente desatento. A Tabela 1 demonstra a comparação dos ieps e das práticas educativas entre os grupos de TDAH. Não houve diferença significativa nos ieps quando se compara o grupo de TDAH do tipo combinado com o grupo predominantemente desatento, onde os filhos respondem em relação à mãe, em relação ao pai, e quando os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos. Apesar disso, os percentis demonstram estilos parentais que se caracterizam como sendo regular abaixo da média quando os filhos respondem em relação ao pai e quando os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos, e de risco quando os filhos respondem em relação à mãe. Em relação às práticas educativas, houve diferença significativa em relação à punição inconsistente quando se comparam 10 Aletheia 33, set./dez. 2010 os grupos de TDAH do tipo combinado com o grupo predominantemente desatento, onde os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos. A punição inconsistente é significativamente maior (p = 0.016), na percepção dos pais, no manejo dos filhos com TDAH combinado quando comparado aos filhos com TDAH desatento. Além disso, de acordo com os dados normativos para esta prática educativa (Gomide, 2006), o valor demonstrado para o tipo combinado equivale ao estilo parental regular abaixo da média e, para o tipo desatento, equivale ao estilo parental ótimo. Tabela 1 – Comparação entre os grupos de crianças com TDAH para o iep e práticas educativas. TDAH iep / PE Combinado (1) Iep (2) 23,20 ± 33,75 ± 27,80 27,54 Desatento p (3) (1) (2) (3) 33,00 ± 13,96 23,20 ± 17,57 37,50 ± 10,41 51,00 ± 26,79 0,841 (1) 0,999 (2) 0,310 (3) MP 8,60 ± 2,30 5,00 ± 2,16 10,40 ± 1,14 9,60 ± 8,50 ± 3,00 2,61 10,40 ± 1,52 0,548 (1) 0,114 (2) 0,841 (3) CM 9,00 ± 8,00 ± 11,20 ± 7,20 ± 8,25 ± 10,80 ± 0,310 (1) 3,54 2,83 0,84 3,42 1,50 0,84 0,886 (2) 0,548 (3) PI 6,00 ± 2,75 ± 4,00 ± 3,60 ± 3,00 ± 1,20 ± 0,095 (1) 2,35 1,71 1,22 * 1,82 1,41 1,30 0,886 (2) 0,016 (3) Neg. 4,00 ± 5,25 ± 4,00 ± 4,20 ± 3,00 ± 3,00 ± 0,988 (1) 2,65 3,77 1,73 1,92 2,00 1,41 0,343 (2) 0,222 (3) DR 3,60 ± 1,75 ± 2,80 ± 4,40 ± 2,25 ± 3,40 ± 0,548 (1) 2,88 2,22 1,92 1,34 1,71 2,41 0,686 (2) 0,690 (3) MN 7,40 ± 3,75 ± 7,60 ± 6,40 ± 5,75 ± 6,40 ± 0,690 (1) 2,30 2,22 1,52 3,65 1,71 0,89 0,200 (2) 0,222 (3) AF 3,40 ± 2,75 ± 3,20 ± 2,40 ± 2,25 ± 3,40 ± 0,548 (1) 1,52 3,59 1,10 2,07 2,06 2,70 0,886 (2) 0,841 (3) Nota: (1) os filhos respondem em relação à mãe; (2) os filhos respondem em relação ao pai; e (3) autoaplicação, em que os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos. Práticas educativas (PE): MP (Monitoria positiva); CM (Comportamento moral); PI (Punição inconsistente); Neg. (Negligência); DR (Disciplina relaxada); MN (Monitoria negativa); AF (Abuso físico). Os dados são expressos como média ± desvio padrão (DP). * p < 0,05 quando comparado ao grupo TDAH do tipo desatento pelo teste Mann-Whitney. Aletheia 33, set./dez. 2010 11 Nas Tabelas 2 e 3, são demonstradas as comparações intragrupo, dentro de cada grupo de TDAH combinado e predominantemente desatento, respectivamente, entre os 3 grupos onde os filhos respondem em relação à mãe, em relação ao pai, e quando os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos. Não houve diferença significativa nos ieps quando se comparam os 3 grupos em ambos os tipos de TDAH combinado e predominantemente desatento. Em relação às práticas educativas, houve diferença significativa em relação à monitoria positiva quando se comparam os 3 grupos acima dentro do grupo de TDAH do tipo combinado. A monitoria positiva é significativamente maior (p = 0.018), na percepção dos pais, no manejo dos filhos quando comparado ao que os filhos respondem em relação ao pai. De acordo com os dados normativos (Gomide, 2006) para esta prática educativa, o valor demonstrado para o que é percebido pelos pais equivale ao estilo parental regular e, para o que os filhos respondem em relação ao pai, equivale ao estilo parental de risco. Tabela 2 – Comparação intragrupo, para o iep e práticas educativas. Combinado Média DP p Combinado Média DP p iep (1) 23,2 27,54 0,779 Neg (1) 4 2,65 0,165 iep (2) 33,8 27,80 Neg (2) 5,25 3,77 iep (3) 33,0 13,96 Neg (3) 4 1,73 MP (1) 8,6 2,30 DR (1) 3,6 2,88 MP (2) 5,0 2,16 DR (2) 1,75 2,22 MP (3) 10,4 * 1,14 DR (3) 2,8 1,92 CM (1) 9 3,54 MN (1) 7,4 2,30 CM (2) 8 2,83 MN (2) 3,75 2,22 CM (3) 11,2 0,84 MN (3) 7,6 1,52 PI (1) 6 2,35 AF (1) 3,4 1,52 PI (2) 2,75 1,71 AF (2) 2,75 3,59 PI (3) 4 1,22 AF (3) 3,2 1,10 0,018 0,174 0,109 0,472 0,074 0,807 Nota: (1) os filhos respondem em relação à mãe, (2) os filhos respondem relação ao pai, e (3) autoaplicação, em que os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos, no grupo de TDAH do tipo combinado. Práticas educativas (PE): MP (Monitoria positiva); CM (Comportamento moral); PI (Punição inconsistente); Neg. (Negligência); DR (Disciplina relaxada); MN (Monitoria negativa); AF (Abuso físico). * p < 0,05 quando comparado ao grupo MP (2) pelo teste de Friedman. 12 Aletheia 33, set./dez. 2010 Tabela 3 – Comparação intragrupo, para o iep e práticas educativas. Desatento Média DP p Desatento Média DP iep (1) 23,2 17,57 0,189 Neg (1) 4,2 1,92 iep (2) 37,5 10,41 Neg (2) 3 2,00 iep (3) 51 26,79 Neg (3) 3 1,41 MP (1) 9,6 2,61 DR (1) 4,4 1,34 MP (2) 8,5 3,00 DR (2) 2,25 1,71 MP (3) 10,4 1,52 DR (3) 3,4 2,41 CM (1) 7,2 3,42 MN (1) 6,4 3,65 CM (2) 8,25 1,50 MN (2) 5,75 1,71 CM (3) 10,8 0,84 MN (3) 6,4 0,89 PI (1) 3,6 1,82 AF (1) 2,4 2,07 PI (2) 3 1,41 AF (2) 2,25 2,06 PI (3) 1,2 1,30 AF (3) 3,4 2,70 0,282 0,085 0,223 p 1 0,292 0,526 0,670 Nota: (1) os filhos respondem em relação à mãe, (2) os filhos respondem relação ao pai, e (3) autoaplicação, em que os pais respondem sobre sua forma de educar os filhos, no grupo de TDAH do tipo predominantemente desatento. Práticas educativas (PE): MP (Monitoria positiva); CM (Comportamento moral); PI (Punição inconsistente); Neg. (Negligência); DR (Disciplina relaxada); MN (Monitoria negativa); AF (Abuso físico). Discussão Neste estudo piloto, foram investigados os estilos parentais e as práticas educativas de pais de crianças com TDAH dos tipos combinado e predominantemente desatento. Os dados resultantes do Inventário de Estilos Parentais (Gomide, 2006) demonstraram, segundo o teste Mann-Whitney, que o TDAH do tipo combinado em crianças quando comparado ao predominantemente desatento está associado a diferenças na prática educativa denominada punição inconsistente, que, na percepção dos pais, é significativamente maior, no manejo dos filhos com TDAH combinado quando comparado aos filhos com TDAH desatento. Em relação à punição inconsistente, sabe-se que a falha em se usar eficazmente a punição é a principal característica dessa prática educativa. Então, este resultado pode ser justificado pelo fato de que o comportamento hiperativo dessas crianças pode estimular punições pouco eficazes, com a presença de um estilo parental regular abaixo da média quando comparado ao estilo parental ótimo para o grupo desatento. A punição inconsistente caracteriza-se pela punição dependente do humor dos pais e não em contiguidade ao comportamento da criança. Desta maneira, havendo inconstância nas consequências do comportamento do filho, este não sabe como agir e aprende mais a discriminar o humor dos pais do que a agir de forma correta. A permanência do Aletheia 33, set./dez. 2010 13 comportamento indesejado também é uma consequência da punição inconsistente, já que ora é punido, ora não (Gomide, 2003). No que concerne à prática denominada monitoria positiva, também foi verificada uma diferença quanto à percepção dos pais em relação ao modo como educam os seus filhos quando comparada à percepção dos filhos em relação ao pai, no grupo com TDAH do tipo combinado. A monitoria positiva, definida como o conjunto de práticas parentais envolvendo atenção e conhecimento dos pais acerca do local onde o filho se encontra e das atividades que são desenvolvidas pelo mesmo, apresentou-se, na percepção dos pais, significativamente maior no manejo dos filhos quando comparado ao que os filhos respondem em relação ao pai (Dishion & McMahon, 1998; Gomide, 2003; Stattin & Kerr, 2000). A falha na monitoria positiva é uma das variáveis responsáveis pelo desenvolvimento do comportamento agressivo na criança, e sua presença é um dos fatores facilitadores para o desenvolvimento da sociabilidade (Salvo, Silvares & Toni, 2005). Grych, Seid e Fincham (1992) sugeriram que a presença de conflitos hostis e agressivos estaria mais relacionada a problemas externalizantes, como o TDAH. Uma revisão atual discute como os prejuízos sociais e emocionais envolvidos no TDAH afetam a qualidade de vida de crianças e adolescentes e suas famílias (Wehmeier, Schacht & Barkley, 2010). Segundo Gomide (2003), pais que exercem adequadamente a monitoria positiva tendem a ter elevado repertório de habilidades sociais. Por outro lado, a falta de monitoria positiva paterna leva a déficits na sociabilidade da criança. Para Del Prette e Del Prette (1999), as habilidades sociais estão ligadas ao desenvolvimento saudável de crianças, já que em um ambiente familiar onde se faça uso dessas, provavelmente se desenvolvem crianças com adequado repertório de habilidades sociais, que são imprescindíveis para uma boa sociabilidade. Conforme os resultados do presente estudo, as crianças com TDAH do tipo combinado têm a percepção de que a monitoria positiva paterna é menos eficiente, seguindo um perfil de estilo parental de risco, quando comparado ao estilo parental regular acima da média segundo a percepção dos próprios pais. Estes achados apontam para a tendência de os pais perceberem a si mesmos como mais responsivos do que os filhos os percebem. Tendo por base esta discrepância entre a percepção dos pais e das crianças em relação à educação, ressalta-se a importância de saber não apenas o que fazer para educar bem, mas também de que forma o que está sendo feito é interpretado pela criança. Quando o estilo parental é de risco ou regular abaixo da média, ou percebido desta forma, é aconselhada a participação em grupos de treinamento de pais ou em programas de intervenção terapêutica para pais com dificuldades em práticas educativas nas quais possam ser enfocadas as consequências do uso de práticas negativas em detrimento das positivas (Gomide, 2006). Além disso, é importante avaliar o que é da percepção dos filhos e o que é verdadeiro. Pode-se trabalhar a percepção da criança e o papel dos pais nesta percepção. Desta maneira, o surgimento de problemas comportamentais e emocionais em crianças tem motivado o desenvolvimento de intervenções dirigidas aos pais, tais como o treinamento de pais (Coelho & Murta, 2007). O treinamento de pais está fundamentado na premissa de que a falta de habilidades parentais é, pelo menos parcialmente, responsável pelo desenvolvimento 14 Aletheia 33, set./dez. 2010 ou manutenção de padrões de interação familiar perturbadores e, consequentemente, de problemas de comportamento nos filhos (Marinho, 2005). Por essas razões, os pais são, usualmente, o principal agente de mudança no processo terapêutico de seus filhos, atuando como mediadores entre a orientação profissional e a implementação de contingências favoráveis à mudança da criança em seu ambiente natural (Caminha & Pelisoli, 2007). Em termos gerais, este estudo objetivou compreender melhor os estilos parentais e as práticas educativas de pais de crianças com TDAH. Foram levantadas questões acerca de práticas educativas e estilos parentais em crianças com TDAH do tipo combinado e predominantemente desatento, demonstrando algumas diferenças entre os subtipos e entre a percepção dos pais e das próprias crianças. Por outro lado, o estudo apresentou limitações como o amplo intervalo de idade das crianças (9-12 anos) e a presença de ambos os gêneros na pesquisa, uma vez que diferentes fases de desenvolvimento e gêneros requerem diferentes manejos parentais. Com este estudo, pretendeu-se contribuir para o entendimento da interrelação entre pais e filhos neste contexto, além de fornecer embasamento teórico para intervenções preventivas e de tratamento, como é o caso do treinamento de pais. Pode-se pensar que para o adequado desenvolvimento de crianças com TDAH, muito ainda pode ser feito no sentido de melhorar o relacionamento entre pais e filhos. Referências American Psychiatric Association. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-IV-TRTM. Porto Alegre: Artmed. Barkley, R. A., Shelton, T. L., Crosswait, C., Moorehouse, M., Fletcher, K., Barrett, S., Jenkins, L., & Metevia, L. (2002). 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Endereço para contato: [email protected] Aletheia 33, set./dez. 2010 17 Aletheia 33, p.18-29, set./dez. 2010 Experiências de vida e os processos de visibilidade social de mulheres que amam mulheres Yáskara Arrial Palma Aline da Silva Piason Ana Cláudia Menini Bezerra Marlene Neves Strey Resumo: O presente estudo apresenta reflexões acerca de duas pesquisas, que tiveram como objetivo conhecer as experiências de vida de mulheres que amam mulheres, e mais especificamente de conhecer a percepção das mesmas quanto à sua orientação sexual e os enfrentamentos quanto à visibilidade ou invisibilidade dessa orientação sexual na família e sociedade. Ambas as pesquisas tiveram um delineamento qualitativo, diferenciando-se quanto à forma de análise dos dados. As participantes dos estudos foram respectivamente oito mulheres que se identificam como lésbicas, com idades entre 22 e 44 anos, residentes na capital do estado e seis com idades entre 22 e 33 anos, residentes no interior do estado, totalizando 14 entrevistadas. Para compor o corpus do estudo, as entrevistas foram gravadas e transcritas e para sua análise, o primeiro estudo utilizou o método da análise de discurso e o segundo, o método da análise de conteúdo. Os resultados apontam que tanto no interior, quanto na capital, as vivências dessas mulheres se assemelham e que apesar de estar havendo uma mudança social na forma de pensar e agir diante da homossexualidade feminina, essa parece ser ainda lenta e gradual. A partir de um olhar dos estudos de gênero, considera-se que a sociedade, ainda predominantemente heterossexista e patriarcal, necessita ampliar seus espaços para expressão da diversidade e investir em esforços para mudança desse paradigma. Palavras-chave: Gênero; lésbicas; família. Experiences of life and the process of social visibility of women who loves women Abstract: The present study presents a reflection concerning two researches that have had as an aim, a way of knowing the processes of recognizing the life experiences of women who love women, and more specifically to know the perception of these women in relation to their sexual orientation and encountering visibility or invisibility of the sexual orientation in family and society. Both researches have had a qualitative delimitation, differing from each other in the way of data analysis. The participants of the studies were eight women, who identify themselves as lesbians, with ages between 22 and 44 years old, living at the suburb of the state, Rio Grande do Sul and six women with ages between 22 and 33 years old, from the inner city, totaling 14 interviewees. To take part on the corpus of the study, the interviews were taped and transcribed for the analyses, on the first study it was used the method of discourse analyses, and the second the method of content analyses. The results show that at the country side and at the capital, the experiences of these women are similar, and show that apart from having a social change at the ways of thinking and perceiving female homosexuality, it still is a slow and gradual process. From a gender studies point of view, it is considered that society still is predominantly heterosexist and patriarchal, needing to enlarge its spaces for the expression of diversity and investment in efforts to a change of paradigms. Keywords: Gender, lesbians, family. Introdução O artigo apresentado é produto do encontro de reflexões presentes em duas pesquisas que tratam da mesma temática, que é conhecer as experiências de vida de mulheres que amam mulheres, e mais especificamente de conhecer a percepção das mesmas quanto à sua orientação sexual e os enfrentamentos quanto à visibilidade ou invisibilidade dessa orientação sexual na família e sociedade. Os dois estudos referem-se respectivamente a uma pesquisa de mestrado realizada na PUCRS, com a participação de oito mulheres que se identificam enquanto lésbicas residentes na capital do Rio Grande do Sul, com idades entre 22 e 44 anos. O outro estudo trata-se de um trabalho de conclusão de curso na UCS, realizado em uma cidade do interior do estado, com a participação de seis mulheres que também se autoidentificam enquanto lésbicas, com idades entre 22 e 33 anos. A integração dos dois estudos possibilitou que ampliássemos a compreensão do universo dessas mulheres e alcançássemos com maior eficácia os objetivos propostos. No trabalho desenvolvido por Marlene Strey (2004), foram levantadas hipóteses, a partir de pesquisa realizada por Eicher (1978), de que as mulheres, em um período pré-histórico datado entre os anos 12.000 e 8.000 ac, poderiam ter vivenciado e gozado de plena liberdade sexual. Porém, tal fato permanece como hipótese sem comprovação. O que se reconhece historicamente é a presença do controle e da repressão dos impulsos sexuais femininos, principalmente diante do modelo proposto de uma família patriarcal, transformada em pilar de nossa sociedade. O que percebemos, então, é que essa visão misógina tem sido perpetuada na história da humanidade e transmitida de geração em geração até os nossos dias. Ainda segundo Marlene Strey (2004), as mulheres foram historicamente descritas e narradas a partir da representação, dos desejos e do imaginário masculino. Seu corpo se produz nesse imaginário e adere às práticas que se articulam em espaços definidos, ritmos, formas de se vestir, gestos, olhares permitidos e proibidos. É fruto de um contexto social, que cria, esquadrinha ou exclui. Fixadas em seus corpos e suas produções, as mulheres simbolizam a reprodução humana e a afetividade. Aparecem, durante muito tempo, não como sujeitos, mas como seres apropriados e utilizados socialmente frente ao poder e à dominação masculina. Assim, permanecem silenciadas no mundo da vida privada e familiar, sendo impossibilitadas de expressar outras formas de criação (Colling, 2004; Strey, 2004; Swain, 2008). Garcia (2003) realizou uma pesquisa em Florianópolis com 10 mulheres que mantinham a prática sexual com outras mulheres, mas se identificavam como heterossexuais, por também possuírem parceiros sexuais do sexo oposto. Os resultados apontaram que a primeira experiência sexual com outra mulher ocorreu, para grande parte delas, aos 24 anos (40%) sendo esta descrita por 40% das participantes como razoável e por 60% como ótimo, apesar da sensação de estar fazendo algo errado. Para 60% das participantes a vida sexual era considerada ruim, tendo em conta somente o relacionamento heterossexual. Esses dados nos remetem à heteronormatividade, referenciada por Rich (1980), que ainda é vigente na contemporaneidade. Muitos gays e lésbicas não conseguem viver de Aletheia 33, set./dez. 2010 19 maneira plena seus desejos em função do estigma que carregam por fazerem parte de uma posição “desviante”, pois uma orientação sexual diferente da esperada por vezes ainda é vista como patológica. Esse fato intensifica-se quando é proveniente de profissionais das ciências psicológicas e/ou de instituições tais como escola, igreja, representativos da sociedade. O estigma prevalece apesar de em 1993 a Organização Mundial de Saúde ter retirado a homossexualidade de sua lista de doenças. Diversos estudos, como o de Heilborn (2004), vêm sendo realizados com o propósito de romper este estigma. A autora, ao falar sobre o par igualitário enfatiza a importância do companheirismo e da amizade na relação, sem esquecer a dimensão sexual. O casal de mulheres aparece bastante marcado por um intenso companheirismo, com forte ênfase no apoio psicológico mútuo, deslizando da conjugalidade para a amizade. Porém, temos que ter presente que não existem identidades nem papéis fixos, logo essas reflexões não dizem respeito a todo o universo de mulheres que se identificam como lésbicas. Portinari (1989) comenta que o discurso da homossexualidade funciona como crítica e ultrapassagem do sentido estabelecido, apontando para a intraduzibilidade da ideia de lesbiandade e da ideia de mulher em geral. Tal ideia é corroborada por Swain (2004) dizendo que não há uma sexualidade lesbiana, pois não há um modelo a ser seguido. Há uma busca e um conhecimento do próprio corpo, que é utilizado no prazer de outrem e de si mesmo. McGoldrick (1995) sinaliza, a respeito de revelar a orientação sexual, que o relacionamento com a comunidade provavelmente será influenciado pela questão do tornar público. Esse é outro importante ponto para os casais de lésbicas, que precisam lidar com a consequente perda de status em resultado de sua orientação sexual. Marvin e Miller (2002) apontam que a decisão de ser franca, seja com um membro da família, amigos (as) ou colegas de trabalho, traz consigo o risco de perigo sempre presente para si mesma e para as pessoas amadas. No caso das mulheres, com o revelar do segredo, devem ainda ter uma cautela dupla contra aqueles (as) que as desvalorizam como lésbicas e também como mulheres. Mott (1987) afirma que são poucas as homossexuais que conseguem a maturidade da autoaceitação e que chegam a revelar a sua inclinação homossexual para os familiares ou colegas. Por outro lado, a grande maioria das mães que têm filhas lésbicas assumidas espera que aconteça uma mudança de orientação sexual e são poucas as famílias que aceitam e convivem bem com um de seus membros que possua orientação homossexual. O que está mais presente é a intolerância e o inconformismo constituindo a família, para a grande maioria das lésbicas, a principal preocupação, seja como fonte de repressão, seja como cobradora de compromissos sociais heterossexuais. As famílias de origem, na maior parte das vezes, operam a partir de uma crença de que todos os filhos serão heterossexuais e crescerão seguindo estilos de vida e experiências heterossexuais. Amigos (as) da família, das mães e dos pais e da própria criança (mesmo essa sendo gay ou lésbica) são escolhidos (as) sobretudo, com base no ajuste a um modelo heterossexual, além das interações ocupacionais e sociais estarem baseadas em um plano de vida heterossexual (Sanders, 1994). No entanto, estamos percebendo uma mudança social com o aumento da visibilidade lésbica, assim como apresentado no estudo de Borges (2005). Segundo a autora, esta 20 Aletheia 33, set./dez. 2010 visibilidade passou a existir em função das contribuições dos movimentos feministas e da mídia. Destaca que a percepção da mulher como sujeito histórico e sexual está intimamente ligada à intensificação das lutas feministas, algo que ocorreu a partir do século XX. Mais especificamente, as décadas de setenta e oitenta são consideradas marcos na história do feminismo brasileiro. A partir deste período, aumentou a participação de mulheres autodeclaradas lésbicas e feministas, que pressionaram o movimento para a discussão da lesbiandade como pauta dos direitos sexuais. Nesse sentido, reconhecemos a importância em visibilizar essa multiplicidade e diversidade, revelando as vivências pessoais, as relações familiares e sociais de mulheres que amam mulheres. Para alcançar este objetivo, consideramos que os estudos de gênero podem se mostrar uma ferramenta importante nessa tarefa, devido ao fato da abordagem de gênero ser amplamente reconhecida como facilitadora na produção de novos questionamentos para os estudos das mulheres. Promovem ainda, importantes contribuições para desnaturalizar preconceitos (Narvaz, 2005; Pereira, 2004). Diante desta perspectiva, os estudos de gênero, apoiados em teorias pós-estruturalistas (Butler 1998, 2003; Nicholson, 2000; Rago, 1995/1996; Scott, 1990), procuram romper esta perspectiva essencialista e heteronormativa ao se propor contemplar e resolver o dilema binário do sistema sexo-gênero, ou seja, entre o natural (corpo) e o cultural (Narvaz, 2005; Pereira, 2004). Desta forma, o gênero se constituiu em um campo de estudos de concepções relacionais, fazendo emergir problematizações de outros sujeitos, uma vez que, nas últimas décadas esse campo tem descortinado e incluído outros sujeitos, como os homens, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais (Pereira, 2004). Os estudos que tratam dessas questões acabam rompendo com as normas heteronormativas ainda presentes na contemporaneidade e colaboram para que as lésbicas sejam cada vez mais visibilizadas. Pensando nisto, este artigo pretende contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, pois dá subsídios para reflexões acerca das experiências de vida e os processos de visibilidade social de mulheres que amam mulheres. Método O presente artigo apresenta reflexões acerca de duas pesquisas que investigaram questões relacionadas às experiências de vida e os processos de visibilidade social de mulheres que amam mulheres. Estas foram realizadas nas cidades de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, e de Caxias do Sul, situada no interior do Estado. A primeira pesquisa partiu de uma dissertação de mestrado em Psicologia Social (PUCRS) e a segunda se originou de uma monografia de conclusão da graduação em Psicologia (UCS). Estes estudos tiveram um delineamento qualitativo, diferenciando-se quanto à forma de coleta e análise dos dados. As participantes dos estudos totalizaram 14 mulheres homossexuais. Foram, respectivamente, oito mulheres que se identificam como lésbicas, com idades entre 22 e 44 anos, residentes na capital, e seis com idades entre 22 e 33 anos, residentes no interior do estado. Aletheia 33, set./dez. 2010 21 Procedimentos de coleta de dados Para a obtenção dos dados dessas pesquisas foram utilizadas como recurso, na primeira pesquisa, entrevistas narrativas, e na segunda, entrevistas semiestruturadas. Ambas entrevistas abordaram questões sobre a visibilidade social e as experiências de vida dessas mulheres com o enfoque das teorias feministas de gênero. No primeiro estudo as entrevistas ocorreram nos meses de junho a novembro de 2008 e na segunda, no mês de setembro de 2006. O contato com as participantes foi por meio de indicações, utilizando a técnica “Snowball Sampling” (amostragem por bola de neve) e teve como ponto de partida o contato com ONG’s que defendem a livre expressão sexual, na cidade de Porto Alegre, e no interior se deu a partir da rede de relações da pesquisadora. O uso dessa técnica é sugerida em pesquisas anteriores (Cechin, 2005; Numan, 2003; Víctora, Knauth & Hassen, 2000), pois envolvem participantes que geralmente convivem em grupos cujos membros se conhecem entre si, como as comunidades de gays e lésbicas, e também pela dificuldade de identificação destas pessoas, uma vez que muitos ainda optam por invisibilizar sua orientação sexual. A aplicação das entrevistas ocorreu nas residências e locais de trabalho, conforme disponibilidade e preferência das entrevistadas. As entrevistas narrativas tiveram em média quarenta minutos de duração e as entrevistas semiestruturadas, em média de vinte minutos. A entrevista narrativa é indicada para pesquisas qualitativas, por ser considerada não estruturada e de profundidade. A ideia básica é reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva da informante (Jovchelovitch & Bauer, 2002). A entrevista narrativa necessita de uma situação que encoraje e estimule a entrevistada a contar a história sobre os acontecimentos de sua vida e seu contexto familiar e social. Portanto, a pesquisadora solicitou que as participantes relatassem suas experiências no processo de se reconhecer lésbicas, bem como suas vivências quanto à sua orientação sexual e a visibilidade social. A entrevista semiestruturada permite que a entrevistadora explicite algumas questões no curso da entrevista, apesar de haver um roteiro prévio de questões a serem investigadas, reformulando-as para atender as necessidades da entrevistada. A flexibilidade deste tipo de entrevista possibilita um contato mais intimo entre a entrevistadora e a entrevistada, favorecendo assim a exploração em profundidade de seus saberes, bem como de suas representações, crenças e valores (Laville & Dionne, 1999). Assim, no segundo estudo o roteiro versou sobre as vivências pessoais e familiares e as possibilidades de visibilidade social quanto à orientação sexual. Análise dos dados Os estudos apresentados também se diferenciavam quanto à análise dos dados. No primeiro estudo, utilizou-se o método de análise de discurso e no segundo estudo, utilizou-se o método da análise de conteúdo, segundo Bardin (1977). A análise de discurso é o nome dado aos diferentes enfoques no estudo de textos. Existem várias análises de discurso, porém todas partilham da questão da importância central do discurso na construção da vida social (Gill, 2002). No primeiro estudo foi 22 Aletheia 33, set./dez. 2010 utilizada a análise de discurso baseado nas teorias feministas de gênero (Butler, 2003; Louro, 2007) que apontam para uma reflexão sobre a heteronormatividade ainda vigente em nossa sociedade, interrogando os discursos presentes nas falas das entrevistadas, perguntando-se de que modo a linguagem é produzida e produz sentidos, determinando a existência daquele enunciado. Já a análise de conteúdo, segundo Bardin (1977), é um método empírico, dependente do tipo de fala a que se dedica e ao tipo de interpretação que se pretende como objetivo. Este método de análise foi escolhido no segundo estudo a fim de estudar e analisar material qualitativo, buscando-se melhor compreensão da comunicação e aprofundando suas características ideológicas, além de extrair os aspectos mais relevantes das falas das entrevistadas. Após as análises das informações obtidas, foi possível discutir os resultados e fazer um entrelaçamento entre estes estudos por se tratarem da mesma temática, possibilitando expandir a compreensão do fenômeno e chegar a algumas considerações apresentadas nesse artigo. Considerações éticas Os estudos tiveram aprovação nos Comitês de Ética em Pesquisa tanto da PUCRS quanto da UCS de acordo com Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a autorização da coleta e análise dos dados, cientes que as informações geradas serão divulgadas, via relatório e publicações, seguindo os princípios éticos da pesquisa em saúde. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para a realização da análise das informações, com a preservação do sigilo sobre a identidade das participantes. Resultados e discussão A partir dos entrelaçamentos feitos neste estudo, podemos perceber semelhanças entre as experiências de vida das mulheres da capital e do interior do Estado, através das duas pesquisas realizadas, bem como uma maior caracterização dessas mulheres1 quanto as suas vivências e os processos de visibilidade social. O presente estudo, com o propósito de revelar as experiências vivenciadas por lésbicas, investigou questões relacionadas aos aspectos que levaram a descoberta da lesbiandade, que foi evidenciada nas pesquisas como: atração por mulheres, não ter atração por homens e decepção pelo sexo masculino. Também tiveram participantes que relataram que não houve um fator específico para a escolha da orientação sexual: “[...] minha amizade com essa menina foi ficando cada vez mais intensa, era um amor (Maria). Eu tentei ficar com guris, só que não rolava desejo, mas vi que não era isso que eu queria (Clara). Isso aconteceu naturalmente, não foi um momento que eu decidi fazer isso (Flávia)”. 1 O nome das participantes neste estudo é fictício, mantendo preservado o sigilo de identidade. Aletheia 33, set./dez. 2010 23 Muitas mulheres já se acham diferentes desde crianças, mas só se definem e se sentem homossexuais quando se percebem atraídas sexualmente por pessoas do mesmo sexo (Fairchild & Hayward, 1996). Os achados da entrevista se confirmam com os estudos acima citados, pois algumas participantes referiram a homossexualidade não como uma opção, mas sim como algo que foi se revelando, a partir da percepção de diferenças em relação às amigas: “[...] As minhas experiências com meninas começaram muito cedo. Com uma amiga, uma vizinha de rua, que antes de vir para capital morava no interior, e acho que por brincadeira, como tu brinca de papai e mamãe. Só que aí eram duas meninas, brincando assim... Se for pensar que essa experiência pode ter me orientado para gostar de meninas, aí... até pode ser! (Alice)”. A participante segue comentando: “Eu tenho muito medo de dizer que eu nasci assim, porque a gente não nasce, a gente realmente vai se construindo pelas experiências que tu tem, o lugar onde tu vive, a época...”. Esta fala nos remete à grande feminista Simone de Beauvoir (1949) com sua célebre frase: “não se nasce mulher, torna-se mulher”, ou seja, não há um determinismo, mas algo que vai se construindo socialmente. Em seu estudo, Marlene Strey (2004) mostrou que as concepções femininas de desejo estavam baseadas no imaginário masculino e que seus anseios acabariam sendo condicionados às ideias que partem desta perspectiva, como aparece na reflexão que segue: “[...] desde cedo eu já achava as mulheres interessantes. Algumas mulheres interessantes. Acho bom marcar isso porque existe um senso comum que considera que mulheres que amam mulheres acham todas as mulheres interessantes. Assim, como uma ideia machista de enxergar o mundo, não é?” (Taís). No que se refere aos fatores de visibilidade e invisibilidade social, as participantes das pesquisas relataram que vivenciaram experiências tanto positivas quanto negativas a partir da revelação da orientação sexual. Dentre os aspectos positivos, puderam-se observar questões tais como, felicidade, maior qualidade do relacionamento com a parceira e com suas famílias, possibilidade de ampliação de novos relacionamentos e a possibilidade de novas amizades. Quanto aos aspectos positivos, consideramos que a fala de uma das participantes explicita a discussão feita por Heilborn (2004) sobre o par igualitário destacando a questão do companheirismo evidenciado nos casais do mesmo sexo “[...] então é a troca de carinho, o companheirismo, a mulher se autoconhece, então ela sabe como lidar, então é muito mais fácil tu lidar com a tua companheira” (Maria). Ainda sobre este aspecto, Marvin e Miller (2002) assinalam que casais de lésbicas consideram-se significativamente mais satisfeitas com os seus relacionamentos que casais heterossexuais. Já os fatores relatados como negativos foram principalmente o preconceito e o isolamento: “o preconceito é muito grande, mostrar carinho é muito complicado [...] tem que ficar se segurando pra não fazer alguma coisa, as pessoas ficam olhando reparando [...] (Júlia). Ainda existe muito preconceito, ainda mais aqui no interior, que o povo é mais conservador [...] (Maria). [...] a gente vive num meio bem fechado, é complicado [...] (Paola)”. O preconceito pode ser considerado como uma frustração reprimida e deslocada para grupos mais fracos (Lacerda, Pereira & Camino, 2002). As participantes caracterizam o preconceito como prejudicial para o relacionamento afetivo homossexual, limitando e 24 Aletheia 33, set./dez. 2010 restringindo ações não restritas ao público heterossexual, como segue no diálogo relatado de uma delas com sua prima: “[...] a única coisa que eu queria te pedir era que tu não beijasse ela na nossa frente. Daí eu disse: Com certeza eu não vou beijar, mas eu acho muito estranho tu me pedir isso a medida que eu entro em casa e tu está com teu namorado no sofá, e eu nem sei quem é um e quem é o outro. Então, assim, eu nem estou dizendo que eu vou beijar, mas eu estou dizendo para ti pensar como é complicado tu te privar se tu está a fim de beijar, né?” (Roberta). Autores como Fairchild e Hayward (1996) apontam que a maioria dos gays e das lésbicas enfrentou dificuldades ou reprimiu seus sentimentos, na tentativa de se moldar à sociedade. Essa tentativa gera diversos sentimentos e preocupações como nos é explicitado no relato que segue: “[...] comecei a namorar esse cara aos 21 anos. Aí se passaram 3 anos e com 25 anos eu finalmente decidi o que queria. Eu sou assim, sabe, nunca me preocupei muito, encarei numa boa. Quer dizer, só fiquei preocupada mesmo com o externo, com a minha família, com a opinião deles, se eles iriam me aceitar [...]”(Laura). No momento em que não há mais a repressão, os sentimentos são expostos e a felicidade vem ao encontro dessa liberdade e satisfação com a orientação sexual. Além do preconceito da sociedade, muitas lésbicas também sofrem o preconceito advindo da família de origem, o que torna ainda mais penosa a revelação de uma orientação sexual diferente da esperada, como constatamos nos relatos: “[...] queria que eu desse neto. Ela queria muito ter netos. Foi uma experiência que, eu lembro que no início foi quando eu ainda era adolescente, imatura e tal, essas coisas ainda me tocavam, me preocupavam, fazia pensar se era mesmo isso o que eu queria? Mas na verdade eu tava transferindo as coisas, muito preocupada com a minha mãe, com a vontade dela e não comigo. Mas a minha vontade prevaleceu” (Laura). Esse preconceito também pode implicar as questões de autoaceitação, uma vez que provoca sentimentos de exclusão e estranhamento, como na declaração a seguir: “A minha irmã até falou: porque tu vai noivar com esse cara se não é isso que tu quer? A minha irmã já sabia, entendeu? As pessoas já enxergavam isso em mim. E eu lutei contra, na verdade contra o preconceito. Eu lutei contra o meu preconceito mesmo. Tava me forçando e não era o que eu queria, não era o meu desejo” (Priscila). Mott (1987) comenta que são poucas as lésbicas que atingem a maturidade da autoaceitação e que chegam a revelar a sua orientação homossexual para os (as) familiares e/ou colegas. As falas a seguir são representativas da reação negativa que muitas famílias podem apresentar, denotando o preconceito vigente na sociedade: “Olha, ela ficou um pouco assustada, meio sem saber o que me dizer” (Júlia) “Escutei muitas coisas deles horríveis, tentei me expressar, só que não conseguia, foi bem ruim, o clima ainda não tá muito agradável [...] foi muito cruel” (Flávia) “A primeira coisa foi ela começar a chorar, eu lembro até hoje, ela disse ‘onde foi que eu errei?’” (Maria). Revelar sua orientação sexual para além das relações familiares torna-se uma experiência ainda mais desafiadora, pois há o medo da perda de emprego, do isolamento social e segregação, tal como se apresenta nos relatos: “[...] aí nos diziam: tem que ser mais discretas, porque vocês vão ser prejudicadas. [...] vocês tem que se darem conta que vai ser uma escolha muito difícil, que talvez nem consigam trabalhar. E quem é que vive uma situação sem poder se manter?” (Roberta). “[...] o único lugar que eu não me Aletheia 33, set./dez. 2010 25 exponho de verdade é no meu trabalho. [...] é difícil de abrir, é difícil porque diariamente a gente escuta piadinhas, de ficarem debochando mesmo” (Priscila). Todavia, como refere Borges (2005), é possível identificar a existência de uma maior visibilidade a partir das contribuições dos movimentos feministas e da mídia. Tal fato é igualmente reconhecido pelas participantes: “[...] se eu tivesse nascido hoje, certamente não seria a mesma coisa, é uma época totalmente diferente. Hoje tu tem a representação na mídia que eu não tive. Hoje se tu pega uma criança de 5 anos e pergunta o que é uma lésbica, ou o que é um gay, ou o que é um travesti? Ela te explica, porque isso aparece na televisão, no filme, na novela. A minha geração não teve isso.” (Rosa). A visibilidade social e a repercussão na mídia auxiliaram também no entendimento por parte das famílias, em relação a seus membros com orientação sexual gay ou lésbica. A participante a seguir exemplifica uma maneira positiva em relação à família lidar com a lesbiandade da filha: “Normal, como um casal hetero, eles lidam com a gente, minha mãe gosta muito dela também, trata como uma filha, normal” (Clara). Porém, ainda encontramos muito sofrimento relacionado à falta de aceitação e apoio por parte da família: “É um pouco complicado ainda, eles não falam muito sobre isso, eles fogem do assunto, fazem de conta que não é verdade, que eles não sabem...” (Flávia). Apesar de todos os problemas e dificuldades enfrentadas pelas lésbicas frente à família e a sociedade, os sentimentos que se evidenciam nas vozes das próprias participantes são de felicidade e alegria ao estarem vivendo em maior congruência consigo mesmas. Demonstraram, assim como nos estudos de Fairchild e Hayward (1996), que a repressão não tem mais sentido em suas vidas e a felicidade vem ao encontro dessa liberdade e satisfação pessoal com sua orientação sexual: “Eu acho bem bom, assim, ter essa liberdade. E acredito que essa liberdade cresce muito mais dentro de ti do que fora, porque à medida que tu assimila isso pra ti, embora todas as pessoas venham dizer que não é viável, acaba sendo uma ética contigo mesmo, e tu vai assumir ela para ti, aí o resto... sei lá, deixa de ter tanta importância” (Roberta). Contudo, como nos diz Swain (2004) existe um leque extenso de ser lesbiana, de ter visibilidade social, de reivindicar um estilo de vida e resistir às normas. E, assim, este estudo não pretende fazer generalizações, mas proporcionar uma maior visibilidade a essa diversidade de experiências vividas pelas mulheres que amam mulheres. Considerações finais Este estudo possibilitou que continuássemos a reflexão acerca das mulheres que se identificam como lésbicas, tanto na capital do Estado, quanto no interior, através das percepções advindas dos resultados das pesquisas realizadas. As falas das participantes criaram um espaço de intersecção, onde as questões referentes às experiências de vida e à visibilidade social pudessem ser compartilhadas e apresentadas para uma sociedade ainda permeada por preconceitos e estereótipos. Embora morando em cidades diferentes, podemos perceber que os sentimentos das participantes frente ao enfrentamento de ser lésbica possuem grande semelhança, e que mesmo com todos os avanços referentes ao respeito pelos direitos humanos, a sexualidade ainda é controlada por uma heteronormatividade. Porém, essa proximidade também nos 26 Aletheia 33, set./dez. 2010 permitiu visualizar a satisfação expressada por sentirem-se respeitando os seus desejos, satisfeitas em suas relações lesbianas. Também consideramos que a família continua tendo um papel fundamental para a qualidade de vida das participantes. Visto que com a existência do apoio e do carinho da família de origem, em relação à suas orientações sexuais, as participantes sentem-se fortalecidas para irem buscar seus ideais. Se a sociedade condena sua orientação, as mães e os pais dão a segurança necessária para que sigam a luta por seus direitos. Apesar da invisibilidade social passada por muitas lésbicas, do impedimento da expressão dos desejos e afetos e dos rótulos colocados através dos papéis estereotipados, muitos avanços foram conquistados através dos tempos. As mulheres que se identificam como lésbicas articularam-se e organizaram-se através de movimentos sociais, para contribuir com a ampliação do modo de pensar que está ocorrendo na sociedade, mesmo com todos os empecilhos encontrados. Espaços que possibilitam que essas mulheres visibilizem sua causa estão cada vez mais sendo construídos e utilizados de maneira com que homens e mulheres sejam valorizados nas suas diferenças, respeitados (as) na totalidade de seus seres. Para tanto, é fundamental que esses espaços continuem em expansão, seja através de ações propriamente ditas, seja através de produções acadêmicas. A criação de outros estudos, que possam contribuir na visibilidade social das lésbicas é fundamental, para que as realidades possam ser conhecidas e, através desse conhecimento, respeitadas. O “amor que não ousa dizer seu nome”, de Oscar Wilde, acaba ousando a dizer muitos outros nomes e expressões. Nossa sociedade, ainda regida pelo patriarcado, está em momento de ampliação de sentidos, possibilitando que outras maneiras de se relacionar afetivo e sexualmente possam existir. À medida que os estudos com essa mesma temática se ampliam, maior será o espaço conquistado por essas mulheres, pois a visibilidade colabora para que exista uma reflexão em cima do instituído e possibilita que os sentidos possam ser ressignificados. Essa ressignificação vai ao encontro de uma sociedade mais justa, onde a diversidade seja respeitada e todas e todos sejam tratados de maneira igualitária. Referências Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Editora 70. Beauvoir, S. (1949). Le deuxieme sexe. Paris: Editions Gallimard. Borges, L. S. (2005). Visibilidade lésbica: Um comentário a partir de textos da mídia. Sexualidade, Gênero e Sociedade, 1(23, 24, 25), 20-21. Butler, J. (1998). Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do pós-modernismo. Cadernos Pagu, 11, 11-42. Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Cechin, A. F. (2005). 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Marlene Neves Strey: Departamento de Psicologia PUCRS, Professora Titular PUCRS, Bolsista de produtividade CNPq. Endereço para contato: [email protected] Aletheia 33, set./dez. 2010 29 Aletheia 33, p.30-44, set./dez. 2010 Escala de Altruísmo Autoinformado: evidências de validade de construto Valdiney V. Gouveia Rebecca Alves Aguiar Athayde Rildésia S. V. Gouveia Ana Isabel Araújo Silva de Brito Gomes Roosevelt Vilar Lobo de Souza Resumo: Este artigo objetivou adaptar a Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA), reunindo evidências de sua validade de construto. Realizaram-se dois estudos em João Pessoa (PB), nos quais os participantes responderam a EAA e perguntas demográficas. No Estudo 1 participaram 331estudantes universitários com idade média de 20. Por meio de análise fatorial exploratória identificou-se um fator geral de altruísmo com 17 itens, explicando 29% da variância total (α = 0,85; homogeneidade média = 0,29). No Estudo 2 participaram 408 estudantes universitários com idade média de 22 anos. Realizou-se uma análise fatorial confirmatória com os 17 itens saturando em um fator (α = 0,83; homogeneidade média de 0,28), observando-se indicadores de ajuste que confirmaram esta estrutura (GFI = 0,92, RMSEA = 0,058). Comprovou-se que as estruturas fatoriais e os coeficientes de consistência interna foram invariantes através dos estudos, concluindo-se que existem evidências de validade de construto da EAA. Palavras-chave: Altruísmo; escala; validade de construto. Self-report Altruism Scale: Evidences of construct validity Abstract: This study aimed to adapt the Self-report Altruism Scale (SAS), providing evidences of its construct validity. Two studies were carried out in João Pessoa (PB), with participants having answered the SAS and demographic questions. In Study 1 participants were 331 undergraduate students with mean age of 20. A general factor of altruism, with 17 items, was identified by exploratory factor analysis, accounting for 29% of the total variance (α = 0.85; average homogeneity = 0.29). In Study 2 participants were 408 undergraduate students with mean age of 22. A confirmatory factor analysis was performed with 17 items loading on a single factor (α = 0.83; average homogeneity = 0.28), having been observed fit indices that confirmed this structure (GFI = 0.92, RMSEA = 0.058). Moreover, it was observed that the factorial structure and reliability coefficients were invariant across studies. In conclusion, there are evidences of construct validity of the SAS. Keywords: Altruism; scale; construct validity. Introdução No primeiro quarto do século passado, William McDougall (2001/1919) pontuara que o problema fundamental do psicólogo social é lidar com a moralização do indivíduo pela sociedade. Na sua concepção, este indivíduo compreendia uma criatura em que as tendências não morais e puramente egoístas eram tão ou mais fortes que todas as tendências altruístas. O paradoxo inerente às ideias deste autor tem raízes ou sustentação em diversos filósofos e teóricos, alguns advogando a natureza benevolente do ser humano (e.g., Jean Jacques Rousseau, Abraham Maslow, Karl Marx) e outros afirmando que a humanidade é genuinamente má, tendo a sociedade o papel de controlar suas tendências ruins (e.g., Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, Sigmund Freud) (Goldstein, 1983). O mesmo ocorre no cotidiano, uma vez que é possível ficar perplexo ao perceber atos de crueldade e, ao mesmo tempo, admirado quando se identificam atos extremamente generosos (Batson & Powell, 2003; Penner, Dovidio, Piliavin & Schroeder, 2005; Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2009). Durante décadas, antropólogos, psicólogos sociais e sociólogos, além de leigos em geral, têm se inquietado com questões que revelam tendências tanto positivas como negativas no ser humano. Por exemplo, indagam-se acerca de por que e quando as pessoas praticam atos nobres de admirável autossacrifício, ao passo que em outras ocasiões agem de maneira indiferente, ignorando os apelos desesperados de pessoas necessitadas. Neste cenário de questionamentos, parece ter lugar um tipo específico de ato pró-social, por vezes considerado atípico, raro ou extraordinário, que poderia explicar parte dos comportamentos das pessoas, sobretudo no que diz respeito ao autossacrifício, à entrega e às atitudes positivas frente aos demais: o altruísmo (Batson & Powell, 2003; Krueger, Hicks & Mcgue, 2001; Michener, DeLamater & Myers, 2005). Ainda que as implicações do altruísmo para a moralidade, ética, religião e direito sejam seguidas do status de uma atitude genuína, discute-se se este comportamento é verdadeiramente altruísta ou é mais dirigido por motivos egoístas (Rodrigues & cols., 2009). De fato, mesmo diante de debates filosóficos e diversas pesquisas, algumas questões básicas ainda demandam respostas contundentes, como a viabilidade de medir o altruísmo e a adequação dos instrumentos existentes para fazê-lo. Este aspecto motivou os estudos ora descritos, justificando-se em razão da importância do altruísmo para a explicação de comportamentos sociais importantes, como a doação de sangue (Blanca, Rando, Frutos & López-Montiel, 2007; Rushton, Chrisjohn & Fekken, 1981) e a atividade voluntária (Carpenter & Myers, 2007). Neste sentido, procura-se fundamentar a seguir a concepção adotada aqui sobre o altruísmo. O altruísmo: comportamento pró-social motivado e tipo de personalidade O altruísmo foi bastante pesquisado entre os anos 1950 e 1980 (Chacon, Menard, Sanz & Vecina 1998). Segundo Bohannan (1963), este tema ganhou relevância por ser um princípio básico nas religiões que afirmam que o não egoísmo é a virtude humana primária, em contraposição ao egoísmo, que representa a raiz do adoecimento do mundo. O altruísmo também ganhou status na sociedade por ser considerado uma virtude ou um papel desejado e valorizado pelo sistema social (Krueger & cols., 2001). Krebs (1970) afirma que este aspecto do comportamento é relevante em termos de pesquisa científica, capturando, assim, o interesse dos cientistas sociais e tornando-se popular no estudo do comportamento social. Psicólogos discordam sobre uma definição precisa de altruísmo (Goldstein, 1983), mas sabe-se que o comportamento correspondente não pode ser igualado ao pró-social. Este último é mais abrangente e refere-se a todo e qualquer ato que vise à restituição da relação humana ou o benefício de outra pessoa (ou grupo) de forma direta ou indireta, podendo ou não envolver benefícios para o agente (Michener & cols., 2005). Por outro lado, o Aletheia 33, set./dez. 2010 31 altruísmo é tido como um ato pró-social anômalo, ou seja, figura como um tipo específico de comportamento pró-social com uma conotação de raridade, como comportamento atípico, extraordinário (Batson & Powell, 2003; Krueger & cols., 2001). O comportamento de ajuda, por outro lado, além do altruísmo, inclui outros tipos de comportamentos não altruístas ou que não podem ser firmemente identificados como altruístas (Eisenberg, Guthrie, Muphy, Shepard, Cumberland & Carlo, 1999). Há que se diferenciar, ainda, entre o comportamento de ajuda e de doação, embora haja uma grande proximidade entre tais conceitos. Conforme observado em Goldstein (1983), ajudar é prestar qualquer ajuda ou assistência a alguém com um objetivo definido em mente (podendo implicar em ganho externo ou interno); doar designa o ato de fazer uma doação ou contribuição, não necessariamente implicando um comportamento, mas, principalmente, remetendo a coisas materiais concedidas, geralmente a uma instituição de caridade. Quanto ao altruísmo, o aspecto diferencial é que este envolve maior autossacrifício do que ganho próprio evidente. Ou seja, apesar de envolver o comportamento de ajuda e o de doar, o construto supracitado não implica em obtenção de recompensa interna ou externa, evidente ou não (Chou, 1996; Goldstein, 1983). Quanto ao comportamento altruísta, compreende um fim em si mesmo, não sendo direcionado ao lucro; ele é dotado voluntariamente com o propósito de fazer o bem (Rodrigues & cols., 2009). Maner e Gailliot (2007) afirmam que o altruísmo pode ser compreendido como uma ação contemplando três componentes principais: comportamento, atitude e motivação, estando dirigida ao auxílio de outra pessoa. Neste aspecto, assemelha-se a uma atitude, tendo natureza mais efêmera, situacional e dirigida para um contexto específico (Goldstein, 1983), não existindo razão para perdurar ou ser uma característica típica e descritiva de uma pessoa. Entretanto, esta não é a concepção que se assume nesta oportunidade; diferentemente, admite-se um traço de personalidade nomeado como altruísmo. Consoante com a perspectiva adotada, apesar da defesa por parte de alguns pesquisadores de que o altruísmo compreende um fator situacional, Rushton e cols. (1981) destacam evidências que justificam considerá-lo como um traço de personalidade. Isso significa que algumas pessoas são consistentemente mais generosas, prestativas e gentis do que outras, o que faz com que sejam prontamente percebidas e descritas como altruístas. Portanto, observou-se que as pessoas respondem consistentemente (medidas de autorrelato) diversas situações que envolvem comportamentos altruístas, assim como são percebidas por seus pares como agindo deste modo (Krebs, 1970; Rushton & cols., 1981). A presente pesquisa admite esta forma do altruísmo, tratando-o como um traço de personalidade e procurando medi-lo nestes termos. Medidas de altruísmo Com o intuito de medir diferenças individuais no comportamento altruísta, diversos instrumentos foram elaborados (Chacon & cols., 1998), tendo surgido, sobretudo, nos anos 1960 (Heist & Yonge, 1962), 1970 (Mehrabian & Epstein, 1972) e 1980 (Rushton & cols., 1981; Weir & Duveen, 1981). Apesar de existirem alternativas de medir o altruísmo, a exemplo de experimentos pautados na teoria dos jogos (Bekkers, 32 Aletheia 33, set./dez. 2010 2007), tradicionalmente este construto tem sido avaliado por meio de instrumentos de autorrelato (Figueiredo, 2007; O’Connor, 2005). Por exemplo, O’Connor (2005) propôs a Escala de Disposição Altruísta, embora não tenha oferecido detalhamento acerca de sua adequação psicométrica. Figueredo (2007) construiu uma bateria com 199 itens para medir indicadores cognitivos e comportamentais de estratégias de história de vida, organizadas em quatro fatores de altruísmo, segundo o grupo a que se dirigia: filhos, familiares, amigos e comunidades. Entretanto, não apresentou qualquer informação acerca de seus parâmetros psicométricos. A partir de alguns instrumentos previamente elaborados para medir altruísmo, Smith (2006) desenvolveu dois conjuntos de comportamentos desta natureza. O primeiro formado por onze itens gerais (e.g., Deu comida ou dinheiro para um morador de rua; Deu dinheiro para uma instituição de caridade) e o segundo por quatro mais específicos, dirigidos a alguma pessoa próxima ou conhecida (e.g., Ajudou alguém fora da sua casa com trabalhos domésticos ou compras; Ajudou alguém a encontrar um trabalho). Além deste autor não ter apresentado informações sobre a estrutura fatorial desta medida, os coeficientes de consistência interna (Alfas de Cronbach) para os dois conjuntos de itens presumidos foram inferiores a 0,70. Rushton e cols. (1981) criaram um instrumento a respeito, denominado Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA). Embora não seja uma medida recente, ela vem recebendo atenção de diversos pesquisadores, tendo sido empregada em ao menos quatro países (Canadá, China, Estados Unidos e Índia). A propósito, ao realizar uma busca na base de dados do Google Acadêmico (2010), utilizando o termo “Self-report Altruism Scale”, constataram-se 233 publicações em que esta medida foi citada. Não obstante, incluindo o termo equivalente em português, isto é, “Escala de Altruísmo Autoinformado”, não se encontrou qualquer publicação. Isso demonstra que, embora amplamente empregada, esta medida ainda não foi objeto de análise ou foi empregada no contexto brasileiro, justificando a pertinência de adaptá-la e averiguar seus parâmetros métricos. Embora empreender esforços para construir uma escala seja uma possibilidade plausível, parece mais parcimonioso partir de um instrumento já elaborado, procurando conhecer evidências de sua adequação psicométrica. Descreve-se a seguir esta medida. Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA) Trata-se de uma medida de tipo lápis e papel, autoaplicável, composta por 20 itens (e.g., Já ofereci ajuda a um deficiente ou idoso desconhecido para atravessar a rua; Já troquei dinheiro para um estranho), respondidos em escala de cinco pontos, variando de 0 = Nunca a 4 = Muito frequentemente. Este instrumento foi originalmente elaborado no contexto canadense por Rushton e cols. (1981), contando com cinco amostras de estudantes universitários (n1 = 99, n2 = 56, n3 = 118, n4 = 146 e n5 = 192). Sua consistência interna (Alfa de Cronbach) variou de 0,78 (n3) a 0,87 (n4), com coeficiente Alfa médio de 0,84. Observou-se (n1 e n2) que a pontuação total nesta escala não se correlacionou com uma medida de desejabilidade social (r = 0,05), sugerindo que a Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA) não é uma indicação da tendência para responder de modo socialmente desejável. Seus autores consideraram também uma amostra de informantes Aletheia 33, set./dez. 2010 33 (pares, pessoas conhecidas dos respondentes) (n = 416), que preencheram a EAA (Alfa de Cronbach = 0,89) e quatro perguntas globais sobre o quanto a pessoa sob consideração era cuidadosa, prestativa, tinha em conta os sentimentos dos demais e se dispunha a fazer um sacrifício por alguém. A pontuação total da EAA se correlacionou diretamente (n3; r = 0,54, p < 0,001) com o somatório das quatro questões globais. A validade preditiva da EAA foi também avaliada (n4) por seus autores (Rushton et al., 1981). Neste caso, os participantes responderam oito indicadores de altruísmo: (1) ler para uma pessoa cega em resposta a uma solicitação telefônica, (2) participar voluntariamente em um experimento de um pesquisador que necessitava de colaborador, (3) receber curso de primeiros socorros, (4) preencher uma carteira de doador de órgão que é anexada à licença de motorista em Ontário, (5) um questionário medindo “atitudes sensitivas”, (6) medida do traço de cuidado / atenção, (7) uma medida de presteza em cenário de urgência e (8) ter interesse em ajudar. As pontuações na EAA se correlacionaram com uma combinação linear das oito medidas (r = 0,40, p < 0,01), e o fizeram mais fortemente (p < 0,01) com as seguintes variáveis: doação de órgãos (r = 0,25), atitudes sensitivas (r = 0,33) e cuidado (r = 0,28). Além disso, esta medida apresentou validade convergente (n5) com responsabilidade social (r = 0,15, p < 0,01), empatia emocional (r = 0,17, p < 0,01), empatia-fantasia (r = 0,20, p < 0,01), maquiavelismo (r = -0,13, p < 0,05), valor prestativo (r = 0,14, p < 0,05) e julgamento moral (r = 0,16, p < 0,01). Como antes indicado, a Escala de Altruísmo Autoinformado foi também empregada em outros países. Não obstante, não têm sido abundantes os estudos para conhecer suas propriedades psicométricas; tão somente foram identificadas duas versões em que se ofereceram detalhes a respeito: Índia (Khanna, Singh & Rushton, 1993) e China (Chou, 1996). Contudo, mesmo nestes casos não se comprovou sua estrutura fatorial, presumivelmente representada por um fator geral; o único parâmetro citado foi sua consistência interna, com valores superiores a 0,70, resultado corroborado por pesquisadores independentes no Canadá (Mclean, Walker & Matsuba, 2004) e nos Estados Unidos (Krueger & cols., 2001). Em razão da importância do altruísmo para explicar diversas condutas prósociais (e.g., doação de órgãos, doação de sangue, engajamento em condutas próambientais), parece justificável contar com uma medida psicometricamente adequada sobre tal construto. Dentre as medidas existentes na literatura, destaca-se a EAA, cujas informações no Brasil sobre seus parâmetros psicométricos não foram encontradas. Neste sentido, decidiu-se adaptá-la, conhecendo evidências de sua validade de construto (estrutura fatorial e consistência interna). Deste modo, realizaram-se dois estudos, descritos a seguir. Estudo 1. Adaptação da Escala de Altruísmo Autoinformado O objetivo principal deste estudo foi contar com uma primeira versão brasileira da Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA), realizando sua tradução e checando indicadores de sua validade semântica, poder discriminativo dos itens, estrutura fatorial e consistência interna. Portanto, tratou-se de um esforço inicial por reunir evidências de que esta medida pode ser empregada com fins de pesquisa. 34 Aletheia 33, set./dez. 2010 Método Participantes Contou-se com a participação de 331 estudantes universitários de João Pessoa (PB). Estes tinham idades de 17 a 42 anos (m = 20,1; dp = 3,20), sendo a maioria do sexo feminino (53,5%), solteira (90%), declarando-se como de classe média (62,8%) e do curso de Administração (19,6%). Seu nível de religiosidade (m = 3,4; dp = 1,12) se situou acima da mediana teórica da escala de resposta (3; variando de 1 = Nada religioso a 5 = Muito religioso). A maioria afirmou não realizar atividade voluntária (94,2%) ou de caridade (78,5%), e 89,4% deles afirmaram não ser doadores de sangue. Instrumentos Os participantes responderam um questionário composto por duas partes: Escala de Altruísmo Autoinformado. Desenvolvida por Rushton et al. (1981), consta de 20 itens que expressam comportamentos que a pessoa possa ter realizado (e.g., Já doei bens ou roupas para uma organização de caridade; Já segurei um elevador e mantive a porta aberta para que um estranho pudesse entrar). As respostas são dadas em escala de cinco pontos, com os extremos: 0 = Nunca e 4 = Muito frequentemente. Seus parâmetros psicométricos foram previamente descritos. Informações demográficas. Procurou-se incluir no final do questionário perguntas de caráter demográfico: idade, sexo, estado civil, religião, nível de religiosidade, curso universitário e classe socioeconômica autopercebida do participante. Além disso, buscouse levantar informações acerca de atividades altruístas ou voluntárias desenvolvidas, bem como a disponibilidade de se engajar em uma ação genuinamente altruísta: doar sangue a uma pessoa desconhecida, indicando um telefone para contato. Inicialmente, dois psicólogos bilíngues traduziram a EAA do inglês para o português. Em seguida, contou-se com a participação de 16 pessoas do estrato mais baixo da população-alvo (primeiro período de curso universitário), as quais foram solicitadas a ler a versão traduzida, indicando em que medida compreendiam as instruções de como respondê-la, a redação de seus itens e o formato da escala de resposta empregada. Feitas as alterações sugeridas, a versão experimental deste instrumento foi aplicada. Procedimento Realizou-se a aplicação dos questionários em ambiente coletivo de sala de aula, porém demandando a resposta individual dos participantes. Três colaboradores previamente treinados se encarregaram de coletar os dados, permanecendo presentes em sala de aula para dirimir dúvidas sobre a forma de como responder os instrumentos. Os participantes foram orientados a não assinarem ou se identificarem no questionário, assegurando o anonimato de sua participação. Garantiu-se o caráter voluntário de sua contribuição, indicando que poderiam deixar o estudo a qualquer momento sem penalização; todos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esta pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética do Hospital Universitário da Universidade Federal da Paraíba (Protocolo nº 0158). O tempo médio de participação foi de 20 minutos. Aletheia 33, set./dez. 2010 35 Análise dos dados Para a tabulação e análise dos dados foi utilizado o PASW (Predictive Analytics SoftWare; versão 18). Inicialmente, avaliou-se o poder discriminativo dos itens a fim de identificar aqueles mais sensíveis a diferenciar grupos-critério internos, definidos a partir da mediana da pontuação total da escala. Em seguida, procurando conhecer evidências de validade de construto, optou-se por realizar uma Análise Fatorial dos Eixos Principais (PAF), checando a consistência interna (Alfa de Cronbach) do(s) fator(es) resultante(s), além de avaliar a correlação item-total (homogeneidade). Resultados Como primeiro passo, checou-se o poder discriminativo dos itens a partir de gruposcritério internos, verificando se havia algum item que não diferenciava os respondentes com magnitudes próximas no traço latente de interesse (altruísmo). A comprovação foi feita com o teste t de Student para amostras independentes, comparando-se as médias dos grupos inferior e superior (critério da mediana) para cada item; unicamente o item 8 (Já doei sangue) não alcançou o valor crítico esperado (1,96). Contudo, decidiu-se incluí-lo nas análises subsequentes com o fim de observar como se comportava. Posteriormente, procedeu-se à análise PAF, fixando a extração de um único fator, conforme sugerido pela literatura. A partir dos índices Kayser-Meyer-Olkin (KMO = 0,88) e Teste de Esfericidade de Bartlett [χ² (171) = 1400,26, p < 0,001], comprovou-se a adequação da matriz de correlações interitens para a realização deste tipo de análise. O conjunto de 20 itens da EAA apresentou eigenvalue (valor próprio) de 5,50, explicando 29% da variância total; o critério de Cattell (scree plot) corroborou os achados acerca de sua unifatoriabilidade, apresentando este fator um valor próprio que se sobressaiu dos demais, conforme a figura a seguir. Figura 1. Distribuição gráfica dos valores próprios. 36 Aletheia 33, set./dez. 2010 Admitiu-se, assim, a estrutura unifatorial, como descrita na Tabela 1. Tomando em conta para interpretação da solução fatorial os itens que apresentaram carga fatorial (saturação) acima de |0,40|, três itens precisaram ser eliminados: 1 [Já ajudei a empurrar um carro enguiçado (quebrado) de um estranho], 8 (Já doei sangue) e 12 [Já dei carona a um estranho no meu carro (dos meus pais ou amigos)]. A versão reduzida do instrumento, composta por 17 itens, apresentou consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,85. Entretanto, como este índice pode ser afetado pelo número de itens, decidiu-se checar também a homogeneidade da EAA, isto é, a correlação corrigida item-total. Constatou-se, então, que todos os itens apresentaram correlações entre 0,24 (Item 20. Já ajudei um conhecido a mudar de casa) e 0,34 (Item 18. Já ofereci ajuda a um deficiente ou idoso desconhecido para atravessar a rua), com valor médio de 0,29, reforçando o parâmetro psicométrico de confiabilidade desta escala. Tabela 1. Saturações dos itens da Escala de Altruísmo Autoinformado. Saturação 18. Já ofereci ajuda a um deficiente ou idoso desconhecido para atravessar a rua. 0,61 09. Já ajudei a carregar os pertences de um estranho (livros, sacolas, etc.). 0,60 03. Já troquei dinheiro para um estranho. 0,55 14. Já deixei um vizinho, que não conheço muito bem, pegar emprestado algo de valor (por exemplo, ferramentas, eletrodomésticos). 0,55 15. Já comprei cartões de Natal de organizações de caridade só por saber que se tratava de uma boa causa. 0,54 02. Já dei direções ou orientações a um estranho. 0,53 04. Já dei dinheiro para uma organização de caridade. 0,52 19. Já ofereci meu assento no ônibus para um desconhecido que estava de pé. 0,52 16. Já ajudei um(a) colega de classe, que não conheço muito bem, com um trabalho da faculdade quando meu conhecimento era maior que o dele(a). 0,50 10. Já segurei um elevador e mantive a porta aberta para que um estranho pudesse entrar. 0,50 17. Já fui solicitado, voluntariamente, para tomar conta de animais de estimação ou crianças do vizinho sem receber qualquer pagamento em troca. 0,50 07. Já trabalhei como voluntário para uma organização de caridade. 0,47 13. Já mostrei a um balconista (por exemplo, no supermercado, na lanchonete) seu erro por ter me cobrado menos do que eu deveria pagar. 0,46 06. Já doei bens ou roupas para uma organização de caridade. 0,46 05. Já dei dinheiro para um estranho necessitado (ou que me pediu). 0,43 11. Já deixei alguém passar na minha frente em uma fila (na fotocopiadora ou no supermercado). 0,43 20. Já ajudei um conhecido a mudar de casa. 0,42 12. Já dei carona a um estranho no meu carro (dos meus pais ou amigos). 0,36 01. Já ajudei a empurrar um carro enguiçado (quebrado) de um estranho. 0,33 08. Já doei sangue. 0,17 Aletheia 33, set./dez. 2010 37 Em resumo, parecem existir evidências iniciais de validade de construto (estrutura fatorial e consistência interna) da Escala de Altruísmo Autoinformado no contexto brasileiro, mesmo que considerando uma versão reduzida, formada por 17 itens. Não obstante, a natureza das análises realizadas é eminentemente exploratória; resta verificar se os achados descritos podem ser replicados em amostra independente, comprovando a estrutura unidimensional desta medida. Isso é feito no Estudo 2, descrito a continuação. Estudo 2. Comprovação da estrutura fatorial O propósito deste estudo foi comprovar a adequação da versão reduzida da Escala de Altruísmo Autoinformado (EAA), excluindo os itens 1, 8 e 12 da versão original. Especificamente, pretendeu-se checar sua estrutura unifatorial e consistência interna, reunindo evidências complementares de sua validade de construto. Método Participantes Participaram 408 estudantes de universidades públicas e privadas de João Pessoa (PB), tendo idades de 17 a 58 anos (m = 22,0; dp = 6,39). A maioria indicou ser do sexo feminino (60,3%), solteira (83,9%), de classe média (60,1%) e estudante de Psicologia (33,2%). No que diz respeito à religião, eles apresentaram um nível de religiosidade (m = 3,5; dp = 1,17) acima da mediana teórica da escala de resposta (3; amplitude de 1 = Nada religioso a 5 = Muito religioso). Instrumentos e procedimento Os participantes responderam o mesmo questionário descrito previamente, composto pela Escala de Altruísmo Autoinformado e informações demográficas. As instruções sobre como responder estes instrumentos, assim como o procedimento de sua aplicação foram os mesmos descritos no Estudo 1. Análise dos dados Com o fim de reunir mais evidências da validade de construto (fatorial) da Escala de Altruísmo Autoinformado, foi realizada análise fatorial confirmatória (CFA) com o pacote estatístico AMOS (Analysis Moment Strutures, versão 18). Considerou-se como entrada a matriz de covariâncias, tendo sido empregado o estimador ML (Maximum Likelihood). A adequação de ajuste do modelo aos dados empíricos foi avaliada com os seguintes indicadores (Byrne, 2009; Garson, 2010; Hair, Black, Babin, Anderson & Tathan, 2009): • χ2 / g.l. A razão entre o qui-quadrado (χ2) e os respectivos graus de liberdade (g.l.) compreende um indicador “subjetivo” de ajuste, sendo considerado ajustado aos dados o modelo teórico com valores de até 5, porém são ideais aqueles entre 2 e 3. 38 Aletheia 33, set./dez. 2010 • Goodness-of-Fit Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI). O primeiro equivale ao Índice de Qualidade de Ajuste, e o segundo equivale ao Índice de Qualidade de Ajuste Ponderado, tomando em conta os graus de liberdade do modelo em relação ao número de variáveis em questão. Estes indicadores descrevem o quanto o modelo explica a proporção de variância-covariância dos dados, sendo considerados ideais valores iguais ou superiores a 0,90. • Comparative Fit Index (CFI). É um índice de comparação de ajustamento de modelos; valores próximos a 0,90 ou superiores são admitidos como expressando um ajustamento adequado. • Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Este indicador é baseado na análise dos residuais, revelando um índice de “maldade” de ajuste, isto é, quanto mais alto o valor, mais desajustado o modelo. É comumente expresso com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), adotando-se valores entre 0,05 e 0,08 como ideais, embora sejam aceitáveis aqueles de até 0,10. O Pclose é um indicador mais criterioso, testando a hipótese nula de RMSEA = 0,05. Quando seu valor é próximo a zero, rejeita-se esta hipótese, sugerindo ausência de ajuste do modelo. Portanto, é recomendado Pclose > 0,05 como indicativo de modelo ajustado. Resultados Coerente com o modelo teórico proposto por Rushton e cols. (1981) e levando em conta os achados do Estudo 1, previu-se uma estrutura unifatorial, isto é, todos os 17 itens saturando em um único fator. Os indicadores de ajuste observados foram como se descrevem: χ²/g.l. = 2,20, GFI = 0,92, AGFI = 0,89, CFI = 0,88, RMSEA = 0,058 (IC90% = 0,049-0,068) e Pclose = 0,080. Todas as saturações (λ, lambdas) foram iguais ou superiores a |0,38|, com valor médio de 0,49, sendo estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,001). A Figura 2 apresenta um resumo deste modelo. Observando os IMs (Índices de Modificação), constatou-se que os indicadores de ajuste poderiam ser melhorados ao correlacionar dois pares de erros de medida (δ), correspondendo aos itens 4-6 e 2-15. Procedendo desta forma, os seguintes indicadores de ajuste foram observados: χ²/ g.l. = 1,78, GFI = 0,94, AGFI = 0,92, CFI = 0,92, RMSEA = 0,047 (IC90% = 0,036-0,057) e Pclose = 0, 69. Quanto à consistência interna da EAA, calculou-se inicialmente seu Alfa de Cronbach (0,83). Porém, procurou-se igualmente checar a homogeneidade do conjunto de itens, observando-se correlações item-total entre 0,23 (Item 3. Já troquei dinheiro para um estranho) e 0,35 (Item 18. Já ofereci ajuda a um deficiente ou idoso desconhecido para atravessar a rua), cujo valor médio correspondente foi 0,28. Aletheia 33, set./dez. 2010 39 Figura 2. Estrutura Unifatorial reduzida da Escala de Altruísmo Autoinformado. Finalmente, procurou-se checar a invariância das estruturas fatoriais e dos Alfas de Cronbach (α) nos dois estudos. No primeiro caso, tomaram-se em conta as saturações produzidas por meio da análise fatorial exploratória (PAF), solicitando a extração de um único fator com 17 itens; a seguinte equação foi utilizada: rcongruência = (∑ab) / [(∑a²). (∑b²)]½, tendo sido observado um coeficiente correspondente de 0,998. Neste sentido, as estruturas fatoriais podem ser consideradas equivalentes. Com respeito aos coeficientes de consistência interna (α), constatou-se igualmente sua invariância através dos grupos (MH-W = 1,31, p > 0,05) (Kim & Feldt, 2008). Discussão Avaliar o altruísmo como traço de personalidade requer contar com uma medida que proporcione conhecer seus antecedentes e consequentes por meio de múltiplas observações, o que pode ser alcançado tendo em conta escalas psicométricas (Pasquali, 2010). Uma alternativa plausível neste âmbito é a Escala de Altruísmo Autoinformado 40 Aletheia 33, set./dez. 2010 (EAA), que parte da concepção do altruísmo como um traço de personalidade que consiste em prover ajuda ao próximo sem esperar recompensa externa ou interna (Rushton &cols., 1981). Esta escala tem sido utilizada em ao menos quatro países, com mais de duas centenas de artigos citando-as, indicando sua relevância prática e teórica. Diante destas constatações, decidiu-se adaptá-la ao contexto brasileiro, favorecendo o conhecimento dos correlatos do altruísmo neste país. Os resultados sugerem a adequação psicométrica (validade de construto) da EAA, embora pareça pertinente apontar limitações potenciais dos estudos realizados. Especificamente, tratou-se de amostras de estudantes universitários, que não representam a população brasileira ou mesmo a paraibana. Além disso, estas foram de conveniência, não aleatórias, devendo-se, por isso, ponderar a generalização dos resultados. Destacase, no entanto, que não foi o propósito deste artigo generalizar os achados, mas checar os parâmetros psicométricos desta medida. Quanto a esta finalidade, as amostras dos dois estudos atendem o tamanho requerido para análises estatísticas mais avançadas (i.e., mínimo de 200 participantes), como sugerido para a análise fatorial confirmatória (Watkins, 1989). Portanto, parece pertinente discutir os resultados anteriormente descritos. Originalmente, a EAA estava formada por 20 itens (Rushton & cols., 1981). Não obstante, já na análise do poder discriminativo dos itens (Estudo 1) o item 8 mostrouse inadequado, o que foi corroborado na análise fatorial exploratória. Além deste item, dois outros se revelaram igualmente inadequados (1 e 12). Neste sentido, pareceu mais adequado contar com uma versão com 17 itens desta escala. Apesar de menor número de itens, as evidências observadas parecem suportar sua validade de construto, cujos indicadores são indicados a seguir. Estrutura fatorial Apesar de Rushton et al. (1981) considerar sua medida como unifatorial, computando um único Alfa de Cronbach, pouca informação tem sido disponibilizada acerca desta estrutura. De fato, os diversos estudos que vêm empregando a EAA se limitam a apresentar sua consistência interna (Chou, 1996; Khanna & cols., 1993; Mclean & cols., 2004). Neste sentido, o presente artigo contribui ao reunir evidência de sua unidimensionalidade, considerando análises fatoriais exploratória e confirmatória. De forma contundente, emergiu um fator geral (Estudo 1), que logo foi confirmado (Estudo 2); os indicadores de ajuste do modelo unifatorial podem ser considerados adequados (Byrne, 2009; Garson, 2010). Complementando este parâmetro psicométrico (validade fatorial), observou-se coeficiente de congruência alto para o fator geral de altruísmo, acima de 0,90, tal como tem sido recomendado (Reynolds & Ramsay, 2003), indicando sua invariância quando comparadas as saturações nos dois estudos. Consistência interna Os valores dos Alfas de Cronbach observados em ambos os estudos cumprem a rule of thumb, a qual sugere o valor mínimo de 0,70 (Nunnally, 1991). Além disso, apesar do menor número de itens, tais coeficientes foram equivalentes àqueles apresentados nas múltipas amostras do estudo de Rushton e cols. (1981), bem como Aletheia 33, set./dez. 2010 41 em outros estudos em que a EAA foi empregada (Chou, 1996; Krueger & cols., 2001; Mclean & cols., 2004). Destaca-se, igualmente, que este parâmetro de confiabilidade não pode ser atribuído a alguma característica amostral, uma vez que os coeficientes observados foram equivalentes através dos dois estudos (Kim & Feldt, 2008). Reforçando este parâmetro, observaram-se também evidências de homogeneidade do conjunto de itens que foram esta escala, com valores próximos ao 0,30 recomendado (Clark & Watson, 1995). Em resumo, a Escala de Altruísmo Autoinformado reúne evidências de sua validade de construto, isto é, mede o altruísmo como um traço ou uma dimensão da personalidade, revelando que as respostas dos participantes são congruentes (consistentes) através dos itens. Neste sentido, poderá ser adequadamente empregado em estudos para conhecer os antecedentes e consequentes do altruísmo. Porém, estudos futuros são demandados no contexto brasileiro. Por exemplo, seria importante avaliar a estabilidade temporal desta medida (teste-reteste), assim como checar sua validade discriminante com uma medida de desejabilidade social (Gouveia, Guerra, Souza, Santos & Costa, 2009), descartando este traço como um viés de resposta. Finalmente, poderia ser interessante diversificar os participantes, incluindo pessoas da população geral e aquelas inscritas em banco de doadores de sangue; visto que este comportamento tem sido relacionado com o traço de personalidade altruísta (Blanca & cols., 2007; Rushton & cols., 1981), poderia servir como indicador da validade preditiva desta escala. Referências Batson, C. D., & Powell, A. A. (2003). Altruism and prosocial behavior. Em: T. Millon & M. J. Lerner (Eds.), Handbook of psychology: personality and social psychology (Vol. 5, pp. 463-484). New York: John Wiley & Sons. Bekkers, R. (2007). Measuring altruistic behavior in surveys: the all-or-nothing dictator game. Survey Research Methods, 1, 139-144. Blanca, M. J., Rando, B., Frutos, M. A., & López-Montiel, G. (2007). Perfil psicológico de potenciales donantes y no donantes de órganos. Psicothema, 19, 440-445. Bohannan, P. (1963). Social anthropology. New York: Holt. Byrne, B. M. (2009). 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E-mail: [email protected] 44 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.45-55, set./dez. 2010 A Bela e a Fera: uma análise psicológica da personagem Bela Luísa Puricelli Pires Tatiana Helena José Facchin Resumo: Pensando no instigante sucesso do desenho animado “A Bela e a Fera”, da Walt Disney, que teve grande repercussão mundial na época em que fora exibido, este artigo propõe-se a compreender o desenvolvimento psicológico da personagem Bela. Para tanto, algumas cenas do filme foram escolhidas para análise, com o aporte teórico de Sigmund Freud, tendo-se observado, com isso, a transformação ocorrida na vida psicossexual de Bela ao passar do Narcisismo para o Complexo de Édipo e a resolução deste. Foi entrelaçada a seguir, com a colaboração do entendimento de Marie-Louise Von Franz, a aquisição do Feminino por parte da personagem com a importância dos contos de fadas na construção da personalidade das crianças, que, a partir destes, vivenciam de forma lúdica os conflitos inerentes ao desenvolvimento psíquico, facilitando sua elaboração e aumentando sua capacidade de simbolização. Palavras-chave: A Bela e a Fera; Desenvolvimento Psíquico; Contos de fadas. The Beauty and the Beast: A psychological analysis of Belle’s character Abstract: Thinking about the amazing success of the cartoon with great impact worldwide “The Beauty and the Beast”, Walt Disney, this article aimed to understand the psychological development of the character Belle. To this end, some parts of the movie were chosen and analysed, based in the theory of Sigmund Freud, providing an understanding about Belle’s psychosexual life, when she overcame Narcissism and Oedipus Complex. Then it was contextualized, throw Marie-Louise Von Franz, the female’s acquisition of the character along the importance of fairy tales in the construction of children’s personality, that experience in playful way conflicts of the psychological development, leading to a elaboration and empowering its symbolization capacity. Key words: The Beauty and the Beast; Psychological Development; Fairy Tales. Introdução A história “A Bela e a Fera” tem como origem o mito Eros e Psique, sendo esta última publicada no século II d.C., em “Metamorfose de Lucio”, também conhecida como “O asno de ouro”. Tendo estudado ambas histórias e comparado-as, suprimimos essa relação no atual artigo na expectativa de tornar melhor o entendimento do leitor ao comentarmos apenas aspectos referentes ao filme (Tatar, 2004). Enfocamos o conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, na sua versão como desenho animado, imortalizada nas telas em 1991 pela Walt Disney. Este alcançou índices jamais imaginados para um desenho até a época de seu lançamento, incluindo a indicação ao Oscar de melhor filme e diversas versões para o teatro. Esta animação deslumbra pessoas de todas as idades, não apenas pela história em si, mas por todo o enredo que a cerca, revelando conflitos naturais do desenvolvimento humano (Beaumont, 1756/2008). A personagem Bela, nosso foco de estudo, fascinou os telespectadores, pois, além de romper com os paradigmas de submissão da mulher e seu suposto desinteresse pelo conhecimento e pela cultura, mostrava-se uma mulher feminina e doce. Identificamos ainda no filme as mensagens de amizade, na relação dos funcionários do castelo com Bela e Fera, e de amor verdadeiro, no qual a beleza interior predomina em detrimento da aparência física. Por meio de estímulos visuais e auditivos, o filme projeta mensagens ao espectador, através da passagem de conteúdos marginais, de forma que este obtém significados providos por ele mesmo ao imaginar e associar conteúdos reais e fantasiados a partir da comunicação inconsciente que se estabelece nesse encontro tela-atenção. É aí que as pessoas se sentirão mais ou menos incomodadas, comovidas, irritadas, enfim, onde são despertados sentimentos que, muitas vezes, não são passíveis de controle. Utilizando o entendimento de Dieckmann (1986, p.14) sobre o conto de fadas ser similar ao sonho, uma vez que nos contos “acontecem coisas extraordinárias – impossíveis para o pensamento racional – e aí existem monstros, bruxas, fadas e mágicos ou animais falantes”, facilitando a intimidade com o conteúdo latente da história, lembramos a mais instigante contribuição de Freud. “A interpretação dos Sonhos” (Freud, 1900/1980) marcou a virada do século e uma reviravolta no entendimento das questões inconscientes dos seres humanos, influenciando nosso pensamento até a atualidade. Trabalhando aspectos como condensação e deslocamento nos sonhos, ele evidenciou a estruturação do psiquismo e a formação dos sintomas, bem como a ideia de conflito intrapsíquico. O sonho é uma formação inconsciente que busca revelar e reorganizar algum aspecto da vida infantil e cotidiana. No momento do sono, o consciente deixa de agir tão fortemente sobre o ego, permitindo uma passagem de conteúdos até então inimagináveis na vida de vigília. Há um acerto entre as instâncias psíquicas (uma oferece roupagens inofensivas, facilitando à outra aparecer em cena) que promove o devido disfarce daquilo que invariavelmente é uma realização de desejo infantil sexual. Ora, se uma ideia inconsciente aparece no sonho de forma demasiadamente explícita, gera angústia e logo damos conta de acordar, redirecionar o sonho ou esquecê-lo ao despertar (Freud, 1900/1980). Da mesma forma, ocorre esse movimento psíquico quando se assiste a um filme. Ele passa a ser constituído por aquilo que lembramos dele, pela maneira como o fazemos, as cenas escolhidas, as personagens a que damos maior atenção e a forma como o recontamos a outros e a nós mesmos em nossa mente aquela história que muitas vezes nem se sabe por que nos emocionou ou intrigou tanto. E, assim, como os sonhos, os contos de fadas ajudam a elaborar uma situação de conflito, tornando possível ao sujeito analisar as representações feitas anteriormente. Essa possibilidade de fantasiar, montar histórias e imaginar vidas diferentes é ainda mais imprescindível na infância, já que o desenvolvimento do psiquismo depende dessa mobilidade construída pelo pensar. Através dos contos de fadas, portanto, a criança media a relação entre os mundos interno e externo, desenvolve a linguagem por meio do simbolismo e pode se experimentar em diferentes papéis no contexto familiar por meio da identificação com os vários personagens do conto (Radino, 2003). 46 Aletheia 33, set./dez. 2010 Os contos falam por meio de metáforas, nas quais histórias assustadoras podem não ser ameaçadoras; representam situações e símbolos das vivências das pessoas que os ouvem ou assistem e estas estão diretamente implicadas no processo de entender e repassar essas histórias (Alves & Emmel, 2008; Rosa, 2008). Aqui, nós também somos contadoras de uma história e de um entendimento, permitimo-nos uma licença poética, se é que assim podemos chamar, e convidando o leitor a trilhar esse caminho de sonhos e contos de fadas. Tendo sido primeiramente analisado em separado, através da seleção de oito cenas e categorização das mesmas à luz da teoria psicanalítica, agora, neste artigo, está proposto um entendimento mais dinâmico. Partindo do resumo do filme analisado, a seguir trabalhamos a questão do Narcisismo e do Complexo de Édipo. Depois reunimos considerações acerca das relações entre as personagens de um conto e de um sonho, das mudanças cotidianas da vida real e sua relação com a história da Bela e a Fera, bem como a vivência dos contos de fadas na vida das crianças como um lugar de simbologia direta à teoria psicanalítica freudiana. A Bela e a Fera de Walt Disney Em um povoado da antiga França havia uma linda moça chamada Bela, filha de um inventor desacreditado da região. A garota era conhecida por ser a mais bonita da cidade e por isso cortejada por Gaston, que ela esnobou, negando seu pedido de casamento. Durante uma mostra de inventos, o pai da moça se perdeu quando se deslocava para o local da feira. Perseguido por lobos, ele encontrou um castelo escuro e feio, adentrando o recinto para salvar-se. Fera, o dono do castelo, ao perceber o intruso, ficou irado e o tornou seu prisioneiro. Fera, na verdade, era um príncipe egoísta que fora amaldiçoado por uma feiticeira. O castigo dirigiu-se a todos em seu castelo, fazendo os empregados viverem como objetos e ele como monstro. O feitiço tinha um tempo e era contado pelo desabrochar de uma rosa encantada. Se ele aprendesse a amar alguém e fosse retribuído na época em que a última pétala caísse, o feitiço estaria desfeito, senão ele estaria condenado a ser fera para sempre. Sabendo do sumiço do pai, Bela fora levada ao castelo de Fera por seu cavalo Felipe. Preocupada com a saúde do pai, a moça se ofereceu para ficar no lugar dele. Fera concordou com a proposta e o homem, relutantemente, foi mandado de volta à sua moradia. Os serviçais do castelo sugeriram que Fera deixasse Bela em um quarto, em vez de na masmorra, e que se aproximasse dela; porém, brigas sobre a grosseria dele e a teimosia dela apareceram a partir do convívio dos dois, e Bela tentou fugir. Apenas após ser atacada por uma matilha e salva por Fera eles se aproximaram. Ao dizer que se preocupava com a saúde do pai, embora se sentisse feliz vivendo no castelo, Bela foi libertada por Fera. De volta à casa, Gaston prendeu Bela e seu pai, enquanto ele e os outros homens da cidade iam a caminho do castelo, a fim de matar Fera. Durante a briga violenta de Gaston e Fera, Bela chegou com seu pai e Felipe, adentrando o castelo sozinha e impedindo que Fera caísse da torre e morresse. A jovem, desesperada, se debruçou sobre Fera e chorou, declarando seu amor (enquanto a última pétala da rosa caía). Neste momento, o feitiço começou a ser desfeito, Aletheia 33, set./dez. 2010 47 com os objetos voltando a ser pessoas e Fera se tornando príncipe. O castelo ficou branco, a chuva cessou e o dia ficou claro. O casal se beijou e em seguida apareceu dançando numa festa no castelo. O desenvolvimento de Bela: em busca de si mesma Agora que colocamos nosso entendimento sobre a importância dos contos de fadas e dos filmes e o auxílio destes para a resolução de conflitos intrapsíquicos, bem como um resumo do desenho animado analisado, apresentaremos a teoria que embasa nossa discussão durante todo o processo, de forma dinâmica, criando assim um diálogo com o leitor e levando-o a observar o desenvolvimento psicológico da personagem Bela em três aspectos: narcisismo, passagem do feminino e o Complexo de Édipo. No início da vida, a mãe exerce as funções de cuidado com o bebê e seu corpo, provendo sua sobrevivência. É ela quem propicia um espaço de fundação do psiquismo ao transmitir na relação com seu filho, além do leite, o desejo de tê-lo, as expectativas sobre ele e a possibilidade de unir-se a ele como um só, até que seja possível diferenciar as suas necessidades. A genitora, primeiramente, passa a noção de completude, à medida que está ligada a seu bebê de forma simbiótica, e proporciona a ele sentir-se inteiro, perfeito, voltado a si próprio, sem preocupação com a realidade. Aos poucos, contudo, esse narcisismo constitutivo é abandonado; a mãe já não pode mais estar fundida com o bebê, pois ela tem outras funções a desempenhar no laço familiar e social, e seu filho precisa aprender a relacionar-se com esse mundo também (Freud, 1931/ 1980). A mãe exerce ainda a função de passagem do feminino, daquilo que falta, mas pode ser buscado em outro, do mistério de ser dois separadamente e ainda estarem ligados. Essa mulher, se tudo correr bem, ouve o seu filho, responde a ele e lhe apresenta o mundo lá fora; ela não está narcísica com a chegada do filho, achando-se, por sua vez, completa, e nem apática, desvalorizando sua posição de mãe; ela atende quando pode e trata de não deixar seu bebê à mercê da dura realidade desde muito cedo, mesmo que para isso precise da ajuda do marido, da babá ou de sua própria mãe, agora avó; a mãe já tem em si a marca da castração e ensina e impõe regras já nos cuidados de sua criança, evidenciando que a função paterna de corte da relação dual mãe-bebê pode estar internalizada na mulher (Paixão, Decker, Fiorenzano & Ribeiro, 2001). A ambivalência de sentimentos pelo objeto de amor nos adultos seria um resquício dessa etapa do desenvolvimento psíquico, pois a mãe representa tanto a cuidadora como aquela que joga o filho ao mundo. Especialmente em mulheres, cuja troca de objeto é necessária durante o Complexo de Édipo (discutido adiante), esse abandono da experiência simbiótica com a mãe é particularmente complicado (Freud, 1931/1980). Quando esta etapa inicial, pois, não pode ser desvencilhada do corpo do próprio sujeito e da satisfação que provém desse estado simbiótico com a mãe, a libido1 se redirecionaria para o Eu, interessando-se cada vez menos pelos objetos externos, 1 A libido ou energia narcísica seria a energia geral dos impulsos, instituída nessa primeira relação objetal – como conceito teórico só trabalhado por Freud (1980) a partir de 1914, podendo ser vista com este importante papel no desenvolvimento sexual do ser humano. 48 Aletheia 33, set./dez. 2010 modificando assim a realidade a seu bel prazer e, caso se estenda além do período desejável e/ou com demasiada intensidade, configurando as patologias narcisistas e psicóticas (Lagache, 1959). A mãe de Bela não aparece no conto, mostrando-nos, talvez, que o foco do filme realmente seja o conflito edípico. De qualquer forma, arriscamo-nos a falar sobre esses aspectos pré-edípicos da personagem por constituírem um ponto do desenvolvimento psíquico que acompanha o ser humano sempre, não estando, portanto, separado da passagem pelo Édipo. O narcisismo está simbolizado nos comportamentos de Bela no início da história, quando ela deseja uma realidade tão distante da sua, nega pretendentes por achá-los inferiores a ela ou tem sua beleza física reverenciada. Bela canta em uma das primeiras cenas do filme dizendo que desejava mais do que a vida do interior e parecia estar vivendo em um mundo isolado, pois quando passeava no vilarejo estava voltada ao seu livro de contos de fadas e nem percebia o alvoroço que causava nos moradores da cidade, os quais admiravam sua beleza. Pensando no mito de Narciso, fica clara esta paixão por si mesmo e sua aparência física como algo vivido por todos os seres humanos. Ainda que Narciso tivesse Eco amando-o, devido à sua arrogância, nenhuma mulher “parecia bastar à sua vaidade” (Franchini & Seganfredo, 2004). O jovem, então, ao deparar-se com sua imagem sob a água de um rio, liberou todas as pulsões sexuais sobre si e definhou até a morte esperando pelo retorno daquele amor. Para Bettelheim (1980), o palácio da Fera representa as fantasias narcisistas típica de crianças. O castelo negro e vazio, por sua vez, é um “símbolo feminino impessoal, [...] corresponde a um aspecto específico da imagem materna”, referente à relação intrauterina (Franz, 1985, p.74). De forma geral, a maneira como Fera e seus subordinados conquistaram sua donzela foi realizando suas vontades, alimentando o comportamento narcísico desta, como se realizassem a primeira função materna. Nesse ponto, Fera ganha de Gaston, pois ao perceber o interesse da moça por livros, dá a ela uma biblioteca inteira, ao passo que o segundo despreza totalmente esse hábito de Bela. Interessante pensar que Gaston também interpreta uma personagem narcisista, enciumada e egoísta, levado à vingança pelo ego ferido de ter sido rejeitado pela mulher escolhida. E Fera representava inicialmente um outro modelo de narcisismo, conquanto negou ajuda à velha senhora e com isso provocou a punição da transformação. De toda forma, o mito de Narciso mencionado anteriormente reflete bem o que pode acontecer com quem não transfere sua energia do Eu ao mundo exterior, assim como para Bela só seria exequível conquistar seus sonhos quando se libertasse do Narcisismo e do Complexo de Édipo e colocasse seu desejo como algo passível de realização na realidade, amando outra pessoa, outro homem. E ela se esforçará para isso no decorrer da história. Aletheia 33, set./dez. 2010 49 Em busca do Outro A neurose, tendo como fixação principal a fase fálica, em que ocorre o Complexo de Édipo, pode mostrar-nos aspectos muito parecidos como estes que apontamos agora, e por ser realmente muito dinâmico esse desenvolvimento, não poderíamos designar fases específicas sem perder a riqueza do caso. A ideia de Freud (1924/1980) sobre o Complexo de Édipo é a de que ocorreria o despertar dos desejos sexuais da criança, sendo as afeições de uma menina direcionadas para seu pai e as de um menino para sua mãe. Desse modo, surgiriam sentimentos de rivalidade para com o genitor do mesmo sexo, os quais poderiam vir a facilitar o desejo de morte deste. O complexo de Édipo, entretanto, seria um acontecimento inerente à vida mental e organizador da barreira de recalque que leva à criação do superego. Bettelheim (1980) afirma ser o conto “A Bela e a Fera” o que mais clarifica para as crianças que a ligação edípica com os genitores é natural, desejável e acarreta em consequências muito positivas, desde que durante o processo de amadurecimento seja transferido do pai para o ser amado, e, na sequência, se transforme. Podemos pensar que Bela está fortemente ligada a seu pai, não havendo no desenho uma figura materna que lhe pudesse prover um estado de competição pelo amor desse homem e, a partir desta, ser-lhe um modelo de identificação feminina. Em consequência dessa forte relação, toda a presença masculina que não a do pai causalhe medo ou nojo. Na cena em que Gaston vai pedir a mão de Bela em casamento, o repúdio à sexualidade genital pode ser observada. O rapaz adentra a casa da moça e tira as botas, ficando com os pés descalços enquanto descreve sua visão do que seria o casamento deles e tentando beijá-la, ao que ela atira as botas dele para fora da casa, depois de fazê-lo cair em uma poça de lama. Frequentemente, atribui-se ao pé um significado fálico e ao sapato sua contrapartida feminina, símbolo da fecundidade em vários costumes ligados à colheita e ao casamento (Lexikon, 1997). Com isso, percebe-se todo o trâmite por detrás de algo aparentemente inocente e o pavor da menina perante esse comportamento do pretendente de incitar-lhe ao sexo. Com Fera o processo foi diferente, mas no início sua figura animalesca causou medo e repulsa em Bela da mesma maneira. Esse animal que escondia o verdadeiro homem representava tanto as “forças simbólicas sobrenaturais, divinas e cósmicas, como também os poderes do inconsciente e do instinto” (Lexikon, 1997, p.20). Levando mais em conta a parte instintiva, pensemos na sexualidade como parte das necessidades primárias do ser humano como forma de perpetuação da espécie e, portanto, materializada na transfiguração da aparência do príncipe como Fera. E mais, suas vestimentas cor de vermelho e marrom aludem ao amor, à paixão fervorosa e ao erótico (Lexikon, 1997). Por isso, quando, ao se verem pela primeira vez, Fera ergue-se de maneira similar ao órgão genital masculino, imponente, Bela sente medo, pois ele é a representação exata do significado de sexualidade genital, ainda impossível de ser enfrentada por ela naquele momento. Nessa mesma cena da jovem propondo ficar no lugar do pai, Bettelheim (1980) acredita que Bela se une à Fera por amor e preocupação a seu pai, sendo as intenções 50 Aletheia 33, set./dez. 2010 da moça apenas as de ter uma relação assexuada com o animal. Neste momento o pai também deseja manter a simbiose com a menina, pedindo a ela que não fique em seu lugar e implorando à Fera que “poupe” sua filha. Fera, porém, defende o rompimento do Complexo dizendo: “Não tem mais nada com ela”. Em contrapartida, podemos ver Bela com muita força e determinação. Ela monta seu próprio cavalo, algo incomum para a sociedade da época e ainda, sendo cavalo, para Franz (1985, p.286), “força vital completamente inconsciente e espontânea”, podemos pensar nesse duplo que se estabelece nas personagens de buscar a evolução. Afinal, o cavalo levou-a tanto até seu pai quanto à Fera, quando foi salvar cada um deles, no começo e no final do filme, respectivamente. Nesse jogo de aproximação e afastamento, Bela, logo no início de sua estada no castelo, tentou fugir e fora atacada por um bando de lobos, dos quais tentou defender-se, superando seus medos e tomando a iniciativa. Fera chega ao seu encontro, entretanto luta com os animais e a salva, mas fica machucado. Em seguida nesta cena, ela faz menção de subir no cavalo e deixá-lo ali, mas resolve ajudar Fera. Ela parece entender ser necessário abrir mão de alguns interesses narcísicos para tornar realidade um amor, agora podendo ajudá-lo e aceitando seu desejo, já que Fera não lhe parece mais um bicho repugnante, mas uma possibilidade de relação com um homem que não seu pai. Após esse episódio, o vínculo dos dois começa a ter um novo sentido. Fera, com a ajuda dos funcionários do castelo, também amaldiçoados, propõe à Bela um encontro. Eles passeiam pelo jardim e lá brincam com a neve, a qual simboliza “castidade e a intangibilidade virginal” (Lexikon, 1997, p.144), o que nos incita pensar que neste momento Bela ainda está desabrochando para a sexualidade. A seguir, Fera lhe faz uma surpresa, dando-lhe de presente uma biblioteca gigantesca que tem em seu castelo – única peça iluminada e colorida da casa, em contraste com o restante sombrio e amaldiçoado. No momento em que Bela e Fera se encontram na sala, com a lareira acesa, a fim de ler um dos livros da biblioteca, os objetos falantes ali presentes dizem “estamos vendo alguma coisa acontecer”. Zip, a xícara-criança, não entende e pergunta o que acontecera, recebendo como resposta de sua mãe: “Psiu! Eu lhe conto quando crescer!” e eles se retiraram. Avaliando o significado de fogo dado por Lexikon (1997) de ser algo “sagrado, purificador e regenerador; meio de renascimento em uma esfera mais elevada” entendemos haver um entrelace das duas personagens em prol de uma superação dos medos de ambas e uma aproximação física, podendo significar o ato sexual propriamente dito. Neste mesmo dia, Bela e Fera tiveram um jantar em que ambos se arrumam em seus quartos, tornando-se atraentes um para o outro. Após dançarem, Fera perguntou à Bela se ela estava feliz no castelo e esta disse que sim, porém pediu para saber notícias de seu pai. Para facilitar seu contato, Fera lhe deu um espelho mágico no qual ela poderia ver o pai. Sabendo que o mesmo estava perdido e doente, procurando pelo castelo, Fera permitiu que Bela fosse ao encontro do seu genitor, mesmo sabendo que poderia perder todas as chances de desfazer o seu feitiço. A vida no castelo seria para a personagem feminina do conto uma ida ao inconsciente, e a ponte feita entre este e o consciente é simbolizada pela sua volta passageira até o pai Aletheia 33, set./dez. 2010 51 doente (Dieckmann, 1986). O espelho, entretanto, é o elo entre Bela e Fera, e a faz retornar ao ser amado quando os moradores da vila e Gaston vão invadir o castelo. Motivo de redenção e transformação Fera representa de forma significativa as manifestações do inconsciente de Bela, tornando mais fácil, por ser feio e rude, o distanciamento físico entre eles e deixando-a, assim, livre para negar sua sexualidade e manter suas pulsões sexuais voltadas para o pai durante o período inicial do conto, que delineamos como a saída do narcisismo para a entrada no Complexo de Édipo. Franz (1980) ressalta que, nos contos de fadas, sempre uma personagem sofre com uma maldição e comporta-se de um modo destrutivo e negativo, sendo, então, a tarefa do herói salvar a pessoa enfeitiçada. Desse modo é a junção das várias personagens que constitui um psiquismo completo com consciente e inconsciente, ego, id e superego, assim como no sonho. Fera seria, pois, uma parte negada da própria Bela. Inicialmente, as personagens não lidam muito com o problema da maldição, mas, sim, com o método de redenção (Franz, 1980). Primeiramente, Fera adapta-se ao cortejo narcisista – conquistar Bela satisfazendo todos seus desejos – a fim de desfazer o feitiço, seu objetivo maior até o momento. Comparando um ser humano neurótico com uma pessoa enfeitiçada, percebe-se que ambos podem apresentar, durante um período, um comportamento destoante e destrutivo para consigo e para com os outros, estando à mercê desta maldição, sentindo-se sem forças para lutar contra ela. Os temas maldição e motivos de redenção em contos de fadas cooperam com o processo de cura ao gerarem representações de processos instintivos da psique comuns a todos e por isso são bastante frequentes. A redenção é o marco de passagem da personagem de uma história, assim como os humanos têm a menstruação como um ponto de transição da menina para a mulher. Neste momento, o amaldiçoado terá concluído sua transformação, só possível se seu interesse estiver voltado para desmanchar o verdadeiro motivo do seu suplício (Franz, 1980). O castelo negro e vazio, conforme Lexikon (1997, p.48) “pode ser também símbolo de perda e de desesperança” e este é o estado inicial do casal, pois ao propor a troca, Bela percebe que ficará prisioneira para sempre, perderá seu pai e seus sonhos préedípicos, e Fera encontra-se sem forças para vencer sua maldição e encontrar o amor. O castelo é, portanto, um símbolo do luto realizado por todas as pessoas quando abrem mão da onipotência, da bissexualidade e da imortalidade infantis, e é mais um objeto de transformação, ao final da história, quando as fases do desenvolvimento já se encontram todas transformadas por Bela e Fera. No instante em que a lágrima de Bela cai no peito de Fera, ao final do filme, a personalidade dele, representada na transfiguração do seu físico, foi totalmente modificada, embora ele estivesse tornando-se mais dócil e generoso no decorrer do relacionamento com a moça. Esse é o motivo de redenção de Fera. Por outro lado, mesmo a rosa sendo explicitamente o símbolo da maldição do príncipe, podemos entendê-la como uma representação da passagem de Bela pelo 52 Aletheia 33, set./dez. 2010 narcisismo até a aquisição do feminino. O desabrochar da flor representa, segundo Guénon (1993), a própria manifestação do feminino e a cúpula envolvendo-a evidencia a proteção da virgindade de Bela, dos medos e desejos infantis que prevaleciam em sua vida até aquele momento. Sendo assim, a rosa simboliza o despertar sexual e a redenção de Bela perante seus conflitos. A queda da última pétala é o ponto de culminação das mudanças sofridas até então, pois caso esta caísse sem a declaração de seu amor por Fera, o feitiço não seria desfeito. De alguma forma, a maldição também é para Bela, já que todos os acontecimentos se dão conforme ela transpõe seu Complexo de Édipo e entende realmente o significado de amar e ser amada. Pensando, então, nestes aspectos, consideramos as mudanças de vestimenta da moça nos diferentes momentos do filme indícios simbólicos das etapas de seu desenvolvimento psíquico. Inicialmente, usava roupas azul e branca, signo de fidelidade, pureza e perfeição, mas já na cena em que Fera lhe dá de presente a biblioteca de seu castelo e eles sentam-se à lareira, ela usa um vestido rosa, signo do amor e da aceitação do feminino. E na última cena, quando eles dançam no que seria sua festa de casamento, após a dissolução do feitiço, ela usa o seu vestido dourado, signo da “eternidade e da transfiguração”, simbolizando, assim, uma dissolução dos conflitos (Lexikon, 1997, p.16). E viveram tentando para sempre Segundo Bettelheim (1980, p.347), o conto “A Bela e a Fera’ começa com uma visão imatura, propondo que o homem tenha uma existência dualista, como animal e como racional” de forma que Bela, no que seria sua busca inconsciente por Fera, representa partes de uma mesma pessoa e seus conflitos. Desse modo, tanto Bela quanto Fera entra em processo de amadurecimento. Para Bela deixar o pai, precisou, por assim dizer, aceitar este medo ao incesto e tê-lo presente apenas na sua fantasia, até conhecer o homem-animal e descobrir suas verdadeiras reações como mulher. Ela, ao voltar para sua casa a fim de ajudar o pai, constata que seu coração já não pertence mais àquele lugar, e, desta maneira, passa a ter condições de viver um amor não incestuoso com Fera (Corso & Corso, 2006). Isso é elucidado na cena final, em que Fera se transforma em príncipe e uma luz colorida envolve-os enquanto se beijam. A luz poderia ser comparada à libido que foi transferida a outro objeto de desejo através do rompimento concreto do Complexo, sendo o próprio beijo selador dessa transição, “transmissor de força e doador de vida”, aludindo ao erótico, bem como ao sagrado (Lexikon, 1997, p.35). A chuva presente na cena introduz igualmente a ideia de sexualidade superada, sendo considerada o símbolo de fertilidade da terra e das influências psíquicas dos deuses no mundo dos homens (Lexikon, 1997, p.74). E a transformação de noite – irracional, inconsciente e mortífera – em dia – racional, clareza – quando a maldição de todo o castelo se desfaz e tudo volta a ter cor, faz novamente uma referência à mudança de conceitos dos protagonistas do filme e à tomada de consciência (Lexikon, 1997). Ao olharmos o filme do ponto de vista social, vemos claramente o impacto que teve na época em que fora lançado. Bela marca, no transcorrer do conto, a ideia de uma Aletheia 33, set./dez. 2010 53 princesa que se faz tornar. Destemida e corajosa, ela aceitou seu destino de proteger sua família e enfrentou Fera, discutindo ou descumprindo alguma regra imposta por ele. Enquanto Branca de Neve e A Bela Adormecida esperam ser salvas por seus respectivos príncipes, é Bela quem salva o seu física e emocionalmente. Primeiramente, na cena com os lobos, em que ele quase morre devido aos machucados providos do combate com os animais, e depois com o rompimento do feitiço, quando declara seu amor. Em contrapartida, podia de fato conhecer o homem pelo qual se apaixonaria mais tarde, desejando uma relação e não um casamento. O que seria a dissolução do Complexo de Édipo senão o ato de solucionar um feitiço da própria fantasia do sujeito? Daí o imprescindível papel dos contos de fadas na vida das crianças e na vida de todo adulto, o qual se identifica e se recria através dessas personagens marcantes da sua história guardadas dentro de si, fazendo-as voltar à vida toda vez que um novo conflito aparece e precisa ser ressolucionado, ou seja, toda vez que o retorno do recalcado se faz presente. Não é surpreendente descobrir que a psicanálise confirma nosso reconhecimento do lugar importante que os contos de fadas populares alcançaram na vida mental de nossos filhos. Em algumas pessoas, a rememoração de seus contos de fadas favoritos ocupa o lugar das lembranças de sua própria infância; elas transformaram esses contos em lembranças encobridoras. Elementos e situações derivados de contos de fadas podem também ser encontrados em sonhos. Interpretando as passagens em apreço, o paciente produzirá o conto de fadas significativo como associação (Freud, 1913/1980, p.305) Referências Alves, H. C., & Emmel, M. L. G. (2008). Abordagem bioecológica e narrativas orais: um estudo com crianças vitimizadas. Paideia, 18(39), 85-100. Beaumont, J. M. L. de. (2008). The Beauty and the Beast. Forgotten Books. (Original publicado em 1756). Bettelheim, B. (1980). A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Corso, D. L., & Corso, M. (2006). Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed. Dieckmann, H. (1986). Contos de fadas vividos. São Paulo: Paulinas. Franchini, A. S., & Seganfredo, C. (2004). As 100 melhores histórias da Miologia: Deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana. 3ªed. Porto Alegre: L&PM. Franz, M. L. V. (1980). O significado psicológico dos motivos de redenção nos contos de fadas. São Paulo: Cultrix. Franz, M. L. V. (1985). A Sombra e o Mal nos Contos de Fada. São Paulo: Paulinas. Freud, S. (1980). A interpretação dos sonhos (I). Em: S. Freud. Obras Completas, vol. IV, (pp.1-101). Rio de Janeiro: E.S.B. (Original publicado em 1900). 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O feminino: marca indelével no homem e na mulher. Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, 1(1), 22-24. Radino, G. (2003). Contos de fada e realidade psíquica: a importância da fantasia no desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo. Rosa, D. B. (2008). A narrativa da experiência adotiva – fantasias que envolvem a adoção. Psicologia Clínica, 20(1), 97-110. Tatar, M. (2004). Contos de fadas: edição comentada e ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. _____________________________ Recebido em 17/11/2010 Aceito em 04/10/2011 Luísa Puricelli Pires: Psicóloga atuante nas áreas clínica e institucional, Psicanalista em formação no Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre. Tatiana Helena José Facchin: Psicóloga, Mestranda de Psicologia Clínica (PUCRS); Pós-Graduação em Psicossomática pela Associação Sul-Rio-Grandense de Medicina Psicossomática e pela Unisinos. Integrante do Instituto Brasileiro de Psicologia da Saúde (IBPS). Endereço para contato: [email protected] Aletheia 33, set./dez. 2010 55 Aletheia 33, p.56-68, set./dez. 2010 Práticas educativas e estratégias de coping em crianças abrigadas Giorgina Leni Batista Patricia Santos da Silva Caroline Tozzi Reppold Resumo: Este estudo investigou práticas educativas de pais e educadores sociais e estratégias de coping adotadas por crianças abrigadas. Participaram da pesquisa 20 crianças, entre sete e 11 anos. Elas responderam a duas entrevistas, que objetivavam identificar práticas educativas e problemas nos ambientes familiar e institucional, e as estratégias de coping utilizadas. Resultados mostraram preponderância das práticas coercitivas em ambos ambientes. No ambiente familiar, os problemas mais comuns foram conflitos conjugais, e as estratégias de coping mais citadas foram coping focado na emoção e inação. Problemas no ambiente institucional pareceram estar mais relacionados a conflitos com pares. O coping focado no problema e a busca de apoio dos educadores foram estratégias mais frequentes para lidar com esta situação. O conhecimento destes aspectos subsidia a elaboração de programas de treinamento para os pais e educadores sociais que possam contribuir ao processo de socialização das crianças abrigadas, considerando as dificuldades próprias do contexto. Palavras-chave: práticas educativas, estratégias de coping, crianças abrigadas. Educational practices and coping strategies for sheltered children Abstract: This study investigated educational practices of parents and social educators and coping strategies adopted by sheltered children. This study involved 20 children between 7 and 11 years of age. They answered 2 interviews, whose purpose was to identify educational practices and problems in the family and institutional environments and coping strategies employed. The results showed prevalence of coercive practices in both environments. In the family environment, the most frequent problems are conflicts between mother and father and the most mentioned coping strategies are coping focused on emotion and inaction. Problems in the institutional environment are often related to conflicts with their peers. Problem-focused coping and the search for the educators’ support are more frequent strategies to deal with this situation. Understanding these aspects helps the creation of training programs for parents and social educators to promote the socialization process of sheltered children, considering the specific difficulties of this context. Keywords: educational practices, coping strategies, sheltered children. Introdução O desenvolvimento de crianças em condições adversas, como violência intrafamiliar, pobreza, desemprego, alcoolismo, políticas públicas inadequadas e outros problemas sociais, tem sido foco de muitos estudos no campo das ciências humanas. Pesquisas mostram que condições socioeconômicas desfavoráveis e práticas educativas ineficazes são alguns dos principais fatores de risco que levam crianças e adolescentes à situação de abrigamento no Brasil (Siqueira & Dell’Aglio, 2007). Fatores de risco são entendidos como condições que aumentam a probabilidade de resultados negativos ou indesejáveis para o desenvolvimento dos sujeitos, incluindo comprometimentos à saúde, ao bem-estar ou ao desempenho social do indivíduo. Em contraponto, os fatores protetivos são entendidos como condições que diminuem a probabilidade de o indivíduo desenvolver problemas (Jessor, Van Den Boss, Vanderryn, Costa & Turbin, 1995). Segundo Masten e Garmezy (1985), uma rede de apoio social se constitui como um tipo de fator protetivo e exerce grande impacto na saúde e no bem-estar do indivíduo (Samuelsson, Thernlund & Ringström, 1996), bem como em um melhor enfrentamento de adversidades (Poletto & Koller, 2002). Porém, quando os resultados desses fatores implicam ameaças ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes e seus direitos estão sob ameaça ou são violados, estão previstas a aplicação de medidas jurídicas de proteção provisória; dentre essas, o abrigamento da criança em instituições próprias para cuidado infanto-juvenil (ECA, 1990, art. 98). Segundo Barros e Fiamenghi Jr. (2007), a institucionalização pode ser percebida pelas crianças e pelos adolescentes como uma perda do acolhimento familiar, e por isso constituir-se como um fator de risco ao desenvolvimento. Contudo, apesar de os jovens pesquisados demonstrarem dificuldades em relação à criação de laços afetivos com novos pares, muitos também apresentam uma adaptação resiliente, superando os riscos inicialmente previstos. Em específico com relação aos estudos que investigam a situação de abrigamento e as práticas educativas recebidas, observa-se que os estudos, em sua maioria, tratam da questão das práticas educativas parentais, como apresentado por Macarini, Martins, Minetto e Vieira (2010) em revisão da literatura brasileira. Contudo, no caso da institucionalização, é imprescindível também a consideração das práticas educativas de outros agentes socializadores, como professores e educadores do abrigo. Em função disso, a literatura que respalda as práticas parentais foi utilizada nesse estudo como o norte para avaliação das práticas educativas dos educadores das instituições de amparo à infância. As práticas educativas parentais são estratégias utilizadas na orientação e socialização do comportamento dos filhos (Alvarenga & Piccinini, 2009; Reppold, Pacheco & Hutz, 2005). O processo de socialização da criança, muito influenciado pelo contexto familiar, é o meio pelo qual a criança adquire comportamentos adequados e esperados em sua cultura (Steimberg, 2000). Estudos como o de Prada e Williams (2007) salientam que um dos objetivos desse processo é a aquisição de autonomia, e afirmam a importância da função dos pais no processo de socialização, devido à influência que exercem sobre os filhos através de exigências, restrições e valores. Um estudo que corrobora estes achados é o de Sapienza, Aznar-Farias e Silvares (2009), que, ao investigar as práticas educativas utilizadas pelos pais de jovens com alto e baixo rendimento escolar, mostrou que o rendimento é diretamente relacionado à competência social adquirida e à utilização de práticas educativas positivas, como reforçamento e monitoramento. Hoffman (1994), ao tratar das práticas empregadas pelos pais na socialização das crianças, diz que existem duas formas utilizadas para modificar o comportamento dos filhos: as estratégias indutivas e as coercitivas. Para ele, as estratégias indutivas possibilitam à criança a compreensão de suas ações e da necessidade de mudança no seu comportamento, sendo a forma mais efetiva, pois atingem o objetivo disciplinar mostrando à criança as consequências do seu comportamento e chamando sua atenção para os aspectos lógicos da situação, sem consequências punitivas. Já as estratégias de Aletheia 33, set./dez. 2010 57 força coercitiva são marcadas pela aplicação direta da força e do poder dos pais, com punição física, perda de privilégios e afeto e uso de ameaças (Hoffman, 1994). Segundo Dix, Ruble e Zambarano (1989), o objetivo da técnica coercitiva é forçar a criança a comportar-se de modo adequado, e os pais podem fazer isso de forma verbal, por ordens ou comandos, ou física, através da punição física. Na literatura sobre práticas educativas, uma série de estudos ressalta que características como demonstração de afeto positivo, intimidade e comunicação familiar têm sido associadas ao bem-estar infantil e a menores índices de estresse psicológico, bem como ao emprego de estratégias de coping adaptativas (Hermam-Stahl & Peterse, 1996; Sanzovo & Coelho, 2007). Em contraponto a isto, Pacheco e Hutz (2009) destacam em seus estudos com adolescentes infratores e não infratores (que estavam cumprindo ou não medidas socioeducativas) variáveis relacionadas às práticas educativas que aumentam o risco de comportamento antissocial. Segundo os autores, o uso de substâncias, o número de irmãos, o envolvimento de um familiar com o crime e as práticas educativas parentais (como falta de monitoramento, punição e expressão de afeto negativo) explicaram 53% da variância do comportamento infrator. Dentro desse contexto, um conceito importante para avaliação do ajustamento psicológico de crianças em situação de risco familiar é o de coping, que diz respeito às diferentes formas de adaptação dos indivíduos às circunstâncias adversas e aos esforços utilizados por eles para lidar com situações estressantes. Lazarus e Folkman (1984) definem coping como um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais, utilizados pelos indivíduos para controlar (vencer, tolerar ou reduzir) demandas internas ou externas específicas: diante de uma situação de estresse. Nessas condições, o indivíduo emite um conjunto de respostas comportamentais para modificar o ambiente, na tentativa de adaptar-se da melhor maneira possível ao evento estressor, minimizando seu caráter aversivo (Sanzovo & Coelho, 2007). Segundo Folkman e Lazarus (1980), as estratégias de coping podem ser divididas em dois grupos distintos, de acordo com sua função: coping focalizado na emoção ou no problema. De acordo com os autores, o primeiro é definido com um esforço para regular o estado emocional resultante de eventos estressantes ou associado ao estresse, tendo como função reduzir a sensação desagradável, mas não necessariamente resolver o problema causador do estresse. O segundo é caracterizado como um esforço que opera na origem do estresse e tenta mudá-lo. Sua função é alterar o problema existente na relação entre pessoa e o ambiente causador da tensão (Folkman & Lazarus, 1980). Estudos, nesta linha, ressaltam que o coping surge em diferentes fases do desenvolvimento. A aquisição do coping focalizado no problema ocorre, em geral, nos anos pré-escolar, enquanto o coping focalizado na emoção tende a aparecer mais tarde na infância e se desenvolve durante a adolescência (Heckhausen & Schulz,1995). Segundo Beresford (1994), a disponibilidade de recursos sociais é considerada um significativo componente para a utilização de estratégias de coping eficaz. A rede de apoio mais próxima da criança, durante a infância, na maioria das vezes, é constituída por sua família, que tem sido apontada como um importante fator de proteção, já que seu apoio pode ajudar as crianças no ajustamento psicológico e na organização de rotina frente às mudanças (Herman-Stahl & Peterson, 1996). Contudo, nem sempre esse apoio é 58 Aletheia 33, set./dez. 2010 viável, como mostra o Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes, realizado em 589 abrigos. Por esse estudo, é possível constatar que em torno de 20 mil crianças e adolescentes viviam em abrigos em 2004, sendo na maioria meninos entre 7 e 15 anos, negros e pobres (Silva, 2004). Apesar de a institucionalização ser uma realidade no Brasil, alguns autores defendem que o abrigo não é o melhor ambiente para o desenvolvimento das crianças. Entre eles, Carvalho (2002) destaca que, nas instituições de abrigamento, o atendimento é padronizado e coletivo, não há atividades planejadas e há fragilidade das redes de apoio social e afetivo, o que caracteriza alguns dos fatores que podem trazer prejuízos psicossociais ao longo do tempo. No entanto, outros estudos, como o de Dell’Aglio (2000), sugerem a institucionalização como uma alternativa positiva nos casos em que o ambiente familiar é desorganizado e caótico. As oportunidades de atendimentos oferecidas pelas instituições podem ser a melhor saída nos casos em que a família se encontra em situação desfavorável, sendo que existem diversas alternativas possíveis em se tratando de uma institucionalização como casas abrigo, instituições governamentais e não-governamentais. Revisando a literatura sobre instituições de abrigo, Siqueira e Dell’Aglio (2006) salientam o lugar fundamental que instituições adquirem na vida das crianças e dos adolescentes abrigados e, em função disso, consideram indispensável investir neste ambiente de socialização, visando à transformação e à desestigmatização das concepções socialmente estabelecidas sobre a institucionalização. Neste sentido, Yunes, Miranda e Cuello (2004) também entendem que, para a instituição de abrigo transformar-se em um ambiente de desenvolvimento, é necessário instrumentalizá-la e capacitar seus agentes socializadores. As consequências da falta de apoio percebido por parte das crianças abrigadas são ilustradas, por exemplo, pela experiência apresentada por Ribeiro e Ciampone (2002) com crianças em situação de rua da cidade de São Paulo. Muitas afirmaram preferir permanecer na rua por não encontrarem no abrigo um lugar de acolhimento, sendo frequente a ocorrência de conflitos com os educadores sociais ou mesmo com pares durante o período no abrigo. Outra questão relevante sobre a situação de abrigamento é o tempo em que, em geral, as crianças permanecem institucionalizadas. Apesar de o programa de abrigamento ser previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) como uma medida provisória e temporária, muitos adolescentes e crianças passam anos em abrigos. Sendo assim, é ainda mais importante que a instituição ofereça um ambiente propício para o pleno desenvolvimento cognitivo, social e afetivo das crianças e adolescentes inseridos neste contexto. A literatura sugere que, nos casos de abrigamento motivados pela negligência parental e pelas práticas educativas disfuncionais, muitas crianças tendem a apresentar déficits em relação à aquisição de habilidades sociais e a assumir estratégias de coping disfuncionais. Frente a isto, este estudo teve como objetivo investigar as práticas educativas empregadas por pais e educadores sociais de crianças institucionalizadas e as estratégias de coping por elas utilizadas em relação às dificuldades relativas à situação de abrigagem. Aletheia 33, set./dez. 2010 59 Método Participantes Participaram deste estudo 20 crianças, seis meninas e 14 meninos, com idades entre sete e onze anos (M= 8,9 anos; d.p.=1,37), escolaridade entre 1º e 6º ano do ensino fundamental (M=2,6 anos de escolaridade; d.p.= 1,50), abrigados sem destituição do pátrio poder, em uma instituição pública da cidade de Caxias do Sul/Rio Grande do Sul. Os participantes estavam abrigados por motivos de abandono, maus-tratos (físico, psicológico, negligência) violência sexual intrafamiliar, dependência química dos pais ou responsáveis e/ou situação de rua. O tempo médio de abrigagem da amostra foi de 10 meses (d.p.= 10,36). A instituição trata-se de uma Casa Abrigo, que presta atendimento para crianças de zero a 12 anos. Instrumentos Foram utilizadas como instrumentos deste estudo duas entrevistas semiestruturadas, elaboradas pelas pesquisadoras. A Entrevista de Práticas Educativas objetivou investigar as práticas educativas empregadas pelos pais e pelos educadores sociais em situações cotidianas. Nesta entrevista, eram apresentadas situações cotidianas possivelmente vivenciadas pelas crianças e questionado qual era a prática educativa adotada por pai, mãe e educador social diante daquela situação. Em específico, perguntou-se à criança: O que teu pai/mãe/educador social faz quando (situações cotidianas: brigar com colegas, não fazer os deveres escolares, apresentar o boletim escolar, desobedecer a ordens, descumprir combinações sobre horários estabelecidos para retorno, mentir e sair sem a permissão de responsáveis). A entrevista de coping teve como objetivos investigar o sentimento destas em relação à institucionalização e verificar as estratégias de coping utilizadas pelas crianças frente a situações de estresse no ambiente familiar e no abrigo. Nesta entrevista, as crianças foram questionadas sobre quais eram os problemas mais comuns vivenciados em casa, com os pais, ou, no abrigo, com os educadores. Após, era pedido que relatassem a maneira como costumavam lidar com esse problema (estratégia de coping adotada) e, a seguir, o que poderia ter sido utilizado como estratégia alternativa de coping frente à situação adversa relatada. Procedimentos O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (protocolo nº. 2749). Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido da pesquisa e o Termo de Concordância da Instituição foram obtidos junto à coordenação do abrigo e ao juiz da infância da cidade do estudo, uma vez que a pesquisa trata de crianças abrigadas e a guarda dessas é de responsabilidade do Estado. Após consentimento da instituição e do juiz, entrou-se em contato com as crianças, foi feito o convite para participarem e solicitada a permissão para que se anotasse suas respostas. As entrevistas foram realizadas individualmente em sala adequada, cedida pela própria instituição, combinadas com antecedência. 60 Aletheia 33, set./dez. 2010 Resultados Os dados provenientes das entrevistas foram examinados através da análise de conteúdo quantitativa (Bardin, 1979). As respostas da Entrevista Semiestruturada de Práticas Educativas dos pais, das mães e dos educadores sociais foram categorizadas segundo a concepção teórica de Hoffman (1994) em estratégias indutivas (conversar / explicar / estímulo verbal) e estratégias coercitivas (punição física e/ou verbal / castigo / privação / ameaça de punição). Uma terceira categoria foi criada pelas autoras para contemplar as respostas de Inação (não fazer nada / não sei). Com base na teoria de estresse de Lazarus e Folkman (1984), as respostas fornecidas pelos participantes na entrevista para investigar as estratégias de coping utilizadas para lidar com problemas nos ambientes familiar e institucional foram classificadas nas seguintes categorias: estratégias de coping “focalizado no problema” (bater, obedecer, pedir ajuda para alguém, mandar parar, continuar batendo), “focalizado na emoção” (chorar, esconder-se, ficar quieto) ou “inação” (não sei; não fazer nada). Os dados foram categorizados por dois juízes independentes. O índice de concordância quanto à categorização foi superior a 90% e foi obtido através de Análise de Concordância – Kappa. Nos casos em que houve dúvidas sobre as categorias escolhidas, a avaliação de um terceiro juiz foi considerada. Práticas educativas percebidas As respostas sobre as práticas educativas percebidas (PEP) foram obtidas em relação ao pai ou figura paterna (tio ou padrastos), à mãe e ao educador social do abrigo. Na Tabela 1 é possível observar os dados obtidos em relação às PEP dos pais (n=15). Tabela 1 – Frequência e percentual das respostas sobre práticas educativas paternas. Questão Situação Práticas indutivas FR % Práticas coercitivas FR % Inação FR % 1 Brigar com colega 3 20 8 53,4 4 26,6 2 Não cumprir horário 1 6,6 10 66,7 4 26,6 4 Desobedecer ordens 1 6,6 10 66,7 4 26,6 5 Sair sem permissão 0 0 10 66,7 5 33,3 6 Comunicado da escola 1 6,6 11 73,4 3 20 7 Descobrir uma mentira 0 0 12 80 3 20 8 Não fazer as tarefas escolares 1 6,6 8 53,4 6 40 Quanto às figuras paternas eleitas pelas crianças que desconheciam seu pai (tio ou padrasto) (n= 5), as práticas educativas coercitivas chegaram a atingir uma frequência de 100% nas situações em que as crianças desobedeciam a ordens ou recebiam o boletim escolar. Nesses cinco casos, as práticas indutivas foram referidas com maior frequência nas Aletheia 33, set./dez. 2010 61 situações de brigas com colegas e não cumprimento de horários combinados previamente (40%). A inação foi mais frequentemente relacionada às situações em que as crianças não cumpriam suas tarefas escolares (40%) e saíam sem pedir permissão (33,3%). A Tabela 2 apresenta os percentuais e frequências das respostas referentes às práticas educativas utilizadas pelas mães. Quanto às práticas educativas utilizadas pelos educadores sociais, as práticas coercitivas foram mencionadas pelas crianças como sendo utilizadas frequentemente em todas as situações: brigar com colegas (95%), não cumprir horário e desobedecer a ordens (85%), descobrir uma mentira (80%), sair sem pedir permissão (75%), não fazer as tarefas da escola (65%) e receber o boletim escolar (50%). As respostas referentes à inação dos educadores sociais foram mais frequentemente relatadas em relação às seguintes situações vividas pela criança: receber o boletim escolar (40%), não fazer as tarefas escolares (35%), descobrir uma mentira contada pela criança (20%) e desobedecer a ordens (15%). As crianças relataram o uso de práticas indutivas por parte dos educadores sociais somente em três situções: sair sem pedir permissão (15%), receber o boletim escolar (10%) e não cumprir horário (5%). Tabela 2 – Frequência e percentual das respostas sobre práticas educativas maternas (n=20). Questão Situação Práticas indutivas FR % Práticas coercitivas FR % Inação FR % 1 Brigar com colega 6 30 11 55 3 15 2 Não cumprir horário 2 10 12 60 6 30 4 Desobedecer a ordens 3 15 13 65 4 20 5 Sair sem permissão 2 10 12 60 6 30 6 Comunicado da escola 4 20 12 60 4 30 7 Descobrir uma mentira 3 15 11 55 6 30 8 Não fazer as tarefas escolares 4 20 7 35 9 45 Problemas no ambiente familiar x coping A respeito das respostas obtidas na entrevista semiestruturada sobre estratégias de coping, quando questionados sobre como se sentiam no abrigo, a maior parte das crianças referiu sentir-se melhor ou mais feliz que em casa (75%). Cerca de 15% referiu sentir-se “mais ou menos” e 10%, sentir-se mal ou triste. Ao serem questionadas sobre o tempo de abrigagem, grande parte das crianças referiu não saber há quanto tempo já estava abrigada (50%). Quando questionada se gostavam do abrigo, 65% da amostra respondeu que sim, 25% referiu gostar mais ou menos e 10% disse não gostar. Na pergunta sobre o motivo do abrigamento, a resposta mais frequentemente citada estava relacionada à categoria “Problema intrafamiliar” que incluiu uso de drogas, álcool, violência e negligência por parte dos pais (55%). Cerca de 40% das crianças disseram terem sido conduzidas ao abrigo pelo Conselho Tutelar sem saber a razão do encaminhamento. 62 Aletheia 33, set./dez. 2010 Quando solicitadas a relatar um problema ocorrido no contexto familiar (o que foi questionado na intenção de investigar, na sequência, a estratégia de coping adotada pela criança), 75% das respostas referiram-se à “Violência Intrafamiliar”. Nessa categoria foram incluídas as respostas relacionadas à agressão física e verbal. Problemas como abuso sexual foi relatado por 5% da amostra, o mesmo percentual que relatou a prisão parental como motivo de abrigamento. Chama a atenção o fato de outros 15% das crianças terem referido nunca ter tido qualquer problema doméstico. Diante dos problemas mencionados pelas crianças como vivenciados no ambiente familiar antes do abrigamento, a estratégia de “coping focalizado na emoção” foi a mais utilizada pelas crianças (60%). Respostas categorizadas como “Inação” totalizaram 25%, e como “coping focalizado no problema”, 15%. Quando questionadas sobre uma estratégia de coping alternativa que poderia ter sido adotada frente ao problema no ambiente familiar relatado, 35% das crianças disseram que outra estratégia viável seria não fazer nada (inação) e 30% afirmaram que poderiam ter buscado apoio social (exemplos citados: chamar a polícia, contar para avó e comunicar o Conselho Tutelar para ser abrigado). Respostas categorizadas como “coping focado na emoção” foram citadas por 20% das crianças como estratégias alternativas (exemplos: ir brincar, ir para o quarto ou ficar chorando). Já os atos agressivos (intrometer-se na briga para afastar os pais e ajudar a mãe a bater no pai) foram citados em 15% dos casos. Problemas enfrentados no abrigo x coping Os problemas vivenciados no ambiente da instituição que foram mais frequentemente relatados pelas crianças referiam-se a problemas com colegas, como agressões físicas e verbais (50%). Também foram relatados “problemas com os educadores” (30%), que incluíam xingá-los ou desobedecê-los. Em acréscimo, 20% das crianças consideraram nunca ter problemas no abrigo. A respeito das estratégias de coping que as crianças utilizaram frente aos problemas vividos no ambiente institucional, 35% das crianças que disseram já ter tido problemas relataram que tentaram resolvê-lo utilizando-se de agressão física ou verbal. Entretanto, 25% das crianças relataram ter buscado apoio dos educadores, o mesmo percentual obtido para a categoria inação. As categorias “pedir para o agressor parar a briga” (5%), “esconder-se” (5%) e “passar a obedecer” (5%) foram também relatadas pelas crianças. Quando indagadas sobre o que sentiam depois do problema resolvido, a maioria das crianças informou sentir-se mais calmo(a) e feliz (75%). Contudo, 20% informou sentir-se mal ou triste e 5% relatou não saber o que sentia nessa situação. Quanto à possibilidade de coping alternativo considerado pelas crianças, a relatada com maior frequência em relação a problemas no ambiente institucional foi a possibilidade de busca de apoio dos educadores (35%), seguida pela categoria “agressão física” (20%). As categorias “parar a briga”, “entristecer-se” e “não fazer nada” foram relatadas, cada uma, por 15% da amostra. Aletheia 33, set./dez. 2010 63 Discussões Os dados do presente estudo revelaram uma predominância de práticas educativas coercitivas utilizadas pelas mães, pais e/ou figuras paternas, bem como pelos educadores sociais nas diferentes situações investigadas. As técnicas coercitivas usadas com mais frequência pelas figuras parentais deste estudo podem ser discutidas à luz das considerações das ideias de Marinho (1999), que sugerem que os pais que adotam práticas disciplinares severas, coercitivas e inconsistentes, em geral, não possuem conhecimentos ou recursos pessoais para atuarem de modo eficiente na educação dos filhos, o que reforça a importância de programas de orientação psicoeducativa a essa população. Quanto aos educadores, os dados indicam a predominância de agressão verbal, ameaças de privação, castigo e privação de privilégio. Esses achados são coerentes com outros estudos relacionados ao tema. Entre eles, está a pesquisa realizada por Prada e William (2007) em dois abrigos na cidade de Curitiba, que constatou que as práticas educativas nessas instituições eram pautadas pela coerção. De modo geral, observa-se que as práticas indutivas foram, no presente estudo, mais usadas pelas mães, já que os pais e educadores tendem a praticar mais técnicas coercitivas. Dentre os pais e figuras paternas, a prática de inação é significativamente alta em todas as situações. Estes dados revelam famílias com características abusivas (violência, abuso de droga e álcool) e negligentes, representando alto índice de fatores de risco para as crianças. Nessa linha, ressalta-se resultados de outros estudos realizados sobre práticas educativas parentais, os quais apontaram que pais abusadores tendem a aplicar, de maneira indiscriminada, a punição física, aumentando os riscos de manifestação de comportamentos agressivos ou de distúrbios afetivos nas crianças e adolescentes (Black, Heyman & Slep, 2001). Em síntese, em todas as situações apresentadas para as crianças, os resultados apontaram uma preponderância do uso das práticas educativas coercitivas tanto no ambiente familiar quanto no institucional. No entanto, é preciso considerar que estudos como o de Reppold, Pacheco e Hutz (2005) chamam a atenção para o fato que o uso predominante de práticas coercitivas por parte dos pais ou educadores pode trazer consequências negativas para o desenvolvimento emocional infantil e não propiciar a internalização de padrões morais e regras sociais, podendo fazer com que as crianças reproduzam comportamentos coercitivos com seus pares. Os resultados do presente estudo destacam as dificuldades parentais e dos educadores sociais em praticar a autoridade de forma adequada e afetiva, bem como a indisposição das crianças em obedecer a regras e normas frente a essas práticas. Em relação aos problemas enfrentados pelas crianças, os participantes apontaram como principal evento estressor no ambiente familiar os conflitos relacionados à violência, abuso de álcool/droga parental e à negligência. As estratégias de coping focadas na emoção e a inação, adotadas para lidar com os problemas envolvendo as figuras parentais, obtiveram maior frequência de respostas. Estes dados apontam para o déficit de recursos das crianças para lidar com seus estressores, especialmente quando estes são produzidos de seus pais. Segundo a literatura, o coping focado na emoção e a inação, na maioria das vezes, estão associados aos baixos índices de controle sobre evento estressor e à percepção 64 Aletheia 33, set./dez. 2010 de que seus recursos pessoais são suficientes para lidar com a situação de estresse a ser enfrentado (Almquist & Hwang, 1999). A maioria das crianças refere que, se passasse novamente pelo problema relatado, iria adotar uma estratégia de resolução de problema diferente. A estratégia mais relatada como coping alternativo foi coping focado no problema (busca de apoio social), uma alternativa mais adaptativa que a agressão física. Este dado corrobora estudos anteriores que indicam que as crianças apresentam-se mais dependentes para lidar com situações estressantes em comparação aos adultos (Compas, Davis, Forsythe & Wagner, 1987) e que a busca de apoio social nessa população é associada ao fato de a maioria dos estressores infantis estarem relacionados a situações que estão fora de controle direto da criança (Ryan-Wenger, 1992). Outra estratégia frequentemente citada como coping alternativo pelas crianças da amostra foram as ações agressivas. Isso porque essas são eficazes para a redução da sensação desagradável provocada pela percepção de um evento estressor. Contudo, o uso da mesma é associado a diversos problemas psicossociais, que têm como consequências déficits relacionais, inabilidades sociais e, em casos extremos, evasão escolar. Contudo, crianças vítimas de violência intrafamiliar comumente utilizam ações agressivas por terem aprendido que são maneiras adequadas de lidar com possíveis contrariedades (Coie & Dodge, 1998). Quanto à situação adversa enfrentada no ambiente no abrigo, a resposta mais frequente referiu-se a problemas com colegas. Nesta situação, observa-se com alta frequência o uso de coping focado para o problema, sobretudo no que tange à utilização de agressões físicas e verbais e à busca de apoio dos educadores como estratégia para lidar com a situação. O fato de a amostra ser composta de crianças vítimas de violência intrafamiliar pode estar associado às altas frequências de respostas de agressões físicas e verbais. Conforme já exposto, muitas crianças nessas condições aprendem a desenvolver no ambiente familiar um repertório violento e tendem repeti-lo na interação social (Bandura, 1997; Coie & Dodge, 1998). A frequente busca de apoio dos educadores, utilizada pelas crianças como estratégia de coping para lidar com problemas que envolvem o grupo de iguais, pode ser compreendida à luz da insuficiência de recurso (físicos, cognitivos e/ou emocionais) que as crianças dispõem para lidarem sozinhas com seus estressores (Boekaerts, 1996). O uso de estratégia de coping focado na emoção e a inação não obtiveram frequência alta nas respostas relativas a problemas enfrentados no abrigo. Já em relação a problemas envolvendo os pais, mães e padrasto, esse foi um padrão de resposta recorrente, o que pode ser explicado pela presença de hierarquia e autoridade envolvidas nestes relacionamentos, sobretudo quando as relações eram pautadas pela violência familiar. Em se tratando de problemas com colegas (grupo de iguais), situação na qual existe maior equilíbrio de poder, as crianças tendem a buscar orientações, conselhos e apoio emocional. Esta tendência foi apontada também em outros estudos, nos quais as crianças mencionaram utilizar da busca de apoio social ou estratégias agressivas para lidar com conflitos relacionados com seus pares (Dell’Aglio, 2000; Lisboa, 2002), respaldando os resultados desta pesquisa. Aletheia 33, set./dez. 2010 65 Para finalizar, podemos considerar que os resultados deste estudo confirmam a necessidade de programas de treinamento de práticas educativas para os pais, durante o período de abrigamento das crianças, para que o processo de reinserção familiar das crianças ocorra de forma segura e, se possível, definitiva. E, para educadores, de treinamentos voltados para o desenvolvimento de práticas educativas positivas e mais afetuosas com as crianças, para que eles compreendam a influência que suas ações exercem no processo de socialização das crianças abrigadas. Por este ser um estudo exploratório, não foram analisadas possíveis relações existentes entre as práticas educativas e a escolha das estratégias de coping das crianças abrigadas e entende-se que esta é uma de suas limitações. Portanto, são necessárias realizações de futuras pesquisas, a fim de investigar possíveis relações existentes entre estes fatores. Por fim, destaca-se a importância da criação de políticas públicas voltadas para as instituições de abrigos, que proporcionem melhor qualidade de atendimento para as famílias e as crianças que dependem deste serviço. Referências Almquist, K., & Hwang, P. (1999). Iranian refugees in Sweden: Coping processes in children and their families. Childhood, 6, 167-188. Alvarenga, P. & Piccinini, C. A. (2009). Práticas educativas maternas e indicadores do desenvolvimento social no terceiro ano de vida. Psicologia: Reflexão e Crítica. 22 (2), 191-199. Disponível: http://www.scielo.br/prc. Acessado em 09/2011. Bandura, A. (1997). 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Patricia Santos da Silva: Aluna de Psicologia da UFCSPA. Caroline Tozzi Reppold: Doutora em Psicologia. Docente da UFCSPA. Endereço para contato: [email protected] 68 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.69-83, set./dez. 2010 Avaliação de indicadores de problemas de comportamento infantil relatados por pais e professores Juliana Rigon Pedrini Giana Bitencourt Frizzo Resumo: O presente estudo investigou os indicadores de problemas de comportamento de internalização e externalização de 88 crianças de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental de uma escola pública de Porto Alegre/RS, de acordo com o CBCL e TRF. Foram comparados os relatos de pais e professores em geral e posteriormente diferenças de sexo entre as crianças. Houve concordância significativa no relato de pais e professores quanto à externalização, mas não em relação à internalização. Houve, no relato tanto de pais como de professores, um alto índice de comorbidade entre indicadores de internalização e externalização. Não foram encontradas diferenças significativas entre o sexo das crianças. De forma geral, os resultados destacaram maior relato parental de problemas de internalização enquanto os professores relataram mais os comportamentos de externalização, por serem os que interferem no ambiente escolar. Palavras-chave: problemas de comportamento; escola; internalização; externalização. Evaluation of child behavior problems indicators reported by parents and teachers Abstract: This study examined indicators of internalizing and externalizing behavior problems of 88 children from 1st to 4th grades of elementary education from a public school in Porto Alegre / RS, according to the CBCL and TRF. Reports from parents and teachers were compared in general, and afterwards gender differences among children were considered. There were significant differences in the reporting of parents and teachers on the externalization, but not in relation to internalization. There was, reporting both parents as teachers, a high rate of comorbidity between internalizing and externalizing indicators. No significant differences were found considering the sex of children. Overall, the results highlighted greater parental report of internalizing problems, while teachers reported more externalizing behaviors, because they can disturb the school environment. Keywords: behavior problems; school; internalization; externalization. Introdução A prevenção de problemas de comportamento na infância deve ser prioridade nas políticas de saúde, visto que a taxa de frequência de problemas de comportamento em crianças atinge índices alarmantes, chegando a 35% em famílias de baixa renda (Reid, Webster-Stratton & Beachaine, 2001). Esse alto índice de problemas de comportamento afeta a vida escolar dos sujeitos, sua aprendizagem e relação com colegas e professores. A literatura apresenta inúmeros estudos que envolvem os problemas de comportamento na infância e na adolescência (Assis, Avanci, Pesce & Ximenes, 2009; Bolsoni-Silva, Marturano, Pereira & Manfrinato, 2006; Borsa & Nunes, 2008; Campo & Marturano, 2003; Oliveira, Marin, Pires, Frizzo, Ravanello & Rossato, 2002; Salvo, Mazzarotto & Löhr, 2005; Santos & Silvares, 2006; Szelbracikowski & Dessen, 2007). Newcombe (1999) já relatava que os problemas comportamentais sérios na infância provavelmente persistem nos períodos posteriores da vida. Diversos autores destacaram que a média de prevalência de problemas de comportamento é de 30% (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003; Santos & Graminha, 2006) e a maior parte dos estudos utilizou o Inventário de Comportamento de Crianças e Adolescentes – CBCL (Achenbach, 1991) para avaliar tais indicadores. Já um estudo que avaliou a concordância entre pais e mães sobre indicadores de problemas de comportamento infantil em Porto Alegre apontou 25,3% das crianças como grupo clínico e 49,3% como não clínico para internalização e 16,4% para grupo clínico e 67,8% para não clínico nos problemas de externalização (Borsa & Nunes, 2008). Um panorama sobre os problemas de comportamento infantil foi realizado por Bolsoni-Silva & Del Prette (2003). Esses autores revisaram diferentes fontes como o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e o Código Internacional de Doenças (CID-10), e sugeriram que apenas os problemas de comportamento que prejudicam outras pessoas, ou seja, de externalização (especialmente os comportamentos agressivos e de hiperatividade) devem ser considerados como “problemas de comportamento infantil”. Entretanto, Achenbach e Edelbrock (1979) e Graminha (1998) consideram comportamentos como asma, enurese, nervosismo e timidez também como problemas de comportamento, mas de internalização. Existem três principais grupos diagnósticos na psiquiatria infantil (Assis & cols., 2009; Newcombe, 1999): a) Desordens emocionais (também descritas como problemas de internalização, internalizantes ou problemas de supercontrole), a exemplo da depressão, ansiedade, desordens obsessivo-compulsivas e somatização, em que os sinais estão especialmente interiorizados nos indivíduos; b) Desordens de comportamento disruptivo (nomeadas também como problemas de externalização, externalizantes ou problemas de supercontrole), tais como conduta desafiadora excessiva e transtornos de condutaagressividade a pessoas e animais e comportamento transgressor, em que as condutas estão mais dirigidas para o outro; c) Transtornos do desenvolvimento (denominados, por vezes, desvios graves do desenvolvimento e, algumas vezes, psicoses) como, por exemplo, problemas de aprendizagem, transtornos invasivos do desenvolvimento, enurese, encoprese e esquizofrenia. No presente estudo serão considerados tanto os problemas de comportamento de externalização como os de internalização. Segundo Dessen e Szelbracikowski (2006) são incluídos nos comportamentos de externalização, “não somente os manifestos, como agressão física e verbal, mentira, rebeldia, delinquência, mas também padrões de pensamento e sentimento, dentre os quais atribuições hostis e irritabilidade” (Dessen & Szelbracikowski, 2006, p.71). Já os comportamentos de internalização são evidenciados por retraimento, depressão, ansiedade e queixas somáticas (Gonçalves & Murta, 2008). Segundo Borsa e Nunes (2008), os comportamentos de internalização são os de padrões privados desajustados, como tristeza e isolamento, e são mais restritos ao mundo interno da criança, talvez por isso de mais difícil identificação por parte de 70 Aletheia 33, set./dez. 2010 pais e, principalmente, dos professores. Já os comportamentos de externalização são aqueles visivelmente desajustados do que é aceito socialmente, como agressividade, agitação psicomotora e comportamento delinquente. Szelbracikowski e Dessen (2007) complementam os exemplos de comportamento de externalização com agressão física e verbal, roubo, mentira entre outros comportamentos de descumprimento de regras sociais e de problemas de conduta. Quaisquer das duas manifestações de problemas de comportamento dificultam o desenvolvimento psicossocial da criança, já que podem privá-la de interagir com o ambiente, isto é, o indivíduo pode evitar iniciar uma interação, quando sofre de problemas de comportamento de internalização, ou, quando apresenta problemas de comportamento de externalização, pode gerar conflitos e provocar rejeição de pais, professores e colegas (Gonçalves & Murta, 2008). Na última década, as queixas por problemas de atenção (internalização) e comportamento desafiador (externalização) estão aumentando (Merg, 2008). Atualmente, também existe, segundo Newcombe (1999), um reconhecimento maior de que as crianças podem apresentar comorbidades. As características da população da clientela infantil que buscou atendimento psicoterápico em clínica-escola não mudaram nas últimas três décadas, segundo uma revisão sistemática da literatura brasileira realizada por Merg (2008). No estudo, Merg (2008) afirma que os meninos continuam sendo os que requerem mais atendimento que as meninas (66%) e predomina a faixa etária de sete a nove anos (42%). Considerando também que boa parte do desenvolvimento infantil acontece durante a vida escolar, há estudos que se focaram na avaliação dos alunos segundo a percepção dos pais e professores (Frigerio, Cattaneo, Cataldo, Schiatti, Molteni & Battaglia, 2004) e na interação entre família e escola (Silveira, 2007). Segundo Santos (1990), a criança de sete a nove anos pode apresentar problemas de atenção e de aprendizagem porque até a entrada formal na escola, no Ensino Fundamental, ela não tinha muitas exigências e, ligado a isso, pode surgir a necessidade de psicoterapia. Junto a este dado, observa-se que a escola é a fonte de encaminhamento de maior frequência (Merg, 2008). É importante observar que a escola ainda é uma das principais fontes de encaminhamento das crianças para avaliações especializadas, como a psicológica (Silvares, 1996). A pesquisa de Merg (2008) analisou 2.106 crianças atendidas por clínicas-escola e a maior fonte de encaminhamento foi a escola, sendo responsável pelo encaminhamento de 654 (31%) crianças. Merg (2008) também comparou artigos das três últimas décadas e pode concluir que nestes 30 anos permanece um padrão de crianças serem encaminhadas pela escola com queixas de comportamento de externalização e problemas de aprendizagem. Além disso, em geral, a literatura tem avaliado principalmente a percepção dos pais e mães sobre seus filhos, mas alguns autores têm enfatizado a importância de se incluir também a avaliação dos professores. Na literatura sobre problemas de comportamento e aprendizagem, há indicações de que uma avaliação mais consistente sobre comportamento deve considerar mais de um olhar sobre a criança (Santos & Graminha, 2006). Por isso os instrumentos de avaliação costumam ter versões para o cuidador, o professor ou a própria criança (Duarte & Bordin, 2000). Aletheia 33, set./dez. 2010 71 As diferentes perspectivas de pais e professores sobre a saúde mental são pouco debatidas no país. Em uma revisão não sistemática da literatura realizada por Assis e cols. (2009), os autores relataram um estudo longitudinal de um ano realizado pelo grupo de pesquisa em escolas e comunidades brasileiras, no qual houve 2,7% de casos clínicos incidentes de acordo com o relato parental e 4% de acordo com os professores. Para os problemas de internalização, foram mencionados em 3,7% das crianças (informação dos pais) e 4,9% (professores); para os comportamentos de externalização, 4% e 5,7%, respectivamente (Assis & cols., 2009). A importância da concordância entre o relato parental e de professores tem sido debatido como possível fator de risco no desenvolvimento infantil (Ferdinand, van der Ende & Verhulst, 2007a; 2007b). Estes autores relataram que alguns comportamentos tendem a ser mais bem avaliados por pais, por exemplo comportamentos autoagressivos, enquanto outros autores descrevem maiores indicadores gerais de comportamento de internalização no relato parental do que de professores (Grietens & cols. 2003). Mas tanto a descrição de indicadores de problemas de comportamento relatado por pais como por professores tiveram importante correlação com o diagnóstico clínico de problemas comportamentais (Ferdinand & cols., 2007a; 2007b). Nesse sentido, os autores reforçam a importância de múltiplos informantes sobre o desenvolvimento infantil. No estudo de percepção dos pais quanto ao perfil comportamental de crianças, comparando um grupo com enurese durante o sono e outro de crianças encaminhadas para atendimento psicológico por problemas de desempenho escolar e social, as crianças com enurese obtiveram o escore médio de internalização classificado como grupo clínico e externalização com escore médio de grupo não clínico. No entanto, as crianças encaminhadas tiveram escores de grupo clínico nas duas categorias, indicando comorbidade (Santos & Silvares, 2006). Comparando por sexo, as queixas dos meninos estão mais relacionadas a comportamentos de externalização, e as queixas das meninas a comportamentos de internalização. Os comportamentos de externalização aparecem no ambiente e atrapalham quem está com esta criança. Já os comportamentos de internalização referem-se a comportamentos considerados problemáticos, mas não influenciam diretamente o ambiente, restringindo-se ao mundo interno da criança, razão pela qual muitas vezes passam despercebidos pelos cuidadores (Merg, 2008). Considerando a importância de analisar os problemas de comportamento a partir de dupla perspectiva – de pais e professores –, o presente estudo teve como objetivo geral investigar quantos alunos de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental de uma escola pública de Porto Alegre apresentam indicadores de problemas de comportamento, além de comparar a avaliação realizada pelos pais e pelas professoras das turmas dessas crianças. Também se buscou comparar estes indicadores de problemas por sexo das crianças, assim como investigar a incidência de comorbidade dos dois problemas. Este estudo justifica-se porque, no Brasil, ainda se conhece pouco sobre a ocorrência de problemas de saúde mental infantil (Assis & cols., 2009). Nos últimos anos, verificase nas escolas uma crescente preocupação quanto às manifestações de agressividade e violência apresentadas por alunos de diferentes níveis de ensino (Picado & Rose, 2009). Além disso, as diferentes perspectivas de pais e professores sobre a saúde mental são pouco debatidas no país (Assis & cols., 2009). 72 Aletheia 33, set./dez. 2010 Método Delineamento O delineamento utilizado para este estudo foi o levantamento quantitativo dos casos (Laville & Dionne, 1999). A finalidade desse tipo de delineamento é descrever quantitativamente tendências, atitudes ou opiniões de uma amostra da população (Creswell, 2007). No presente estudo, o objetivo foi investigar e compararar os problemas de comportamento infantil de acordo com pais e professores. Participantes Participaram deste estudo pais e professores de 88 crianças de uma escola pública de Porto Alegre/RS. Foram convidados a participar os pais dos 100 alunos de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Dos alunos participantes, 19 (22%) frequentavam a 1ª série, 22 (25%) são alunos da 2ª série, 25 (28%), da 3ª série e 22 (25%), da 4ª série. A idade das crianças variou entre seis anos e meio e onze anos e três meses, e a média é de oito anos e dez meses. Cada uma destas turmas está sob responsabilidade de uma mesma professora. Dessa maneira, o estudo contou com apenas quatro professoras avaliando 88 alunos. Na 1ª série a idade média é de sete anos; na 2ª série, é de oito anos e um mês; na 3ª série, é de nove anos e meio; e, na 4ª série, é de dez anos e quatro meses. O motivo pela diferença ser maior entre a 2ª e a 3ª séries é explicado pela mudança curricular ocorrida na escola em 2008. Até 2008 os alunos ingressavam aos sete anos de idade na 1ª série para fazerem o Ensino Fundamental em oito anos. Atualmente os alunos ingressam aos seis anos para completarem o Ensino Fundamental em nove anos. Dos 88 alunos participantes, 53 (60%) são meninos e 35 (40%) são meninas. Os responsáveis pelos alunos que responderam ao questionário são na sua maioria as mães biológicas, 73 (83%). Os demais responsáveis participantes foram 12 (14%) pais biológicos, uma (1%) mãe adotiva, uma tia-avó (1%) e uma avó (1%).1 A escola participante do estudo tem como sorteio público sua única forma de ingresso, tornando os níveis de escolaridade dos responsáveis e o nível socioeconômico das famílias bastante variados. Também participaram deste estudo quatro professoras polivalentes (termo usado na escola para definir as pedagogas regentes/responsáveis pelas turmas das séries iniciais do Ensino Fundamental). A idade média das professoras participantes era de 28 anos. Instrumentos Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: 1. Inventário de Comportamento da Infância e Adolescência (adaptação em português do Child Behavior Checklist – CBCL – Achenbach, 1991): questionário auto aplicado, que tem versão para pais e uma para professores (chamado de TRF – Relatório para Professores), com 118 itens, que avalia competência social e problemas 1 Embora em alguns casos o responsável pela criança não seja pai ou mãe, optou-se por chamar todos os que responderam ao questionário de pais durante o texto para facilitar a fluência da leitura. Aletheia 33, set./dez. 2010 73 de comportamento a partir de informações fornecidas por adultos. Já foi traduzido em 55 idiomas, sendo que a versão brasileira foi validada por Bordin, Mari e Caeiro em 1995. Este instrumento é mundialmente utilizado para identificar problemas de saúde mental em crianças e adolescentes a partir de informações dos pais (Duarte & Bordin, 2000) e professores. O CBCL agrupa as respostas dos questionários em dois âmbitos principais: internalização e externalização (Salvo, Silvares & Toni, 2005). Foi utilizado, como ponto de corte, até 59 pontos como grupo não clínico, de 60 a 64, grupo limítrofe, e de 65 pontos em diante, o grupo clínico, nas escalas dos problemas de internalização e externalização. Para fins de redução de dados, Achenbach (1991) sugere que as crianças classificadas no grupo limítrofe sejam incluídas no grupo clínico. 2. Ficha de Dados Demográficos da Família: Os pais preencheram também uma ficha de dados demográficos da família – que avaliou características como idade, sexo, escolaridade da criança e dados do responsável ou cuidador principal, como idade, sexo, escolaridade, profissão. 3. Ficha de Dados Demográficos do Professor: Avaliou formação, tempo na profissão, carga horária, número de alunos por sala de aula. Procedimentos Em uma reunião de pais das séries iniciais do Ensino Fundamental, a pesquisadora apresentou o estudo e o questionário explicando a importância da participação de todos. Cada responsável recebeu um envelope constando uma apresentação do projeto, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e uma ficha de dados demográficos dos alunos e do cuidador. Os que não estavam presentes na reunião receberam os envelopes dentro da agenda dos filhos. Após um mês, a pesquisadora informou, via agenda dos alunos, que estaria finalizando o recebimento dos materiais distribuídos. A adesão de 88% pode justificar-se pelo fato do estudo viabilizar uma contribuição para o desenvolvimento de seus filhos, ao identificar eventuais problemas de comportamento nas crianças e encaminhá-las para atendimento especializado, quando necessário. Após o retorno de 88 questionários, as professoras polivalentes, que passam 20 horas por semana com os estudantes em sala de aula, receberam questionários referentes a cada um dos seus alunos. Cada uma delas recebeu um envelope, onde constavam os questionários identificando qual aluno estaria sendo avaliado. As professoras também preencheram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Ficha de Dados Demográficos. O preenchimento do instrumento foi realizado individualmente. A professora respondeu de acordo com o comportamento de uma determinada criança por vez. A identificação das crianças foi necessária porque posteriormente, na coleta de dados, foi feita a comparação com os dados obtidos com os pais do respectivo aluno. Nos resultados da pesquisa, nenhum nome foi citado, pois o objetivo geral do estudo era fazer um levantamento geral dos indicadores de problemas de comportamento das crianças. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS (processo 2009053), em conformidade com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde Ministério da Saúde. A escola tem uma Comissão de Pesquisa que também foi consultada antes do início da atividade. 74 Aletheia 33, set./dez. 2010 Análise de dados A estatística descritiva foi utilizada para caracterização dos participantes. Para análise de dados, foi utilizado o software Assessment Data Manager (ADM), que acompanha o kit do Inventário de Comportamento da Infância e Adolescência (Achenbach, 1991). Os dados dos pais e dos professores foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences – SPSS 16. Resultados e discussão A Tabela 1 apresenta uma descrição geral dos dados obtidos nos questionários respondidos pelos pais e pelos professores das crianças. Entre os pais, os indicadores de internalização ficaram em torno de 33%, e de externalização, 23%. A ausência de indicadores de internalização ficou próximo aos 55% e de externalização, 66%. Borsa e Nunes (2008) corroboram com a indicação de ausência de externalização de 67,8%, mas apontam os demais indicadores diferentes, sendo 25,3% das crianças como grupo clínico e 49,3% como não clínico para internalização e 16,4% para grupo clínico de externalização. Tabela 1 – Incidência e frequência de problemas de comportamento relatados por pais e professoras (n=88). Indicadores Pais (CBCL) Professoras (TRF) Ausente 48 (54,5%) 68 (77%) Grupo Clínico 40(46%) 20 (23,5%) Ausente 58 (66%) 69 (78%) Grupo Clínico 30 (34%) 19 (22%) Internalização Externalização Foi realizado o teste Kappa para verificar a concordância entre pais e professoras nos indicadores de internalização e externalização. A concordância para indicadores de externalização foi significativa (p<0,01), embora ainda seja considerada baixa segundo os critérios de Landis e Koch (1977)2. Não houve concordância quanto aos indicadores de internalização, como pode ser observado na Tabela 2. 2 Os critérios de Landis & Koch (1977) são: Kappa <0=não há concordância; entre 0 e 0.19 –concordância pobre; entre 0.20 e 0.39 – concordância baixa; entre 0.40 e 0.59 – concordância moderada; entre 0.60 e 0.79 – concordância substancial; entre 0.80 e 1.00 – concordância quase perfeita. Aletheia 33, set./dez. 2010 75 Tabela 2 – Incidência média, desvio padrão, Kappa e nível de significância de indicadores de internalização e externalização relatados por pais e professoras (N=88). Pais (CBCL) Professoras (TRF) Kappa M Dp m Dp Internalização 57,64 10,17 51,82 10,51 0,14 0,14 Externalização 54,76 11,71 53,14 10,19 0,25 0,01 p< A diferença na avaliação das professoras e dos pais pode ser devido à convivência direta com muitas crianças ao longo de anos e os parâmetros normativos que acabam por utilizar ao comparar indivíduos, podendo ser restritivas, tendo em vista que as regras da escola acabam por reduzir a variabilidade de comportamento dos alunos. Já no contexto familiar, é, em geral, feito por alguém que convive com um número bem menor de crianças comparado a uma professora, ocasionando maior probabilidade de considerar desviante aquela criança cujas atitudes não se enquadram no padrão esperado. Em contrapartida permite que se observem melhor as nuances que escapam aos professores, como manifestações de internalização mais sutis (Bolsoni-Silva & cols., 2006), como encontrado no presente estudo. A média das respostas dos pais em relação ao comportamento das crianças foi, em geral, mais alta do que as relatadas pelos professores. Esse resultado discorda com a literatura que aponta que as crianças com problemas de comportamento têm dificuldade de lidar com desafios interpessoais e esses são muito mais presentes no ambiente escolar que na família. Isso poderia gerar uma avaliação aparentemente mais severa dos professores do que dos pais (Bolsoni-Silva & cols., 2006). Na Tabela 3 são apresentadas as análises de correlação de Pearson que foram realizadas a fim de examinar as comorbidades entre os indicadores de problemas de internalização e de externalização. Os resultados encontrados indicaram que, segundo os pais, há 75% de chance de haver a comorbidade, pois as duas variáveis estão fortemente associadas (p<0,05). Já as professoras indicam uma incidência menor, mas ainda significativa de 25% (p<0,001). Tabela 3 – Correlação entre os indicadores de problemas de internalização e problemas de externalização segundo pais e professoras. 1. 2. 3. 4. 1.Internalização CBCL - 0,75** 0,26** 0,31** 2.Externalização CBCL 0,75** - 0,06 0,48** 3.Internalização TRF 0,26** 0,06 - 0,25* 4.Internalização TRF 0,31** 0,48** 0,25* - *p ≤0,001 ** p≤0,05 76 Aletheia 33, set./dez. 2010 O presente estudo também investigou se havia diferenças entre os indicadores de internalização e externalização de acordo com sexo da criança. A Tabela 4 apresenta os dados obtidos na Tabela 1 separados por sexo da criança. Os indicadores de problemas de internalização, segundo os pais, são mais incidentes nos meninos (49%) do que nas meninas (40%). Já os professores, concordando com a literatura (Assis & cols., 2009; Merg, 2008) apontam mais meninas no grupo clínico (29%), contra 19% nos indicadores dos meninos. As professoras e os pais concordam que os meninos apresentam mais indicadores de problemas de externalização, 38% (segundo os pais) e 24% (de acordo com os professores) do que as meninas (18% e 17%, respectivamente). Tal dado pode ser justificado na literatura pelo fato de a criança assimilar os valores e atitudes da cultura em que vive de que o homem seja forte, independente, agressivo e dominante e a mulher dependente, sensível e afetuosa (Frigerio & cols., 2004; Merg, 2008). Tabela 4 – Incidência e frequência de problemas de comportamento relatados por pais e professoras nas avaliações em meninos e meninas. Indicadores Pais (CBCL) Professoras (TRF) Meninos* Meninas** Meninos* Meninas** Ausente 27 (51%) 21 (60%) 43 (81%) 25 (72%) Grupo Clínico 26 (49%) 14 (40%) 10 (19%) 10 (29%) Ausente 33 (62%) 25 (72%) 40 (76%) 29 (83%) Grupo Clínico 20 (38%) 10 (18%) 13 (24%) 6 (17%) Internalização Externalização * n=53; **n=35 Foi realizado um teste t de amostras independentes para comparar as diferenças de sexo das crianças nos indicadores de internalização e externalização (Tabela 5). A diferença não foi significativa entre meninas e meninos. Houve apenas uma tendência marginalmente significativa (p≤0,072) de que os meninos tenham mais indicadores de problemas de comportamento externalizante que as meninas. Não foi realizada a correlação de Pearson por sexo porque não houve diferença significativa na incidência de indicadores de problemas de comportamento entre meninos e meninas. Aletheia 33, set./dez. 2010 77 Tabela 5 – Incidência média, desvio padrão e nível de significância de indicadores de internalização e externalização em meninos e meninas. Internalização Pais (CBCL) Externalização Pais (CBCL) Internalização Professoras (TRF) Externalização Professoras (TRF) Sexo n m Dp F p Feminino 35 56,48 9,066 1,383 0,370 Masculino 53 58,41 10,86 Feminino 35 52,37 11,303 Masculino 53 56,33 11,809 Feminino 35 52,65 10,599 Masculino 53 51,28 10,519 Feminino 35 50,74 8,965 Masculino 53 54,73 10,709 0,387 0,001 0,118 0,120 0,001 0,552 0,551 0,075 0,062 0,072 Os achados na literatura sobre comparações de sexo sugerem que os pais costumam estar mais atentos às manifestações internalizantes de suas filhas, enquanto que os professores tendem a ressaltar mais manifestações externalizantes dos alunos do sexo masculino (Bolsoni-Silva & cols., 2006) o que discorda parcialmente então com os indicadores encontrados no presente estudo. Os pais ressaltaram mais indicadores de problemas, tanto de internalização quanto de externalização nos meninos, mas a diferença não foi significativa. As professoras também não apresentaram diferença significativa entre meninos e meninas (apenas uma tendência nesse sentido), o que pode levar a refletir sobre a literatura que afirma que os professores percebem e se preocupam mais com os sinais de externalização do que os de internalização, que normalmente acometem mais os meninos, pois geram mais problemas imediatos no ambiente escolar (Bolsoni-Silva & cols., 2006; Frigerio & cols., 2004; Newcombe, 1999; Merg, 2008;). De acordo com o DSM IV (APA, 1994), os problemas de atenção e comportamento desafiador são bem mais frequentes no sexo masculino. Segundo Crick, Bigbee e Howes (1996), meninos e meninas podem apresentar agressividade, mas a evidenciam de formas diferentes. Os meninos demonstram uma agressão mais aberta (chutes e empurrões) e as meninas tendem a envolver-se em formas mais sutis de agressão, indireta ou psicológica (espalhar rumores, recusa de amizade, excluir alguém do grupo). Este tipo de agressão relacional pode acontecer sem que os adultos consigam perceber, motivo pelo qual os problemas de externalização tendem a ser menos relatados em meninas. Considerações finais O presente estudo teve como objetivo geral investigar, segundo os pais, quantos alunos de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental de uma escola pública de Porto Alegre 78 Aletheia 33, set./dez. 2010 apresentavam indicadores de problemas de comportamento, bem como comparar com a avaliação realizada pelas professoras das turmas dessas crianças. Foram considerados tanto os indicadores de problemas de comportamento de externalização como os de internalização. Também se avaliou se fatores como sexo da criança e série em que estava na escola apresentavam diferençam em tais indicadores. No Brasil, ainda é escasso o número de trabalhos sobre a ocorrência de problemas de saúde mental infantil, sendo que especificamente as diferenças de perspectivas de pais e professores sobre a saúde mental são pouco debatidas no país (Assis & cols., 2009). Verifica-se nas escolas uma crescente preocupação quanto às manifestações de agressividade e violência apresentadas por alunos de diferentes níveis de ensino (Picado & Rose, 2009). Já em relação aos problemas de internalização que são comportamentos considerados problemáticos, mas que se restringem ao mundo interno da criança, não influenciando o ambiente diretamente, podem, por isso, passar despercebidos pelos cuidadores (Merg, 2008). De forma geral, os principais resultados corroboraram a literatura, que destaca que pais relatam mais problemas de internalização, por terem mais tempo para perceber sutis características dos filhos (Bolsoni-Silva & cols., 2006), e professores apontam mais os comportamentos de externalização, por serem os que prejudicam o ambiente escolar. Só houve diferença significativa na comparação entre pais e professoras nos indicadores de internalização, o que corrobora a literatura que afirma que no contexto familiar, em geral, a observação permite que presencie as nuances que escapam aos professores, como manifestações internalizantes mais sutis (BolsoniSilva & cols., 2006), além de também poder ser consideradas a história de vida e contexto familiar de cada criança. Além disso, se sabe que as discordâncias podem também refletir a subjetividade de cada participante, a variabilidade do repertório do comportamento infantil, algumas variações e erros inerentes aos instrumentos utilizados (Grietens & cols. 2003). Um dado alarmante e sobre o qual não foi encontrado parâmetro na literatura foi o alto índice de comorbidades entre problemas de internalização e externalização. Segundo as professoras, a comorbidade aconteceu em 25% dos casos e, para os pais, o indicador foi muito maior, apresentando 75% de comorbidade. Outros estudos devem ser realizados para confirmar este dado. Em relação ao sexo da criança houve uma diferença apenas marginalmente significativa, na direção apontada pela literatura, de que durante os últimos 30 anos, os meninos têm o maior número de encaminhamento para atendimento psicológico, por apresentarem, principalmente, problemas de comportamento e aprendizagem, detectado, na maior parte das vezes, pela escola (Merg, 2008). Ressalta-se que o presente estudo não teve um número equilibrado de participantes de sexos opostos, sendo 53 (60%) de meninos e 35 (40%) de meninas. Novos estudos podem ser realizados com a amostra com o mesmo número para ambos os sexos. Além disso, é provável que, com amostras maiores, seja possível detectar melhor eventuais diferenças entre os grupos, o que deve ser realizado por outras pesquisas. Novas investigações podem também investigar diferenças em relação à série das crianças, pois a literatura aponta que o momento de Aletheia 33, set./dez. 2010 79 entrada na escola pode gerar um aumento dos níveis de estresse e perturbação emocional nas crianças (Correia & Pinto, 2008; Oliveira & cols., 2002). A principal limitação do presente estudo é que a triagem fornecida pelo Inventário de Comportamento da Infância e Adolescência (Child Behavior Checklist – CBCL – Achenbach, 1991) versão para pais e professores (chamado de TRF – Relatório para Professores), não é diagnóstica, pois aponta apenas indicadores de problemas de comportamento. Seriam necessários estudos mais complexos, com diferentes instrumentos de avaliação, para confirmar a suspeita de problemas de comportamento. Um ponto forte do presente estudo foi a triangulação dos dados. Quando se fala em pesquisa com crianças, há que se buscar o maior número de informantes para se ter uma caracterização mais completa. Por isso os instrumentos de avaliação costumam ter versões para o cuidador, o professor ou a própria criança (Duarte & Bordin, 2000). Estudos semelhantes, comparando as respostas de pais e professores quanto ao comportamento dos alunos, foram encontrados apenas na literatura internacional (Ferdinand & cols. 2007a; 2007b; Frigerio & cols., 2004) e são extremamente necessários, considerando que nos primeiros anos de vida da criança, a família é o contexto mais importante. As pontes estabelecidas entre a família e a escola complementam e dão continuidade à atenção com as crianças (Merg, 2008). Ainda é necessário maior investimento em estudos que envolvam as famílias e as escolas das crianças, que integrem dados através de entrevistas, observações e instrumentos de avaliação a partir de um ponto de vista (Santos & Silvares, 2006). Espera-se, com este estudo, colaborar para um maior conhecimento sobre o desenvolvimento infantil e sobre a integração entre a família e a escola. Essas informações podem contribuir para planejamento de intervenções em problemas de comportamento infantil, ao promover a saúde mental das crianças. Referências Achenbach, T. (1991). Manual for the Child Behavior Checklist/ 4-18 and 1991 profile. Department of Psychiatry. University of Vermont, EUA. Achenbach, T. M., & Edelbrock, C. S. (1979). The child behavior profile: II. Boys aged 12-16 and girls aged 6- 11 and 12-16. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 47(2), 223-233. Alvarenga, P., & Piccinini, C. (2001). Práticas educativas maternas e problemas de comportamento em pré-escolares. Psicologia: Reflexão e crítica, 14(3), 449-460. American Psychiatric Association (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM-IV. Porto Alegre: Artmed. Assis, S. G.; Avanci, J. Q.; Pesce, R. P.; & Ximenes, L. F. (2009). Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Ciência e Saúde Coletiva, 14(3), 349-361. 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Endereço para contato: [email protected] Aletheia 33, set./dez. 2010 83 Aletheia 33, p.84-94,set/dez. 2010 Escrever uma vida: biografia e acontecimento Sara Hartmann Tania Mara Galli Fonseca Resumo: Este artigo discute a temática da escrita de vida, a partir de um campo de problematizações em que ela difere de uma ordenação dos signos que aparecem ao pesquisador. Integra a experiência de escrita com vidas de arquivo do projeto de pesquisa “Potência Clínica das Memórias da Loucura”, cujo campo é o Acervo da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. A investigação teórica do conceito de acontecimento, com Gilles Deleuze, faz da escrita uma seta para o que mais pode um corpo, uma pesquisa, uma linguagem. A tarefa que se coloca é a de extrair de uma vida suas potencialidades, na aspiração de ser justo com o que dela insiste, e resiste em ser significado. É assim que se encontra o biografema, ferramenta de escrita de vida proposta por Roland Barthes, que sugere uma procura pelos pormenores injustificáveis de uma existência. É contar o que dela sobrevive à tentação de torná-la inteira, total, autoexplicativa. Procura traduzir-se, assim, a vida em estado de criação, enquanto índice de singularidades que ultrapassam a existência pessoal. Palavras-chave: Escrita, Hospital Psiquiátrico, Acontecimento, Biografema. To write a life: Happening (événement) and biographeme Abstract: This article discusses the theme of life writing, in a field of problematization in which it differs from an ordering of signs that emerges to the researcher. It integrates the experience of writing lives of archive, in the research project “Clinical Potency of Memoirs of Madness”, whose field is the Collection of the Creativity Workshop in São Pedro Psychiatric Hospital, in Porto Alegre. The theoretical investigation on the concept of happenning (événement), by Gilles Deleuze, makes of writing an arrow pointing to what else can a body, a research, a language. The task that arises is that of extracting of a life its potential, on the aspiration of being fair to what insists, and resists to be signified. It is in such a way that we find the biographems, Roland Barthes’ life writing tool, that suggests a search for the unjustifiable details of an existence. To tell what survives to the temptation of making it fulfilled, total, self-explanatory. We seek to translate, therefore, life in creation state, such as an index of singularities that goes beyond personal existence. Keywords: Writing, Psychiatric Hospital, Happening (Événement), Biographeme. Campo problemático O que dizer de uma vida? Essa é a pergunta que movimenta a escrever, desde nosso encontro com certas vidas que, insistentemente, escrevem-se ou são escritas nos registros de um hospital psiquiátrico1. Trata-se de vidas que habitam papéis e 1 O projeto de pesquisa “Potência Clínica das Memórias da Loucura”, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem como eixo a temática de investigação de vidas, arte e loucura. Ele se desenvolve junto ao Acervo da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em torno de obras expressivas de moradores ou antigos moradores do hospital. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEP-PSICO), sob o Protocolo de Pesquisa número 2010021. Este artigo, ainda, deriva da dissertação de mestrado “Vida por um fio de escrita”, defendida por Sara Hartmann em abril de 2011, sob orientação de Tania Mara Galli Fonseca. algumas fotografias, em um conjunto de registros traçado a diversas mãos: aquelas dos próprios internos ao hospital, de médicos, de enfermeiros, de psicólogos, de estagiários. É no Acervo da Oficina de Criatividade, portanto, que esses documentos foram reunidos, a fim de preservar a produção ali realizada desde 1990 até hoje – a qual já soma aproximadamente dez mil trabalhos –, e de garantir a possibilidade de exploração de sua potência expressiva. Para tanto, o Acervo conta ainda com diários de registro, fotografias de atividades, trabalhos acadêmicos, notícias de jornal e convites de exposições. Foi a partir da afetação com as produções dos internos que passamos a nos interessar por suas histórias de vida, em busca de possíveis correspondências entre vidas e obras. Os prontuários de internação, assim, passaram a compor também a pesquisa, sem que com isso fosse possível assentar nosso inquietante trânsito entre esquecimento e memória. Já que, a princípio, toda vida escrita parece estar envolta por uma neblina densa, a partir da qual conclusões soam abusivas. Mas eis que descobrimos, aos poucos, questões pertinentes ao ambiente em que se vasculha, as quais ultrapassam as vidas pessoais. Estamos mergulhados em um arquivo que inclui, portanto, produções dessas vidas, sabendo que, dali em diante, será como doar calor a um corpo, na aspiração de dizer o que ele nos provocou. As vidas do arquivo já nos arrastaram, e cremos que podem arrastar os sentidos de quem delas se aproxima. Pensamos as vidas, desde esse encontro, como compósitos de signos soltos, os quais invocam planos possíveis de serem compartilhados. Trata-se de um espaço entrevidas, portanto, o que produz rumor. É o que faz uma vida – esta ou aquela, qualquer e irredutível – deixar rastros atrás de si. Sabemos estar longe, e cada vez mais perto, de algo que não deixa de ser uma passagem, já que dessas existências tomamos o que pôde proliferar em nós. Elas, por sua vez, vão nos tomando a imaginação, prenhes de muitas outras. A certo ponto, perguntamo-nos se não se trata dos possíveis de uma qualquer vida, e não de muitas vidas diferentes. Ainda, basta dizer que entre as altas paredes do hospital encontramos muitas sombras inexploradas. Investigá-las nos lança em espaços em branco, procurando povoar aquilo que habita os registros. Dedicamo-nos a efeitos de real: “é uma cena pintada que a linguagem assume” (Barthes, 2004, p.186). Quando tomar a realidade como aquilo que se apresenta, numa ideia de mundo concreto e dado, não passaria de resistência ao sentido. Acreditamos que o que vive pode significar e variar. Toda vida que se quer escrever, assim, precisa ser inflada a partir de seus rastros. São traços com os quais se escolhe inscrever, organizar, justificar, ilustrar, irromper ou reviver. A maneira de proceder vem responder à pergunta: o que caberá aos idos? Questão mais espinhenta, quanto o que se vai fazer não contará com uma voz de retorno. Suas vidas servirão, assim espera-se, para abrir caminho entre aquelas de um jeito ou de outro escarnecidas, encerradas. Para Foucault (2006), a escrita de vidas infames formava cristais de acesso a mundos. Algo lhe parecia insistir sob palavras lisas como pedra. Aqui, escolhemos fustigar uma tranquilidade tacitamente assumida, segundo a qual o que está dito fica sem pronunciação póstuma. São agitações demais em um encontro para que pudéssemos passar os olhos e seguir, sem parada. Dali não se pode sair incólume, Aletheia 33, set./dez. 2010 85 já que não é de se esperar pés sem marcas após uma caminhada sobre pedregulhos. Ou escolhe-se fazer outra coisa. Adentraremos, para tanto, algumas temáticas que foram construindo a presente reflexão. Trataremos de experimentar campos sem procurar explicitar, de antemão, todas as conexões entre eles. Ao final, será proposta a estratégia metodológica de escrita de vida chamada biografema, a partir da qual intentaremos reunir as contribuições desenvolvidas ao longo do artigo. Convidamos ao leitor para esse (des) caminho, que só tem como guia a pertinência ao tema da escrita, desde produções com a loucura e a desrazão2. Acontecimento O encontro com vidas de arquivo faz-nos alargar a ideia de tempo para além da cronologia. Surge um tempo irregular, povoado de intensidades, algo das quais passa a nos aparecer mesmo longe dos papéis do hospital. Isto, do qual não sabemos o nome, toca o pensamento e sugere quanto ao que pode ser pensado com tais vidas. Já não se é o mesmo: as existências envolvidas vão sendo recolocadas em relação a uma referência que se move. Deleuze (2007), em seu exercício retumbante em torno de uma lógica do sentido, deixa pistas que tomamos em nosso caminho. Assim, deparamo-nos com a fórmula segundo a qual o que acontece não remete apenas a fatos e horas dizíveis. Tomamos alguns simples indícios: como situar o início e o fim de uma transformação que se dá em nossa vida? Como explicar o encontro com certo objeto que, nunca antes visto, faz retornar uma fraca memória? Alguns fatos parecem constituir uma bolsa paralela à organização temporal em etapas. Todo acontecimento, nesse sentido, é uma névoa, uma história embrulhada. Não se pega com as mãos, nunca, a ação do passar-se. Passa-se por ela, ou melhor, algo passa através nós, e imediatamente segue uma linha que nos ultrapassa. Trata-se de “uma parte sombria e secreta, que não para de se subtrair ou de se acrescentar a sua atualização” (Deleuze, 1992, p.202), assim como a fugidia liberação de fumaça para cada fibra de madeira queimada. Assim, é como se para cada estado de corpos dado, algo tivesse se guardado, e seguisse em sobrevoo àquilo que se atualizou. Impossível de ser esgotada, em cada efetuação, toda a potência de certo estado. Por isso, essa parte do acontecimento adquire caráter imaterial e incorporal, no que é pura reserva em relação à efetuação; no que aponta para o que mais pode um corpo, um estado de corpos, uma situação qualquer. Só é possível, então, falar de uma vida enquanto toque no transcendental. Vida impessoal, incapturável, que precisa ter seu tempo desenrolado. Havendo no acontecimento uma parte que sua própria realização não basta para realizar, instaura2 Importante aqui distinguir esses dois termos, os quais reaparecerão ao longo do artigo. Para tal, valemo-nos do trabalho de Pélbart (1989). A desrazão se refere a uma modalidade de experiência exterior à razão, e por isso não contraditória a ela, mas com a qual uma comunicação não está excluída. A loucura, por sua vez, diz respeito ao que foi trazido à intimidade objetivante do asilo. Saber esvaziado de seu conteúdo e desarmado de seus poderes, que já não manifesta qualquer caráter inumano. Ele pode, assim, ser capturado. Nesse sentido, a desrazão foi capturada como loucura. 86 Aletheia 33, set./dez. 2010 se uma duração, em que passado e futuro acompanham o presente. Um tempo próprio, portanto, este do acontecimento: Aion3 infinitamente subdivisível, sempre já passado e eternamente por vir. Tempo que se estende em linha reta, ilimitada nos dois sentidos, percorrida constantemente por um instante aberto, de modo que não retorne senão o tornar-se. O que não se pode capturar, esta espécie de núcleo duro do acontecimento, tomamos aqui como o que nos dá sinal e nos espera em direção ao que pode ser mais potente. Convergir ao que ultrapassa a efetuação, aparece-nos enquanto abertura, mas que só pode envolver destruição, no que concerne a formas já cimentadas de viver. Acontecimento sempre fundado em algo, e muito grande para qualquer um. Impossível desfazer-se dessa ambiguidade, desse crescimento em mão dupla, de maneira que remontar o acontecimento envolveria, primeiro, não restringi-lo. Vislumbramos, para a escrita a partir do acontecimento, a necessidade de uma linguagem hesitante e fragmentada. Linguagem que operaria como verbo no infinitivo, destacada das conjugações. Que poderia dizer, simultaneamente, da efetuação em um corpo e do efeito incorporal do acontecimento. Tomamos o exemplo escrever: envolve e nele está envolvido o ato de escrita, os escreventes, os papéis rabiscados, ou seja, é o que se atualiza em cada um desses elementos, e o que guarda ainda uma reserva em relação a cada um. O sentido de um acontecimento é então o próprio acontecimento, ou seja, a expressão de algo que vem à tona. O seu poder de gênese não respeita as formas estabelecidas, nem remete o novo a alguma significação já dada. Mas coloca-se como algo que, a despeito de todas as formas que encarna, e das quais depende, resta ainda como potencia de mais efetuar e diferir. Um acontecimento, assim, diz respeito mais ao devir do que aos estados. Ele invoca o povo em um corpo, o múltiplo em cada um. Para Rajchman (1991, p.60), “o acontecimento não chega nunca ao sujeito; é por isto que o sujeito se torna outro que aquele que ele é”. Sabemos, assim, que quando vidas se esbarram, elas diferem em relação ao que vinham sendo. Acontecer aponta às intensidades de cada ponto de um corpo criado no contato. Nesse caso, contato entre as vidas escritas em arquivo e aquelas vidas leitoras/ pesquisadoras, que reescrevem a partir do que leem, não sem serem impulsionadas por afetos provocados na leitura. Escrever uma vida, assim, não levará ao reconhecimento de traços ou rostos, mas a um retraçar constante, em que caberá aos leitores posteriores, ainda, um fechamento. Toque indizível Sempre o que passou, e ainda passará, a morte revela o impessoal da existência, escapando a si mesma e aos homens. Nunca é experimentada agora. Em um texto fino e forte, Deleuze (2002, p.12-13) assinala este momento em que “a vida do 3 Aion e Cronos são duas leituras do tempo. Em Cronos, o presente preenche o tempo: passado e futuro são dimensões a ele relativas. No tempo Aion, passado e futuro insistem, o instante é instância que os percorre, subdividindo o presente (cf. Deleuze, 2007, p.167-173). Aletheia 33, set./dez. 2010 87 indivíduo deu lugar a uma vida impessoal, mas singular, que desprende um puro acontecimento, liberado dos acidentes da vida interior e da vida exterior”. Na extremidade da morte de algumas das vidas com as quais nos ocupamos, morte muitas vezes anunciada em diários de registro da oficina, há a abertura de uma região de sentido. Aparecem aos poucos alguns personagens comovidos, sejam trabalhadores, sejam internos do hospital, e retomam-se rituais cotidianos em figurações de ausência que trazem à tona, mais do que uma individualidade, uma certa força que parece persistir. É momento em que algo agarra as palavras, algo que fez, com tais pessoas, uma passagem. Tomando da morte sua finura e peso, o encontro com esses escritos aponta para a especificidade desse acontecimento que nos toca, o de vidas que desaparecem deixando atrás de si o silêncio ou o grito, mas nunca uma existência assentada e apaziguada. Resta conosco um conjunto de traços, experimentações, derivações. Momento sobre o qual ninguém se apodera, na proximidade e cercados da morte, quem trava embate? O quê? É uma vida que toma ainda lugar, insistindo próxima ao desaparecimento. Leva-nos a um campo o qual não tem a forma de uma consciência sintética ou de uma identidade subjetiva. É porque há no que acontece algo mais que toma lugar, que podemos ainda escrever essas vidas. O que não é nem individual, nem pessoal, lembra Deleuze (2007), são as emissões de singularidades. Os verdadeiros acontecimentos e as singularidades que neles circulam são um momento de ser; o primeiro momento pré-individual, suposto por todos os outros. Trata-se de alguma coisa que se destaca, com a propriedade de capturar do pré-individual um pedaço de ser que é expressivo sendo pedaço, e ainda não encerrado em um indivíduo. Os bebês são que provêm imagens dessas singularidades, através de um sorriso, uma careta, um pedido que compõem com o ar em que se colocam, sem estarem ligados a uma pessoa identificada. Para a construção das individualidades, as singularidades serviriam de princípio: cada indivíduo envolve um certo número de singularidades e exprime as relações entre elas, fazendo-o em relação ao seu próprio corpo. Cria-se um corpo com o mundo na individuação, valendo-se do que nele preexiste, sempre através de uma atualização pela diferença. Dramatização de forças a partir de uma espécie de ovo, reduto de instâncias dinâmicas. Dele retira-se a matéria pré-individual, a fim de que se arme uma individuação. Como condições da experiência, haveriam “intensidades puras envolvidas numa profundidade, num spatium intensivo que preexiste a toda qualidade assim como a todo extenso” (Deleuze, 2006, p.132). A individuação seria intensiva, e a intensidade, diferença, de maneira que as diferenças de intensidade entram em comunicação por um elemento precursor, indicador de caminho. Nessa compreensão, o sujeito só pode ser larvar, ou seja, ainda um esboço, dormente de possibilidades. O núcleo duro do acontecimento é então uma porção irredutível de préindividual, que passa pela operação de individuação, sem ser efetiva ou totalmente individuada. Desde o que toda vida é um processo de demolição, como já pontuamos, e escreveu Fitzgerald (citado por Deleuze, 2007): em direção ao impessoal, à 88 Aletheia 33, set./dez. 2010 abertura, ao irredutível. Tratá-la diferente disso envolveria, necessariamente, um cercamento; tratá-la desse modo desafia as formas de expressão da linguagem. Experimentar com a linguagem A escrita dessas vidas se situa no cruzamento entre linguagens de razão e desrazão. Por um lado, há a escrita que se vale de um saber sobre o desvio identificado na loucura, saber que procura afirmar sua posição através do exercício de determinadas práticas. É o caso dos registros em que aparecem juízos sobre o valor deste ou daquele comportamento, e que nos colocam frente ao desafio de não valorar, também nós, seja o que é descrito, seja a posição desde a qual esse saber escreve. Por outro lado, as produções dos internos fazem abalar os modos de enunciação de que fazem uso os profissionais da saúde e também a pesquisa, de maneira a fazer passar, na escrita, algo antes insuspeito, algo que toma lugar nas palavras a partir de um contato com a margem do que possibilita os regimes de significação. Podemos dizer, a esse respeito, que se trata de uma linguagem fazendo passagem abaixo do sentido, quando signo, paixão e ação do corpo se confundem. As palavras parecem ser capazes de atos diretos, de invasões sem mediação em relação aos corpos. A vida, constantemente em risco. Toma lugar uma espécie de força subterrânea incontrolável, diante da qual a palavra não recolhe ou exprime um efeito incorporal do acontecimento, sendo que esse não se distingue de sua efetuação. Assim, são corpos mergulhados à profundidade dos afetos, sem poder emergir através de alguma linha que selecione esta ou aquela direção. Procurando adentrar essa profundidade, vamos encontrar o reverso da organização almejada pelos saberes sobre a loucura. São forças que abalam aquilo que se reconhece como individualidade, provocando certa indistinção entre fazer uso da linguagem e tomar carne pela palavra. Para muitos autores (Pélbart, 1989; Deleuze, 2007; Foucault, 2009), trata-se do que margeia e permite mesmo toda organização, um campo onde só há as forças que tudo compõem. Dizendo de outra forma, em relação ao acontecimento: “O pensamento nasce de uma paixão, no bordo da fissura. Mas se a sua fenda se aprofunda e se agrava, se sua falha incorporal aí se vem encarnar, é então a superfície toda inteira, e a possibilidade mesma de pensar, que se afunda no sem-fundo” (Rogozinsky, 1991, p.76-77). Quanto a essas produções, de todo modo, não se trata sempre de um espaço semfundo. Se por um lado são palavras e formas que invadem, e a impressão é de a vida tornar-se um fio tênue, equilibrando-se nas folhas de desenho; por outro, é a própria produção que parece lançar os corpos em algo que escapa à completa captura, ainda que escape também com fragilidade. Muito particularmente, é o que pode ser percebido em desenhos e escritas que colocam em questão práticas do próprio hospital, como aquela que serve de denúncia ao embaralhamento entre nomes próprios e remédios ingeridos4. 4 Aqui nos referimos aos trabalhos de Cenilda Ribeiro, interna falecida em 1999. Sua produção tematiza a vida cotidiana do hospital e as práticas que ali tomam lugar. Cf. Hartmann (2011). Aletheia 33, set./dez. 2010 89 Passamos a nos perguntar, então, que corpo tem sua potência de pensar efetuada como um adoecer? Deleuze, sobre Nietzsche, diz que a doença lhe dá uma nova causalidade, “um estilo em uma obra no lugar de uma mistura no corpo” (Deleuze, 2007, p.111). Nova causalidade, portanto, que inspira toda a obra e coinspira a vida. Ao escrever com essas vidas, portanto, abre-se a nós o espaço de uma tomada de posição em relação ao que lhes cabe, ao que significa seus trabalhos, a de que são capazes. Espaço que se coloca em todo trabalho com vidas, e que não é exclusivo ao movimento da pesquisa. De todo modo, é o perigo e a potência que envolve todo registro de uma vida, na medida em que a escrita também se constitui como uma prática que tem efeitos sobre os corpos dos quais escreve. Sob outra perspectiva, perguntamo-nos ainda como escrever a partir da vertigem em que se situam (e nos situam) as produções de internos de um hospital psiquiátrico. Vertigem que é fonte de estranhamento, com o qual procuramos habitar o espaço intervalar a que somos lançados. Espaço, em todo caso, topologicamente preenchido, sem vazios de um ponto a outro, onde razão e desrazão não são extremos opostos, mas condensações provisórias de forças. É assim que uma espécie de língua estrangeira toma lugar, um tênue desligamento de que nos servimos para dizer tais vidas. Pois se é possível habitar o rio do acontecimento, mergulhando em seu fluxo, é de onde se sai com pedaços de vivência, fragmentos de estória. Impossível sobrevir sem esquecer e transmutar. Com Nietzsche (2005) e a inquietação pelas fissuras, invocamos ainda, em nosso socorro, a potência da força a-histórica, impura e infiel ao montante historicista. Da problematização do culto à história como possível engessamento do porvir, desponta um movimento de cegueira e infidelidade como condição para um futuro vigoroso. É o intempestivo: agir contra o tempo, e assim sobre o tempo, em favor de um tempo por vir. Seria trabalhar a partir de acontecimentos que na história se atualizam, e que, eles mesmos, fraturam também o tempo, em uma leitura que religa a história ao infinito. Faz parte de nosso trabalho, ao escrever tais vidas, esquecer a afirmação pela qual elas estão encerradas na infâmia e/ou na genialidade. Esquecer nesse sentido nietzschiano, ou seja, o de deixar de afirmar algo que impera, de lançar-se em outra direção, a fim de potencializar o que pode vir a ser. Assim, pretendemos nos desviar do saber que se diz supra-histórico sobre a loucura, legitimado através de práticas no hospital. Toma-se um ar à frente, em um movimento rápido que levanta poeira. Anda-se em névoa, com a afirmação da vida através de algo singular; nem um abismo indiferenciado, nem identidade reconhecida. Considerando, com Deleuze (2007), cada vida como um lance de dados que faz parte de um mesmo lançar, fragmentado e reformado em cada lance. A vida, assim, é digna de mais do que uma história encerrada. Coloca-se, para nós, a necessidade de buscar novas formas para dizer novas vidas que, em seus próprios modos de se fazerem, questionam toda significação já dada, todo rebatimento em esquemas estabelecidos, todo modo de escrever e descrever pela identificação e linearidade. Justamente ao fazerem mal-uso da linguagem, seja valendo-se dela, seja através de atos que falam por si só, desafiando o que poderia, com facilidade, ser dito dela. 90 Aletheia 33, set./dez. 2010 O biografema A partir do corpus criado no contato com documentos como prontuários, diários de registro, fotografias, desenhos e escritos, a experiência com os arquivos e ritmos de vidas internas em uma espécie de interior faz suas trajetórias aparecerem fortes e intrincadas. Cada incidente, nessas vidas, é justamente indizível como totalidade, e escapa à possibilidade de integrar uma história encerrada de vida. Da mesma forma, o acontecimento não é dizível, nem buscado em seu incorporal, se não provoca uma linguagem a abalar-se em seu caráter explicativo. Quando a pergunta é por ferramentas para contar uma vida, aparece Barthes, para quem “os fragmentos são então pedras sobre o contorno do círculo (...) cada peça se basta, e no entanto ela nunca é mais do que o interstício de suas vizinhas” (Barthes, 2003, p.108-110). Ganha valor a opacidade e a beatitude presentes em elementos singulares, como um sorriso, uma flexão, o transcorrer de um dia, uma estação. O artigo indefinido – um, uma, uns – é então uma espécie de índice, no caminho de uma vida que está em toda parte, que é a potência completa. Tratávamos de sublinhar a importância de uma linguagem inventada que avise sempre do inexato, saboreando a distância entre as coisas e as palavras (Amarante, 2006). Distância, justamente, encarnada e experimentada irredutivelmente na experiência da desrazão. Uma língua junto a essas vidas, então, nunca será completamente pronunciável, e sim, ruminada desde tal encontro irruptivo. Dá-se uma experiência do Fora5, estrangeiridade como borda em que vida, obra e pensamento aparecem indiscerníveis. Riscar, resmungar, chorar, correr essas vidas, são palavras-ações que emanam dos encontros, e para as quais a escrita com essas vidas aponta. No lugar, portanto, de fazer uma biografia dessas vidas, no sentido de uma escrita que se pretende completa e explicativa, almejamos deixar fragmentos que sejam justos ao que delas insiste. Já que a vida completa é inacessível e mesmo perigosa, pelo espaço de uma interpretação que é dado a quem escreve. Além disso, o que seria mais árido ao porvir do que fazer de vidas tão hesitantes, tão potentes, a pequena história de uma perdição ou má-sorte, ou a monumental superação de uma dificuldade? Através de uma língua hesitante, arejada, que possua frestas para a formação de outros rostos com novas leituras, queremos que tais escritas possam ser mesmo infiéis a nós, justas apenas com a potencialização da vida. O biografema é justamente delineado por Barthes como escrita de vida que não é redonda, interpretativa, fechada sobre si. Trata-se de fragmentos “cuja distinção e mobilidade poderiam viajar fora de qualquer destino e vir tocar, à maneira dos átomos epicuristas, algum corpo futuro, prometido à mesma dispersão” (Barthes, 2005, p.172). Falar uma vida, portanto, que insiste como acontecimento. O sentido sendo o possível expresso dos encontros. Sentido incapturável, muitas vezes, para quem escreve. Na ambiguidade do acontecimento está sua face íntima que é, ao mesmo tempo, impessoal. Experimentá-lo, portanto, envolve refazer para si um nascimento, a partir da “intuição volitiva ou transmutação” (Deleuze, 2007, p.152) que se engendra. Ser filho 5 “Fora” enquanto espaço disforme, de forças não efetuadas, margem que tenciona o mundo formado. Aletheia 33, set./dez. 2010 91 de seus próprios acontecimentos: que mais do que viver como quem busca o que está no que lhe acontece? Vida, assim, não será um jogo em torno do que lhe falta. A desrazão, justamente, deve reaparecer por sobre a forma da loucura, que quer encerrar as potencialidades de existências submetidas aos mais duros regimes de significação. Essas vidas puderam se lançar em espaços insuspeitados, em territórios que passaram a ser existenciais, a despeito do empobrecimento em que consiste todo regime hospitalar. O esgotamento e o vazio do enclausuramento não podem ser tomados de outro modo que não como uma morte. Essa morte, todavia, deve ser encarada e povoada, na medida do possível, a fim de impossibilitar que mais vidas sejam a ela submetidas. Aquelas que são contadas, assim, apreendem-nos como os animais que povoam quem se ama. Tratamos de ligar às nossas, as multiplicidades que elas encerram, fazendo penetrarem-se. Não quaisquer, nem qualquer. Mas da vida aquilo uma, que insiste em singularidades. A fim de tornar seus percursos menos aqueles caracterizados por infelicidades pessoais, e mais como conjunto de potências singulares. Impossível, assim, escapar destas palavras, a respeito do ator e a efetuação do acontecimento: Esta efetuação cósmica, física, ele a duplica com uma outra, à sua maneira, singularmente superficial, tanto mais nítida, cortante e pura por isso mesmo, que vem delimitar a primeira, dela, libera uma linha abstrata e não guarda do acontecimento senão o contorno e o esplendor (Deleuze 2007, p.153) O viver, aqui, inseparável de uma força seletiva: no que acontece ele seleciona o acontecimento puro. Liberar para cada coisa, portanto, sua “porção imaculada”, é encarnar, viver essas vidas atravessando as salas, as fotografias, as horas. Perseguir um rumor que se distende, e vir a cair no canto oposto. Em pedaços, levantar e tomar ar, procurar-se. A viagem torna-se vertigem, e (re)torna casa. Um amigo insinuante, a dizer “vê comigo, lê comigo” essas vidas e seus povos, faz-se necessário (Bedin, 2008). O biografema pode se efetuar como uma companhia tangível, que puxa linhas de alguém para abaixo do nariz de quem lê. Seu critério é a paixão que abre o corpo, assim como um amigo ou amante ensina sem anunciar. As vidas, cujo vislumbre em arquivo são sempre parciais, são meiamadas. Leem-se e escrevem-se, portanto, as existências que são deslocadas a cada encontro expressivo. Linhas de uma vida são lançadas desde o meio de um internamento, que ainda assim é exterior. Que existências senão as que se debatem, ressuscitadas desde as batalhas de expressão? Na esteira de um corpo em pedaços como as estrofes de uma poesia que sustenta as palavras pesadas. Já que “o biografema nada mais é do que uma anamnese factícia: aquela que eu atribuo ao autor que amo” (Barthes, 2003, p.126), mistura-se prazer e esforço pela justeza de uma força. Que dizer de desejar a ferida que se nasce para encarnar? Querer o indizível da paixão que certa existência movimenta, até dizer o mínimo mais potente. A escrita biografemática faz parte de um rumor, se afirma a dupla causalidade dos acontecimentos, corporal e incorporal, como o que potencializa a vida, abala algo do entrave a uma contraefetuação. Em que a doença não é apenas ausência. No ponto móvel e preciso em 92 Aletheia 33, set./dez. 2010 que os acontecimentos se reúnem, em que se enseja operar transmutação. Transformarse dentro da incompletude de uma vida. Fazer aparecer o que só fica com as costas voltadas. A ferida concernente às vidas, parte da fissura que cada um desenvolve ao longo de sua existência, e que a cada um antecede, é o que nunca se possui. Escrever a partir dessas considerações passou a ser um desafio do grupo de pesquisa “Potência Clínica das Memórias da Loucura”, e da equipe do Acervo da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro. E ainda, uma espécie de compromisso com o que estamos ajudando a fazer dessas vidas. O grupo tem produzido diversos trabalhos, acadêmicos e não acadêmicos, a partir dessas vidas e suas produções6. Referências Amarante, A. H. P. do (2006). Ética do acontecimento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Barthes, R. (2003). Roland Barthes por Roland Barthes. São Paulo: Estação Liberdade. Barthes, R. (2004). O efeito de real. Em: R. Barthes. Rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes. Barthes, R. (2005). Sade, Fourier, Loyola. São Paulo: Martins Fontes. Bedin, L. (2008). A vida em escrileitura: biografemas e o problema da biografia. Projeto de Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Deleuze, G. (1992). O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34. Deleuze, G. (2002). A imanência: uma vida... Educação & Realidade, 27(2), 10-18. Deleuze, G. (2006). O método da dramatização. Em: G. Deleuze (Org.), A ilha deserta: e outros textos (pp.129-154). São Paulo: Iluminuras. Deleuze, G. (2007). Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva. Foucault, M. (2006). A vida dos homens infames. Em: Manoel Barros da Motta (Org.). Ditos e Escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Foucault, M. (2009). História da Loucura: na idade clássica. São Paulo: Perspectiva. Hartmann, S. (2011). Vida por um fio de escrita. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Nietzsche, F. (2005). Segunda consideração intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida. Em: F. Nietzsche. Escritos sobre história (pp.67-178). São Paulo: Loyola. Pélbart, P. P. (1989). Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão. São Paulo: Editora Brasiliense. Rajchman, J. (1991). Lógica do sentido, ética do acontecimento. Em: C. H. Escobar 6 Destacamos o trabalho realizado para a Exposição Eu Sou Você, incluindo o site eusouvoce.com.br e o Catálogo Eu Sou Você, no prelo. Aletheia 33, set./dez. 2010 93 (Org.), Dossier Deleuze (pp.56-61). Rio de Janeiro: Hólon Editorial. Rogozinsky, J. (1991). A fissura do pensamento. Em: C. H. Escobar (Org.), Dossier Deleuze (pp.73-77). Rio de Janeiro: Hólon Editorial. _____________________________ Recebido em 17/09/2010 Aceito em 11/03/2011 Sara Hartmann: Psicóloga, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. Tania Mara Galli Fonseca: Psicóloga, professora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional e de Informática Educativa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. Endereço para contato: [email protected] 94 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.95-108, set./dez. 2010 Priming semântico em crianças: efeitos da força de associação semântica e frequência do alvo Candice Steffen Holderbaum Jerusa Fumagalli de Salles Resumo: O priming semântico é um tipo de memória implícita que se caracteriza pelo efeito facilitador de um estímulo precedente no processamento de um estímulo posterior, causado pela relação semântica existente entre os dois. O objetivo deste estudo foi verificar relações entre os efeitos de priming semântico em crianças de 3ª série do Ensino Fundamental e as variáveis força de associação entre prime e alvo e frequência do alvo. Para isso, foram feitas correlações entre estas variáveis. Os resultados mostraram que quanto maior a frequência de ocorrência da palavra-alvo, mais rápidas e precisas eram as respostas das crianças na tarefa de decisão lexical. Além disso, verificou-se uma fraca correlação negativa entre a força de associação prime-alvo e as variáveis tempo de reação e precisão das respostas. Estes achados trazem implicações para a construção e interpretação de tarefas/experimentos de avaliação de funções cognitivas com estímulos linguísticos. Além disso, demonstram há necessidade de controlar e/ou manipular certas variáveis psicolinguísticas dos estímulos para aumentar a qualidade dos experimentos. Palavras-chave: Priming semântico; Força de associação; Frequência. Semantic priming in children: Effects of prime-target association strength and target frequency Abstract: The semantic priming effect (SPE) can be understood as an improvement in performance derived from the context, in which a target processing is facilitated by the preceding stimulus (prime) because of a semantic association between them. This study aimed to verify if the association strength between prime and target and the frequency of the target is related to semantic priming effects found in third graders. For that, tests of correlations were done among these variables. Data demonstrated negative correlation between frequency of the target and variables reaction time and error percentage. Besides, it was also found a weak negative correlation between these variables and the association strength. These findings bring implications to the construction and interpretation of tasks and experiments that evaluate cognition with linguistic stimuli. Moreover, they demonstrate the need to control or manipulate some psycholinguistic variables of the stimuli in order to improve the quality of the experiments. Keywords: Semantic priming; Association strength; Frequency. Introdução Diversos estudos têm relatado a influência de variáveis na existência e magnitude do efeito de priming semântico em crianças e adultos (Busnello, Stein & Salles, 2008; Nation & Snowling, 1999). O objetivo do presente estudo foi avaliar se as variáveis frequência do alvo e força de associação semântica prime-alvo se correlacionavam ao efeito de priming semântico encontrado em crianças estudantes da 3ª série do Ensino Fundamental (Holderbaum, 2009; Holderbaum & Salles, no prelo). Priming semântico Aproximadamente quatro décadas se passaram desde que Meyer e Schvaneveldt (1971) publicaram seu experimento sobre priming semântico. Deste período até a presente data, diversos estudos foram feitos com o objetivo de avaliar o efeito de priming semântico em crianças (Assink, Bergen, Teeseling & Knuijt, 2004; Betjemann & Keenan, 2008; Hala, Pexman & Glenwright, 2007; Schvaneveldt, Ackerman & Semlear, 1977; Simpson & Lorsbach, 1983; Simpson & Lorsbach, 1987; Torkildsen, Syversen, Simonsen, Moen & Lindgren, 2007), adultos (Basnight-Brown & Altarriba, 2007; Coney, 2002; Davenport & Potter, 2005; Frost & Bentin, 1992; Hutchison, 2007; McNamara, 1994; Nobre & McCarthy, 1995; Perea & Gotor, 1997; Perea & Rosa, 2002; Valdés, Catena & Marí-Beffa, 2005) e idosos (Giffard, Laisney, Mézenge, Sayette, Eustache & Desgranges, 2008; Hernandez, Costa, Juncadella, Sebastián-Gallés, & Reñé, 2008; Rogers & Friedman, 2008). O priming semântico ocorre quando um estímulo precedente (prime) facilita o processamento de um estímulo posterior (alvo), devido a relação semântica existente entre os dois (Salles, Jou & Stein, 2007). Essa facilitação é verificada atráves da diminuição do tempo de reação e do aumento da precisão da resposta na tarefa (leitura ou decisão lexical) na condição estímulos relacionados semanticamente, comparado a condição controle. O cálculo desta facilitação, conhecida como magnitude do efeito de priming semântico, é feito através da subtração dos valores encontrados na condição controle (estímulos não relacionados semanticamente, prime não linguístico ou ausência de prime) e dos valores da condição com prime relacionado. Em um experimento típico de priming semântico, pares de estímulos linguísticos são apresentados aos participantes. O primeiro estímulo do par (prime) em geral não exige nenhuma resposta por parte do participante e pode estar em uma das três seguintes condições: relacionado ao alvo (ex.: dia), não relacionado ao alvo (ex.: boi) ou neutro (ex.: ####). O segundo estímulo é chamado de “alvo” (ex.: NOITE) e é sobre ele que é realizada a resposta do experimento, na maioria das vezes nomeação ou decisão lexical (Salles, Jou & Stein, 2007). Na tarefa de nomeação, o participante é requisitado a ler o estímulo em voz alta, enquanto na decisão lexical pede-se que o participante decida se o estímulo é uma palavra real ou se é uma pseudopalavra. Em ambas as tarefas os participantes são instruídos a responder o mais rápido possível. O intervalo de tempo entre a apresentação do prime e a do alvo é chamado de Stimulus Onset Asynchrony (SOA). O SOA é uma das variáveis mais importantes nos estudos sobre priming semântico, pois não só interfere nas características do efeito, como também no processo subjacente a este efeito. A seleção dos estímulos (alvos e/ou primes) utilizados nos experimentos tem um papel determinante na qualidade dos resultados obtidos, uma vez que algumas variáveis influenciam diretamente o acesso ao léxico (Parente & Salles, 2007; Salles & Parente, 2007), habilidade exigida na tarefa de decisão lexical usada neste estudo. Dentre as características dos alvos que influenciam este processo destacar-se a familiaridade, frequência de ocorrência na língua, concretude (Hillis, 2001; Janczura, 2007; Janczura, Castilho, Rocha, Van Erven, & Huang, 2007; Parente & Salles, 2007), regularidade da 96 Aletheia 33, set./dez. 2010 relação grafema-fonema, extensão, quantidade de “vizinhança” estrutural (ortográfica) ou semântica, ambiguidade semântica, e extensão. Variável relacionada ao alvo: frequência de ocorrência Considerando a frequência de ocorrência na língua, uma das variáveis investigadas neste estudo, palavras com alta frequência são reconhecidas mais rápida e precisamente do que as de baixa frequência (Parente & Salles, 2007). Isso pode ser explicado pelo fato de que as primeiras possuem representações lexicais mais acessíveis do que as palavras de baixa frequência (Hillis, 2001; Parente & Salles, 2007). Para o português brasileiro, existem listas de frequência de ocorrência de palavras para crianças (Pinheiro, 1996) e para adultos (Sardinha, 2003), que podem auxiliar na escolha de estímulos. Alguns estudos inclusive já mostraram a relação entre frequência do alvo e o efeito de priming semântico em outras tarefas de memória implícita (Busnello, Stein & Salles, 2008; Oliveira & Janczura, 2004). Busnello, Stein e Salles (2008) avaliaram o efeito de priming de identidade subliminar (prime e o alvo são a mesma palavra, mas o primeiro é apresentado muito rapidamente) em universitários brasileiros através de uma tarefa de decisão lexical e demonstraram que as palavras com baixa frequência tiveram mais facilitação (maior efeito de priming) do que palavras mais frequentes. Esses achados corroboram Oliveira e Janczura (2004), que afirmaram que, em testes indiretos de memória, as palavras menos frequentes são mais lembradas do que as mais frequentes. Porém, ainda faltam estudos para avaliar esta variável no contexto do paradigma de priming semântico, em tarefa de decisão lexical. Variável relacionada aos pares associados: força de associação No que se refere a variáveis relacionadas aos pares associados, a força de associação é de extrema importância na avaliação do priming semântico. A força de associação entre o prime e o alvo é obtida com o mesmo método utilizado para verificar o número de associados semânticos (tamanho do conjunto). Estudos tradicionalmente perguntam aos participantes qual a primeira palavra que vem a cabeça quando pensam em determinada palavra. A força de associação é calculada analisando-se qual a porcentagem dos participantes que evocou a mesma palavra para cada palavra-alvo. Esta relação é considerada fraca quando há uma concordância de respostas menor do que 10%, média quando a concordância fica entre 10% e 24% e forte quando é maior do que 25% (Coney, 2002; Janczura, 1996; Van Erven & Janczura, 2004). Diversos estudos analisaram a relação entre força de associação prime e alvo e o efeito de priming semântico em adultos (Anaki & Henik, 2003; Canãs, 1990; Coney, 2002; De Groot, Thomassen, & Hudson, 1982; Perea & Rosa, 2002) e em crianças (Assink & cols., 2004; Nation & Snowling, 1999). No caso desta relação em crianças, Assink e cols. (2004) e Nation e Snowling (1999) encontraram resultados diferentes. Assink e cols. (2004) avaliaram o efeito de priming semântico em uma tarefa de nomeação, em crianças de 11 anos de idade (7ª série) que apresentavam dificuldades de leitura e duas Aletheia 33, set./dez. 2010 97 amostras controles, pareadas por idade e por habilidade de leitura. A força de associação foi uma das variáveis manipuladas neste estudo e apresentava-se em duas condições: fraca e forte. Seus achados não mostraram efeito principal nem interações envolvendo esta variável, ou seja, foi encontrado efeito de priming semântico tanto em pares com fraca quanto com forte força de associação. Ao contrário, Nation e Snowling (1999) encontraram evidências de relação entre a força de associação e o efeito de priming semântico, através de uma tarefa de decisão lexical auditiva, realizada por dois grupos de crianças, com e sem dificuldades de leitura (média de idade de 10 anos). Os dois grupos de crianças apresentaram efeito de priming semântico quando a associação entre prime e alvo era temática (ex.: praia-areia), independente da força de associação. No entanto, as crianças com dificuldades de leitura demonstraram efeito de priming semântico quando a relação entre prime e alvo era categórica (ex.: cachorro-gato) somente para pares com forte força de associação (média de 37,65%). As crianças sem dificuldades de leitura mantiveram o padrão de quando a relação era temática, apresentando efeito de priming semântico tanto para pares com forte como para pares com fraca força de associação. Objetivo Após a constatação de que crianças brasileiras mostraram efeitos de priming semântico em tarefa de decisão lexical em SOAs de 500 e de 250ms (Holderbaum, 2009; Holderbaum & Salles, no prelo), o presente estudo investigou alguns fatores que podem estar relacionados a esta facilitação contextual nas crianças estudadas. Para isso, avaliouse qual a relação entre o efeito de priming semântico e duas variáveis relacionadas às características dos estímulos usados no experimento: a força de associação prime-alvo e a frequência do alvo. Se estas relações forem estabelecidas é mais um indicativo de que os experimentos envolvendo estímulos linguísticos precisam ser cuidadosamente delineados, evitando vieses de interpretação. Conforme salienta Janczura (2005), a utilização de palavras nas tarefas de avaliação dos processos cognitivo-linguísticos necessita de seleção cuidadosa destes estímulos, considerando que esses atributos podem produzir, se não apropriadamente controlados, efeitos indesejáveis de confusão nos resultados. Como já está demonstrado que o SOA é um fator importante na determinação do efeito de priming semântico em crianças (Holderbaum, 2009; Nievas & Justicia, 2004), outro objetivo deste estudo é investigar se o papel das variáveis força de associação prime-alvo e frequência do alvo se mantém tanto em SOAs curtos quanto longos. Método Delineamento O estudo apresentou um delineamento correlacional. Analisou-se correlação entre o efeito de priming semântico e as variáveis força de associação prime-alvo e frequência do alvo na língua. 98 Aletheia 33, set./dez. 2010 Participantes A amostra deste estudo foi composta por 57 crianças, sendo trinta e sete do sexo masculino (65%) e 20 do sexo feminino (35%). Todas eram estudantes da 3ª série do Ensino Fundamental de um colégio particular de Porto Alegre-RS. A média de idade dos participantes foi 8,39 anos (desvio-padrão = 0,49). Os participantes tinham o português como língua materna, nunca tinham sido reprovados pela escola e não apresentavam dificuldades de leitura segundo o relato da professora. Nenhum participante apresentou diagnóstico de doença neurológica, psiquiátrica ou dificuldades visuais não corrigidas. Instrumentos 1. Questionário de dados sociodemográficos e de saúde geral: onde constavam informações sobre idade; escolaridade dos pais; queixa de dificuldades visuais ou auditivas não corrigidas, repetência escolar e histórico de dificuldades de leitura, histórico de problemas neurológicos adquiridos e/ou em tratamento com neurologista, entre outras. O objetivo deste instrumento foi atender aos critérios de inclusão na pesquisa, sendo as informações obtidas com as professoras dos estudantes. 2. Avaliação do efeito de priming semântico: O experimento consistiu na apresentação de 78 pares de estímulos (para exemplos, ver Tabela 1), metade destes pares era composta por palavra (prime) – palavra (alvo) e a outra metade por palavra (prime) – pseudopalavra (alvo). As 39 palavras utilizadas como alvos foram selecionadas de uma lista de estímulos normatizados para crianças de 3ª série do Ensino Fundamental (Salles, Machado & Holderbaum, 2009). Estas mesmas palavras serviram como base para a criação das pseudopalavras usadas como estímulo alvo no experimento. As pseudopalavras foram formadas através da troca de duas letras do estímulo inicial (palavras alvo), mantendo uma estrutura similar e a pronunciabilidade (ex.: NOITE e NEITO). Os primes que precediam as pseudopalavras foram selecionados das palavras evocadas por apenas uma criança (respostas idiossincráticas) no estudo de Salles e cols. (2009). Portanto, estas palavras não foram as mesmas usadas na formação dos pares palavra (prime) – palavra (alvo). Já os primes que antecediam as palavras alvo eram divididos em duas condições: semanticamente relacionado ou não relacionado ao alvo. Os pares semanticamente relacionados foram determinados por um estudo prévio (Salles & cols., 2009), no qual alunos de 3ª série do Ensino Fundamental responderam qual era a palavra que lhes vinha à mente quando pensavam em cada uma das 50 palavras alvo pré-determinadas. A palavra selecionada para ser apresentada como prime relacionado ao alvo foi a mais evocada pelas crianças. Foi estabelecido um critério de força de associação mínima de 25%, ou seja, mais de 25% das crianças da amostra deveria ter evocado a mesma palavra. Os primes não relacionados foram escolhidos entre os dados deste mesmo estudo (Salles & cols., 2009) seguindo o mesmo critério dos primes das pseudopalavras. Aletheia 33, set./dez. 2010 99 Cuidados extras foram tomados para garantir que estes primes tivessem extensão semelhante ao prime do contexto relacionado e que não houvesse relação semântica ou estrutural com a palavra alvo. Tabela 1 – Exemplos de pares de estímulos. ALVO Prime relacionado Prime não relacionado ABERTO fechado segundo FÁCIL difícil piscina SAPO pular pintar NOITE dia boi FACA garfo livro Cinco pares foram formados (três palavra-palavra e dois palavra-pseudopalavra) para serem utilizados no treino dos participantes. Foram utilizadas palavras facilmente lidas por crianças de 3ª série do Ensino Fundamental. Nenhum dos estímulos do treino aparecia novamente no experimento. Através destes procedimentos, foi esperado que todas as palavras apresentadas na tarefa fizessem parte do léxico das crianças que estavam sendo avaliadas. Procedimentos Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (número do protocolo 25000.089325/200658). Após o consentimento dos pais, cada criança foi avaliada individualmente em uma única sessão com cerca de 15 minutos de duração através da tarefa de decisão lexical em uma sala dentro da própria escola. As avaliações aconteceram dentro de um período de uma semana. O pesquisador leu para cada criança a instrução apresentada na tela do computador: “Você precisa prestar bastante atenção em todos os estímulos que vão aparecer na tela do computador. Tente ler silenciosamente a primeira palavra (apresentada em letras minúsculas). Depois vai aparecer uma Cruz (+) que sinaliza que o próximo estímulo será apresentado. Você vai decidir, o mais rápido e corretamente possível, se este segundo estímulo (apresentado em letras maiúsculas) é uma palavra real (que existe), apertando a tecla “SIM”, ou uma palavra que não existe, apertando a tecla “NÃO”. Atenção!! A primeira palavra aparecerá bem rápido. Se não der tempo de ler, não tem problema. Continue a tarefa. Pressione qualquer tecla para continuar.” Para garantir a compreensão, o pesquisador retomava resumidamente a instrução antes de dar início à tarefa. Os participantes, então, realizavam a tarefa de decisão lexical sobre os alvos (segundo estímulo de cada par), o mais rápido e acuradamente possível. As crianças foram divididas aleatoriamente, de forma que aproximadamente metade dos participantes viu os estímulos apresentados com um SOA de 250ms e a outra metade com um SOA de 500ms. 100 Aletheia 33, set./dez. 2010 Os alvos foram apresentados em letras maiúsculas, enquanto que os primes apareceram na tela do computador em letras minúsculas. A apresentação dos pares prime-alvo, semanticamente relacionados e não relacionados, foi contrabalanceada intragrupos (duas versões de cada experimento). Por exemplo, se na versão 1 o alvo foi precedido por um prime relacionado (ex.: maçã/FRUTA), na versão 2 este mesmo alvo foi precedido por um prime não relacionado (ex.: arma/FRUTA). Assim, nenhum participante viu o mesmo estímulo duas vezes. A ordem de apresentação dos pares foi feita de forma randômica entre os participantes. Houve o cuidado de variar a tecla de respostas para as respostas sim e não. Para metade da amostra o dígito 1 foi a resposta “SIM” e o digito 3 a resposta “NÃO”. Para o restante da amostra, foi o inverso. Análise dos dados Em um primeiro momento, foi feito o cálculo e a descrição das médias de tempo de reação e de porcentagens de erros na decisão lexical para cada palavra alvo, divididos nas condições de prime relacionado e não relacionado, em ambos os SOAs (250ms e 500ms). O cálculo da média do TR foi feito considerando somente respostas corretas. Além disso, TRs menores que 100ms e maiores que 4000 foram considerados erros e excluídos das análises. Este critério foi adaptado de Hala e cols. (2007), que excluíram latências menores que 200ms e maiores que 2000ms. A magnitude do efeito foi calculada através da subtração dos valores (TR e % de erros) da condição com prime não relacionado e os da condição prime relacionado. Para verificar a presença de correlação entre as variáveis (frequência do alvo, força de associação entre prime e alvo, tempo de reação e porcentagem de erros nas condições com prime relacionado em ambos os SOAs) foi feito o teste de correlações de Spearman. Este teste foi escolhido devido à distribuição não normal dos dados. Resultados Na Tabela 2 se encontram os valores de força de associação prime-alvo, frequência de ocorrência do alvo, e magnitude do efeito para velocidade (TR) e precisão (% de erros) para cada uma das palavras-alvo do experimento. Aletheia 33, set./dez. 2010 101 Tabela 2 – Dados de cada palavra-alvo do experimento: Força de associação prime-alvo (For); Frequência do alvo (Freq); e Magnitude do efeito (MagniEf) para Tempo de Reação e porcentagem de erros (%) , conforme SOA. SOA 250ms SOA 500ms MagniEf MagniEf alvos For req TR % TR % aberto alegria antes areia bola brasa dente dentro erva faca fácil 80 42 76 62 33 59 38 86 35 34 80 20 1 228 45 146 14 12 46 1 23 67 -88 385 144 -51 -181 412 -79 137 98 -17 182 -1 7 -8 9 7 -1 0 -9 0 0 -8 -16 99 214 437 333 370 353 282 359 526 70 7 0 8 19 6 7 14 0 12 18 -12 febre feio 49 61 9 46 210 213 0 0 57 304 1 0 final 60 120 93 0 163 0 forte fralda 59 40 151 1 5 -241 0 14 437 264 24 -15 frio fruta 38 30 81 20 -17 162 -7 0 370 61 12 -6 isca leve longe mãe 60 61 52 81 1 32 122 344 349 200 231 108 9 -24 0 16 249 347 -108 -101 9 -12 18 6 magro meia mês natal noite 62 25 31 44 61 19 70 133 64 256 68 -20 823 -145 62 0 16 6 8 0 522 608 299 335 414 6 -40 14 12 0 ontem 64 118 -15 -8 -447 8 rádio rei 50 78 40 129 123 184 8 0 240 258 0 6 rico 69 29 259 -8 51 7 sal 43 17 167 0 148 0 sapo 35 114 -122 0 -329 0 sede 51 29 59 8 380 0 sujo 71 4 83 0 232 0,5 sul 56 143 156 0 -104 0 toalha 31 67 60 0 272 0 tosse vazio 29 68 4 59 -189 -109 -5 0 767 4 28 12 102 Aletheia 33, set./dez. 2010 Os resultados da análise de correlações entre, de um lado, velocidade (os TR) e precisão (as porcentagens de erros) na tarefa de decisão lexical no contexto de primes relacionados, e as magnitudes de efeito (valor referente à subtração entre a condição com prime não relacionado e a com prime relacionado), e de outro lado, as características dos estímulos (variáveis força de associação entre prime e alvo e frequência de ocorrência do alvo) indicaram que: 1) a força de associação primealvo se correlacionou fraca e negativamente com a magnitude do efeito de priming semântico em termos de precisão (porcentagem de erros) quando o SOA era de 250ms (ρ=- 0,334; p=0,038) e 2) com a magnitude do efeito de priming semântico em termos de velocidade (TR) quando o SOA foi de 500ms (ρ=- 0,332; p=0,039). Então, quanto maior a força de associação prime-alvo menor foi o efeito de priming encontrado (tanto no SOA curto, em termos de medida de precisão de resposta à decisão lexical, quanto no SOA mais longo, 500ms, considerando a medida de velocidade de resposta a decisão lexical). Por sua vez, a frequência de ocorrência do alvo na língua apresentou uma correlação negativa moderada com o efeito de priming semântico em termos de velocidade (média de TR na tarefa de decisão lexical), quando o SOA era de 250ms (ρ=- 0,434; p=0,006), e uma correlação negativa fraca com a precisão (porcentagem de erros) na tarefa de priming quando o SOA era de 500ms (ρ=- 0,322; p=0,046). Depreende-se que no SOA curto, quanto maior a frequência das palavras-alvo mais rápidas (TRs menores) eram as respostas na tarefa de decisão lexical. No SOA mais longo, quanto maior a frequência do alvo na língua menor a porcentagem de erros, ou seja, mais precisas foram as decisões lexicais. Discussão O presente estudo teve dois objetivos principais. O primeiro, de averiguar a existência de correlações entre as variáveis força de associação e frequência do alvo e o efeito de priming semântico encontrado em crianças de 3ª série do Ensino Fundamental. O segundo objetivo era verificar se estas correlações variavam entre um SOA curto e um longo. Os resultados mostraram a existência de algumas correlações e que estas aconteciam diferentemente de um SOA para outro. Mais especificamente, os resultados mostraram uma fraca correlação negativa entre a força de associação prime-alvo e a magnitude do efeito de priming semântico em termos de precisão (porcentagem de erros) quando o SOA era de 250ms e a magnitude do efeito em termos de velocidade de respostas (TR) quando o SOA era de 500ms. Pares mais fortemente associados tendem a produzir menor facilitação contextual. Dito de outra forma, a magnitude do efeito de priming semântico foi maior quando os estímulos eram fortes, mas não muito fortes. Assink e cols. (2004) e Nation e Snowling (1999), que apresentaram a variável força de associação em seus estudos de priming semântico com crianças, utilizaram uma ANOVA para comparar a presença ou ausência de efeito em palavras com fraca e com forte força de associação. Porém, destaca-se que a fraca correlação encontrada e a Aletheia 33, set./dez. 2010 103 ausência de correlação entre a variável força de associação e as demais variáveis pode estar associada ao fato de que todas as palavras-alvo do experimento apresentavam uma força de associação considerada alta, ou seja, maior do que 20% de ocorrência (Coney, 2002; Janczura, 1996, Van Erven & Janczura, 2004). Em relação à frequência de ocorrência do alvo, foram observadas correlações desta variável com a velocidade de respostas (média de TR) quando o SOA era de 250ms e com a precisão de respostas (porcentagem de erros) quando o SOA era de 500ms. Ou seja, quanto maior a frequência de ocorrência da palavra-alvo, mais rápidas e precisas eram as respostas das crianças na tarefa de decisão lexical. Este achado corrobora a hipótese de que palavras mais frequentes têm o seu significado acessado com mais facilidade do que palavras de baixa frequência (Hillis, 2001; Parente & Salles, 2007). Alguns estudos já encontraram indícios de que a frequência de ocorrência do alvo de fato influencia tarefas de memória implícita (Busnello & cols., 2008; Oliveira & Janczura, 2004). Uma variável pouco falada ao longo deste estudo também merece ser destacada: a ambiguidade semântica, a qual parece dificultar a decisão lexical ou o reconhecimento de palavras (Rodd, Gaskell & Marslen-Wilson, 2002). Durante a análise dos dados, foi percebido que uma palavra-alvo havia gerado um número muito grande de erros, chegando a ultrapassar os 50% quando o SOA foi de 500ms. Considerando as características desta palavra, após a verificação de que nenhum erro podia ser creditado ao próprio experimento, constatou-se que a única diferença entre esta palavra, MEIA, e os outros alvos era sua ambiguidade semântica. Por ser a única palavra ambígua da lista, supomos que esta disparidade de resultados seja, pelo menos em parte, consequência desta característica, uma vez que o acesso lexical de palavras homógrafas (ambíguas) é dificultado pela existência de mais de um sentido (Nievas & Justicia, 2003). Considerações finais Os achados apresentados neste artigo demonstram a existência de algumas correlações entre o efeito de priming semântico e variáveis relacionadas ao alvo e ao par associado. Por este motivo é necessário considerar, na construção de experimentos com estímulos linguísticos e na interpretação dos achados, as características dos estímulos, neste caso, em termos de frequência na língua e de força de associação semântica. O processamento semântico em tarefas indiretas de memória (priming), tanto por mecanismos automáticos (quando o SOA de 250ms) quanto controlados (quando o SOA de 500ms) parece relacionar-se em algum grau a tais características. Dentre as limitações deste estudo, destaca-se o pequeno número de estímulosalvo que fossem palavras reais (39). Essa medida foi tomada no experimento para evitar efeito de fadiga ou desatenção durante a avaliação. Planeja-se, para experimentos futuros, aumentar o número de palavras-alvo. Além disso, o fato de todos os pares associados apresentarem uma forte força de associação pode ter 104 Aletheia 33, set./dez. 2010 impedido a visualização de interferências decorrentes de pares com uma fraca força de associação. Por isso, seria importante a realização de estudos posteriores que manipulem esta variável em amostras de crianças. Sugere-se ainda que novos estudos sejam feitos para a criação de normas atuais de frequência de ocorrência na língua e que novos estudos sejam feitos utilizando pares com forte e fraca força de associação. Recomenda-se também que seja analisado o desempenho dos participantes ao longo dos experimentos para verificar possíveis processos de aprendizado da tarefa que diminuiriam o TR e aumentariam a acurácia das respostas. Ressalta-se que sejam realizados trabalhos que visem compreender o papel de variáveis como tamanho do conjunto do prime e frequência do alvo em amostras infantis e adultas para um melhor entendimento sobre como estas interferem no efeito de priming semântico em tarefas linguísticas. Por fim, estudos como o aqui relatado precisam ser realizados considerando outras amostras, como a amostra de universitários apresentada em Holderbaum (2009) e Holderbaum e Salles (no prelo), por exemplo. Referências Anaki, D., & Henik, A. (2003). Is there a “strength effect” in automatic semantic priming? Memory and Cognition, 31(2), 262-272. Assink, E. M., Bergen, F. V., Teeseling, H. V., & Knuijt, P. P. (2004). Semantic priming effects in normal versus poor readers. The Journal of Genetic Psychology, 165(1), 67-79. Basnight-Brown, D. M., & Altarriba, J. (2007). Differences in semantic and translation priming across languages: The role of language direction and language dominance. Memory and Cognition, 35(5), 953-965. Betjemann, R. S., & Keenan, J. M. (2008). Phonological and semantic priming in children with reading disability. Child Development, 79(4), 1086-1102. Busnello, R. H. D., Stein, L. M., & Salles, J. F. (2008). 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Endereço para contato: [email protected] 108 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.109-122, set./dez. 2010 Comunicação silenciosa mãe-bebê na visão winnicottiana: reflexões teórico-clínicas Josiane Cristina Coradi Prado Telles Maíra Bonafé Sei Sérgio Luiz Saboya Arruda Resumo: Objetivou-se discutir a comunicação silenciosa entre mãe e bebê, a partir do pensamento de Winnicott. Fez-se uma pesquisa qualitativa, baseada no método clínico e referencial psicanalítico, por meio do estudo de caso de uma criança, com 8 anos de idade e dificuldades no desenvolvimento da fala, sem causa orgânica, atendida em psicoterapia de orientação psicodinâmica, em que aspectos teóricos são ilustrados pelo atendimento clínico realizado. No caso relatado, foram levantadas hipóteses de a mãe haver falhado em propiciar ao filho um ambiente facilitador durante os primeiros meses de vida, assim como houve falhas do pai e do ambiente por não terem propiciado o suporte emocional satisfatório para a genitora. A dificuldade de expressão verbal da criança estava relacionada com a manutenção de uma comunicação silenciosa primitiva, que significaria a garantia da sobrevivência psíquica, diante de um ambiente que não havia se configurado, até então, como suficientemente bom. Palavras-chave: comunicação não verbal; relações mãe-filho; desenvolvimento infantil. Mother-Baby Silent Communication under Winnicott’s View: Theoretical-clinical reflections Abstract: The aim of this paper was to discuss the silent communication between mother and baby from Winnicott`s point of view. This qualitative research, based on a clinical and psychoanalytic method, considered a case study of an eight-year-old child with difficulties in speech development, without organic cause, assisted during psychodynamic psychotherapy, which theoretical aspects were illustrated by the clinical treatment carried out. In the case reported, hypotheses were raised concerning the mother having failed in providing her child with a facilitating environment during their first months of life. The father also failed, and there were failures in the environment that also did not provide a good emotional support for the mother. The difficulty in the child’s verbal expression was related to the maintenance of a primary silent communication, which would mean the warranty of psychic survival in the face of an environment that had not been configured until then as being good enough. Keywords: nonverbal communication; mother-child relationship; child development. Introdução Este artigo teve a sua origem no atendimento psicoterápico, realizado em um ambulatório de psicoterapia de crianças de um hospital público, de um menino de 8 anos de idade, cuja queixa principal era: ele “fala pouco”, “quase não fala”. A história clínica desta criança continha um antecedente precoce marcante: a mãe teve muita dificuldade de ordem emocional para estabelecer um vínculo com o filho nos primeiros meses, falhando em lhe propiciar um “ambiente suficientemente bom” para o seu desenvolvimento. A história de vida da criança e a forma como o material clínico foi expresso em algumas sessões da psicoterapia sugeriram, tal como será relatado no capítulo de resultados e discussão, que aspectos emocionais presentes na relação e na comunicação inicial entre a mãe e o bebê tiveram papel decisivo no seu desenvolvimento e na capacidade de se comunicar. Isto foi ao encontro de ideias descritas por D. W. Winnicott (1956/1982, 1963a/1983a), tais como: nos primeiros meses de vida, o bebê é totalmente dependente da mãe, havendo uma linguagem não verbal que se estabelece como meio de comunicação entre ambos. Esta comunicação é sensorial. A mãe pega o bebê no colo, amamenta ou dá a mamadeira. Nesta relação inicial, o bebê e a mãe são uma unidade. A maturação emocional tem início em uma comunicação silenciosa que é, a princípio, apenas sentida, ou seja, é não verbal, anterior à comunicação pela fala (Winnicott, 1963b/1983b). No presente artigo, tomando-se como referência o pensamento de Winnicott, objetiva-se discutir: a) a interação mãe-bebê nos primeiros meses de vida; b) a teoria da comunicação da criança. A reflexão sobre estes temas é ilustrada e complementada por breves relatos da psicoterapia de orientação psicodinâmica de uma criança atendida semanalmente em um ambulatório de um serviço público. A interação mãe-bebê nos primeiros meses de vida A partir da perspectiva winnicottiana, a relação primitiva mãe-bebê é um tema central para se entender o desenvolvimento emocional do ser humano (Winnicott, 1956/1982). Por meio desta visão, apenas gradualmente é que a questão do bebê como ser independente tornar-se-á importante. Winnicott (1956/1982) apontou que, no início do desenvolvimento, o ambiente que circunda a criança, representado principalmente pela mãe, pode se configurar de maneira a suprir as necessidades da criança, quando é denominado suficientemente bom, propiciando ao bebê alcançar as satisfações de suas necessidades físicas e emocionais. Há situações, no entanto, em que este ambiente falha, o que é sentido como uma intrusão no processo de continuidade de ser da criança, distorcendo o desenvolvimento do bebê. Neste sentido, reconhece-se a importância de se estudar as funções da mãe em relação ao bebê nessa fase primitiva. A preocupação materna primária é um estado psicológico em que a mãe está mais sensível às necessidades emocionais e físicas do bebê. É um estado natural das mulheres no período da gravidez e algumas semanas após o nascimento do bebê. A mãe que desenvolve a preocupação materna primária pode facilitar ao bebê uma vivência mais tranquila nos primeiros momentos de sua vida. Isto ajudaria a amenizar a ameaça de aniquilação, identificada por Winnicott como sendo uma das ansiedades mais primitivas. Nesse estado psicológico, a mãe pode se colocar no lugar do bebê, proporcionando o que ele precisa para se sentir seguro. É importante que a mãe desenvolva o estado de preocupação materna primária, para poder se identificar com o mesmo. A provisão ambiental suficientemente boa contribui para que o bebê possa existir, possa dominar as pulsões, construindo um self capaz de superar os obstáculos próprios do viver (Winnicott, 1956/1982). Considera-se importante, então, que, nos seus primeiros momentos, o bebê seja amparado por uma mãe, que lhe forneça um ambiente satisfatório 110 Aletheia 33, set./dez. 2010 (Winnicott, 1967b/1999b). Este meio propicia um alto grau de adaptação às suas necessidades individuais, de maneira que o bebê possa alcançar um desenvolvimento em sintonia com as tendências herdadas, gerando a autonomia do indivíduo (Winnicott, 1967b/1999b). Quanto ao desenvolvimento da criança, pode-se inferir que, para que ocorra de maneira saudável, é importante que a mesma possa desenvolver uma personalidade de forma integrada, pois a integração leva à configuração do bebê como uma unidade (Winnicott, 1967b/1999b). Essa integração depende de um olhar atento da mãe às necessidades da criança, o que garantiria capacitar o filho a encontrar objetos de forma criativa. Neste sentido, Winnicott (1971/1975) estabeleceu uma relação entre o brincar, o ser criativo e o viver saudável, defendendo que, por meio do brincar, é possível a comunicação. Entendeu que o brincar configura-se como algo universal, que facilita o crescimento, a saúde, os relacionamentos grupais, além da comunicação consigo próprio e com os demais indivíduos. Pontuou também que a área do brincar encontra-se entre o subjetivo e o que é objetivamente percebido, área esta denominada de espaço potencial. Quanto ao desenvolvimento emocional, a mãe é considerada a principal responsável por iniciar o filho no uso criativo do mundo, em conjunto com o meio que circunda a criança. Quando isto falha, a criança perde contato com os objetos e, também, perde a capacidade de encontrar qualquer coisa criativamente (Winnicott, 1967a/1999a). Assim, em oposição à percepção criativa dos fatos e da vida em geral, há um estado de submissão à realidade externa que aponta para um senso de inutilidade da vida, de que esta não vale a pena ser vivida (Winnicott, 1971/1975). No que concerne à interação mãe-bebê e à capacidade criativa do bebê, Granato e Aiello-Vaisberg (2005) salientaram a importância do espaço de confiança construído entre mãe e bebê. O holding oferecido pela mãe contribui para o exercício do potencial criativo e, posteriormente, para o viver adaptado, autêntico e saudável do bebê. O ser humano caminha da dependência rumo à independência (Winnicott, 1963b/1983b), e a criança vivencia, ao nascer, um período de dependência absoluta da mãe, para sobreviver. Esse primeiro contato do bebê com a mãe passa pelo sensorial, a partir de um contato corporal intenso. Ela contempla sua face, olha nos seus olhos, segura-o no colo, amamenta-o no peito, propiciando-lhe um holding em que o mesmo vive a sensação de ser segurado e amparado. Tudo isso faz parte de uma comunicação que vem antes do verbal e que influenciará o desenvolvimento emocional futuro da criança, inclusive no que se refere ao desenvolvimento da comunicação verbal. Teoria da comunicação da criança No texto “Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos”, Winnicott (1963a/1983a) estudou tanto a comunicação, como a falta dela, a partir da relação primitiva pré-verbal entre mãe e bebê. Afirmou estar interessado em reapresentar algumas de suas formulações teóricas sobre os estágios iniciais do desenvolvimento emocional do bebê. Este psicanalista tomou como pressuposto que a comunicação e a capacidade de se comunicar estão intimamente ligadas às relações objetais. Reconheceu Aletheia 33, set./dez. 2010 111 que a relação com os objetos não é um ponto simples no amadurecimento, em cujo processo é muito importante a qualidade do ambiente favorável. Se há um ambiente facilitador e não invasivo em que a privação e a perda não são predominantes, então será possível que ocorra, no indivíduo, uma mudança da natureza do objeto. Quando o ambiente facilitador se instaura, o processo de amadurecimento do indivíduo se desenvolve no sentido de este passar a perceber o objeto não mais apenas subjetivamente, mas como um objeto distinto de si. De um fenômeno de ordem subjetiva, o objeto passa a ser objetivamente percebido (Winnicott, 1963a/1983a). Este processo pode levar meses ou mesmo anos, visto que para que o bebê passe a perceber o objeto subjetivo como objetivo é preciso que ele consiga absorver, sem distorções, as privações e perdas. O que garante o desenvolvimento emocional e o equilíbrio diante das privações e perdas é o ambiente favorável, aquele em que as privações e perdas não predominam, apesar de existirem, propiciando ao bebê a experiência da onipotência. Ao vivenciar a ilusão de onipotência possibilitada pelo ambiente suficientemente bom, o bebê cria e recria o objeto, em um processo gradual no seu psiquismo, que lhe serve de apoio na memória (Winnicott, 1963a/1983a). A constituição do que seja o objeto para o indivíduo depende de um processo paradoxal de procura pelo objeto, que é necessário e que, ao mesmo tempo, decorre da criação subjetiva desse objeto. Ou seja, a percepção objetiva do objeto depende, anteriormente, de uma percepção subjetiva positiva. A percepção objetiva do objeto é a que permitirá ao indivíduo lidar com a privação e com a perda. Winnicott (1963a/1983a) considerou que a alteração da percepção do objeto de subjetivo para objetivamente percebido ocorre mais por meio de frustrações do que por satisfações. Portanto, para o desenvolvimento equilibrado do bebê, é importante que o mesmo possa internalizar e reter a ideia do objeto como sendo potencialmente satisfatório. Por outro lado, o aspecto frustrante do comportamento do objeto ajuda o bebê a perceber a existência de um mundo que se discrimina do seu eu, ou seja, aquilo que é não eu (Winnicott, 1963a/1983). Esse processo é fundamental para a constituição do verdadeiro self do indivíduo. Diante da privação, o bebê pode vir até a odiar o objeto, mas isso só será proveitoso para o seu desenvolvimento se, acompanhado desse sentimento, vier a percepção de que esse seu proceder é falho. Só assim o odiar o objeto não será convertido em uma recusa a ele. Segundo Winnicott (1963a/1983a), a recusa caracteriza um estágio intermediário no desenvolvimento normal; é parte do processo de criação do objeto, ou seja, é parte do processo de internalização do objeto bom. A partir destas reflexões sobre as relações objetais do bebê, Winnicott (1963a/1983a) passou a trabalhar a questão da comunicação, que vem à tona justamente no processo da passagem da percepção subjetiva do objeto para a percepção objetiva. A comunicação é desnecessária quando o objeto ainda é subjetivo; todavia, no momento em que a percepção do objeto passa a ser tida como objetiva, a comunicação torna-se de crucial importância. O bebê é colocado em uma situação paradoxal, pelo fato de desenvolver dois tipos de relações objetais com a mãe. Um tipo de relação se dá com a mãe-ambiente, 112 Aletheia 33, set./dez. 2010 que é humana, e o outro tipo se dá com a mãe-objeto, que é uma coisa. A comunicação entre o bebê e a mãe se dá pela relação dupla com estes dois tipos de mãe. A carência da mãe-objeto pode ser suprida pela percepção difusa da mãe-ambiente. O bebê a sente quando a mesma consegue se colocar na pele da criança e se apresentar como um ambiente seguro diante de suas privações ou faltas. É nesse sentido que se pode pensar, a partir de Winnicott (1963a/1983a), na interação inicial mãe-bebê como sendo constitutiva de uma linguagem não verbal, de uma comunicação primitiva. A forma de a mãe se comunicar silenciosamente com o bebê se faz pura e simplesmente pela garantia que ela oferece a sua presença enquanto mãe-ambiente. Igualmente, a forma de o bebê se comunicar com a mãe se resume no fato de ele permanecer vivo, de mostrar para a mãe que o seu seio e o seu alimento foram suficientes para garantir-lhe a sobrevivência. A perturbação no estabelecimento da comunicação nesta fase primitiva da relação mãe-bebê pode ocorrer quando não existe o ambiente facilitador. A ausência deste ambiente leva ao que Winnicott (1963a/1983a) chamou de opostos da comunicação, a saber, a não comunicação simples, e o seu oposto: a não comunicação que é ativa ou reativa. Estes opostos da comunicação estariam na base de patologias como, por exemplo, o autismo e a esquizofrenia infantil. Contudo, estes opostos não servem apenas para pensar os casos patológicos, podendo-se atentar para a existência de uma zona silenciosa em todo ser humano. Portanto, os opostos de comunicação constituem-se como condições não apenas para o entendimento das patologias, mas para o entendimento do desenvolvimento das faculdades criativas e simbólicas do homem, tal como a linguagem verbal e a própria arte. Para que ocorra o surgimento da linguagem verbal, é preciso que a criança passe pela experiência da não comunicação simples. Ou seja, é da não completude da comunicação silenciosa que surge a necessidade da comunicação verbal. Em termos mais simplistas, é preciso que o silêncio seja elaborado para que dele possa surgir a comunicação não silenciosa. Quanto ao outro oposto da comunicação silenciosa, “a não comunicação ativa ou reativa”, Winnicott (1963a/1983a, p.171) pensou em raízes de desdobramentos negativos e positivos. Os desdobramentos negativos teriam a ver com as patologias de negação da comunicação, tal como o autismo, em que a comunicação verbal não se desenvolveu de forma satisfatória. No entanto, Winnicott (1963a/1983a) também considerou que a negação da comunicação está na base de um desdobramento positivo que tomaria corpo nas expressões artísticas e culturais. Assim, afirmou que, no artista, pode-se perceber um dilema entre a necessidade de comunicar-se e a necessidade oposta de não ser decifrado. A partir desse raciocínio aplicado à ideia de artista, este psicanalista desenvolveu sua argumentação no sentido de demonstrar que todo indivíduo guarda em si uma zona de quietude que deve permanecer intocável. A razão dessa luta do indivíduo pelo silêncio, pela garantia à intangibilidade dessa zona silenciosa está ligada a um medo de aniquilação, ao medo primitivo de ser descoberto e devorado pelo outro. Esta poderia ser, também, a razão do silêncio do paciente durante a análise. Aletheia 33, set./dez. 2010 113 A garantia do silêncio é o asseguramento da manutenção do estado primitivo da comunicação silenciosa entre mãe e bebê; o que, em outros termos, corresponde à garantia da sobrevivência inicial de todo ser humano. Para Winnicott (1963a/1983a), durante o desenvolvimento do bebê, o viver estabelece-se a partir do não viver, o existir substitui o não viver, a comunicação origina-se a partir do silêncio. Assim, ao final de seu texto, Winnicott (1963a/1983a) fundamentou a situação paradoxal dos opostos da comunicação. De um lado, a negação da comunicação silenciosa primitiva com a mãe segue o seu curso típico do desenvolvimento quando passa a promover o advento da comunicação pela linguagem verbal. Por outro lado, a manutenção do silêncio e de uma zona de quietude intocável também deve ter o seu lugar no desenvolvimento do indivíduo, com papel fundamental na constituição do self maduro. Negar a comunicação verbal, portanto, em certos momentos, pode significar a garantia de estar vivo. Apontamentos sobre a psicoterapia a partir do referencial winnicottiano As intervenções terapêuticas do caso que será relatado pautaram-se no referencial winnicottiano. Winnicott (1971/1975) enfatizou a importância do brincar como algo que deve ser propiciado pela psicoterapia. O setting lúdico é fundamental para as manifestações criativas do paciente na análise. Acerca deste tema, Fulgencio (2008) reafirmou a necessidade de um setting lúdico que propicie um brincar espontâneo e criativo do paciente, sem considerá-lo unicamente como um meio de expressão de pressões instintuais. Para o atendimento de crianças, Avellar (2004) sinalizou que, por vezes, a interpretação verbal não se mostra como a estratégia mais eficaz para a comunicação entre analista e paciente. É pertinente que as atitudes lúdicas acompanhem a interpretação, de maneira a se facilitar o entendimento da criança fornecendo um setting de acordo com o que o paciente necessita (Avellar, 2004). Dias (2008) defendeu que, na clínica winnicottiana, a interpretação nem sempre se configura como a característica central da análise e, em situações de falhas em etapas primitivas da vida, busca-se estabelecer a confiança no ambiente. O terapeuta não seria aquele que decifra elementos inconscientes, mas aquele que, pela sua presença, propicia uma experiência de comunicação e de contato com o paciente. Essa comunicação é verbal, todavia, apoia-se em uma comunicação profunda e silenciosa, qual seja a da confiabilidade. Ao se considerar tanto o valor da criatividade para o viver saudável como o aspecto doentio da submissão (Winnicott, 1971/1975), entendeu-se que a interpretação devesse ser algo criado/encontrado pelo paciente. Assim, o terapeuta absteve-se de realizar interpretações precoces, permitindo que o próprio paciente as formulasse. O psicoterapeuta trabalha pela espera, pela não ação, procurando respeitar o ritmo da criança (Franco, 2003). Em consonância com Forlenza-Neto (2008), considerou-se que o terapeuta devesse privilegiar a criatividade em seus variados níveis, de maneira que não houvesse uma paralisação do criar em decorrência da análise. A técnica winnicottiana recolocou a questão 114 Aletheia 33, set./dez. 2010 do lugar do analista, bem como a constituição do sujeito psíquico em sua relação com um ambiente facilitador e criativo. No que concerne à questão da comunicação na relação analítica, Coelho Jr. e Barone (2007) afirmaram que a privacidade do paciente deve ser respeitada, pois a autenticidade e a vitalidade no setting analítico são advindas do equilíbrio entre a comunicação e a não comunicação. Defenderam que a presença confiável, humana e não invasiva do analista propicia ao paciente a comunicação de suas experiências significativas, bem como permite a manutenção de um núcleo do self privado. O tema do silêncio é abordado por Peres (2009), que apontou que este pode se constituir como uma via para demonstração de afetos, gestos e também do ato da fala. Esta autora relativizou o sentido de defesa, muitas vezes, atribuído ao silêncio no contexto analítico, acreditando que, no lugar de interpretar, o analista necessita respeitar esse vazio de palavras, e deve esperar que o paciente possa descobrir criativamente. Considerando-se que a queixa principal da criança atendida no presente estudo, como será discutido no capítulo de resultados, centrava-se no desenvolvimento da fala e em psicodinamismos da relação mãe-bebê, é interessante mencionar algumas afirmações de Aberastury (1979/1992). Esta autora defende que, ao realizar uma entrevista com os pais, é pertinente questionar como o bebê era acalmado ao chorar, como a mãe reagia diante da rejeição do filho quando era alimentado, alcançando um entendimento sobre as experiências iniciais da criança e a relação mãe-filho estabelecida (Aberastury, 1979/1992). No que se refere à anamnese com os pais, Aberastury (1979/1992) afirmou que o resultado da observação de bebês e da análise de crianças com transtornos relacionados à palavra mostrava a importância da entrevista para que se pudesse compreender o grau de adaptação do filho à realidade, assim como avaliar o vínculo que se estabelecia entre criança e os pais. Portanto, a chave para o desenvolvimento adequado da criança está no primeiro ano de vida e no entender como se deu a adaptação da mesma à realidade. Igualmente, a forma como se estabeleceu o vínculo inicial com os pais deve ser investigada nos casos em que o desenvolvimento da capacidade comunicação se mostrar problemático. Atrasos no campo da linguagem e a inibição no desenvolvimento desta podem apontar para obstáculos quanto à adaptação ao meio externo. De certo modo, Aberastury (1979/1992) indicou o caminho pelo qual se deve iniciar a investigação sobre a questão da comunicação, já salientada por Winnicott (1963a/1983a), como tendo origem em uma fase da vida da criança em que a interação mãe-bebê se dá por meio de uma linguagem pré-verbal. Esse primeiro caminho de investigação seria, portanto, obtido da anamnese com os pais. Método Participantes Um menino de oito anos de idade, com queixa relacionada ao desenvolvimento da fala, sem causa orgânica, paciente que foi atendido em psicoterapia em um hospital Aletheia 33, set./dez. 2010 115 público durante. Os dados sobre a história e desenvolvimento do filho, sobre a queixa e o quadro clínico foram fornecidos pela mãe. Delineamento Trata-se de um estudo qualitativo, que utilizou o referencial psicodinâmico e o método clínico, e que procurou analisar e aprofundar os temas e objetivos propostos, ilustrando-os a partir de material advindo da prática clínica (Calil & Arruda, 2004). No que concerne ao método qualitativo, Turato (2005) pontuou que há uma “busca proposital de indivíduos que vivenciam o problema em foco” (p.511). Além disto, na visão deste pesquisador, o desenho do projeto não se pauta em recursos preestabelecidos, devendo haver maior abertura e flexibilidade da parte do pesquisador, quanto aos procedimentos e aos recursos utilizados para o empreendimento da investigação. Realizou-se um estudo de caso por meio do qual se efetuou uma articulação teórico-clínica (Aguirre & Arruda, 2006; Sei, 2008), a saber, entre a teoria winnicottiana da comunicação e o relato da psicoterapia de orientação psicodinâmica do participante em questão. Neste sentido, Safra (1993) discutiu o uso do material clínico na pesquisa e o justificou ao sinalizar que o ser humano compartilha angústias em comum com os demais pares, mas também apresenta elementos singulares que podem contribuir para um enriquecimento de modelos e para uma ampliação do conhecimento. Considerações éticas O presente estudo respeitou as resoluções 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e 016/200 do Conselho Federal de Psicologia, havendo sido aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa de uma instituição universitária. Foi aplicado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelo representante legal da criança participante. Instrumentos e procedimentos Por se tratar de um ensaio teórico-clínico, inicialmente foi feita uma leitura crítica de alguns textos fundamentais de Winnicott, com ênfase na teoria da comunicação da criança e na relação mãe-bebê. Em seguida, foram acrescentados o pensamento de alguns autores que estudaram estes temas, bem como foram adicionados alguns pensamentos que orientaram a prática psicoterápica do caso clínico relatado. Quanto à revisão bibliográfica, a compreensão da teoria da comunicação foi pautada principalmente nos textos de D. W. Winnicott. Em relação às considerações acerca do atendimento a partir deste referencial, agregaram-se contribuições de outros psicanalistas, privilegiando-se material publicado nos últimos dez anos. A busca por textos acadêmicos que articulassem Winnicott e a questão da comunicação foi realizada por meio da base de dados Psique, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, e da Biblioteca Virtual de Saúde, área Psicologia, com uso das palavras-chave comunicação e Winnicott. O atendimento da criança e dos familiares foi realizado em um hospital público, estendendo-se por quase dois anos. Iniciou-se com o processo de avaliação psicodiagnóstica e psiquiátrica, realizado conjuntamente por psicólogos, um psiquiatra 116 Aletheia 33, set./dez. 2010 de criança e uma assistente social, no qual foram entrevistados os responsáveis e a criança, bem como foi feita a hora de jogo diagnóstica (Aberastury, 1979/1992; Arzeno, 1995) e foi aplicado o HTP (Buck, 2003). Em seguida, ocorreu a psicoterapia da criança, com sessões semanais que duravam cerca de 45 minutos. Houve relativamente poucas faltas, uma ausência a cada quatro ou oito semanas, quase sempre justificada por impossibilidade de a criança ser trazida pelos responsáveis. Eles residiam em bairro relativamente próximo do hospital se possuíssem carro próprio. Todavia, por haver um vazio urbano, não havia transporte direto, sendo obrigados a irem ao centro da cidade e de lá utilizarem outra linha de ônibus. Devido a isso, cada viagem de ida e volta durava aproximadamente 3 horas só de condução, fora o tempo de atendimento. Durante o processo de psicoterapia da criança, também foram realizadas algumas entrevistas com a mãe, normalmente no fim de cada semestre letivo, ou por solicitação da mesma, quando se perguntava sobre o desenvolvimento do paciente. O processo terapêutico foi supervisionado por um profissional da área, de maneira a se ampliar a compreensão acerca do caso, sempre que a terapeuta solicitasse, o que ocorria com periodicidade ora semanal, ora quinzenal, ora mensal. Para esta pesquisa, foram utilizados dados provenientes de todos estes contextos, incluindo as entrevistas com a mãe, conduzidas pela terapeuta, o psicodiagnóstico e o relato das sessões de psicoterapia com a criança, transcritas após o término destes procedimentos. Os dados clínicos foram analisados a partir do referencial da psicanálise winnicottiana, estabelecendo-se uma relação entre a teoria escolhida e aspectos observados por meio da prática desenvolvida. Resultados Entrevistas com Sara, a mãe de Pedro O atendimento foi iniciado com uma primeira entrevista com Sara, mãe de Pedro, que tinha 8 anos de idade no início do atendimento. Neste encontro, ao ser convidada a falar sobre o motivo de haver trazido o filho para a psicoterapia, Sara respondia sempre no passado. A psicóloga ficou intrigada com esta forma de narrar e pôde entendê-la melhor, quando a mãe se mostrou resistente em trazer o filho para psicoterapia e só resolveu tentar essa modalidade de atendimento por insistência do médico da criança. Sara relatou que Pedro não conversava e não reagia quando alguém falava com ele: não conversava com as crianças e, na escola, agredia a professora e se agredia, quando fosse contrariado, ou quando as pessoas não entendessem o que desejava. Comentou que o filho sempre brincava sozinho. Contou também que, em casa, ele xingava os familiares e costumava mentir. A esta informação seguiu-se o seguinte comentário: “ele é terrível, quando ele fala essas coisas, eu falo pra ele que não sou mãe dele, mas depois me arrependo”. Ainda relatou que, com cinco anos de idade, Pedro fez um tratamento psicológico que “não resolveu nada”. Acerca da história de vida da criança, Sara informou que teve “uma gravidez muito difícil”. Nessa época, brigava muito com o pai de Pedro, que bebia e jogava. Quando o Aletheia 33, set./dez. 2010 117 filho tinha 6 meses de vida, ela separou-se do marido. Disse, ainda, não ter amamentado Pedro, pois ele não “pegava o peito”. Durante o puerpério, o marido não a ajudava e a deixava sozinha com o bebê. Disse, também, que, muitas vezes, a criança chorava e ela “não tinha coragem de pegar Pedro no berço”. Contou ainda que, quando o filho era bebê, não conseguia se referir a ele como “meu filho” e, então, dizia “vem com a tia”. Pedro residia com a mãe, o padrasto e uma irmã de parte de mãe, dois anos mais jovem do que ele. A família morava em casa alugada, próxima dos genitores do padrasto. Este se relacionava bem com o enteado, dando-lhe carinho e atenção, tratando-o de forma semelhante àquela com que cuidava da própria filha. A hora de jogo e recorte de sessões Na sessão de hora de jogo diagnóstica (Aberastury, 1979/1992; Arzeno, 1995), a psicóloga chamou Pedro para a sala e perguntou se sabia o motivo de estar ali. Ele respondeu que era porque não conversava com ninguém, disse: “sou mudo”. A caixa lúdica estava aberta sobre a mesa. A psicóloga explicou-lhe que poderia utilizar os materiais da caixa (jogos, brinquedos, material gráfico), como quisesse. Inicialmente ele não fez movimento algum. Ficou imóvel por segundos. Depois começou a tirar os objetos da caixa e perguntou se poderia montar o quebra-cabeça. Em seguida, tirou o jogo de “pega-varetas” e seu olhar para a psicóloga foi entendido como um pedido de brincar. Após este movimento, ele e a terapeuta jogaram varetas até o final da hora de jogo. Nas cinco sessões que se seguiram, Pedro escolhia o pega-varetas, que era jogado com as mesmas regras: quando alguém mexia na vareta, automaticamente mudava a vez do jogador. Pedro sempre ficava muito atento aos movimentos da psicóloga. Esta costumava falar quando a vareta mexia e quando contava o número de varetas acumuladas por cada um. No entanto, ele brincava em silêncio durante todo o jogo, não falava nada quando alguma vareta mexia. Buscava-se respeitar este movimento de silêncio do paciente e aguardar o ritmo do paciente e as maneiras escolhidas para se comunicar com a psicóloga (Coelho Jr. & Barone, 2007; Peres, 2009). Quando contava suas varetas em silêncio, a psicóloga lhe perguntava: “está contando quantas pegou?” Ele olhava para a terapeuta e discretamente fazia que sim com a cabeça. Por fim, em uma sessão realizada no segundo mês da terapia, ao terminar a contagem, Pedro falou o número 17. A psicóloga contou em voz alta e disse 20. De maneira quase inaudível, Pedro disse: você “ganhou”. Ao longo das sessões, o padrão de Pedro se repetia: brincava sem falar, a contagem parcial das varetas era silenciosa, mas dizia o número de varetas acumuladas e quem ganhava. Apesar de brincar e contar silenciosamente, mostrava muita empolgação tanto ao brincar, como ao contar. Entendeu-se que a forma sem qualquer som ou ruído com a qual Pedro brincava e ouvia a terapeuta devia ser respeitada. Era importante que a psicóloga aceitasse essa comunicação silenciosa, tal como a mãe faz inicialmente com o bebê, de forma a protegê-lo e ampará-lo. Isto era muito angustiante para Pedro e para terapeuta, mas acreditava-se que essa comunicação, a princípio, não verbal, ou seja, apenas sentida, seria necessária até quando viesse a ser 118 Aletheia 33, set./dez. 2010 possível para Pedro comunicar-se pela fala, mesma que isto tenha começado a ocorrer de maneira tímida, quando se limitava a dizer em voz baixa o número de varetas acumuladas e quem ganhou. Tanto na hora de jogo, como nas sessões utilizadas para ilustrar o atendimento, Pedro mostrava, muitas vezes, que necessitava de um aval da psicóloga para utilizar os objetos da sua caixa. Ela procurava propiciar-lhe um ambiente facilitador e criativo (Fulgencio, 2008; Winnicott, 1971/1979) em que fosse acolhido, em que se sentisse protegido. Buscava-se oferecer um ambiente suficientemente bom, em consonância com as necessidades individuais para um desenvolvimento saudável da criança (Sei, 2008). Suas brincadeiras não provocavam qualquer ruído ou som, ele falava pouco, com estabelecimento de um vínculo marcado pelo silêncio. Em várias sessões, pedia para que a psicóloga desenhasse algo para ele. Pedia régua para desenhar e sempre repetia que não sabia fazer, demonstrando dificuldade em criar coisas. Em relação à dificuldade de criar, Winnicott (1970/1999c) comenta que a criação depende de a pessoa “ser” para depois “fazer”. Parece que “ser” dependeria de um ego fortalecido, de um ambiente facilitador que permitisse à criança “existir” em um ambiente com mais liberdade e menos dependência. . Considerações finais Pedro foi encaminhado ao atendimento psicológico por apresentar queixas relacionadas com o desenvolvimento da comunicação verbal, havendo inicialmente uma impossibilidade para falar no ambiente externo e escolar e uma dificuldade para falar durante a maior parte da terapia. Confrontando as informações das entrevistas com a mãe com o material clínico proveniente das sessões de psicoterapia, pode-se levantar a hipótese de que os problemas de desenvolvimento relativos à comunicação verbal de Pedro poderiam estar relacionados com uma falha no estabelecimento de um ambiente facilitador e acolhedor nos primeiros meses de vida desta criança. Pelos relatos da mãe, é possível supor que o processo de construção de um self verdadeiro, de construção da experiência de ilusão da onipotência de seu filho, enquanto bebê, deva ter sido não satisfatório. Desse modo, a comunicação silenciosa que, para Winnicott (1963a/1983a), é garantia de segurança de sobrevivência psíquica tanto para o filho quanto para a mãe, parece não ter sido estabelecida de modo completo ou satisfatório. Pelo relato da mãe, pôde-se perceber que ela tinha dificuldades em aceitar o filho, falhando em cuidá-lo, em atender às suas necessidades básicas de bebê. Por exemplo, ela disse não conseguir chamálo de “meu filho”, e sequer conseguia pegá-lo no berço, ou segurá-lo quando chorava. Ou seja, a mãe não podia exercer adequadamente a função de holding, propiciando ao bebê um ambiente acolhedor, protetor e satisfatório. Da mesma forma, o pai biológico e os profissionais da saúde que deveriam ajudar a mãe, bem como os demais familiares também não puderam desempenhar de modo satisfatório o seu papel de apoio à mãe e ao bebê. Portanto, não apenas a mãe, mas todo o ambiente falhou. Recuperar o momento do estabelecimento da comunicação silenciosa entre mãe e bebê, sabe-se ser tarefa complexa e difícil, que necessitaria de um período de psicoterapia Aletheia 33, set./dez. 2010 119 superior ao realizado com Pedro. Todavia, criar hipóteses de como essa comunicação tenha se dado é algo factível, ao se considerar os depoimentos da mãe e a confrontação com as atividades lúdicas do filho durante a psicoterapia, podendo ter havido falhas quer da parte da mãe, quer do pai, quer de outras pessoas do ambiente. A insegurança de Pedro ao pronunciar palavras, a sua estratégia de apoiar-se em uma linguagem não verbal com a psicóloga e a sua inicial e transitória falta de criatividade são aspectos que podem revelar possíveis perturbações no processo de amadurecimento desta criança. Isto pode estar associado com o modo como se deram suas primeiras relações objetais e com as implicações destas relações objetais no estabelecimento de sua comunicação silenciosa com a mãe, o que parecia estar sendo transferido e atualizado na relação com a terapeuta. Segundo Winnicott (1963a/1983a), o medo de ser decifrado, ou de ter a sua zona intocável invadida associa-se a um sentimento de ameaça primitiva de aniquilação. Assim, a manutenção do silêncio de Pedro pode estar relacionada com a busca da segurança da comunicação silenciosa que pauta a relação mãe-bebê nos primeiros meses de vida. Em consonância com as ideias apresentadas por Winnicott (1963a/1983a; 171/1975) e por Coelho Jr. e Barone (2007), Forlenza-Neto (2008), Peres (2009), pensa-se, então, ser importante o respeito aos momentos de silêncio do paciente, ao seu ritmo, à individualidade e aos momentos de isolamento do outro na relação analítica, algo realizado ao longo do processo de Pedro. Esta escolha pôde ser respeitada e ao longo do processo o paciente pôde passar a se comunicar com a psicóloga também por meio da linguagem verbal e não apenas por meio de seus silêncios e brincadeiras, algo que parece ter sido propiciado pelo holding oferecido. É pertinente supor que a dificuldade de expressão verbal de Pedro pode estar relacionada com uma defesa pautada pela busca da manutenção de uma comunicação silenciosa primitiva, que significaria a garantia da sobrevivência psíquica diante de um ambiente que não havia se configurado, até então, como suficientemente bom. Referências Aberastury, A. (1992). Psicanálise da criança: teoria e técnica. (A.L.L. Campos, trad.). (8.ed.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1979). Aguirre, S. B., & Arruda, S. L. S. (2006). Psicoterapia lúdica de uma criança com AIDS. Estudos de Psicologia, 23(3), 229-237. Arzeno, M. E. G. (1995). Psicodiagnóstico clínico: novas contribuições. (B.A. Neves, trad.). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1993). Avellar, L. Z. (2004). Jogando na análise de crianças: intervir-interpretar na abordagem winnicottiana. São Paulo: Casa do Psicólogo. Buck, J. N. (2003). H-T-P: manual e guia de interpretação (R.C. Tardivo, trad.). 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Maíra Bonafé Sei: Psicóloga; Doutora em Psicologia Clínica-IP-USP, VI Curso de Especialização em Psicoterapias na Infância (DPMP/ FCM/ UNICAMP). Sérgio Luiz Saboya Arruda: Professor Doutor, Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP. Endereço para contato: [email protected] 122 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.123-137, set./dez. 2010 O abuso sexual no contexto psicanalítico: das fantasias edípicas do incesto ao traumatismo Bibiana Godoi Malgarim Silvia Pereira da Cruz Benetti Resumo: O objetivo deste artigo é discutir a questão do abuso sexual, destacando a contribuição psicanalítica na compreensão do impacto do abuso sobre o desenvolvimento psíquico do indivíduo. Nas últimas décadas, observa-se um crescente interesse das pesquisas na identificação de diferentes aspectos do problema, incluindo questões epidemiológicas, características, e consequências do abuso sexual. Entretanto, apesar da extensa contribuição de diferentes áreas, há uma escassez de estudos baseados na compreensão psicanalítica sobre o abuso sexual. Ainda assim, a discussão sobre o abuso sexual é um tema que encontra berço dentro da teoria psicanalítica, desde seu início, com as histéricas e, posteriormente, com o desenvolvimento do conceito chave do desenvolvimento da personalidade, o Complexo de Édipo. Palavras-chaves: Psicanálise; Abuso Sexual; Trauma. Sexual abuse in the psychoanalytical context: From oedipical phantasies to incest and trauma Abstract: The objective of this article is to discuss the topic of sexual abuse, highlighting the contribution of psychoanalysis to the understanding of the impact of this event upon the individual psychic development. In the last decades, it is observed a growing interest on epidemiological questions, characteristics and consequences of the act on the individual development. However, in spite of the extent contribution of different areas, there are fewer studies based on the psychoanalytical comprehension. Still, the discussion about sexual abuse is a theme originated within psychoanalytic theory, since its beginning with the hysterics and later with the key concept of personality development, the Oedipal Complex. Keywords: Psychoanalysis; Sexual Abuse; Trauma. Introdução A questão dos maus-tratos na infância, dentre eles o abuso sexual, em função da frequência de casos e das consequências negativas tanto para o sujeito vitimado quanto para a sua família, foi considerada como um grave problema de saúde pública (OMS, 1999). Assim sendo, o abuso sexual é uma temática complexa que perpassa diversas dimensões, desde situações específicas, envolvendo perpetradores e vítimas, a questões familiares, sociais e culturais (Amazarray & Koller, 1998; Avery, Hutchinson, & Whitaker, 2002). Além disso, há consequências sérias que são resultantes das experiências traumáticas de tal evento e que afetam diversos aspectos do desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças e adolescentes vítimas de tal violência (Pfeiffer & Salvagni, 2005; Prado & Féres-Carneiro, 2005). O levantamento de revisões bibliográficas sistemáticas realizadas por estudiosos da área sobre o tema, abuso sexual, indica um crescente interesse das pesquisas na identificação de diferentes aspectos do problema, incluindo questões epidemiológicas, características, fatores associados e consequências do abuso sexual no desenvolvimento individual (Macdonald, Higgins, & Ramchandani, 2006). Verifica-se, entretanto, que, apesar da extensa contribuição de distintas áreas, há uma escassez de estudos baseados na compreensão psicanalítica sobre o abuso sexual (Hachet, 2006; Mess, 2001). Dessa maneira, embora existam estudos relativos às consequências psicológicas do abuso, assim como à abordagem de aspectos epidemiológicos, a temática, no que diz respeito às alterações traumáticas que o abuso pode gerar em um sujeito sob o vértice da compreensão psicanalítica, não é recorrente. Esta constatação, isto é, a ausência de pesquisas que abordem o tema sob este viés, pode resultar, em parte, de uma característica da própria psicanálise, que é oferecer um entendimento singular a cada sujeito. Abuso sexual O fenômeno do abuso sexual é universal, atingindo todas as classes sociais e idades, incubando, na vítima, a predisposição para perpetuar o ciclo de violência ao qual foi submetida (Pfeiffer & Salvagni, 2005). Na década de 90, pesquisadores já apontavam para o crescente interesse pela temática do abuso sexual infantil, embora fossem igualmente constatadas certas dificuldades metodológicas e a fragmentação dos estudos (Amazarray & Koller, 1998) Considerando estes e outros aspectos, o abuso sexual de crianças ainda pode ser observado na atualidade como um tópico complexo e difícil, tanto na investigação, quanto na sua compreensão para profissionais e pesquisadores. Em função da complexidade de situações envolvendo episódios de abuso sexual, houve a necessidade de operacionalizar uma definição de abuso que fosse clara e abrangente, em grande parte devido a questões legais que permeiam o tema. A definição de abuso sexual, segundo a Organização Mundial da Saúde (1999), refere-se ao envolvimento da criança em atividade sexual para a qual ela não tem condições, capacidade ou está desenvolvida para compreender e consentir e, em termos amplos, fere as leis ou tabus sociais de uma sociedade. Além desses aspectos, a OMS destaca o aspecto relacional entre a criança e o adulto ou mesmo outra criança que, pela idade ou desenvolvimento situam-se em uma posição de responsabilidade, confiança ou poder, e têm intenção de satisfazer suas próprias necessidades. Tais situações podem incluir atos coercivos de indução em atividades sexuais ilegais, prostituição e exploração pornográfica (OMS, 1999). Nesse sentido, fundamentalmente, o abuso sexual consiste no envolvimento da criança em atividades de manipulação dos órgãos genitais infantis ou do agressor, abusos verbais, masturbação, ato sexual genital ou anal, estupro, sodomia, exibicionismo, pornografia, e ainda exibicionismo, voyeurismo, exposição a filmes, imagens ou situações de pornografia (Amazarray & Koller, 1998; Pfeiffer & Salvagni, 2005). 124 Aletheia 33, set./dez. 2010 As características epidemiológicas indicam que o maior número de casos ocorre na população feminina e tem origem intrafamiliar, sendo a faixa etária com maior incidência entre cinco e 10 anos de idade (Amazarray & Koller, 1998; Habigzang e cols., 2005). Apesar dos diferentes aspectos envolvidos, há consenso na compreensão do abuso sexual como uma situação traumática e que, necessariamente, envolve uma questão de poder, ou seja, um indivíduo que impõe o seu desejo a outro de faixa etária inferior (Araújo, 2002; Habigzang, Koller, Azevedo & Machado, 2005; Pfeiffer & Salvagni, 2005). Habigzang e cols. (2005), através de pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul pela análise de documentos do Ministério Público (denúncias feitas entre 1992 e 1998), traçaram o perfil mais comum da vítima de abuso sexual. Esta se caracteriza por ser de uma menina em 80,9% dos casos, na faixa etária entre cinco e 10 anos (36,2% dos casos, sendo que 10,6% correspondem à idade de dois a cinco anos e 19,1% entre 10-12 anos). O cenário do abuso foi a casa da própria vítima (66,7% dos casos) e, em 83% dos casos levantados pelos autores, o abuso aconteceu dentro da própria família, ou seja, do tipo incestuoso. Contudo, outro dado importante refere-se à idade da denúncia que, geralmente, ocorria somente por volta dos 12 e 18 anos, indicando que o abuso sexual incestuoso ocorria por anos e acabava acobertado pelo silêncio e pelo segredo familiar. Outro ponto fundamental a ser considerado é a questão do contexto no qual ocorre o abuso, ou seja, intra ou extrafamiliar. Este último entendido como a violência sexual que envolve indivíduos os quais não possuem laços sanguíneos e não necessariamente com desconhecidos da criança ou do adolescente, visto que, muitas vezes, nesses casos o abusador pode ser alguém de confiança como um professor, um médico, etc. Em geral, os casos de abuso sexual ocorrem com maior frequência em meninas e se caracterizam por situações de incesto na família (Finkelhor, 1994). Em sua origem, a palavra incesto remete ao que é impuro, sujo e não casto. Segundo Matias (2006), uma definição pertinente para esse ato seria “qualquer relação de caráter sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente, entre um adolescente e uma criança, ou ainda entre adolescentes; quando existe um laço familiar, direto ou não, ou mesmo uma mera relação de responsabilidade” (Matias, 2006, p.296). O incesto em nossa cultura é a forma mais comum de abuso e se evidencia justamente pelo grau de parentesco ou cuidado que um indivíduo tem em relação à vítima (Flores & Caminha, citado por Amazarray & Koller, 1998). Pfeiffer e Salvagni (2005) também concordam que o incesto é a prática de violência sexual mais comum, ressaltando que essa agressão dá-se de forma insidiosa e num ambiente favorável a ela. Para os autores, esse tipo de violência sexual, pautada pelo fato dos envolvidos serem fundamentalmente uma criança e um responsável, parente ou cuidador, acarreta que a vítima, inicialmente, entenda essa aproximação como um movimento afetuoso, para, em seguida, ser levada a sentimentos de insegurança e dúvida. No entanto, quando a criança começa a entender a realidade da situação abusiva cai numa situação de silenciar frente à culpa, ao medo, à vergonha e à confusão. Araújo (2002) considera que, nos casos de violência sexual intrafamiliar, podese observar uma disfunção em pelo menos três níveis: o poder exercido pelo grande Aletheia 33, set./dez. 2010 125 (forte) sobre o pequeno (fraco), a confiança que o pequeno (dependente) tem no grande (protetor) e o uso perverso da sexualidade, na qual um se apodera do corpo do outro e o usa segundo seu desejo. Sendo o abuso sexual um problema complexo e difícil de ser apreendido em sua totalidade, torna-se extremamente complicado, tanto para a criança, quanto para a família, o processo de reconhecimento e a denúncia desse tipo de violência que ocorre em seu interior. Comumente, constata-se que famílias abusivas tendem a reproduzir a cultura do silêncio, em que o abuso sexual acaba sendo mantido por todos, de maneira cruel e em segredo, passando várias gerações sem vir a ser descoberto. De fato, as famílias abusivas tendem a manter seu equilíbrio doméstico em torno do silêncio e do segredo. Em situações especiais, quando o abuso incestuoso é revelado, mães podem sentir-se enciumadas, culpabilizando as filhas pela situação. Prova disso seria a dificuldade dessas mães em reconhecerem o incesto, visto que tal ação ocasionaria entrar em contato com sentimentos de fracasso frente aos papéis de mãe e esposa. Salienta-se, ainda, que o abuso sexual compõe-se de um conjunto de rupturas de relacionamentos, sendo sempre situado em uma família com funcionamento patológico, construído a partir da história de cada membro, inclusive do agressor. Dessa maneira, o histórico familiar pode determinar uma permissividade ao ato, em virtude da própria desvalorização da infância e da adolescência que estes sujeitos possuem (Pfeiffer & Salvagni, 2005). As consequências dos maus-tratos são devastadoras, ocasionando sequelas físicas e psicológicas, afetando, também, o desenvolvimento cognitivo das vítimas (Benetti, 2002). Além disso, os efeitos do abuso e a respectiva severidade variam de acordo com alguns pontos, tais como a idade da vítima, a duração do abuso, o grau de violência, a diferença de idade entre perpetrador e vítima, o relacionamento entre eles, a ausência ou não de fi guras parentais protetoras e, fi nalmente, o grau do segredo e de ameaças que a vítima sofreu (Amazarray & Koller, 1998). Neste sentido, em 1985, Finkelhor e Browne (1985) organizaram um modelo compreensivo das consequências e do impacto do abuso sexual a partir de fatores característicos das experiências traumáticas. Estes fatores determinantes definem o que os autores denominaram a dinâmica traumática e são baseados nas experiências de sexualidade traumática, traição, submissão ao poder e estigma. Ainda que estes elementos possam estar presentes na experiência de diversas situações traumáticas, a conjunção dos fatores nas situações de abuso sexual determina uma especificidade do abuso sexual no impacto do desenvolvimento geral das vítimas. As experiências de sexualidade traumática dizem respeito aos sentimentos e às atitudes resultantes das vivências sexuais inapropriadas ao momento evolutivo do sujeito e das relações interpessoais disfuncionais que se estabelecem com o abusador. Portanto, dependendo do tipo da experiência sexual vivida pela criança, seja colocada numa posição passiva, seja envolvida em sedução e prazer, além da força e do poder exercidos pelo abusador, serão determinadas diferentes consequências no desenvolvimento emocional e cognitivo do abusado. Já a traição envolve a constatação, por parte da vítima, de que alguém que deveria ser objeto de amor coloca-se numa relação de exploração da mesma. Muitas vezes, o senso 126 Aletheia 33, set./dez. 2010 de traição ocorre igualmente em relação a outros adultos, em quem a criança confia e que não conseguem exercer uma ação protetora, tal como a mãe ou irmãos mais velhos. Assim, a experiência de submissão ao poder do adulto gera uma experiência ainda mais traumática e invasiva, pois a vítima não consegue visualizar meios de reverter a situação do abuso na qual está envolvida. Por último, há o estigma gerado por ter sido vítima e as crenças de por qual razão o abusador a escolheu, além das percepções dos demais acerca do papel da criança no evento. Finkelhor e Browne (1985) colocam estes fatores como critérios que podem ser utilizados para o diagnóstico do impacto do abuso no desenvolvimento infantil e adolescente, já que fornecem dimensões de análise complementares do fenômeno. Em crianças de zero a seis anos, as manifestações mais comuns resultantes da vitimização por abuso sexual caracterizam-se pela presença de ansiedade, pelos pesadelos, pelo transtorno de estresse pós-traumático e pelo comportamento sexual inapropriado; de sete a doze anos, os sintomas mais comuns abarcam o medo, os distúrbios neuróticos, a agressão, os pesadelos, os problemas escolares, a hiperatividade e o comportamento regressivo; e, finalmente, em adolescentes de treze a dezoito anos, observa-se a depressão, o isolamento, o comportamento suicida, a autoagressão, as queixas somáticas, os atos ilegais, as fugas, o abuso de substâncias lícitas ou ilícitas e o comportamento sexual inadequado (Amazarray & Koller, 1998; Furniss, 1993). Observa-se que as definições e os estudos relativos ao impacto do abuso sexual no desenvolvimento individual apresentam em comum a noção de que a complexidade das situações envolvidas nos episódios inclui determinantes internos e externos à criança, os quais, por sua vez, derivam em particularidades associadas a cada situação. É nesta perspectiva de análise das especificidades de cada caso que a compreensão baseada na teoria psicanalítica do trauma encontra um terreno fértil para um maior entendimento do trauma na estruturação psíquica do sujeito. O abuso sexual e a psicanálise As tradicionais concepções sobre maus-tratos definem os eventos a partir das categorias de abuso físico, negligência, abuso sexual e abuso emocional. Esta classificação tem contribuído extensamente para os objetivos dos estudos epidemiológicos e classificatórios, de forma a estabelecer a gravidade da situação dos maus-tratos infantis, bem como dos fatores determinantes e as consequências destas violências no desenvolvimento infantil e adolescente. No entanto, este modelo classificatório não consegue abranger as formas sutis de abuso e suas possíveis manifestações nas vítimas. Dessa forma, compreensões fundadas na teoria de desenvolvimento psicanalítica, baseadas em interpretações subjetivas e psíquicas, podem contribuir com aspectos fundamentais para o entendimento da dinâmica do abuso sexual sob uma ótica mais específica. Expresso de outra forma, considera-se que a abordagem psicanalítica, em função da particularidade atribuída as consequências das vivências traumáticas para cada indivíduo, traz a tona elementos importantes para a compreensão do impacto do trauma na estruturação psíquica (Young-Bruehl, 2004). Aletheia 33, set./dez. 2010 127 Desse modo, para dar conta da especificidade das vivências individuais acerca do trauma, a perspectiva psicanalítica questiona como a experiência relacionou-se aos aspectos internos do sujeito, no sentido de verificar, independente da intensidade e da frequência do evento, como a situação foi percebida pelo indivíduo. Aquilo que seria considerado traumático derivaria tanto da experiência, quanto da reação do sujeito ao evento e em relação ao momento e às circunstâncias do fato (Dupont, 1998). Na década de 70, segundo Young-Bruehl (2004), quando a questão do abuso sexual firmou-se como um grave problema de maus-tratos infantis, a psicanálise não participou diretamente dos estudos iniciais, por ser considerada como uma teoria mais intrapsíquica, contribuindo, dessa maneira, pouco para a compreensão e o tratamento do abuso. Entretanto, a questão do abuso sexual e do respectivo impacto no desenvolvimento da personalidade do sujeito, independentemente de pertencer à fantasia ou ao real, ocuparam um lugar de destaque na psicanálise clássica. Essa afirmação decorre da própria teoria freudiana da sedução, segundo a qual a criança era necessariamente seduzida de forma passiva por um adulto (o pai, no caso). No entanto, com o desenvolvimento dos estudos freudianos da época, acabou-se por duvidar da veracidade de tais cenas de sedução apresentadas pelos pacientes, entrando, assim, em jogo a realidade interna – fantasia inconsciente – a qual se diferenciaria da externa, abrindo lugar para a teoria do Complexo de Édipo (Costa, 2007; Prado & Féres-Carneiro, 2005). Contudo, é no princípio da própria teoria psicanalítica que se verifica a questão do abuso sexual perpassando as formulações e as primeiras teorias freudianas (Costa, 2007; Cromberg, 2001; Faiman, 2004). Inicialmente, Freud introduz a Teoria da Sedução, na qual acreditava no discurso histérico, para, posteriormente, perceber que as mesmas histéricas anteriormente queixosas a respeito de um possível abuso por parte de seus pais, traziam, de fato, as suas fantasias, o que acabava por abrir um novo caminho, a Teoria Edípica (Intebi, 2008). Freud (1924/1996) considerava o complexo de Édipo como fenômeno central do período sexual da primeira infância. É no Complexo de Édipo que se observa o desenvolvimento de efusivas e apaixonadas disputas, quando a criança rivaliza com o genitor do mesmo sexo, ao mesmo tempo em que transfere desejos amorosos e hostis de forma intensa para ambos os genitores, situação que estabelece uma tríade de relações importantes para o seu desenvolvimento psicológico. Através da superação das questões edípicas, há possibilidade de integrar o psiquismo de maneira organizada e, assim, acessar uma sexualidade genital de forma satisfatória. Entretanto, as linguagens dos atores dessa trama são diferenciadas; a ternura da criança e a paixão do adulto podem ser confundidas, tomando rumos diversos, visto que a situação edípica não diz respeito exclusivamente à vítima, mas a ela e a seus pais. Estes, por sua vez, mobilizados na sua tragédia edípica pessoal, trazem também à tona os seus conflitos mal elaborados – essa situação confirma a transmissão geracional dos conflitos, segredos e fixações tecendo as tramas familiares (Nasio, 2007). Segundo a teoria freudiana clássica, o Édipo ofereceria ao sujeito, basicamente, duas possibilidades em termos de satisfação, ou seja, na busca pela identificação com os pais, a criança deverá tomar ou uma postura ativa, ou uma passiva. No caso 128 Aletheia 33, set./dez. 2010 masculino, o menino poderia se colocar no lugar do pai, à maneira masculina, e ter relações com a mãe da mesma forma como o pai – Édipo Positivo, ou assumir o lugar da mãe e ser amado pelo pai, caso em que a mãe se tornaria supérflua – Édipo Negativo (Freud, 1924/1996). A identificação com o pai e a autoridade deste é introjetada no ego, formando o núcleo do superego, o qual assume a severidade do pai e perpetua a proibição contra o incesto, defendendo o ego do retorno da catexia libidinal. Este processo, para Freud (1924/1996), era mais que uma repressão, era uma abolição do complexo porque, caso o ego não consiga muito mais que uma repressão do complexo, este persistirá em estado inconsciente no id, manifestando-se, mais tarde, o seu efeito patogênico. Freud (1925/1996) também considerava que tão importante quanto entender o período edípico até a sua dissolução é entender a fase que o precede. No caso dos meninos, ocorrerá uma identificação afetuosa com o pai que se encontra livre de qualquer rivalidade em relação à mãe, além da atividade masturbatória que é própria deste período. Na fase pré-edípica das meninas, mesmo que a mãe se constitua como o objeto original, tal qual é para o menino, o curso se diferencia. Para elas, a zona genital é descoberta por uma ocasião que não necessariamente esteja vinculada a qualquer conteúdo psíquico. O fato que as leva a adentrarem a Fase Fálica é a descoberta do pênis em algum companheiro do sexo oposto, tornando-as “vítimas” da inveja do pênis. Logo que isto ocorra, a menina inconscientemente toma a decisão de que não o tendo, o quer (Freud, 1925/1996). A partir deste momento, um caminho por vezes tortuoso tende a ser traçado; ou se apega vivamente à possibilidade de reivindicar um pênis para si e, com isso, identifica-se com o pai, ou, essa torrente emocional é absorvida pela formação reativa. De qualquer forma, existe uma longa busca para a menina na tentativa de explicar a sua “falta”, que pode ser demonstrada como uma aliança ao homem no que diz respeito ao desprezo pelo seu sexo inferior, podendo haver um deslocamento no qual o traço característico é o ciúme, ou, ainda, um afrouxamento da relação afetuosa com seu objeto materno. No caso dessa última situação, a menina julgará a mãe como responsável por sua falta (Freud, 1925/1996). Outro fato notório, conforme Freud (1925/1996), pertinente à Fase Fálica, é que, tão logo a menina é tomada pela inveja do pênis, ocorre uma verdadeira corrente de sentimentos contra a masturbação que certamente é um precursor da repressão que, mais tarde, poderá dar espaço ao desenvolvimento de sua feminilidade. Logo que tudo isto se desenrole, o complexo de Édipo passa a mostrar-se com o deslizamento da libido para uma nova posição, em que a menina abandona o seu desejo de um pênis e coloca, no lugar, o desejo de um filho, tendo o pai como objeto de amor. Neste contexto, a mãe acaba por tornar-se o objeto de seu ciúme. O mais notável neste desenrolar do desenvolvimento psíquico é que, para as meninas, o complexo de Édipo é uma formação secundária, devido ao fato do complexo de castração o preceder e o preparar. Assim, o último introduz o Édipo e o seu desfecho não ocorre da mesma forma como nos meninos, visto que a castração já teve seu efeito (Freud, 1925/1996). O que contribui para o término do Édipo na menina não é propriamente uma destruição, mas um abandono gradual ou uma utilização Aletheia 33, set./dez. 2010 129 maciça da repressão. Dessa forma, o que se observa, na menina, como resultado da crise edipiana, é que seu “superego nunca é tão inexorável, tão impessoal, tão independente de suas origens emocionais como exigimos que o seja nos homens.” (Freud, 1925/1996, p.286), tendo assim, a sociedade que lhe impõem regras mais rígidas numa tentativa de contenção. Seria pertinente acrescentar que a menina só atinge seu status normal na evolução edipiana positiva, após ter superado um período anterior regido pelo complexo negativo. No momento do Édipo negativo, a menina acredita que seu pai não é muito mais do que um rival que lhe causa problemas, muito embora sua hostilidade não alcance a intensidade que se dá quando se trata de um menino. Entretanto, ao término do desenvolvimento da menina, o pai deve ter se tornado seu novo objeto amoroso. Para Freud (1931/1996), a menina, que já percebera o fato de sua castração (efeito diferente do menino), tende ou a reconhecer a superioridade masculina e rebelar-se contra o seu estado, abandonando sua atividade fálica (sexualidade em geral), ou a se aferrar em uma atitude autoafirmativa de sua masculinidade, ou, ainda, toma um caminho indireto no qual atingirá uma atitude feminina ideal, tomando o pai como objeto. Contudo, independentemente do caminho a ser tomado, o Édipo, na menina, não é destruído e muito frequentemente nem sequer é superado pela mulher. Ao término do Édipo masculino, constata-se não simplesmente uma repressão, mas uma destruição pelo choque da ameaça de castração. As catexias libidinais do menino são abandonadas, dessexualizadas e, em parte, sublimadas. Assim, seus objetos são incorporados ao ego formando o núcleo do superego e fornecendo a essa nova estrutura características peculiares. Nesse caso, o Édipo não existe mais nem inconscientemente. Quem se faz presente de forma soberana, agora, é o superego. O menino pode, então, seguir rumo à latência, identificado com o pai e com as referências do feminino tomadas da mãe (Freud, 1925/1996). No caso da menina, ela não entende a falta de um pênis como sendo uma característica sexual, explica-a presumindo que, em alguma época anterior, possuíra um órgão igualmente grande e depois o perdera por castração. Contudo, não estende esse raciocínio a outras mulheres adultas, pois as entende como possuidoras de grandes e completos órgãos genitais (masculinos). Em virtude disto, a menina aceita a castração como um fato consumado; ao passo que o menino, teme a possibilidade de sua ocorrência. Portanto, no Édipo feminino, observa-se um caminho diferenciado. Logo, ao início do Édipo, fica claramente excluído para a menina o receio de ser castrada, posto que essa situação já teria ocorrido, segundo sua fantasia. Entretanto, surge um motivo poderoso para o estabelecimento de um superego, visto que essas mudanças podem acontecer como resultado da criação e da intimidação oriunda do exterior, as quais a ameaçam com uma perda de amor. Dessa forma, seu Complexo de Édipo culmina em um desejo, mantido por muito tempo, de receber do pai um bebê como presente (tentativa de compensação). Este desejo, aliado ao de ter um pênis, fica fortemente catexizado no inconsciente e auxilia na preparação da menina ao seu papel feminino e materno posterior (Freud, 1924/1996). A questão edípica assume, na teoria psicanalítica, portanto, um lugar incontestável em importância para a estruturação psíquica e o estabelecimento de identificações 130 Aletheia 33, set./dez. 2010 femininas e masculinas que determinarão as características da passagem para a genitalidade. Entretanto, cabe refletir sobre qual o impacto na estruturação psíquica das situações nas quais o incesto transcende a esfera da fantasia edípica para a realidade da criança? Somente a partir dos estudos de Ferenczi (1933/1992), retoma-se a questão traumática considerando as experiências reais da criança, introduzindo a perspectiva do impacto das vivências sexuais precoces na sua organização psíquica. Ferenczi (1933/1992) afirma, em desacordo com Freud, que nem todo relato de abuso sexual é de cunho fantasioso e vai além, identificando a importância das forças externas como forças traumáticas. Acrescenta, ainda, que a negação por parte do adulto da ocorrência do abuso torna mais traumático o evento. Trauma e desenvolvimento psíquico Se em todo sujeito, no período da infância, existe uma fantasia inconsciente de cunho erótico, voltada ao genitor do sexo oposto, devendo ser recalcada e resolvida no desenrolar do Édipo, a psicanálise vem dizer que a concretização desses desejos, sejam eles agressivos ou sexuais, tornar-se-ia, para a criança, uma experiência bizarra e não prazerosa, causando, além de sofrimento, o sentimento de não existência como unidade psíquica independente (Faiman, 2004). Além disso, há o que Bollas (citado por Faiman, 2004) chama de “transparência psíquica” (p.31), ou seja, a experiência incestuosa desencadeia a sensação de que a realidade pode ser invadida pelos desejos do psiquismo, sem barreiras de contenção para os mesmos. Portanto, a partir destes elementos compreensivos do processo edípico, é possível identificar que vivências concretas de experiências sexuais abusivas, nesta fase de desenvolvimento, são situações extremamente traumáticas e com consequências importantes no processo de desenvolvimento psíquico do sujeito. Seguindo essa linha, busca-se, então, compreender o processo do trauma, assim como sua repercussão no psiquismo da vítima. Central à noção de abuso sexual, sob a compreensão psicanalítica, está o conceito de trauma. De acordo com Laplanche e Pontalis (1998), o trauma pode ser definido como “acontecimento da vida do sujeito que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se encontra o sujeito de reagir a ele de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica.” (p.522). Sob o ponto de vista econômico, o trauma caracterizar-se-á por ser um excesso de excitações que transborda a capacidade do sujeito de tolerar e elaborar psiquicamente. Uma importante síntese sobre o desenvolvimento da definição de trauma, sob o ponto de vista freudiano, é o trabalho de Prado e Féres-Carneiro (2005). Segundo os autores, concomitante ao próprio desenvolvimento da teoria psicanalítica, está o desenvolvimento da noção de trauma. Inicialmente, este conceito se encontra de forma embrionária de acordo com a Teoria da Sedução, para, posteriormente, ser descrito como algo relativo “à urgência e pressão das pulsões sexuais e à luta que o ego trava contra elas, e os conflitos e as vivências traumáticas passam a ser examinados e compreendidos a partir das fantasias inconscientes e da realidade psíquica interna” Aletheia 33, set./dez. 2010 131 (p.13). Finalmente, em um terceiro momento da teoria freudiana, o trauma adquire uma nova dimensão, e a essência da situação traumática estaria diretamente ligada à experiência de desamparo por parte do ego diante de um excesso de excitação. Além disso, Prado e Féres-Carneiro (2005) trazem algumas distinções fundamentais, tais como: traumatismo, traumático e trauma. O primeiro referese ao conteúdo que surge em um tratamento psicanalítico, ou seja, algo que é representável e simbolizável. O traumático reflete o caráter econômico que esse conceito abrange, isto é, em virtude do aparelho psíquico estar desprovido de um aparato que suporte o excesso de excitação e o desvie, ocorre um funcionamento pautado pelo trauma. Logo, mesmo que os efeitos do trauma sejam parcialmente representáveis e simbolizáveis, eles nunca o serão de todo, ficando o sujeito marcado por um funcionamento traumático. Exemplo disso seria o de mulheres vítimas de abuso sexual na infância, as quais certamente foram submetidas ao silêncio e, dessa maneira, foi-lhes retirada a possibilidade de elaboração da experiência. Logo, o termo trauma, segundo as autoras, vem enfatizar o estrago produzido na capacidade de simbolizar e transformar, favorecendo o que chamam de zonas mortas do psiquismo, cujos fantasmas assombrarão gerações futuras, afetando suas escolhas amorosas e possibilidades de fruição da sexualidade. Estas situações associam-se a fantasias e podem ficar encapsuladas, configurando-se como um “corpo estranho”, acarretando em incremento de ferida narcísica à personalidade. É notório que toda individualidade surge a partir de um outro sujeito, a mãe em geral, e é a partir dessa referência que se oferecerá ao bebê o tipo de experiência predominante, ou seja, as primeiras marcas psíquicas. Entretanto, quando as experiências predominantes são de cunho traumático, envolvendo um alto grau de angústia, o ego pode não conseguir dar conta destas experiências, de forma que as experiências traumáticas invadirão os processos normais do desenvolvimento. Como consequência dessa situação, há uma “destruição completa ou parcial do aparelho mental em desenvolvimento ou já desenvolvido e do senso de identidade, culminando na deformação da mente (Albornoz & Nunes, 2004). Em uma situação de abuso sexual, em que há um indivíduo mais velho impondo-se a outro de idade inferior, sobra para a criança / adolescente em geral a tentativa de elaborar essa invasão de uma sexualidade adulta em seu mundo ainda imaturo. Logo, segundo Albornoz e Nunes (2004), o abusador joga-a para uma vivência traumática, difícil de ser simbolizável, na qual o valor do trauma ocorrerá a posteriori. Para Cyrulnik (2005), a questão do trauma deve estar alinhada com a qualidade e a intensidade do laço afetivo que um sujeito tinha com o infrator, ou seja, para o autor, a situação será tão traumática quanto o sujeito estiver ligado ou engajado afetivamente com quem inflige castigos, abusos, etc. Neste sentido, só se pode tratar de traumatismo se houver uma violação, isto é, se a surpresa catastrófica submerge o sujeito e derruba-o, lançando-o em uma torrente rumo a um lugar que ele não desejava ir. Para o autor, de acordo com o que ocorre, é rompida a bolha protetora, na qual o sujeito se guardava. Desorganiza-se o seu mundo e observa-se uma confusão em que o sujeito, não completamente consciente do que lhe acontece, percebe-se 132 Aletheia 33, set./dez. 2010 desamparado. A vida psíquica, após o trauma, será preenchida por fragmentos de lembranças com as quais o sujeito construirá o seu passado. Neste aspecto, o autor remete a uma imagem de construção com tijolos, em que coloca a seguinte questão: com que tijolos extraídos do real o sujeito construíra seu imaginário? Para ele, é na escolha destes tijolos que cada um se tornará único, e acrescentando um ou outro a sua construção, transformará a representação que possui dela. As consequências de experiências traumáticas estarão presentes nos aspectos cognitivos, afetivos e relacionais. Na perspectiva psicanalítica, os aspectos relacionados à representação simbólica do abuso e as respostas dissociativas do funcionamento psíquico formam a base para a compreensão das reações frente às experiências abusivas. No caso do abuso sexual infantil, as memórias traumáticas estarão associadas às fantasias sexuais agressivas desse período e, quanto mais precocemente ocorrer o abuso, mais sintomática será a resposta do sujeito em função da incapacidade do ego de organizar a experiência traumática. A incapacidade de contenção afetiva, o significado e a estruturação da experiência colocam-no numa organização caótica, a qual, por sua vez, ocasiona vivências de isolamento pessoal e sintomas de ansiedade e pânico. Portanto, resta à criança uma forma elaborada de funcionamento que consiste em isolar as experiências intrusivas, dissociandoas de outras vivências psíquicas. Estas experiências dissociativas não se limitam ao isolamento da memória do abuso, mas também atingem aspectos do self. Desse modo, considerando-se estes aspectos do funcionamento, observa-se que constituem a base para o possível desenvolvimento de personalidade borderline, situação caracterizada pela alta modulação afetiva, pela ansiedade difusa, pelas dificuldades relacionais, pela depressão e/ou agressividade (Davies & Frawley, 1994). A experiência traumática do abuso sexual associa-se, portanto, a dificuldades graves nas relações primárias ou vinculares, às experiências concretas de vivências altamente ansiogênicas, ao estabelecimento de um funcionamento psíquico desorganizado, resultando em falhas estruturais importantes no aparelho psíquico. Guiter (2000) assinala que crianças vítimas de experiências incestuosas lidam internamente com sentimentos de onipotência e, ao mesmo tempo, sentimentos de ódio, raiva e ambivalência que geram um funcionamento psíquico marcado pelo temor da ameaça constante à estrutura psíquica (borderline), entraves importantes para o desenvolvimento psíquico. Contudo, o que impediria esse progresso estrutural? Bergeret (1998, 2006), teórico que segue uma linha psicanalítica estrutural, traz a ideia do trauma como algo avassalador para a organização adaptada, muitas vezes, ocorrendo durante a fase edípica e também associado às Organizações Limítrofes. Nas Organizações Limítrofes, encontra-se o que Bergeret (1998, 2006) denominou de “trauma precoce”, o qual desempenha uma função desorganizadora da evolução do sujeito, lançando-o para uma fase denominada pseudolatência. Essa ruptura de desenvolvimento dar-se-ia em virtude de um acontecimento externo grave, que excederia a capacidade egoica do jovem sujeito de dar-lhe conta, ou seja, ocorre uma falha ambiental. O caso dos limítrofes é clássico e ilustra, com perfeição, o enlace do trauma e do Complexo de Édipo, até mesmo porque o trauma dar-se-ia Aletheia 33, set./dez. 2010 133 em um primeiro momento da fase edípica, sem possibilitar a formação completa e sustentadora do superego e ideal de ego, ou seja, estar-se-ia tratando de um futuro adulto com sérias restrições egoicas e uma personalidade instável. Uma situação traumática pode encontrar terreno fértil quando se depara com um sujeito frágil ou incapaz, em função da sua natural imaturidade de dar-se conta de situações extremas e potencialmente desorganizadoras, como, por exemplo, nos casos em que uma criança é submetida a uma situação de abuso sexual. Neste sentido, existem implicações diversas nessas organizações, sendo uma delas as características das relações objetais que se estabelecem. No caso dos limítrofes, pelo fato do trauma precoce ocorrer logo ao início da fase edípica, o objeto passa a ser instável, sucedendo uma introjeção falha, assim como o próprio período edípico o foi. Portanto, a relação com o objeto permanece centrada na dependência anaclítica do outro, ou seja, o que se estabelece é uma relação de grande dependência. Além disso, nesses casos, não há uma regência exclusiva do polo materno, como salienta Bergeret (1998). Existe, também, a presença da figura paterna, ainda que ela não seja entendida como sexuada devido à imaturidade do ego do sujeito. Este último luta contra um estado depressivo que o ameaça constantemente, sendo que, na verdade, a angústia ocorre pelo receio de perder o objeto, daí, então, a relação de dependência depressiva. Ainda assim, após a chamada pseudolatência,haveria uma possibilidade de reaver esse desenvolvimento na transição para a fase da adolescência. Contudo, como afirma o próprio Bergeret (1998, 2006), essa retomada não ocorre de forma fortuita, deve haver algum fator externo (análise profunda e competente ou uma experiência amorosa extremamente satisfatória), que possibilite orientar essa personalidade para novos caminhos. Considerações finais Considerando o percurso da psicanálise, desde o seu início até o seu amadurecimento teórico, há uma clara articulação da questão edípica com o conceito de trauma. Em um primeiro momento, entendia-se o trauma como algo exclusivamente concreto e externo, de cunho sexual: a situação traumática externa e “real” regia a vida psíquica do sujeito, principalmente os afetados pelo sofrimento, como as inesquecíveis histéricas freudianas. Em um segundo momento da teoria freudiana, instala-se a teoria do Complexo de Édipo, conceito fundamental dentro da estruturação da personalidade. A partir desse novo entendimento, agrega-se ao trauma real e externo outro componente: o mundo subjetivo, recalcado e fantasioso de cada sujeito, necessário para a elaboração de processos maturacionais pertinentes a esse momento – antes entendido de maneira equivocada – dá-se, então, o nome de Complexo de Édipo. Passa-se, a partir daí, a entender que o êxito nessa etapa da vida é o que garante galgar uma estrutura estável e adaptada, sendo que o contrário acabaria por impedir o acesso a essa estabilidade (Bergeret, 1998, 2006). O Édipo possui fundamental papel na organização psíquica do sujeito. Para tanto, faz-se necessário condições para uma triangulação e organização superegoica satisfatória de forma 134 Aletheia 33, set./dez. 2010 que meninos e meninas possam alcançar, sem maiores dificuldades, seus pares quando adultos, apropriando-se de sua sexualidade e de seu corpo sem estranheza, reconhecendo-se, finalmente, como seres autênticos e distintos dos demais. A título de exemplo, utiliza-se a Organização Limítrofe com a finalidade de compreender essa articulação entre trauma e Complexo de Édipo. Dentro das Organizações Limítrofes, encontra-se o que Bergeret (1998, 2006) chamou de “trauma precoce”, o qual desempenha uma função desorganizadora da evolução do sujeito, lançando-o para uma fase denominada “Pseudolatência”. Essa ruptura de desenvolvimento darse-ia em virtude de um acontecimento externo grave que excederia a capacidade egoica da criança de dar conta, ou seja, ocorre uma falha ambiental. Nesse sentido, a vivência traumática do abuso sexual na infância ilustra a situação do enlace do trauma ao Complexo de Édipo que, como resultado, teria a impossibilidade de formação completa e sustentadora do superego e ideal de ego. Ao contrário, quando ultrapassado, ou seja, quando a fantasia invade o real, encontra-se espaço fértil para instalar-se a desorganização através do trauma. Em suma, com base nas compreensões discutidas verifica-se que tanto no campo teórico como no de intervenção clínica, a contribuição da psicanálise constitui-se como uma importante ferramenta terapêutica para o trabalho clínico nas situações envolvendo abuso sexual. Portanto, o desenvolvimento teórico da psicanálise em suas distintas vertentes de desenvolvimento é um recurso essencial na avaliação dos processos psíquicos ao nível imediato de atendimento como para o desenvolvimento de estratégias de prevenção envolvendo ações que se orientem pela perspectiva da singularidade das experiências traumáticas. Desta forma, atentando e oferecendo aquilo de mais significativo da ação terapêutica psicanalítica, aspecto que compreende a escuta e o oferecimento de interpretações subjetivas específicas ao mundo interno do sujeito. Referências Albornoz, A. C. G., & Nunes, M. L. T. (2004). A dor e a constituição psíquica. Psico – USF, 9(2), 211-218. Amazarray, M. R., & Koller, S. H. (1998). Alguns aspectos observados no desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. Psicologia Reflexão e Crítica, 11(3), 559578. Araújo, M. F. (2002). Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, 7(2), 3-11. Avery, L., Hutchinson, K. D., & Whitaker, K. (2002). Domestic violence and intergenerational rates of child sexual abuse: A case record analysis. Child and Adolescent Social Work Journal, 19(1), 77-90. Benetti, S. P. C. (2002). Maus-tratos da criança: Uma abordagem preventiva. Em: S. 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Os sintomas são semelhantes, independente da faixa etária, e as repercussões se dão nos principais setores da vida dos acometidos por transtorno. Por isso, o tratamento é importante, auxiliando na amenização dos efeitos causados pelo TOC. Assim, o presente artigo, por meio de revisão teórica, teve por objetivo discutir sobre o transtorno e verificar se dentro das faixas etárias evolutivas existe diferenças nas características, repercussões e forma de tratamento, a partir da abordagem da terapia cognitivo-comportamental. Pôde-se concluir que o TOC apresenta algumas diferenças entre as faixas etárias, principalmente, relacionadas ao tipo de repercussões e a forma de tratamento do transtorno. Palavras-chave: faixas etárias; transtorno obsessivo-compulsivo; terapia cognitivocomportamental. Obsessive-compulsive disorder in the different age groups Abstract: The obsessive-compulsive disorder subjects the bearer to a cycle of thoughts and behaviors in search of a momentary satisfaction. The symptoms are similar, regardless of age, and the repercussions are given in the main sectors of life of affected by it. Therefore, treatment is important, assisting in alleviating the effects caused by OCD. Thus, this article by reviewing theoretical, aimed to discuss the disorder and verify that within age groups there is evolutionary differences in the characteristics, effects and manner of treatment, using the approach of cognitive behavioral therapy. It might be concluded that OCD presents some differences among age groups, mainly related to the type of impact and how to treat the disorder. Keywords: age; obsessive compulsive disorder; behavior-cognitive therapy. Introdução O Transtorno Obsessivo-Compulsivo, TOC, passou a ser estudado e divulgado a partir da década de 80, embora exista e se manifeste há muitos anos (Kaplan, Sadock & Grebb, 2003). Atualmente, é um transtorno que tem se mostrado comum, sendo estimado que, no Brasil, existam cerca de três a quatro milhões de indivíduos portadores (Kapczinski, Quevedo & Izquierdo, 2004). As principais características do TOC são as obsessões e as compulsões, onde as obsessões são pensamentos, ideias ou sensações intrusivas, de cunho negativo e que causam muita angústia. Já as compulsões são comportamentos conscientes, padronizados e recorrentes, como as contagens, verificações e/ou evitações, que têm como função aliviar a tensão causada pelas obsessões (APA, 2003). Para o indivíduo com o distúrbio, um simples pensamento de tragédia desencadeia uma série de comportamentos que visam garantir que tal não ocorra. Assim, por ter um senso de responsabilidade aumentado e distorcido, o indivíduo se sente angustiado por perceber que é incapaz de assegurar, a todo o momento, a segurança (Siev, Huppert & Chambless, 2010). Os sintomas do transtorno podem se manifestar em qualquer idade e independem de classe social, porém tendem a acometer mais o sexo masculino, quando manifestado na infância, e quando manifestado na fase adulta acomete mais o sexo feminino, portanto, tende a ocorrer em homens mais cedo do que em mulheres (Campos, 2001). Sendo assim, a relação entre faixa etária e prognóstico é importante, pois quanto mais cedo o paciente apresentar os sintomas mais difícil pode ser o quadro, bem como as consequências por ele causadas (Cordioli, 2004). Normalmente, as pessoas com TOC acabam tendo repercussões, pois essas acontecem em todas as faixas etárias e se concentram, principalmente, na vida familiar, social e produtiva dos acometidos por esse transtorno (Guedes, 2001). Nas crianças e nos adolescentes as maiores implicações são no desempenho escolar e, nos adultos, podem ocorrer perdas de emprego e separações conjugais (Barlow, 1999). Até o momento ainda não foram esclarecidas as causas do TOC, entretanto, há evidências de que fatores de natureza biológica, psicológica e até mesmo ambiental possam fazer parte do seu surgimento (Kapczinski, Quevedo & Izquierdo, 2004). O TOC também é encontrado em pelo menos 50% dos pacientes que têm o transtorno de Tourette (transtorno neurológico caracterizado por tiques motores e vocais ao mesmo tempo). Além disto, está relacionado ao mesmo gene responsável pela expressão dos tiques, tais como: movimentos motores ou vocalizações súbitas, rápidas, recorrentes, estereotipadas e não rítmicas, em resposta a sensações subjetivas de desconforto (Rolak, 2001). Dos pacientes com TOC até 15% têm transtorno de Tourette, e dos pacientes com transtorno de Tourette 20% a 60% têm sintomas obsessivos e compulsivos, sendo esta uma das comorbidades mais comuns em todas as faixas etárias (Gonzales, 1999). A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem como objetivo fazer o indivíduo perceber as aprendizagens errôneas e as crenças distorcidas que adquiriu ao longo da vida (Cordioli, 2004) e esse tratamento psicoterápico tem se mostrado mais eficaz para lidar com o TOC, que por meio da exposição e prevenção de resposta se baseia na relação entre obsessão e o aumento da ansiedade e compulsão e o alívio da ansiedade. A TCC faz uma exposição repetida do indivíduo ao estímulo aversivo, não deixando que ele execute a compulsão. Assim, por meio da habituação, faz com que a pessoa perceba que os rituais não são necessários para reduzir a ansiedade ou para evitar algum desastre (Rangé, 2003). O tratamento combinado, ou seja, o uso de psicofármacos em conjunto com a terapia também se mostra eficaz, pois quando o medicamento é retirado do paciente a terapia serve como auxílio para que os sintomas não voltem. Porém, a medicação se faz necessária somente em casos mais graves, auxiliando o paciente a baixar o nível elevado de ansiedade e de sofrimento causados pelo transtorno (Prazeres, Marques, Souza & Fontenelle, 2007). Aletheia 33, set./dez. 2010 139 Transtorno obsessivo-compulsivo: caracterização geral O TOC tem por característica ser um quadro em que se apresentam obsessões e/ou compulsões repetitivas causadoras de grande ansiedade. Geralmente, o TOC é crônico e suas causas podem envolver fatores de ordem biológica e psicossocial. Algumas vezes, também pode apresentar diferentes formas em relação aos subtipos, etiologia, apresentação clínica, curso, prognóstico e resposta a tratamentos (Knapp, 2004). Tanto o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2003) quanto o Código Internacional de Doenças (OMS, 2003) utilizam os mesmos critérios diagnósticos para todas as faixas etárias (Rangé, 2003). Portanto, o diagnóstico do TOC é clínico, não existindo nenhum exame laboratorial ou radiológico da doença (Kaplan, Sadock & Greeb, 2003). A necessidade para preencher critérios de TOC é que os pensamentos sejam percebidos pelo paciente como de procedência interna (Caballo, 1999). Esse aspecto é um diagnóstico diferencial importante do TOC com a esquizofrenia, pois quadros como o da esquizofrenia referem que os pensamentos foram colocados na cabeça por um agente externo (Ito, 1998). Entretanto, segundo Buckley, Miller, Lehrer e Castle (2009) 23% dos esquizofrênicos apresentam o transtorno obsessivo-compulsivo como comorbidade. Porém, Leckman e cols. (2010) acreditam ser importante rever a nosologia do TOC, avaliando se mudanças nos critérios diagnósticos, bem como nos subtipos e especificadores da doença, poderiam melhorar a eficácia diagnóstica e sua utilidade clínica. Desta forma, os autores avaliaram os critérios diagnósticos já existentes e realizaram uma busca, nas bases de dados, sobre o assunto. Assim, estabeleceram algumas considerações para o DSM-V, que são: definição mais clara e simplificada das obsessões e compulsões (critério A), a exclusão da exigência de que as pessoas reconheçam que as suas obsessões e compulsões são excessivas ou irracionais (critério B), a reconsideração do critério de significância clínica (critério C) e uma listagem de transtornos adicionais para auxiliar no diagnóstico diferencial (critério D). Além disto, uma reconsideração em relação ao critério de exclusão médica (critério E), um maior esclarecimento do que se entende por condição médica geral e uma revisão nos especificadores do transtorno, são algumas das recomendações dos autores. Em relação aos sintomas do TOC, as obsessões podem apresentar-se como pensamentos, ideias, impulsos, imagens ou cenas que invadem a consciência de forma repetitiva, persistente e estereotipada. Estas podem variar devido a cultura, pois o conteúdo das obsessões, normalmente, reflete as preocupações com o meio em que o indivíduo está inserido. As obsessões são subjetivas e tendem a ficar fixadas na consciência, não sendo fácil removê-las (APA, 2003). Desta forma, não basta um simples aconselhamento nem a decisão do sujeito de não ter mais os pensamentos. Necessita-se de um tratamento feito por profissionais capacitados para que o indivíduo consiga administrar seus sintomas (Rangé, 2003), pois indivíduos que ainda não estão sob acompanhamento se utilizam das compulsões como método de diminuir ou neutralizar o desconforto, o que acaba por virar um ciclo de obsessões e compulsões diárias (Kaplan, Sadock & Greeb, 2003). As compulsões podem ser as mais diversas e incluem as verificações, contagens, limpezas excessivas, repetições de atitudes, necessidade exagerada de colocar objetos em 140 Aletheia 33, set./dez. 2010 ordem, dentre outros. Entretanto, além das compulsões com comportamentos manifestos existem as compulsões via atos mentais, que se apresentam como pensamentos compulsivos não manifestos, tais como: rezar, contar e/ou tentar anular as obsessões com palavras ou frases (Kapczinski, Quevedo & Izquierdo, 2004). Identificar a dimensão dos sintomas obsessivos e compulsivos do transtorno é importante para que tratamentos clínicos possam se tornar mais eficazes (Matsunaga, Hayashida, Kiriike, Maebayashi & Stein, 2010). Um fator que pode agravar o transtorno é o fato de existirem comorbidades, ou seja, outro transtorno associado ao TOC. Estas podem se apresentar em qualquer faixa etária como mais um transtorno de ansiedade ou, até mesmo, do espectro obsessivocompulsivo. Fazem parte do espectro: a tricotilomania (arrancar os próprios cabelos e pelos constantemente), a dermatotilexomania (cutucar excessivamente a pele), os tiques, a síndrome de Tourette (tiques motores e vocais), o transtorno dismórfico corporal (percepção errônea e exagerada sobre sua aparência física) e o comprar compulsivo (Miranda & Bordin, 2001; Tavares, Lobo, Fuentes & Black, 2008). Além desses, é comum encontrarmos outros transtornos associados, como os transtornos do humor (depressão), o abuso e dependência de substâncias e os transtornos alimentares, como a anorexia e a bulimia. As comorbidades prejudicam o curso e a qualidade de vida de quem tem o transtorno, além disso, interferem na evolução, no prognóstico e também na procura por atendimento especializado (Corchs & cols., 2008). Em relação ao tempo de instalação dos transtornos comórbidos foi constatado que os transtornos de ansiedade, principalmente, as fobias, antecedem a instalação do TOC, os transtornos do humor acompanham ou mais frequentemente sucedem o TOC e os transtornos de abuso e dependência de substâncias sucedem o TOC (Miranda & Bordin, 2001). O transtorno obsessivo-compulsivo nas diferentes faixas etárias O TOC, em relação à faixa etária, pode se apresentar de diferentes formas e é mais prevalente em algumas idades, sendo mais comum o aparecimento dos primeiros sintomas no final da adolescência. Algumas vezes, pode iniciar na infância, mas dificilmente após os 40 anos, ou seja, na meia idade. A prevalência do TOC, em relação à faixa etária, é de 0,7% na infância e adolescência e, nesta fase, tende a se manifestar mais no sexo masculino do que no feminino. Pode ser mais grave em meninos, quando inicia antes dos 10 anos e em meninas com aparecimento após essa idade (Kapczinski, Quevedo & Izquierdo, 2004). Já nos adultos a prevalência é de 0,3% a 2,2% e tende a se manifestar mais nas mulheres do que nos homens, tendo as mulheres, muitas vezes, somente as obsessões (Torres & Lima, 2005). Além disto, nessa fase, a incidência do transtorno é maior em pessoas com conflitos conjugais, divorciados, separados e desempregados, podendo o estresse ser considerado um agravante para o TOC (Prazeres & cols., 2007). Quando o transtorno se manifesta na infância e na adolescência as repercussões, geralmente, acontecem mais a nível escolar, ocasionando um declínio no rendimento devido a diminuição da capacidade de concentração e da atividade social, podendo levar Aletheia 33, set./dez. 2010 141 o indivíduo a se distanciar de amigos e familiares (Bèdard, Joyal, Godbout & Chantal, 2009; Prazeres & cols., 2007). Segundo Lewin, Caporino, Murphy, Geffken e Storch (2010) os sintomas responsáveis pelo comprometimento funcional, nestas faixas etárias, são a baixa percepção, o excessivo senso de responsabilidade, a indecisão, a lentidão generalizada e um sentido de responsabilidade excessivo. Estes sintomas, geralmente, são observados em casa, pois os indivíduos sentem vergonha de fazer os rituais na frente de estranhos. Portanto, é importante que os pais fiquem atentos a certas alterações de comportamentos, tais como: problemas dermatológicos ocasionados por inúmeras lavagens do corpo; utilização de tempo maior que o normal para a realização de tarefas rotineiras; gasto excessivo de sabão; arrumação excessiva de brinquedos ou outros objetos; buracos nos cadernos e livros ocasionados por apagar seguidamente e medo exagerado de que algo de ruim possa acontecer a alguém da família. Esses sintomas podem ser pistas importantes para detectar o TOC (Rangé, 2003). Ainda assim, é importante salientar que, na infância, existem certos rituais, repetições e superstições que são comuns e característicos desta fase. Crianças de dois a quatro anos de idade, principalmente, costumam apresentar uma intensificação de comportamentos repetitivos. Os rituais mais comuns nestas fases acontecem, geralmente, na hora de dormir, comer e de tomar banho. As crianças costumam pedir a repetição de histórias, gostam dos alimentos organizados no prato, só tomam banho se estiverem com um determinado brinquedo, dentre outros. A partir dos seis anos, os rituais se manifestam nas brincadeiras em grupos, onde os jogos passam a ter regras rígidas e as coleções dos mais variados objetos aparecem com frequência, além das superstições que também são comuns desta fase (Campos & Mercadante, 2000). Porém, esses rituais e superstições não são TOC, pois não interferem no funcionamento da criança e dão a ela uma sensação de controle sobre a imprevisibilidade dos eventos da sua vida. Entretanto, mesmo que não tenham a mesma frequência e intensidade dos sintomas obsessivo-compulsivos, estes comportamentos podem ser confundidos com o transtorno. Desta forma, é importante reconhecer, quando esses rituais e superstições tornam-se patológicos, ou seja, quando as crianças passam a precisar de ajuda. Para fazer essa diferenciação deve-se considerar a faixa etária, a duração dos comportamentos, a intensidade e a interferência ou não dos sintomas nas atividades e no desenvolvimento da criança (Campos & Mercadante, 2000). A identificação precoce do TOC é essencial para um bom funcionamento psicossocial e uma melhor qualidade de vida (Sturm, 2008). Quando um adulto tem TOC, as repercussões podem se tornar mais prejudiciais, pois estes, muitas vezes, têm que trabalhar para sustentar uma família e possuem obrigações e responsabilidades que dependem do seu bem-estar mental. Sendo assim, devido ao tempo que os sintomas ocupam na vida do portador podem ocorrer demissões de empregos, separações e até mesmo dificuldades de sair de casa (Cordioli, 2004). Além do impacto na profissão do paciente, a família também sofre com os sintomas do TOC, pois chega a alterar rotinas e exigir adaptações aos sintomas. Os portadores do transtorno, normalmente, obrigam os demais membros da família a fazer o mesmo que eles, chegando a impedir o uso de sofás, camas, roupas, toalhas, louças e talheres, bem como o acesso a determinados 142 Aletheia 33, set./dez. 2010 locais da casa. Assim, os cuidados excessivos, as exigências e os medos exagerados nem sempre são compreendidos ou tolerados pelos demais, provocando discussões e atritos, fazendo com que a qualidade de vida da família diminua (Torresan, Smaira, Cerqueira & Torres, 2008). Devido a proporção que estes sintomas ganham na vida de uma pessoa, algumas destas podem ficar totalmente impossibilitadas de sair de casa, ou perder a crítica em relação a si mesmos, diminuindo a probabilidade de aceitarem tratamento. A cronicidade do transtorno também favorece uma situação em que os familiares acabam se adaptando aos sintomas e exigências do paciente no dia a dia para evitar conflitos e por percebem que isso traz um alívio, pelo menos imediato, a eles (Torres & Prince, 2004). Mas, pelo fato de não conhecerem como os sintomas se estruturam e não saberem como lidar com esses, não percebem que isto reforça, cada vez mais, esses comportamentos. Portanto, a busca de ajuda especializada é de extrema importância (Niederauer, Braga, Souza, Meyer & Cordioli, 2007). Tratamento cognitivo-comportamental para o TOC O TOC, há tempos atrás, dispunha de poucos recursos efetivos para o seu tratamento, porém, atualmente, já dispõe de um bom repertório e cerca de 70% dos pacientes tratados conseguem reduzir ou até mesmo eliminar seus sintomas por completo (Cordioli, 2004). A terapia cognitivo-comportamental e/ou a farmacoterapia são as formas que se mostraram mais eficazes para trabalhar com o TOC (Cordioli, 2004; Dobson, 2006; Knapp, 2004; Mitsi, Da Silveira, & Costa, 2004; Muris & Broeren, 2010; Rangé, 2003). Entretanto, são comuns revisões de caráter cientifico apontarem para a necessidade de adequação entre as características do paciente e as características do tratamento, na tentativa de evitar o mito comum da uniformidade entre os indivíduos. Portanto, embora na literatura não esteja explicito que existem diferenças significativas do tratamento cognitivo-comportamental em crianças, adolescentes e adultos, algumas considerações devem ser levantadas (Dobson, 2006). Nas crianças e adolescentes, as técnicas utilizadas por terapeutas cognitivocomportamentais podem parecer sem significação, devido a dificuldade da criança e/ ou adolescente de compreender o sentido e objetivo da técnica. Além disto, crianças muito pequenas podem ficar intimidadas pelos procedimentos utilizados pelo terapeuta cognitivo-comportamental, sendo importante que o profissional proporcione informações adequadas aos pais e filhos sobre o propósito e o uso adequados de uma técnica (Dobson, 2006). Porém, para todas as faixas etárias, a terapia permanece focada no problema, ativa e orientada ao objetivo (Friedburg & McClure, 2004). A diferença aparece em relação à procura de ajuda. Quando se atende uma criança, não é essa quem busca a ajuda, mas algum responsável, pelo fato desta estar criando problemas para algum sistema, seja este família, escola ou outro. Desta forma, o terapeuta acaba dependendo da vontade e interesse dos pais de levar a criança ao atendimento e que estes também não interrompam o tratamento, pois, nesta faixa etária, é muito importante a participação e o apoio da família (Asbahr, 2004). Um estudo feito por Merlo, Lehmkuhl, Geffken e Storch (2010) Aletheia 33, set./dez. 2010 143 identificou que a acomodação da família pode ser um obstáculo ou um preditor de uma não adesão ao tratamento, bem como de resultados negativos no tratamento. Segundo Knapp (2004), a terapia cognitivo-comportamental para o transtorno obsessivo-compulsivo é um tratamento, geralmente, breve e segue as seguintes etapas: avaliação do paciente e indicação do tratamento; motivação do paciente; informações psicoeducativas e estabelecimento da relação terapêutica; treinamento na identificação dos sintomas; listagem e hierarquização dos sintomas pelo grau de aflição associada; sessões de terapia; técnicas comportamentais de exposição e prevenção de resposta; modelação; estratégias especiais para o tratamento de obsessões; técnicas cognitivas para a correção de pensamentos e crenças disfuncionais; prevenção de recaída, alta e terapia de manutenção. De acordo com as etapas citadas acima, primeiro é feito a avaliação do paciente, realizada através de uma entrevista semiestruturada que tem por objetivo identificar os sintomas obsessivo-compulsivos e as manifestações do TOC (obsessões, rituais, rituais mentais, dentre outros). Após essa avaliação o terapeuta julga a capacidade do paciente de suportar a ansiedade e se certifica de que ele está disposto a fazer o tratamento corretamente, pois a colaboração do paciente é de extrema importância no processo, assim como, a da família. Por este motivo, são fornecidas informações a respeito do transtorno para ambos (Knapp, 2004). O paciente, de posse dessas informações, tem maior facilidade na hora de identificar seus sintomas e perceber quando um comportamento é normal e quando ele faz parte do transtorno. Assim, no momento em que o paciente consegue fazer esse reconhecimento, inicia a construção de uma lista contendo as situações ansiogênicas, colocando em primeiro lugar as que causam menos ansiedade até chegar às situações de maior ansiedade. Essa lista é chamada de diário e é elaborada pelo próprio paciente. Nela também vão estar presentes a situação em que os sintomas ocorrem (obsessões e compulsões) e a duração destes, sendo este diário muito útil na fase inicial e servindo como um guia para o planejamento e a avaliação do progresso do tratamento (Rangé, 2003). Após essa primeira etapa se utiliza a técnica de exposição e prevenção de resposta fazendo com que o indivíduo mantenha a obsessão (pensamento) e permaneça com essa ideia no consciente, sem executar a compulsão. Desta forma, o paciente se habitua às suas obsessões e percebe que a ansiedade passa, sem que seja preciso executar a compulsão (Rangé, 2003). O terapeuta também pode ajudar o paciente fazendo uma demonstração, por exemplo, se o paciente acredita que vai ser contaminado quando tocar na maçaneta da porta e, por isso, tem que ir rapidamente lavar as mãos, o terapeuta irá tocar na maçaneta da porta e não lavará suas mãos, para que, pelo método da observação o paciente possa constatar que ele não será contaminado e que sua obsessão não condiz com a realidade (Knapp, 2004). Segundo a terapia cognitivo-comportamental, essas obsessões podem ocorrer devido a crenças disfuncionais, que são pensamentos absolutistas a respeito de nós mesmos, a respeito dos outros e/ou do mundo (Greenberger & Padesky, 2007). Segundo Knapp (2004) essas crenças podem ser corrigidas através do questionamento socrático, dos quais fazem parte algumas questões como: 1) Que evidências eu tenho de que o que 144 Aletheia 33, set./dez. 2010 passa pela minha cabeça ou os meus medos tem algum fundamento? E que evidências são contrárias? 2) Existe uma explicação alternativa para isso? 3) Meus medos têm como base alguma prova real, ou ocorrem porque eu tenho TOC? O que é mais provável? 4) O que fulano diria sobre meus medos? 5) Como a maioria das pessoas se comporta em situações semelhantes? 6) Qual é a crença errônea? Após a realização de todas essas etapas e com a maioria dos sintomas do paciente eliminados, o tratamento chega à fase final, na qual as sessões passam a ser menos frequentes, numa periodicidade quinzenal e, sequencialmente, é dada alta. Nesta fase também é explicado que pode haver momentos onde os sintomas reincidam e que isso tende a ocorrer por distração ou falha nas estratégias de autocontrole. Porém, nesta etapa, o paciente já tem ferramentas para lidar com esta questão (Knapp, 2004). A terapia cognitivo-comportamental para indivíduos com TOC também pode ser realizada em grupo, Fenger, Mortensen, Rasmussen e Lau (2007) desenvolveram um manual para o tratamento cognitivo-comportamental em grupo de pacientes com TOC, onde 24 indivíduos de uma população clínica participaram. Os autores verificaram que houve uma melhora significativa nos indivíduos que fizeram parte da terapia em grupo, porém ressaltam a importância de estudos longitudinais para a observação da resposta ao tratamento a longo prazo. Quando o tratamento necessita de uma intervenção medicamentosa, essa é feita com antidepressivos, pois são inibidores da recaptação de serotonina (IRS) e possuem uma ação antiobsessiva. Os mais indicados são: Fluvoxamina (Luvox), Sertralina (Zoloft, Tolrest), Fluoxetina (Prozac, Psiquial, Verotina, Deprax, etc.), Paroxetina (Aropax, Pondera), Clomipramina (Anafranil) e Citalopran (Cipramil) (Cordioli, 2005). Para o uso em crianças, as medicações mais indicadas são a clomipramina, a fluvoxamina e a sertralina. No caso da clomipramina, deve haver um monitoramento cardíaco criterioso e devem-se evitar interações com determinados antibióticos (Campos & Mercadante, 2000). As medicações devem ser mantidas por, pelo menos, três meses em dose máxima para avaliação de sua eficácia. Após seis meses, caso os sintomas estejam controlados, faz-se uma redução da dosagem e, após dezoito meses, tenta-se a suspensão. A medicação deve ser retirada lentamente, reduzindo 25% a cada dois meses. Frente à comorbidade com o transtorno de tiques ou à má resposta aos IRS, deve-se considerar a potencialização com neurolépticos (Campos & Mercadante, 2000). Cordioli (2004) ressaltou que o uso das medicações é necessário quando: os sintomas obsessivo-compulsivos são muito graves; predominam obsessões; existem comorbidades; sintomas graves de ansiedade ou depressão estão presentes; as convicções sobre as obsessões e a necessidade de realizar rituais são muito fortes ou muito rígidas; houve insucesso em tentativas de realizar TCC anteriormente; o paciente não adere aos exercícios. Embora o uso de medicação, em alguns casos, seja de extrema importância, é recomendável que este seja feito concomitante à terapia cognitivo-comportamental, pois esta também melhora os sintomas obsessivocompulsivos e diminui o risco de recaída após a retirada da medicação, devendo ser considerada como tratamento de primeira escolha (Campos, 2001). Aletheia 33, set./dez. 2010 145 Considerações finais Este estudo, de caráter teórico, levantou informações a respeito do transtorno obsessivo-compulsivo, apresentando suas características – psicogênicas e biológicas – suas repercussões, manifestações e formas de tratamento nas diferentes faixas etárias. Também foi investigado se as peculiaridades sintomáticas, correspondentes às diferentes faixas etárias, repercutem no tipo de tratamento a ser realizado, no que se refere aos procedimentos psicoterapêuticos, conforme os pressupostos da abordagem da terapia cognitivo-comportamental. Isto proporciona que familiares de portadores do TOC e a comunidade em geral compreendam mais sobre o transtorno, aprendam a lidar com os sintomas e consigam evitar os problemas decorrentes da doença. Além disto, um maior entendimento também pode auxiliar na procura de ajuda especializada. Os indivíduos com TOC, muitas vezes, deixam de buscar auxílio especializado e um melhor esclarecimento de tal transtorno pode favorecer a tomada de decisão, evitando que esse se prolongue e evolua de forma a prejudicar a qualidade de vida. O TOC é uma doença extremamente aprisionadora, que submete seu portador a uma série de pensamentos catastróficos e impulsos angustiantes na busca de uma não concretização destes pensamentos. Só que esta é uma busca sem fim, pois quanto mais a pessoa tem estes pensamentos e comportamentos mais eles tendem a aumentar, o que gera ansiedade e um grande sofrimento psicossocial. Além disto, o TOC é uma doença cujo(s) determinante(s) e origem(s) ainda não foram totalmente especificados, tende à cronicidade e se apresenta de forma diferente em cada pessoa, o que pode acabar mascarando e confundindo a manifestação de sua sintomatologia e, consequentemente, dificultando o seu diagnóstico (Torres & Smaira, 2001). Em relação aos sintomas do transtorno, foi verificado que estes mantêm um padrão e, independente da idade, se manifestam dentro de quatro grandes categorias: compulsões de limpeza, verificações, obsessões puras (pensamentos repetitivos, disruptivos e de conteúdo sexual agressivo) e lentidão obsessiva primária (necessidade de externalizar com precisão tudo o que é feito, o que toma um tempo considerável). Além disto, constatou-se que, em todas as faixas etárias, estes sintomas geram repercussões na capacidade produtiva, na vida familiar e no convívio social, ou seja, nas instâncias principais da vida de um indivíduo (Rangé, 2003). Assim, devido ao fato do TOC ser uma doença que mantém um padrão, tanto em seus critérios diagnósticos, quanto na manifestação de seus sintomas, provavelmente tenha se mantido também um padrão na forma de tratamento. O que se observa em relação a isto, é que a terapia cognitivo-comportamental mantém a mesma forma de procedimento para todas as idades, o que sugere que ainda não tenham sido desenvolvidos modos diferenciados para atender adultos e crianças. Estas ainda não têm a capacidade egodistônica desenvolvida, tendo maiores dificuldades em relatar e descrever seus sintomas (Da Matta, 2007), sugerindo um largo campo de investigação em relação a tratamentos que poderão ajudar de forma mais eficaz esta população. A terapia cognitivo-comportamental é composta de passos que requerem participação ativa e um grau de compreensão dos sintomas, acredita-se que esta proporcione um melhor 146 Aletheia 33, set./dez. 2010 aproveitamento por parte dos adultos devido a capacidade de compreensão que, em princípio, estes devem possuir. Em relação aos adultos, pôde-se perceber que o tratamento se mostra bastante qualificado, obtendo bons resultados na cura e amenização de sintomas, podendo ser inferido que portadores de TOC, em idade madura, aumentam as chances de um melhor desempenho no processo de tratamento. Entretanto, as crianças também poderiam ser beneficiadas com esta forma de psicoterapia, desde que fossem efetivadas num “setting” adequado. Isto implicaria em formas de atendimento diferenciadas para elas, proporcionando condições para que também consigam ter um aproveitamento melhor do tratamento cognitivo-comportamental. Este tratamento poderia conter formas lúdicas de abordagem, procedimento que pode facilitar o envolvimento da criança com as outras técnicas e metas da terapia cognitivocomportamental. Desta forma, a criança consegue se comunicar de forma melhor e o terapeuta pode ter uma maior compreensão dos sintomas. Assim, métodos mais precisos para o diagnóstico, tratamentos mais eficazes e instrumentos mais adequados para monitorar o progresso durante o tratamento desta faixa etária ainda são necessários (Berman & Abramowitz, 2010). Outra sugestão providencial decorrente deste levantamento teórico é a possibilidade deste conhecimento poder contribuir para a realização de maior divulgação em relação ao TOC para a população geral. A partir de maiores esclarecimentos sobre esta patologia poderão ser evitadas maiores implicações do transtorno na vida do portador e dos que convivem com ele, pois estes saberão como lidar melhor com estes indivíduos e seus respectivos sintomas. Além disto, um melhor esclarecimento sobre estas sintomatologias também serve para evitar que elas se agravem. Vale ressaltar que esta é uma doença que não se instala aos poucos e que tende a piorar com o tempo, desta forma, quanto mais cedo for buscado um auxílio especializado melhores serão as chances de sucesso no tratamento. Referências American Psychiatric Association (2003). DSM-IV-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Asbahr, F. (2004). Transtornos ansiosos na infância e adolescência: aspectos clínicos e neurobiológicos. Jornal de Pediatria, 80(2), 1-7. Barlow, D. (1999). Manual clínico dos transtornos psicológicos. Porto Alegre, Artmed. Bèdard, M. J., Joyal, C. C., Godbout, L., & Chantal, S. (2009). Executive functions and the obsessive-compulsive disorder: On the importance of subclinical symptoms and other concomitant factors. Archives of Clinical Neuropsychology, 24, 585-598. Berman, N. C., & Abramowitz, J. S. (2010). Recent developments in the assessment and treatment of pediatric obsessive-compulsive disorder. 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Endereço para contato: [email protected] ou [email protected] 150 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.151-165, set./dez. 2010 Revisão da literatura brasileira sobre a problemática do desenvolvimento de crianças assistidas por clínicas-escola Cristine Boaz Maria Lúcia Tiellet Nunes Resumo: O objetivo do estudo é revisar a literatura brasileira sobre a problemática de desenvolvimento de crianças assistidas em clínicas-escola de 1980 a 2008, para avaliar mudanças nos problemas desenvolvimentais em relação ao sexo da criança. Os artigos são oriundos das bases eletrônicas Bvs, Indexpsi, Lilacs, Pepsic e Scielo, a partir dos descritores clínicas-escola, crianças, desenvolvimento infantil, o que resultou em 22 artigos, divididos em três grupos, de acordo com a análise de dados realizada. Foi possível identificar o perfil mais frequente entre os sexos: mais meninos do que meninas apresentam problemas de aprendizagem e comportamento do tipo externalizante. Entretanto, não há dados inferenciais que permitam afirmar diferenças entre os problemas desenvolvimentais em relação a sexo, o que, por sua vez, impossibilita concluir se os problemas desenvolvimentais por sexo mudaram ao longo do tempo. Palavras-chave: clínica-escola, crianças, problemática do desenvolvimento. Literature review about children’s development problems in school clinics in Brazil Abstract: The objective of the study is to review the Brazilian literature about children’s development problems in out patient clinics from 1980 to 2008, in order to verify if changes about developmental problems regarding the sex of the child occurred. The articles reviewed were from electronic data bases such as Bvs, Indexpsi, Lilacs, Pepsic e Scielo, using the key-words out patient clinics, children and child development, and summed 22 divided in three groups, according to data analyses performed. It was possible to identify the most frequent profile: boys, more than girls, present learning difficulties and externalizing problems. However, there are not inferential data to discriminate development problems regarding the sex of the child, which does not enables to conclude if such problems varied along time. Keywords: school-clinics, children, development problems. Introdução Clínicas-escola são os locais de atendimento clínico de cursos de Psicologia; atendem à população de baixa e média renda e possuem três funções: ensino, pesquisa e extensão (Löhr & Silvares, 2006). Seus serviços são exigidos por lei para os cursos de Psicologia no Brasil, conforme Lei nº 4.119 de 1962, que regulamenta a profissão do psicólogo no Brasil e dispõe sobre os cursos de Psicologia no país (Brasil, 1962). 1 1 Já existe a expressão serviço-escola, pois os atendimentos nas denominadas clínicas-escola se ampliaram para além da psicoterapia mais tradicional, entretanto, essa expressão ainda não pertence aos descritores da Biblioteca Virtual de Saúde. O artigo se dedica a analisar artigos brasileiros em função das peculiaridades desse tipo de atendimento, exigido por lei nos cursos de psicologia do Brasil. Além disso, considera-se importante conhecer a realidade dos cursos de formação em psicologia no Brasil e quais as características das crianças que buscam auxílio psicológico nestes locais. As clínicas-escola estão cada vez mais preocupadas em caracterizar a sua clientela, com o intuito de direcionar as suas modalidades de atendimento às diferentes problemáticas apresentadas pela clientela. Sendo assim, torna-se necessário verificar o que está adequado nos serviços de atendimento e o que deve ser aprimorado para atender os pacientes de forma mais eficaz (Romaro & Capião, 2003). Com relação a isto, Peres (1997) refere que as clínicas-escola devem buscar conhecer o perfil sociodemográfico dos seus pacientes. Nunes, Campezatto, Cruxên e Savalhia (2006) salientam a importância da realização de pesquisas que esclareçam a relação entre prática, ensino e pesquisa, a fim de tornar a clínica-escola um local de aprendizagem da teoria e da prática psicológica, atendendo, assim, ao seu papel social. Segundo Romaro e Capitão (2003), Ferreira (1998) e Güntert e cols. (2000), dentre outros, estas instituições devem se propor a auxiliar o estagiário na sua formação e a permitir à Universidade que cumpra uma prestação de serviços à comunidade, pois as taxas de problemas mentais são altas, conforme segue. A World Health Organization (2001), em seu relatório, apresenta as perturbações mentais mais frequentes em crianças: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de Conduta e Depressão. Na América Latina, quase 17 milhões de crianças de cinco a sete anos de idade apresentam tais distúrbios mentais, que necessitam de tratamento. No Brasil, vem sendo documentando o perfil predominante de atendimento em clínicas-escola: Campezatto e Nunes (2007), De Moura, Marinho-Casanova, Meurer e Campana (2008), em estudos mais recentes, constatam que prevalecem os meninos sobre as meninas, com seis a 10 anos de idade, tendo a escola como principal fonte de encaminhamento; os problemas mais frequentes são problemas de aprendizagem e comportamento externalizante. Entende-se que as problemáticas mais recorrentes entre a clientela infantil é um tema de interesse geral, pois possuem probabilidade relativamente alta de persistirem até a idade adulta e de gerar sofrimento e prejuízos significativos. Esta condição indica a necessidade de intervenções efetivas iniciadas na infância para reduzir o sofrimento infantil e atenuar comprometimentos futuros. Levando em conta estas considerações, torna-se importante caracterizar a população assistida por clínicas-escola para nortear os serviços oferecidos e adequálos às necessidades da clientela. Por isso, o objetivo deste estudo é pesquisar artigos que estudam os problemas desenvolvimentais apresentados por meninos e por meninas assistidos em clínicas-escola no Brasil nas últimas três décadas. Uma caracterização mais completa sobre a clientela, que apresente as diferenças entre meninos e meninas, conforme o presente estudo propõe, pode permitir que os serviços atendam de forma mais específica e estruturada meninos e meninas e possam vir a desenvolver estratégias preventivas para essa população. Como será visto nos artigos revisados, são poucos os estudos que relacionam os problemas à variável sexo, o que se tornaria necessário para melhor atendimento de meninos e de meninas. Além disso, revisões de literatura são convenientes, pois analisam estudos realizados, sinalizam o que precisa ser melhor e mais investigado e indicam similaridades e diferenças nos resultados obtidos entre os estudos. 152 Aletheia 33, set./dez. 2010 Método A busca por artigos nacionais a respeito de problemas desenvolvimentais em crianças em clínicas-escola foi realizada nos periódicos científicos publicados em bases eletrônicas, tais como Bvs, Indexpsi, Lilacs, Pepsic e Scielo, utilizando os descritores: “clínica-escola”, “problemáticas do desenvolvimento” e “crianças”, em buscas sucessivas de maio a outubro de 2009. Os artigos publicados em periódicos não indexados foram buscados nas das hemerotecas da PUCRS e da UFRGS. As referências dos artigos resultantes das pesquisas eletrônicas e manuais foram buscadas para ampliar o número de artigos a examinar. O critério de inclusão dos artigos foi conter informações sobre clínicas-escola, atendimento a crianças, e que apresentassem dados estatísticos referente aos problemas desenvolvimentais de meninos e de meninas. Foram excluídas referências de textos de anais de eventos científicos, porque não continham, em geral, as informações necessárias, assim como dissertações e teses, pela dificuldade de acesso, em especial, das mais antigas, e artigos que não incluíam a variável sexo em seus estudos. De dissertações e teses, assim como de anais de eventos científicos, foram realizadas buscas no currículo Lattes dos autores, a fim de verificar se havia publicações sobre o assunto na forma de artigos. A busca resultou em 22 artigos a serem examinados, após a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão; esses artigos foram, então, subdivididos em três grupos, de acordo com a análise de conteúdo realizada: artigos que estudaram os problemas desenvolvimentais, mas que não os diferenciaram por sexo; artigos que trabalharam a variável sexo, mas somente usando porcentagens; artigo que trabalhou a variável sexo através de cálculo inferencial. Cada artigo foi discutido separadamente, contendo as variáveis estudadas. Serão contemplados os artigos publicados desde 1980 até 2008. Resultados e Discussão Dos 22 artigos estudados, 13 não diferenciaram os problemas desenvolvimentais por sexo, mas apresentaram as porcentagens de meninos e de meninas participantes nos levantamentos de dados; oito diferenciaram os problemas desenvolvimentais por sexo e citaram as porcentagens dos problemas desenvolvimentais mais comuns em meninos e em meninas, porém, não realizaram análises inferenciais. Por fim, apenas um artigo utilizou a estatística descritiva inferencial, discriminando os problemas desenvolvimentais que mais aparecem em meninos e em meninas. Assim, de acordo com esses achados, os artigos foram agrupados em: grupo 1 – artigos que não diferenciaram os problemas desenvolvimentais por sexo; grupo 2 – formado pelos que trabalharam somente com porcentagem; e grupo 3 – composto pelo que utilizou estatística descritiva inferencial para examinar os problemas desenvolvimentais em relação à variável sexo. A partir destes três agrupamentos, foram realizadas três tabelas resumo com as principais contribuições de cada artigo revisado. As tabelas se encontram anexadas. Aletheia 33, set./dez. 2010 153 Grupo 1 – artigos que não diferenciam os problemas desenvolvimentais por sexo Ancona-Lopez (1983a, 1983b) caracterizou a clientela que procurou o serviço de Psicologia em uma clínica-escola de São Paulo, SP. Constatou que 68,3% eram meninos e 31,7% eram meninas, sendo a faixa etária mais frequente de seis a 10 anos (32,3 %) e o principal problema desenvolvimental era relacionado a problema cognitivo (30,6 %), ou seja, dificuldades escolares. No artigo de Terzis e Carvalho (1986), realizado em Campinas, SP, as meninas (56,9%) se apresentaram com mais frequência do que os meninos (42,1%, sendo 1% sem informação sobre o sexo). O problema desenvolvimental mais frequente foi relacionado a problemas de aprendizagem. Em 1994, Yoshida, Gatti e Xavier realizaram estudo em uma clínica-escola de São Paulo, SP, e, em seus achados, constaram que a busca de atendimento infantil era mais frequente em meninos do que em meninas (66,9%, sendo 33,1% meninas). A demanda maior da população foi de crianças com idades entre cinco a nove anos (58%) e os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram mau desempenho escolar (30,4%) e comportamento agressivo (16,0%). No final da década de 1990, conforme estudo realizado por Romaro e Capião (2003), houve uma predominância de atendimento de meninos (65,3%) sobre meninas (34,7%), na faixa etária dos cinco aos 14 anos, na clínica-escola da Universidade de São Francisco, em São Paulo-SP, durante o período de 1995 a 2000. Dentre as crianças, a maioria apresentava problemas desenvolvimentais múltiplos, sendo os cinco mais predominantes os referentes a dificuldades escolares (19%), dificuldades no relacionamento interpessoal (12,4%), comportamento agressivo (10,6%), dificuldades nas relações familiares (10,3%) e distúrbios relacionados ao sono, alimentação ou controle dos esfíncteres (9,5%). Com referência à transição da década de 90 aos anos de 2000, Perfeito e Melo (2004) realizaram um levantamento, a partir dos dados de atendimentos infantis que ocorreram entre os anos de 1996 e 2002 em uma universidade de Uberlândia-MG, de características epidemiológicas e clínicas surgidas em triagem. Os resultados apontaram que 59,5% da amostra era composta por meninos, enquanto que 40,5% era por meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes eram relacionados a dificuldades escolares (49,5%), seguidas de nervosismo e agressividade (16,5%) e problemas de comportamento (10,7%). Sobre a última década, Bernardes-da-Rosa, Garcia, Domingos e Silvares (2000) buscaram caracterizar o atendimento de crianças com dificuldades escolares em Campinas-SP. Identificaram 60% de meninos e 40% de meninas, na faixa etária de sete a 12 anos, sendo 88% dos problemas desenvolvimentais referentes a distúrbios específicos do desenvolvimento e habilidades escolares. Scortegagna e Levandowski (2004) analisaram os encaminhamentos realizados por escolas municipais de Caxias do Sul-RS, de crianças com problemas escolares, ao Serviço de Psicologia do Programa VinculAÇÃO. Os encaminhamentos analisados foram os da lista de espera dos anos 2002 e 2003. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram classificados nas seguintes categorias: problemas de aprendizagem (36%), de comportamento (31%) e emocionais (29%). A maior ocorrência de problemas 154 Aletheia 33, set./dez. 2010 desenvolvimentais foi com relação a meninos (69,3%), correspondendo a mais do que o dobro de encaminhamentos sobre as meninas (30,7%). Massola e Silvares (2005) referiram que, apesar de meninos e meninas não terem demonstrado diferenças significativas de comportamento, segundo levantamentos obtidos do Child Behavior Check-List – CBCL, os professores tendiam a encaminhar um número consideravelmente maior de meninos (69%, sendo 31% meninas) para atendimento psicológico, o que sugeriu um viés sobre a percepção dos pais e dos professores sobre alunos de diferentes sexos. Os professores identificavam corretamente quem apresentava necessidade de atenção especial, mas havia uma tendência a valorizar mais as competências das meninas e a lembrar com maior facilidade os distúrbios dos meninos. Os autores apenas apresentaram a porcentagem de meninos e de meninas que apresentaram indicação para atendimento psicológico, não identificando os problemas desenvolvimentais. Melo e Perfeito (2006) realizaram um levantamento referente aos atendimentos realizados na clínica-escola de uma universidade de Uberlândia, MG, entre os anos de 2000 e 2002. Constataram que 62,6% da amostra era composta por meninos, enquanto que 37,4% eram meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram: comportamental (60,4%), emocional/afetiva (51%), escolares (24%), somáticas (23%) e dificuldade de relacionamento e problemas cognitivos (ambas 14%). Rocha e Ferreira (2006) publicaram um estudo de Belém-PA e referiram que as buscas por atendimento eram mais frequentes em meninos (68%, meninas: 32%). Os problemas desenvolvimentais mais comuns foram dificuldades em habilidades sociais (77,4%) e dificuldades escolares (56,4%). Campezatto e Nunes (2007) realizaram um levantamento das características sociodemográficas e clínicas da população que buscou atendimento em 2004 nas dez clínicas-escola da Região Metropolitana de Porto Alegre. Seus achados foram similares aos de outros estudos realizados no Brasil: a maioria era do sexo masculino (13,52% da população atendida, enquanto que a frequência de meninas foi de 8,54% da população atendida), com idades de seis a 10 anos (17,21% da população atendida) e encaminhadas pela escola por problemas de comportamento ou dificuldade de aprendizagem, correspondendo a 14,06% dos encaminhamentos da população. No mesmo ano, Savalhia e Nunes também investigaram os motivos de consulta em crianças de nove clínicas-escola do Rio Grande do Sul. Em seus resultados, a quantidade de atendimentos a meninos (22,2,% da população que buscou atendimento nas clínicasescola) foi quase o dobro do número de meninas (12,1% da população que buscou atendimento nas clínicas-escola). Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram dificuldades no comportamento (29,5% dos casos atendidos) e dificuldades em processos cognitivos (19,1% dos casos atendidos). De Moura, Marinho-Casanova, Meurer e Campana (2008) realizaram um estudo de caracterização da clientela infantil pré-escolar que foi encaminhada à clínica-escola de psicologia de uma universidade pública no Paraná no período de agosto de 2004 a maio de 2006. O levantamento foi feito através uma ficha de identificação da criança e o CBCL (Child Behavior Checklist), versões de 1½ a 5 anos e 4 a 18 anos. Participaram da pesquisa 103 mães com filhos em idade pré-escolar (2 a 6 anos). Dos filhos das Aletheia 33, set./dez. 2010 155 participantes, 74% eram meninos e 26% eram meninas. A maior parte das crianças (91%, estando inclusos os 9% de casos limítrofes) foi avaliada como clínicas. O predomínio de perfis foi de comportamentos externalizantes (11%) sobre internalizantes (9%) e 71% obteve escore clínico para os dois perfis: externalizante e internalizante. Na versão 1½ a 5 anos, as categorias que tiveram os escores mais altos na avaliação foram: “comportamento agressivo” 69,5%; “ansiedade e depressão” 66%, e “emocionalmente reativo” 65,6%. O escore mais baixo foi na categoria “problemas somáticos”, a qual obteve pontuação ao perfil não clínico. Na versão 4 a 18 anos, o escore mais alto também foi referente à categoria “Comportamento Agressivo” (71,4%) e o mais baixo também se referiu à categoria “problemas somáticos” (58,8%). O estudo não discriminou os problemas desenvolvimentais por sexo, apenas referiu que os meninos apresentaram problemas desenvolvimentais predominantemente do tipo externalizante, mas não citou a porcentagem. Os artigos examinados referiram as porcentagens de meninas e de meninos que buscaram atendimento psicológico em clínicas-escola, mas não deixaram claro se os problemas desenvolvimentais referidos eram mais frequentes em meninas ou em meninos, apenas citaram quais foram os problemas desenvolvimentais mais frequentes. Grupo 2 – artigos com registro dos problemas desenvolvimentais por sexo, apenas em porcentagem Sales (1989) realizou um estudo em uma clínica psicológica de Varginha-MG, a fim de verificar o perfil da clientela. Encontrou 68,4% da população de meninos e 31,6% de meninas. Os problemas desenvolvimentais que mais apareceram em meninos foram: agressividade (17%), problemas neuromotores e de escolarização (ambos 11%). Nas meninas, os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram: angústia/depressão (19%), problemas psicossomáticas (11%) e problemas familiares (10%). Na década seguinte, Mello, Cervo e Rossi (1991) fizeram um levantamento do perfil da clientela de uma clínica-escola de Porto Alegre-RS. A maioria era meninos (64,9%; meninas: 35,1%). Os problemas desenvolvimentais mais comuns de meninos eram: dificuldades na conduta (46,5%) e dificuldades escolares (44,3%). O estudo não especificou a porcentagem dos problemas desenvolvimentais em meninas. Graminha e Martins (1993) estudaram as características da população em um serviço de atendimento infantil de Ribeirão Preto-SP. Dentre a clientela, 66,5% eram meninos e 33,5% eram meninas. O problema desenvolvimental mais relatado, tanto em meninos quanto em meninas, foi referente a dificuldades de aprendizagem, estando presente em 36% das meninas e em 42% dos meninos. Barbosa e Silvares (1994) realizaram um estudo em uma clínica-escola de Fortaleza, CE, sobre a caracterização da clientela infantil atendida entre os anos de 1988 a 1990. Encontram que 64,3% de meninos buscam atendimento em relação a 35,7% de meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes, tanto em meninas quanto em meninos, foram: habilidades escolares (frequência relativa: 33,5% em meninos e 26,1% em meninas), distúrbios de comportamentos explícitos (frequência relativa: 43,5% em meninos e 43,1% em meninas) e distúrbios de comportamento não explícitos (frequência relativa: 9,8% em meninos e 12,1% em meninas). Pode-se perceber que os 156 Aletheia 33, set./dez. 2010 problemas desenvolvimentais referentes a habilidades escolares foram mais comuns nos meninos. Os problemas de comportamentos explícitos obtiveram frequências semelhantes entre os sexos e os distúrbios de comportamentos não explícitos foram mais frequentes nas meninas, assim como problemas relacionados a distúrbios orgânicos (7,2%, sendo 3,8% em meninos). Silvares (1996) realizou um levantamento bibliográfico em 19 artigos, não citando a porcentagem dos problemas desenvolvimentais em meninos e meninas, porém, referiu que os problemas desenvolvimentais mais frequentes nos meninos foram relacionados a distúrbios da aprendizagem e do tipo externalizante/explícito. Ainda em 1996, um estudo realizado por Borges sobre as características da clientela infantil de uma clínica-escola de São Marcos, SP, apontou que a busca mais frequente de atendimento foi de meninos (66,3%, sendo 33,6% meninas). A maioria das crianças atendidas estava na faixa etária entre oito a nove anos (28,6%) e os problemas desenvolvimentais mais frequentes, tanto de meninos quanto de meninas, foram distúrbios de aprendizagem (meninos: 39,5%; meninas: 42,5%) e nervosismo (meninos: 25,9%; meninas; 15,5%). Sobre a última década, o artigo de Gatti e Beres (2004), sobre pacientes de um serviço de atendimento de São Paulo, SP, mostrou que 57,1% da demanda de atendimento eram de meninos e 42,9% de meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram problemas de aprendizagem (40,8%), sendo 55% em meninos e 45% em meninas, e agressividade (26,5%), sendo 61,5% em meninos e 38,5% em meninas. Grupo 3 – estudo inferencial sobre problemas desenvolvimentais versus sexo Marturano, Toller e Elias (2005) investigaram, em crianças encaminhadas para atendimento psicológico em razão de baixo desempenho escolar, diferenças de sexo na ocorrência de eventos de vida adversos e na associação desses eventos com problemas de comportamento. Perceberam que as meninas apresentaram mais sintomas de ansiedade e depressão (média para meninas: 6,86, DP ± 3,980; meninos: 1,8, DP ±3,357) e problemas somáticos (média para meninas: 8,86, DP ± 4,977; meninos: 5,96, DP ±4,038) do que os meninos (p = 0,01), resultados que contribuíram à maior média das meninas na escala de internalização do CBCL (média para meninas: 19,55, DP ± 9,62; meninos: 12,57, DP ±6,85). Não foram encontradas diferenças significativas de sexo nos escores de externalização (média para meninos: 19,15, DP ±9,01; meninas: 23,41, DP ±20,66; p = 1,00) ou no escore de funcionamento global (média para meninos: 52,43, DP ±21,91; meninas: 62,79, DP ±25,78; p = 0,29). Considerações finais Através da presente revisão da literatura, foi possível verificar o que a maioria dos estudos realizados nas últimas três décadas sobre a clientela infantil de clínicasescola encontraram. Parece que tem havido um perfil predominante, em termos de encaminhamentos: mais meninos do que meninas e os problemas desenvolvimentais mais citados foram problemas de aprendizagem e comportamento externalizante. Não houve uma discriminação clara entre os problemas desenvolvimentais mais Aletheia 33, set./dez. 2010 157 comuns em meninos e em meninas, o que não possibilitou concluir se os problemas desenvolvimentais por sexo mudaram, já que não há estudos suficientes os que realizam a discriminação por sexo com base em dados estatísticos inferenciais. Conforme a literatura, o que mais apareceu em cada década, em termos de diferenciação dos problemas desenvolvimentais por sexo, foi que, na década de 80, os meninos apresentaram mais problemas relacionadas a problemas de aprendizagem e comportamento agressivo. As meninas também apresentaram problemas com aprendizagem, mas, também, comportamento tímido. Na década de 90, os meninos apresentaram problemas desenvolvimentais semelhantes às dos anos 80, enquanto que as meninas apresentaram problemas desenvolvimentais mais parecidos às dos meninos: dificuldade de aprendizagem, agressividade e nervosismo. Na última década, os problemas desenvolvimentais mais apresentados por meninos foram agressividade e brigas, enquanto que as meninas apresentaram mais sintomas do tipo internalizantes, como ansiedade, depressão e problemas somáticos. Entretanto, parece estar havendo uma tendência em que a frequência dos sintomas do tipo externalizante estão se igualando entre os sexos, assim como a ocorrência simultânea de comportamentos do tipo externalizante e internalizante em meninas e meninos. Porém, essas considerações apenas podem ser feitas levando em conta o que alguns artigos evidenciaram. A maioria dos estudos citou somente a porcentagem da procura de atendimento psicológico de meninos e de meninas, mas não discriminou quais foram os problemas desenvolvimentais mais frequentes em meninos e em meninas. Apenas nove (40,9%) artigos estudados realizaram essa discriminação, sendo mais frequentes nas duas últimas décadas e, dentre estes, apenas um utilizou análise estatística inferencial. Este apontou diferenças significativas apenas nos problemas referentes a ansiedade/depressão e somáticos, sendo estes mais frequentes em meninas do que em meninos e contribuíram à maior média das meninas na escala de internalização do CBCL (Marturano, Toller & Elias, 2005). Sobre os demais artigos, entretanto, não há informação estatística suficiente para se chegar a conclusões. Outra questão a ser considerada é que os problemas desenvolvimentais foram classificados de acordo com o que a pessoa que encaminhou a criança percebia que deveria receber atenção especial. Porém, deve-se levar em conta os motivos latentes possivelmente associados aos problemas desenvolvimentais, como apontou o estudo de Marturano, Toller e Elias (2005) ao referir que, muitas vezes, o problema escolar vem acompanhado de dificuldades emocionais. Na década passada, Castro e Nunes (1999) já haviam discutido que, quando se trata de crianças escolares, é preciso discriminar os encaminhamentos que são ou não de ordem psicológica. Além disso, a maioria dos estudos citou os problemas desenvolvimentais mais comumente apresentados pela população infantil, porém, não realizou uma definição dos mesmos, não sendo possível ter muita clareza sobre o que cada autor quis se referir com cada problema desenvolvimental, o que impossibilita fazer agrupamentos e comparações. Considerando os resultados deste artigo, torna-se relevante a realização de estudos que discriminem os problemas desenvolvimentais por sexo, através de análises estatísticas inferenciais, que permitam a comprovação de hipóteses, a fim de direcionar os serviços oferecidos de acordo com a demanda da clientela e de possibilitar a 158 Aletheia 33, set./dez. 2010 prevenção de sofrimento e prejuízos futuros. Até o momento, os achados apontam que os problemas desenvolvimentais, em termos de frequência, não mudaram nas últimas três décadas. Porém, os dados apresentados não sendo inferenciais não permitem conclusões sobre a ocorrência ou não de mudanças nos comportamentos apresentados em relação à variável sexo da criança. Referências Ancona-Lopez, M. A. (1983a). Características da clientela de clínicas-escola de psicologia em São Paulo. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 35(1), 78-92. Ancona-Lopez, M. A. (1983b). Considerações sobre o atendimento oferecido por clínicasescola de psicologia. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 35(2), 123-135. Barbosa, J. I. C., & Silvares, E. F. M. (1994). Uma caracterização preliminar das clínicasescola de Fortaleza. Estudos de Psicologia, 11(3), 50-56. Bernardes-da-Rosa, L. T., Garcia, R. M., Domingos, N. A. M., & Silvares, E. F. M. (2000). 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Aletheia 33, set./dez. 2010 161 162 Aletheia 33, set./dez. 2010 Autor(es) Terzis e Carvalho Yoshida, Gatti e Xavier Romaro e Capião Perfeito e Melo Bernardes-da-Rosa, Garcia, Domingos e Silvares Scortegagna e Levandowski 1986 1994 2003 2004 2000 2004 1983 (a) e (b) – mesmos Ancona-Lopez dados, mas as discussões são diferentes Ano 30,7% 40% 40,5% 34,7% 33,1 56,9 31,7 % de meninas participantes 69,3% 60% 59,5% 65,3% 66,9 42,1 68,3 % de meninos participantes Tabela 1 – Artigos que não diferenciam os problemas desenvolvimentais por sexo. Problemas de aprendizagem (36%), de comportamento (31%) e emocionais (29%). Distúrbios específicos do desenvolvimento e habilidades escolares (88%). Dificuldades escolares (49,5%), nervosismo e agressividade (16,5%) e problemas de comportamento. Dificuldades escolares (19%), dificuldades no relacionamento interpessoal (12,4%), comportamento agressivo (10,6%), dificuldades nas relações familiares (10,3%) e distúrbios do sono, alimentação ou controle esfincteriano (9,5%) Desempenho escolar (30,4%) e comportamento agressivo (16%) Problemas de aprendizagem (sem %) Problemas cognitivos (30,6%) % dos problemas desenvolvimentais sem distinção de sexo ----------- ------------ ------------ ------------ ------------ ------------ ----------- ------------ ------------ ----------- ------------ ------------ % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nos meninos ------------ ----------- % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nas meninas ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- ----------- Tratamento inferencial Aletheia 33, set./dez. 2010 163 Massola e Silvares Melo e Perfeito Rocha e Ferreira Campezatto e Nunes Savalhia e Nunes 2006 2006 2007 2007 Autor(es) 2005 Ano 12,1% da população atendida 8,54% da pupolação atendida 32% 37,4% 31% % de meninas participantes 22,2% da população atendida 13,52% da população atendida 68% 62,6% 69% % de meninos participantes Dificuldade de comportamento (29,5%) e dificuldades nos processos cognitivos (19,1%). Problemas de comportamento ou dificuldade de aprendizagem (14% dos encaminhamentos da população). Habilidades sociais (77,4%) e dificuldades escolares (56,4%). Comportamental (60,4%), emocional /afetiva (51%), escolares (24%), somáticas (23%), dificuldade de relacionamento e problemas cognitivos (ambas 14%). ------------ % dos problemas desenvolvimentais sem distinção de sexo ----------- ------------ ------------ ------------ ------------ ------------ ------------ ------------ ------------ % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nos meninos ------------ % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nas meninas ---------- ----------- ----------- ----------- ----------- Tratamento inferencial 164 Aletheia 33, set./dez. 2010 33,5% 35,7% --------- 33,6% 42,9% 26% 1993 Graminha e Martins 1994 Barbosa e Silvares 1996 Silvares 1996 Borges 2004 Gatti e Beres 2008 De Moura, MarinhoCasanova, Meurer e Campana 35,1% 1991 Mello, Cervo e Rossi 74% 57,1% 66,3% --------- 64,3% 66,5% 64,9% 68,4% % de % de meninos meninas participantes participantes 31,6% Autor(es) 1989 Sales Ano % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nos meninos Distúrbios de aprendizagem Distúrbios de aprendizagem (42,5%) e nervosismo (15,5%). (39,5%) e nervosismo (25,9%). ------------ Distúrbios da aprendizagem e do tipo externalizante. Na versão 1¹/² a 5 anos do CBCL: -----------comportamento agressivo (69,5%), ansiedade e depressão (66%), emocionalmente reativo (65,6%). Na versão 4 a 18 anos: comportamento agressivo (71,4%). Meninos apresentam queixas predominantemente do tipo externalizante, mas não cita a porcentagem. --------- --------- ---------- --------- ---------- Habilidades escolares (26,1%), distúrbios de comporta-mentos explícitos (43,1%) e distúrbios de comporta-mentos não explícitos (12,1%). Habilidades escolares (26,1%), distúrbios de comporta-mentos explícitos (43,5%) e distúrbios de comporta-mentos não explícitos (9,8%). ---------- ---------- Dificuldades na conduta (46,5%) e dificuldades escolares (44,3%). ---------- Tratamento inferencial Dificulda-des de aprendizagem Dificulda-des de aprendizagem (36%) (42%). ------------ Angústia/ Agressividade (17%), problemas d e p r e s s ã o ( 1 9 % ) , q u e i x a s neuromotores e de escolarização psicossomáticas (11%) e problemas (ambos 11%). familiares (10%). % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nas meninas Problemas de aprendizagem (40,8%) e Problemas de aprendizagem (45%) Problemas de aprendizagem agressividade (26,5%). e agressividade (38,5%). (55%) e agressividade (61,5%). ------------------ ------------------ ------------------ Dificuldades de aprendizagem ------------------ ------------------ % dos problemas desenvolvimentais sem distinção de sexo Tabela 2 – Artigos com registro dos problemas desenvolvimentais por sexo, apenas em porcentagem. Aletheia 33, set./dez. 2010 165 2005 Ano Marturano, Toller e Elias Autor(es) --------- % de meninas participantes ------------ % de meninos participantes ------------------- % dos problemas desenvolvimentais sem distinção de sexo Tabela 3 – Estudos inferenciais sobre problemas desenvolvimentais versus sexo. Ansiedade/depressão (6,86%) e queixas somáticas (8,86%). % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nas meninas ------------ % dos problemas desenvolvimentais mais comuns nos meninos p = 0,01 Trata-mento inferencial Aletheia 33, p.166-176, set./dez. 2010 Vivências de um serviço de psicologia junto a um núcleo de assistência judiciária Sabrina Daiana Cúnico Caroline de Oliveira Mozzaquatro Dorian Mônica Arpini Milena Leite Silva Resumo: O estudo apresenta o resultado da experiência em mediação familiar desenvolvida em um Núcleo de Práticas Judiciárias numa instituição pública de ensino, através de projeto de extensão. O objetivo deste trabalho é compartilhar as vivências do serviço de psicologia inserido em um espaço eminentemente jurídico. A compreensão dos aspectos subjetivos envolvidos nos conflitos familiares, a saber, separação/divórcio, guarda, visitação e pensão alimentícia foi o foco de atenção das mediações familiares realizadas, as quais visaram minimizar o sofrimento e buscar o entendimento entre as partes envolvidas. Os resultados obtidos apontam a importância da inserção da psicologia junto aos conflitos de família, assim como a discussão sobre as diferentes modalidades de guarda. Destaca-se a preocupação com relação ao exercício da parentalidade quando termina a conjugalidade. Por fim, salienta-se o empoderamento das partes na resolução de seus conflitos, um dos propósitos da mediação familiar. Palavras-chaves: Família; Relações familiares; Psicologia. Experiences of a Department of Psychology at a Legal Aid Practice Abstract: This study presents the results of the practice of family mediation developed in a Center for Judicial Practice of a public university, through an extension project. The objective is to share the experience of a psychological service implemented into an eminently legal space. The understanding of the subjective aspects involved in family disputes, namely, separation / divorce, custody, visitation and alimony were the focus of mediations conducted, which aimed to minimize the suffering and seek the understanding between the parties involved. The results indicate the importance of integrating psychology with the conflicts of family, as well as discussion about the different forms of custody. We highlight the concerns related to the exercise of parenting when the marital relationship ends. Finally, we stress the empowerment of the parties in resolving their conflicts, one of the purposes of family mediation. Keywords: Family; Family relations; Psychology. Introdução A prática da Psicologia Jurídica somente foi reconhecida como uma especialidade em Psicologia no ano de 2001, embora sua atuação seja anterior a este período, tendo iniciado com o trabalho pericial na chamada Psicologia do Testemunho. Atualmente, várias frentes de atuação vêm sendo abertas, e a psicologia está em franca expansão, sendo importante, para a formação dos profissionais, a inserção da disciplina Psicologia Jurídica nos currículos dos cursos de Psicologia e também do Direito (Müller, Beiras & Cruz, 2007). Neste atual cenário, novas possibilidades de articulação entre a Psicologia e o Direito estão sendo construídas, dentre elas o resgate de uma prática milenar de resolução de conflitos, chamada mediação. Tal resgate, especificamente na mediação familiar, vem para auxiliar nas frequentes dissoluções matrimoniais que chegam ao judiciário, e que trazem como consequência diferentes organizações familiares, quais sejam: famílias monoparentais, reconstituídas ou recompostas, entre tantas agregações de laços hoje consolidadas (Brandão, 2005). Os litígios, em geral, se relacionam a questões de separação de patrimônio, portanto, objetivas e passíveis de divisão, o que, quando resolvido, acarretaria a satisfação entre as partes do ponto de vista do Direito (Müller, Beiras & Cruz, 2007). Todavia, questões subjetivas estão envolvidas no processo e o caráter objetivo apenas dissimula as situações dolorosas envolvidas no processo de rompimento emocional. Müller e colegas (2007) pontuam que os operadores do Direito não desenvolveram competências ao longo de sua formação para lidar com os aspectos psicológicos envolvidos no processo, deixando os atores do processo em segundo plano – com seus medos e angústias – frente à lógica binária do judiciário de culpado/inocente. Nesse sentindo, tais autores afirmam que a mediação familiar surge no judiciário como um instrumento de trabalho que tende ao holismo, visto que além de perceber e considerar os aspectos objetivos presentes no conflito, também atenta para os aspectos afetivos e inconscientes. Dessa forma, a mediação procura chegar numa resolução aditiva, que soma e agrega, evitando a judicialização das relações afetivas (Navarro, 2007). Sousa e Samis (2008) afirmam que a mediação familiar “colabora no sentido de um melhor encaminhamento dos processos judiciais por meio dos acordos estabelecidos, evitando, com isso, o litígio e, consequentemente, um maior desgaste emocional para as partes envolvidas” (p.133). A Mediação Familiar pode ainda ser definida como um acompanhamento das partes envolvidas no conflito por um terceiro, neutro, imparcial e devidamente treinado (Barbosa, 2003; Navarro, 2007), o qual proporciona espaço para o componente emocional do litígio. Taylor (1997), no entanto, afirma que a neutralidade do mediador dependerá do contexto da mediação e do conflito mediado por ele. Desta forma, é fundamental que os mediadores tenham conhecimento de seus preconceitos e reações pessoais a fim de saberem lidar com suas questões no momento da mediação, preservando a sua imparcialidade no processo. Os mediadores familiares buscam compreender as configurações vinculares existentes entre os sujeitos, ou seja, as relações que estabeleceram ao longo do tempo e foram se somando até culminar no processo judicial, sem ter com isso, o objetivo de achar quem é o culpado ou quem é o inocente (Silva, 2009). Assim, o mediador é o profissional que ajuda os pares a desfazerem o clima de antagonismo e desmistificar a ideia de que sempre haverá na disputa um vencedor e um perdedor (Chaves & Maciel, 2005). Em busca dessas premissas que caracterizam a atuação do mediador, muitas vezes será necessário ao profissional que se abstenha de práticas que muitas vezes são definidoras de sua formação profissional. Por exemplo, o psicólogo não deve interpretar o discurso das partes envolvidas assim como ao advogado, que está exercendo a função de mediador, é vedada a defesa de um dos pares (Vicente & Biasoto, 2003). Aletheia 33, set./dez. 2010 167 Sabe-se que a maioria dos casos familiares conflituosos que chega à justiça traz, além do aspecto jurídico, questões emocionais sérias que envolvem rejeições, abandono, ausência de projeto de vida, entre outras (Brito, 1993), as quais justificam a presença da Psicologia no contexto judicial. Assim, legislar sobre essas novas organizações familiares é importante, mas não suficiente. A experiência que dá origem a este artigo resulta desta articulação entre a Psicologia e o Direito, e da compreensão das questões levantadas. A prática objetivou auxiliar famílias no enfrentamento das situações que envolvessem conflitos, como: separação/divórcio, guarda de filhos, pensão alimentícia, bem como situações de violência intrafamiliar. Buscou-se também, através da prática da mediação familiar, abrir espaço para a comunicação, muitas vezes já obstruída em função do conflito. Além disso, objetivou-se que as partes assumissem sua responsabilização com relação ao problema e visualizassem as possibilidades de resolvê-lo por meio de acordo – possibilitado através de espaços de diálogo – que sofrimento familiar fosse atenuado, permitindo aos pais melhores condições ao exercício da parentalidade. Caracterização do local O projeto foi realizado em um Núcleo de Práticas Judiciárias, Órgão Suplementar do Centro de Ciências Sociais e Humanas, de uma instituição federal de ensino superior. Tal órgão concentra prioritariamente suas atividades de prática jurídica nas seguintes áreas do Direito: Direito Processual Civil; Direito de Família; Direito do Trabalho; atendendo a população com renda mensal de até três salários mínimos. Histórico do projeto O projeto de extensão teve início no ano de 2005, organizado em dois plantões semanais nos quais os acadêmicos do curso de Psicologia ficavam à disposição do serviço para auxiliar nas situações que tivessem envolvidos conflitos de família. Nessas situações muitas vezes houve a participação conjunta na sala de atendimento dos acadêmicos do curso de Direito com os da Psicologia, quando evidenciada a necessidade. Posteriormente eram agendadas entrevistas individuais com o Serviço de Psicologia e as partes envolvidas, que poderia incluir o casal e filhos, ou apenas uma das partes, dependendo da problemática com o objetivo de melhor compreender a demanda emocional presente. Somente no ano de 2007 o projeto ampliou suas atividades, trabalhando além do plantão semanal com a proposta da mediação familiar. Esta proposta se mantém até o ano vigente, devido aos bons resultados alcançados com a prática. O relato dessa experiência consiste no foco deste trabalho. A prática da psicologia no núcleo de práticas judiciárias A metodologia do trabalho se dá através de uma triagem permanente, realizada por um profissional do Serviço Social, o qual é responsável pelo encaminhamento 168 Aletheia 33, set./dez. 2010 de todos os casos referentes ao Direito de Família para o serviço de Psicologia. Em seguida, faz-se o agendamento de uma entrevista inicial pelo serviço de Psicologia com as partes envolvidas, separadamente, onde uma primeira escuta é reservada às partes que comparecem ao atendimento. Após ouvir ambas as partes, cada qual com sua versão, um encontro é agendado e dá-se início à busca pelo diálogo, dentro das intenções buscadas pela via da mediação familiar. Conta-se aqui, no momento da mediação familiar, com a presença de um dos estagiários do curso de Psicologia, uma assistente social e um acadêmico estagiário do curso de Direito, sob a orientação de professores da Psicologia e do Direito.1 Ressalta-se que sempre que se faz necessário, possibilita-se um novo encontro somente com as estagiárias do Serviço de Psicologia, de maneira que se possa atuar em busca do esclarecimento de cada um dos envolvidos, bem como, dentro do possível, minimizar a angústia e o desgaste psíquico envolvidos num processo de tal ordem. O modo de acompanhamento dos casos é delimitado conforme a necessidade específica, podendo-se realizar tantos encontros quantos se mostrarem necessários, tendo em vista o auxílio à problemática trazida ao Serviço. Todos os casos atendidos são registrados em um prontuário do Serviço de Psicologia, para fins de acompanhamento e de constituição de um arquivo-fonte para posterior consulta. Destaca-se que para uma melhor compreensão das situações atendidas, são realizadas reuniões da equipe envolvida visando a complementaridade de informações e a tomada de decisões. É importante que se ressalte que esta pesquisa está respaldada nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde) e na Resolução n° 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia. Resultados e Discussão Com vistas a compartilhar a experiência vivenciada pelo serviço de psicologia optouse em descrever três situações trabalhadas, a saber: situação 1: o resgate da parentalidade, situação 2: a guarda compartilhada e a situação 3: a guarda exclusiva. Situação 1: o resgate da parentalidade2 No decorrer do ano de 2010, os pedidos mais frequentes foram relacionados à pensão alimentícia, tanto no que se refere à estipulação de um valor legal quanto à revisão do valor já pago pelo outro genitor. Em algumas situações, no entanto, observou-se que a demanda inicial, no caso o valor da pensão, servia apenas como um pretexto para outras demandas subjacentes, como por exemplo, o desejo de um maior contato entre pai e filho, 1 No momento da mediação familiar se encontram presentes na sala um acadêmico do curso de Direito, um acadêmico do curso de Psicologia e a Assistente Social, funcionária da instituição. Os professores orientadores não estão presentes, sendo a discussão do caso realizada em outro momento. 2 A parentalidade é entendida conforme aponta Solis-Ponton (2004) como o estudo dos vínculos de parentesco e dos processos psicológicos envolvidos nestas relações. Aletheia 33, set./dez. 2010 169 a intenção de atingir o ex-cônjuge em função de novas relações conjugais ou da chegada de um novo filho desse ex-companheiro, entre outras, mas que não poderia ser feito pela via do diálogo fora do âmbito judiciário. Um relato que ilustra a situação acima descrita é o caso de Maria3. Maria procurou o Núcleo a fim de solicitar a revisão do valor pago por João ao único filho do casal. Ao longo dos 02 atendimentos com o serviço de Psicologia, Maria revelou que seu maior desejo – em função dos pedidos constantes do filho – era de que João se aproximasse da criança e exercesse de fato a função de pai. Ao melhor compreender a demanda apresentada por Maria, o serviço de Psicologia trabalhou individualmente com João questões pertinentes ao exercício da parentalidade, valendo-se do espaço proposto pela mediação familiar. Inicialmente, João mostrou-se muito resistente ao participar de uma mediação com a ex-companheira, mas por fim, compareceu na data marcada. Neste encontro, Maria, com o auxílio do estagiário da Psicologia, conseguiu expressar que a revisão do valor da pensão alimentícia era o que menos a preocupava, sua real intenção era despertar neste pai o desejo de exercer um papel mais participativo em relação ao filho. João por fim, vencendo resistências, se propõe a procurar o filho e aproximarse dele. Na mediação feita com Maria e João estava claro que com o fim da relação conjugal, João afastou-se do filho na tentativa de afastar-se também de Maria. Estudo realizado por Corso & Corso (2011) evidenciou que muitos casais após a separação anulam a experiência familiar anterior, agindo como se pudessem fundar a primeira família novamente. Como consequência, se excluem da vida dos filhos, frutos da antiga relação, desligando-se afetivamente também destes, que se tornam a lembrança de um passado que prefeririam esquecer. Neste caso específico, os dois genitores fundaram uma nova família, tornando evidente o fato de que o passado conjugal de ambos continuaria anulado se não fosse o pedido do filho pela presença do pai. Uma dissolução familiar não ocorre por acaso e não pode ser considerada como resultado de um único acontecimento, pelo contrário, ela resulta de um somatório de conflitos já existentes (Lima, 2008). No entanto, é importante que os pais compreendam que, após o rompimento da relação, o que se reconfigura é o estado referente à conjugalidade e não à parentalidade (Brito, 2005), fato que foi amplamente discutido com João ao longo dos atendimentos. Paralelo a isso, aquele genitor que não detém a guarda da criança pode se sentir destituído da sua função e entender que ocupa um papel inferior na educação e desenvolvimento dos filhos, tendo dificuldades de interagir com eles (Brandão, 2005). Este sentimento de inferioridade também pode ter colaborado para o afastamento de João em relação a seu filho. Em estudo realizado com mães e pais separados no Rio de Janeiro, Pereira, Silva e Gomes (2008) referem à insatisfação de ambos, guardião e não guardião no exercício dos papéis. Além disso, o privilégio concedido à maternidade na guarda dos filhos pode ter gerado dificuldades no exercício da paternidade, afastando o pai do convívio e da influência sobre os filhos após a separação (Brito, 2005). 3 O nome de todos os participantes é fictício, tendo em vista a não identificação dos mesmos. 170 Aletheia 33, set./dez. 2010 Durante um dos atendimentos com a Psicologia, Maria afirmou que sua vontade de procurar João partiu de um desejo intenso do filho do casal de aproximar-se do pai. Entende–se que o divórcio visa romper o vínculo matrimonial, mas não se propõe a cortar os laços familiares (Chaves & Maciel, 2005), fato que muitas vezes não é reconhecido pelos pais e precisa ser lembrado pelas crianças. Ao casal, cabe a autonomia para decidir o tempo de duração da relação que estabeleceram, porém com relação à filiação, não deveria existir a dissolução dessa relação (Brito, 2008). Ainda assim, entende-se que, neste caso, a mediação familiar deixou de ser um instrumento apenas jurídico, e cumpriu seu papel como facilitadora do diálogo entre as partes. Sem essa possibilidade de resolução, esses pais, afastados completamente um do outro, não teriam a oportunidade de falar sobre seu filho e buscar o resgate da função parental, já que para eles a dissolução da união conjugal, até o momento, significou também o fim dos laços parentais do pai em relação ao filho. Nesse sentido Palma (2001) aponta para as importantes transformações no Direito de Família decorrentes das novas configurações familiares. Estas mudanças tem propiciado espaços onde as relações familiares podem ser repensadas, superando os lugares historicamente atribuídos no contexto familiar. Ao se colocar no centro das decisões o filho, abre-se espaço para a participação comum de ambos os pais e com isso percebe-se uma revalorização da paternidade e da parentalidade (Filho, 2003). Situação 2: a guarda compartilhada4 O segundo caso diz respeito à um pai, Fábio, que procurou o Núcleo de Assistência Judiciária, pois, requeria a guarda de seu filho de 04 anos. Através da triagem inicial feita pela assistente social, o caso foi encaminhado ao serviço de Psicologia. Foram feitas 03 entrevistas individuais, as quais identificaram dificuldades de Fábio na relação com a exmulher, mas um vínculo muito forte com a criança. Ao longo dos atendimentos, Fábio relatou que a mãe da criança, por sua vez, havia procurado auxílio em outra instituição de assistência judiciária a fim de legitimar a guarda que já vinha exercendo. Ao ter conhecimento desta informação, o serviço de Psicologia entrou em contato com a equipe desta outra instituição a fim de propor uma mediação conjunta. Apenas uma sessão de mediação familiar foi realizada neste caso, e nela estiveram presentes uma estagiária da Psicologia, a assistente social do serviço e estagiários do Direito de ambas as instituições. Neste contexto, onde os pais demonstravam real interesse no bem estar da criança, iniciou-se o diálogo em prol da guarda compartilhada. A primeira reação de ambos os pais foi de recusa, pois nenhum deles achava saudável que a criança tivesse dois lares e se locomovesse com seus pertences de uma casa para a outra periodicamente. Identificouse, então, que estes pais desconheciam os pressupostos da guarda compartilhada e confundiam-na com a chamada guarda alternada. Cabe ressaltar que a guarda compartilhada em nada se parece com a guarda alternada. Enquanto esta pressupõe uma igualdade estrita de horas que cada genitor passa com a criança, a outra estabelece uma igualdade de direito sob as decisões determinantes para a vida dos filhos (Brito, 2003). 4 Sobre a guarda compartilhada e unilateral/exclusiva ver Lei n.11.698 de 13 de junho de 2008. Aletheia 33, set./dez. 2010 171 De acordo com Lima (2008), há uma ausência de sincronia no que se refere à abordagem de papéis dos cônjuges no casamento e depois, na separação. Enquanto que no casamento a lei garante a igualdade de direitos a ambos, com a separação, a guarda passa a ser exercida apenas por um dos parceiros, enquanto ao outro cabe a função de fiscalizador. É neste contexto que a guarda compartilhada ou conjunta se apresenta como uma forma adequada para a manutenção da filiação, mesmo quando se dá o término da união matrimonial. A guarda compartilhada reafirma o princípio da coparentalidade, ou seja, rompe com a ideia de um genitor principal – guardião, que detém todos os direitos sob a criança – e um genitor secundário – o visitante que, como o próprio nome já diz, visita seus filhos estando excluído do processo de educação destes (Brito, 2003). Destaca-se ainda que esta modalidade de guarda pode ser uma medida facilitadora ao levar-se em conta o desenvolvimento dos papéis parentais, uma vez que ela pressupõe a presença ativa de ambos os genitores, pai e mãe, e assegura à criança a manutenção de vínculos estáveis com eles (Brito, 2005). Nos raros casos em que a guarda compartilhada não é recomendável, concorda-se com Perdriolle e Hocquet, citados por Brito (2005), quando estes afirmam que dar a guarda para o genitor que se mostra mais aberto às visitas do outro genitor é uma tentativa de manter o lugar dos dois genitores na educação de seus filhos. É importante mencionar que, embora tenha acontecido um desfecho favorável do caso, no sentido da concretização da guarda compartilhada, durante boa parte da mediação, principalmente nos momentos iniciais, ambas as partes tinham total desconhecimento da possibilidade de uma guarda conjunta. A pré-concepção de guarda unilateral para a mãe, que já vinha sendo exercida de forma informal – possivelmente originada de uma justiça que por longa data atribuiu a guarda dos filhos somente à mãe – precisou ser desconstruída para que as partes entendessem e aceitassem os preceitos norteadores da guarda compartilhada. Além disso, observou-se, neste caso, que o casal apresentou-se à mediação com uma postura passiva em relação ao impasse da guarda, mostrando claramente que esperava que a definição do conflito fosse atribuição do mediador, da mesma forma que se espera uma resolução pelo juiz num processo judicial. Contribuindo com o tema, Müller e cols. (2007) diferenciam a mediação da arbitragem, pois quem soluciona e decide sobre a situação de conflito, na primeira, são as partes envolvidas de forma autônoma. Ao mediador cabe facilitar o discurso, para que se estabeleça uma comunicação funcional entre as partes, e estas se responsabilizem pessoalmente pelas suas decisões. Diante do que foi exposto, conclui-se que o ponto mais significativo desta mediação foi a apropriação de ambos na resolução de seu conflito, visto que estes resolveram de forma autônoma o impasse inicial sobre a guarda do filho, concluindo que o melhor para o bem estar da criança seria a modalidade de guarda compartilhada. Situação 3: a guarda unilateral para o pai Viviane buscou o Núcleo de Assistência Judiciária com o objetivo de trocar o registro de nascimento de dois dos seus três filhos, visto que estavam registrados no nome de Jorge, seu ex-marido, e não no do pai biológico, seu atual companheiro. Além do exame de DNA, ela requeria a guarda da primogênita, filha biológica de Jorge. 172 Aletheia 33, set./dez. 2010 Devido a complexidade do caso, duas mediações foram realizadas, uma para resolver a demanda da troca de registro e a outra para tratar da guarda da menina. Na primeira, estiveram presentes Viviane, seu atual marido e Jorge, ficando acordado que após o teste de DNA, se fosse comprovado que Jorge não era o pai dos filhos menores, ele não se oporia a troca do registro de nascimento das crianças. A outra mediação envolveu apenas o ex-casal, Viviane e Jorge, em função da demanda apresentada ser referente à guarda da filha de ambos. Durante essa mediação, Jorge expôs o desejo de ter a guarda unilateral de sua filha, visto que ambos moravam juntos desde a separação há 04 anos e ainda pelo fato de ser esse também o desejo da menina. No início, Viviane tentou valer-se da ideia de que os filhos sempre estão mais cuidados quando ficam com a mãe, mito que povoa o imaginário popular (Badinter, 1985). Porém, após os argumentos de Jorge de que a menina, com 12 anos, já teria idade para escolher com qual dos pais gostaria de morar, Viviane acabou cedendo. Ela então aceitou, não sem certo estranhamento, que o pai da menina ficasse com a função de cuidador, sendo detentor unilateral da guarda. Tal decisão só foi possível após um pensamento em conjunto dos pais em proporcionar um maior bem-estar para a filha, além do forte laço afetivo que esta e Jorge tinham. O pedido feito por Jorge de estabelecer a guarda da filha para si parece exemplificar a ideia de Lago e Bandeira (2009) que postulam que a sociedade está buscando, por meio dos pedidos de guarda compartilhada ou de guarda unilateral para o pai, romper com uma visão já tradicional de que só a mãe é capacitada para cuidar dos filhos, mostrando que o pai também pode exercer as funções de cuidado que os filhos exigem. As atividades e cuidados que eram normalmente atribuídos à mãe, depois da separação conjugal se tornam responsabilidade do pai também hoje em dia. Eles passam a resolver questões de alimentação, higiene, vestimentas, questões do cotidiano das quais acreditavam não estarem aptos para administrar – delegando anteriormente as funções à mãe – e se imbuindo delas. Além disso, os filhos podem perder com a separação dos pais a possibilidade de compartilhar com ambos as tarefas do dia a dia, entretanto podem ganhar em qualidade de comunicação com cada um de seus pais, possibilitando assim uma intimidade diferente da que possuíam quando eram uma família nuclear (Corso & Corso, 2011). Porém nota-se, pela experiência no Núcleo de Assistência Judiciária, que existem poucos pedidos de guarda exclusiva do pai, dado corroborado pela pesquisa de Bottoli (2010), a qual refere que por mais que a relação dos pais esteja vivenciando importantes mudanças na contemporaneidade, a questão da guarda ainda está muito ligada à mãe. Segundo a autora, é necessário pensar a guarda como uma questão social, compreendendo a forma como a legislação tratou dessa problemática, uma vez que a guarda dos filhos foi por muito tempo entendida como um direito natural das mulheres. Dessa forma, na busca por estudos atuais sobre a modalidade de guarda exclusiva para o pai, observou-se que, além da escassez de material, há uma visão estigmatizada de que a guarda exclusiva é “naturalmente” da mãe. Diante desse fato, pode-se pensar que a possibilidade de ingresso do pai na vida dos filhos só se tornaria possível através Aletheia 33, set./dez. 2010 173 da modalidade da guarda compartilhada. Todavia, mesmo que a modalidade de guarda predominante no Brasil ainda seja a guarda exclusiva materna (Brito, 2003), pode-se encontrar casos como o de Jorge, que decidiu solicitar a guarda unilateral da filha, entendendo estar em condições de assumir o papel de cuidador, sendo o responsável legal da filha. Este caso abre espaço para repensarmos concepções estigmatizadas na qual a guarda somente seria dada ao pai quando a mãe teria perdido as condições de tê-la e não como uma possibilidade a ser dialogada e mediada por ambos os pais. Considerações finais A mediação familiar foi o instrumento utilizado nos atendimentos dos casos, por ser um método onde a responsabilização pela ação está nas mãos das partes envolvidas, proporcionando a autonomia destas. Dessa forma, a prática da mediação familiar se distancia da lógica binária fortemente enraizada no Direito, na qual se tem um culpado e um inocente em um processo judicial. Na mediação familiar esta lógica não está presente, já que ambos decidem através do diálogo a resolução do seu conflito, de maneira que, dentro do possível, os participantes fiquem atendidos em suas demandas. A experiência tem evidenciado que a figura do mediador é essencial, visto que as partes procuram o serviço com a lógica adversarial calcadas em seu entendimento, sendo necessária a superação desta perspectiva de resolução de conflitos e, nesse sentido, o mediador vai buscar a desconstrução dessa concepção, tirando o sentido de que numa ação judicial o confronto será sempre necessário. Assim, abre-se a oportunidade para o diálogo, onde as questões objetivas do processo podem ser resolvidas, e, além disso, as questões emocionais também ganham um espaço, já que o mediador deve estar atento para todos os aspectos envolvidos no conflito. Pode-se perceber que a mediação familiar foi um método eficaz na resolução dos 03 casos apresentados, uma vez que se esgotaram as possibilidades de diálogo até que as conflitivas fossem resolvidas e, mais importante, que fossem compreendidas pelas partes envolvidas. Como os sujeitos chegam com compreensões muitas vezes distorcidas, impregnadas pelo imaginário social, na mediação se abre a possibilidade de problematizar tais construções, permitindo que as partes encontrem a solução que melhor respondam as suas demandas, ampliando as possibilidades de pensar e avaliar a situação. Por fim, entende-se que o presente trabalho contribuiu para os estudos acerca da prática da mediação familiar, e de como esta pode auxiliar na resolução de conflitos familiares, sobretudo naquelas temáticas que envolvem a família contemporânea, como a guarda de filhos e a parentalidade. Entende-se, contudo, que este artigo não tem a intenção de abarcar a complexidade da temática proposta e que outros estudos e relatos de experiência são necessários para que se possa melhor compreender a prática da Psicologia nesse contexto jurídico. Destaca-se ainda a importância da prática interdisciplinar construída nesta experiência, evidenciando que diferentes olhares, com especificidades distintas e convergentes ampliam a compreensão dos fenômenos vivenciados, superando as visões unidisciplinares historicamente construídas. 174 Aletheia 33, set./dez. 2010 Referências Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Barbosa, A. A. (2003). Mediação familiar: uma vivência interdisciplinar. Em: G. C. Groeninga & R. C. Pereira (Orgs.), direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia (339-346). Rio de Janeiro: Imago. Bottoli, C. (2010). Paternidade e separação conjugal: a perspectiva do pai. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia,Universidade Federal d e Santa Maria. Santa Maria, RS. Brandão, E. P. (2005). A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Em: H. S. Gonçalves & E. P. Brandão (Orgs.), Psicologia Jurídica no Brasil (pp.51-97). Rio de Janeiro: Nau Ed. Brasil. (2008) Presidência da República, casa civil, lei n.11.698, de 13 de junho de 2008. Brito, L. M. T. (1993). Se-pa-ran-do: um estudo sobre a atuação do psicólogo nas varas de família. Rio de Janeiro: Relume Dumará/UERJ. Brito, L. M. T. (2003). Igualdade e divisão de responsabilidades: Pressupostos e consequências da guarda conjunta. Em: G. C. Groeninga & R. C. Pereira (Orgs.), Direito de Família e Psicanálise: rumo a uma nova epistemologia (pp. 325-337). Rio de Janeiro: Imago. Brito, L. M. T. (2005). Guarda compartilhada: um passaporte para a convivência familiar. Em: APASE – Associação de pais e mães separados (Orgs.), Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos (pp. 53-69). Porto Alegre: Equilíbrio. Brito, L. M. T. (2008). Paternidades contestadas: a definição da paternidade como um impasse contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey. Chaves, N. M., & Maciel, S. K. (2005). 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Conflict Resolution Quarterly, 14, 215-236. _____________________________ Recebido em 14/04/2011 Aceito em 04/08/2011 Sabrina Daiana Cúnico: Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, Bolsista FIEX/UFSM. Caroline de Oliveira Mozzaquatro: Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, Bolsista IC. FAPERGS. Dorian Mônica Arpini: Psicóloga, Prof.ª Dr.ª do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. Milena Leite Silva: Psicóloga, Professora do Curso de Psicologia da Faculdade Integrada de Santa Maria, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. Endereço para contato: [email protected] 176 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.177-178, set./dez. 2010 O caminho da avaliação neuropsicológica1 Ana Lúcia Fedalto Amer Cavalheiro Hamdan De que maneira a memória de uma pessoa é afetada por uma lesão cerebral decorrente, por exemplo, de um acidente automobilístico ou de uma doença neurodegenerativa? Quais são as capacidades cognitivas preservadas? Quais são as capacidades alteradas? Essas e outras perguntas constituem o campo da neuropsicologia, ciência que estuda as relações entre o cérebro e o comportamento, em particular as disfunções cognitivas decorrentes de lesões cerebrais. A avaliação neuropsicológica é um processo de investigação utilizado por especialistas com o objetivo de compreender o funcionamento cognitivo-cerebral. A investigação é realizada mediante a aplicação de uma bateria de testes psicométricos que permitem observar uma determinada função cognitiva e sua manifestação comportamental. O caráter abrangente dessa investigação exige uma formação especializada. Para o profissional interessado nesses assuntos, qual o caminho a buscar? A recente publicação do livro Avaliação Neuropsicológica oferece um caminho seguro a seguir. O livro foi escrito por 104 autores de diferentes especialidades (psicólogos, psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional e pedagogos) e revela o caráter interdisciplinar da avaliação neuropsicológica. Cinco grandes temas são abordados em 49 capítulos, contribuindo de maneira significativa para uma melhor compreensão sobre a avaliação neuropsicológica no Brasil. O primeiro grande tema tratado no livro, psicometria, é uma introdução ao conceito de neuropsicometria, analisa conceitos como: modelo clássico e análise de Rasch (capítulo 01); os modelos monotético e idiográfico (capítulo 02) e as ferramentas para a elaboração de instrumentos de medida (capítulo 03). O segundo grande tema, princípios gerais e domínios específicos, aborda as questões gerais e os princípios da avaliação neuropsicológica (capítulo 04) e análise de áreas específicas de investigação, tais como: o neuropsicólogo e seu paciente, inteligência geral, linguagem, memória, atenção, exame das funções executivas, praxia e visuoconstrução, matemática, dificuldade específica de aprendizagem da leitura e escrita, comportamento motor, cognição social, reconhecimento de emoções, teoria da mente, habilidades sociais, e a avaliação da personalidade e sua contribuição à avaliação neuropsicológica (capítulos 5 a 18). O terceiro tema, ciclo vital, investiga a aplicação da avaliação neuropsicológica em diferentes períodos do desenvolvimento humano: idade pré-escolar, infância, adultez e no idosos (capítulos 19 a 23). O quarto tema, contribuições da avaliação para contextos específicos, analisa questões relacionadas à aplicação e a novas abordagens da avaliação neuropsicológica, tais como: psiquiatria e neurologia infantil, clínica neurológica de adultos e idosos, neurocirurgia, pesquisas em biologia molecular e em neurobiologia das Malloy-Diniz, L., Fuentes, D., Mattos, P., Abreu, N. e cols. (2010). Avaliação Neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed. 1 funções cognitivas, práticas forenses, práticas esportivas e sua utilização na educação (capítulos 24 a 32). O último grande tema, estudos no contexto brasileiro, é uma exposição sobre a utilização de diferentes testes neuropsicológicos no Brasil, destacando-se os seguintes testes: Teste de Atenção visual (TAVIS-3); Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT); Teste da Torre de Londres (TOL); Teste da Torre de Hanói; Teste da Figura Complexa de Rey; Teste Bender (versão B-SPG); Nepsy II; Iowa Gambling Task e Children Gambling Task; Token Test; Bateria Memo, Questionário de Memória Retrospectiva e Prospectiva (PRMQ); Avaliação da Habilidade de Codificação Fonológica e Ortográfica; Avaliação Neuropsicológica de Processamento Lexical para Crianças; Escala de Avaliação de Demência (DRS); Matching Familiar Figures (MFFT-20); Teste de Organização Visual Hooper e Teste de Avaliação da Habilidade Visuoespacial (TAHLVES). O leitor poderá facilmente observar, que os temas tratados neste livro são variados e abrangentes, descrevendo desde questões básicas até questões avançadas. Como toda obra desta magnitude, o especialista em avaliação neuropsicológica poderá se queixar de que alguns assuntos específicos não foram devidamente aprofundados. Porém, essas limitações são superadas pelas excelentes revisões temáticas. Avaliação Neuropsicológica é uma obra de referência e contribui de maneira significativa para a formação profissional e para o desenvolvimento de pesquisas em neuropsicologia no Brasil. É indicado para pesquisadores, estudantes, professores de graduação e pós-graduação, e a todos os profissionais da área da saúde no tema da avaliação neuropsicológica. ____________________________________ Recebido em 28/03/2011 Aceito em 15/08/2011 Ana Lúcia Fedalto: Psicóloga. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Paraná-UFPR. Amer Cavalheiro Hamdan: Psicólogo. Doutor em Psicobiologia. Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Paraná-UFPR. Endereço para contato: [email protected] 178 Aletheia 33, set./dez. 2010 Aletheia 33, p.179-189, set./dez. 2010 Promover la convivencia escolar: una propuesta de intervención comunitaria María Clara Rodríguez Patricia Vaca Resumen: Se describe una propuesta de intervención comunitaria en convivencia escolar, a partir de los resultados obtenidos en una investigación previa (Rodríguez, Vaca, Hewitt & Martínez, 2009) que buscaba caracterizar las formas de interacción en un contexto escolar. Si bien el punto de partida lo constituyó la presencia de intimidación en los espacios escolares, el acercamiento a la comunidad nos permitió concluir, que más allá de la intimidación entre pares, existía en la escuela una forma de relación excluyente entre sus integrantes. La propuesta dirigida a los padres, profesores, alumnos y directivos de la escuela participante, se fundamentó en el logro de cuatro objetivos. El primero relacionado con el análisis crítico del Manual de Convivencia, como documento Marco, que orienta el quehacer educativo. El segundo se dirigió al diseño y desarrollo de un programa psicoeducativo que promoviera el trabajo en equipo, la gestión del conflicto, los roles y las interacciones en la cotidianidad. Los dos últimos relacionados con la asesoría psicológica individual y/o familiar a los miembros de la comunidad y la necesidad de trabajo en red. Actualmente se implementa la propuesta como parte de una tercera fase de investigación. Palabras clave: convivencia, escola, intervención comunitaria. Promover a convivência na escola: uma proposta de intervenção comunitária Resumo: O artigo descreve uma proposta de intervenção comunitária em convivência escolar baseado nos resultados obtidos numa pesquisa prévia (Rodríguez, Vaca, Hewitt & Martínez, 2009) que procurava caracterizar as formas de interação no contexto escolar. O ponto de partida foi a presença de intimidação nos espaços escolares, a aproximação à comunidade permitiu concluir que além da intimidação entre pares, existe na escola uma forma de relacionamento excludente entre seus integrantes. A proposta foi direcionada a pais, professores, alunos e equipe diretiva da escola participante e fundamentou-se em quatro objetivos. O primeiro esteve relacionado à análise crítica do Manual de Convivência, como um documento referência que direciona o fazer educativo. O segundo direcionou-se ao delineamento e desenvolvimento de um programa psicoeducativo que promove o trabalho em equipe, a gestão do conflito, os papéis e as interações do cotidiano. Os dois últimos estiveram ligados à assessoria psicológica individual e/ou familiar aos membros da comunidade e a necessidade do trabalho em rede. Atualmente a implementação da proposta constitui uma terceira fase da pesquisa. Palavras-chave: convivência, escola, intervenção comunitária. Protecting coexistence in the school: A proposal of community intervention Abstract: This article describes a proposal for a community intervention in school coexistence, from the results of a participative action research, which looked for the characteristic ways of interaction in a school context (Rodríguez, Vaca, Hewitt & Martínez, 2009). While the starting point was the Aletheia 33, set./dez. 2010 179 presence of bullying in school spaces, the community approach allowed us to conclude that, beyond bullying among peers, it existed a form of exclusion relationship between the members of the school. The proposal is aimed at parents, teachers, students and principals of the participating school, and it were based on achieving four objectives. The first objective was related to the critical analysis of Coexistence Guide, a framework document that guides the educational task. The second objective addressed the design and development of a psycho educational program to promote teamwork, conflict management, roles and interactions in daily life. Finally it was considered important to include individual counseling and / or family to community members who request it and the need for net working. Currently the proposal is implemented as part of a third phase of research. Keywords: Coexistence, School, Community Intervention. Introducción El estudio de la convivencia en la escuela ha sido un tema de mucho interés para las comunidades científicas y los grupos de trabajo interesados en el desarrollo tanto individual como comunitario. Lo anterior, por cuanto desde ese escenario se promueven formas de interacción y se configuran y construyen referentes sobre los cuales los niños y jóvenes se vinculan y/o vincularán posteriormente en otros en espacios públicos. El aula es entonces, considerada como un contexto privilegiado para la construcción de convivencia, desde el cual es posible promover la discusión, el dialogo y la reflexión así como reconocer los acuerdos, las diferencias, las formas de alcanzar el consenso y aceptar el disenso. Es decir es una posibilidad para el ejercicio de la democracia; solo de esta manera se puede aprender a convivir mejor (Ianni, 2003). Algunos estudios realizados a nivel nacional (Jaramillo, Díaz, Ortiz, Niño & Tavera, 2006; Jaramillo, Tavera & Velandia, 2008; Ramírez, Quintero, Aguilar & Villamizar, 2008; Zabaraín & Sánchez, 2009) muestran cómo en las escuelas se detectan diversas problemáticas que se expresan en formas de interacción excluyentes entre los diferentes actores que ella convoca. Sin embargo, se observa que los jóvenes perciben que respetan en su mayoría al “otro”, ajustan su comportamiento a las reglas de grupo, pero no valoran o no entienden las opiniones contrarias a las suyas (Chaux, Lleras & Velásquez, 2004). Lo que sí es claro, es que existe una discrepancia entre las conductas que los profesores clasifican como intimidación, frente a las que clasifican los niños. Es posible que los niños clasifiquen la agresión física como intimidación, pero no por ejemplo la exclusión social. Arango (2001) señala como estas interacciones quiebran el orden natural de los vínculos interpersonales y de las relaciones sociales. Existe el reconocimiento, hoy en día de que las personas que se relacionan con los jóvenes y los niños, deben estar preparadas para asumir el compromiso de cambio y transformación de esas formas de interacción desde el mismo escenario en el cual se expresan. Este camino sin duda, conducirá, no solamente a hacer de la escuela un espacio de socialización democrático, sino también permitirá la prevención de conductas y problemas que se traducen de manera predecible en la desescolarización con todas las implicaciones que ésta conlleva en la vida de los niños, la familia y la sociedad. Las cifras derivadas del Ministerio de Educación Nacional (Centro Virtual de Noticias, 2010) de nuestro país registran un 6% de deserción. La visibilidad de esta situación ha señalado, la necesidad para las ciencias 180 Aletheia 33, set./dez. 2010 sociales, de pensar en propuestas que se orienten a potencializar la comunidad educativa incluyendo a todos sus actores, de tal manera que se promueva en ella la formación de ciudadanos responsables y a la vez se minimicen los factores de riesgo que se relacionan con el abandono del contexto escolar por parte de los jóvenes y los niños. Son muchas las investigaciones (Espindola & León, 2002; Cepeda, Pacheco, García & Piraquive, 2008) que han centrado su interés en reconocer las implicaciones que para una sociedad tiene el hecho de que sus jóvenes abandonen la escuela. Si bien son muchos los factores externos e internos que pueden contribuir en este sentido, no podemos desestimar los costos económicos y sociales. Estos últimos son más difíciles de cuantificar, aunque registramos estadísticas cada vez más alarmantes en relación con el trabajo infantil, la temprana iniciación en el uso y abuso de las drogas y la delincuencia, solo por mencionar algunas. En ese mismo sentido, en la investigación realizada en los contextos internacionales (Orpinas & Horne, 2008; Olweus, 2.000) se identifican líneas de trabajo que se dirigen hacia la promoción de pautas de interacción positiva en las escuelas y de programas educación parental, como pilares fundamentales en el diseño e implementación de programas de prevención en violencia y promoción del desarrollo saludable. Este último aspecto reconoce la necesidad de incluir en los programas el apoyo a la familia, traducido en un acompañamiento flexible y creativo sustentado en la necesidad de mantener a los padres y en general a toda la comunidad informados permanentemente sobre la forma de acceder a la resolución de problemáticas relacionadas con sus hijos y con el entorno. La literatura señala cómo en estas propuestas de trabajo se han aprovechado, los avances y el acceso a las nuevas tecnologías, por ejemplo, en la creación de redes, como una estrategia de prevención de las pautas violentas (Mertensmeyer & Fine, 2000). Este caso registra con optimismo, cómo el trabajo con padres dentro de una perspectiva amplia en la que se vinculan todos los actores de una comunidad, puede llevar a retroalimentar las políticas públicas y a disponer de todas las condiciones necesarias y suficientes para que la tolerancia frente a la violencia se minimice. Solo el trabajo en red podrá a futuro hacer realidad este propósito. Es así como en diversos contextos existe un interés cada vez mayor por el desarrollo en las escuelas de propuestas que se dirijan a la construcción de convivencia al interior de ella. Bar- Tal (2004) señala cómo la convivencia puede ser entendida como una representación mental, existente entre los miembros de una sociedad caracterizada por reconocer los derechos de los otros y con el compromiso de que, los desacuerdos propios de los grupos humanos sean resueltos de forma no violenta; haciendo del conflicto una posibilidad para el encuentro, como lo propone Zubiría y Zubiría (2009) al reconocerlo; “como una oportunidad para avanzar en el desarrollo” p. 1. Sin duda alguna, dadas las diferentes creencias etnocéntricas y los fuertes conflictos que existen en el mundo actual, la convivencia, en la diferencia, se reconoce como un reto para este siglo (Coleman, 2000); de ahí la importancia de desarrollar propuestas, que desde la escuela, como espacio fundamental de socialización y que convoca además a diferentes actores de la comunidad, eduque para la convivencia; planeamiento que como se mencionó anteriormente ha cobrado fuerza en diferentes Aletheia 33, set./dez. 2010 181 lugares del mundo. El rastreo de algunas de las propuestas que se han realizado para educar en la convivencia permite concluir que existe en ellas una amplia riqueza tanto en sus propósitos como en los caminos que han escogido para lograrlo. De manera general los programas de educación para la convivencia convergen en la necesidad de trabajar tanto con los niños y jóvenes, como con los profesores, y padres. Particularmente, algunos trabajos muestran cómo los profesores manifiestan la necesidad de formación y acompañamiento para el desarrollo de competencias que les permitan resolver los problemas que actualmente emergen en la cotidianidad del contexto educativo (Orpinas, Home & Multisite Violence Prevention Proyect 2004). Las propuestas que se han focalizado en los niños, enfatizan en la necesidad de construir en ellos competencias ciudadanas entendidas como “el conjunto de capacidades y habilidades cognitivas, emocionales y comunicativas que orientan moral y políticamente nuestra acción ciudadana” (Ruiz & Chaux, 2005, p. 21). Es importante señalar, que estas competencias deben ser integradas al currículo, planteamiento desarrollado desde los años 80 en algunos países de Europa (Romagnoli & Holloway, citado en Educar Chile, 2010). Experiencias como las realizadas por Lazovski (2007), se dirigen también a promover la tolerancia y la convivencia entre niños judíos y árabes, a través de una estrategia en la cual los niños enseñan a otros niños, estrategia que fue evaluada positivamente por los profesores, quienes señalaron mayor expresión de sentimientos y aceptación de opiniones diferentes entre los niños, lo que se tradujo en mejores relaciones interpersonales, conservando, sin embargo una clara conciencia de su identidad judía o árabe. Otras propuestas han mostrado la utilidad de involucrar diferentes sectores de la comunidad en el desarrollo de los programas de educación para la convivencia. Hertz-Lazarowitz (2004) contribuyó a trasformar las relaciones hostiles que existían entre los miembros de una comunidad educativa, a través de estrategias de trabajo cooperativo entre estudiantes, profesores, padres y líderes comunitarios y políticos, logrando trasmitir el sentido real de la convivencia; transformación que trascendió el espacio escolar permeando la política educativa de esa comunidad. El objetivo de este artículo es describir una propuesta de intervención comunitaria en convivencia, fruto de dos años de trabajo conjunto con padres, profesores, directivos y estudiantes en una institución educativa dentro de la zona de influencia de la Universidad. Aunque nos enfocaremos solo en el programa, es importante resaltar que este está soportado en un trabajo previo de investigación (Rodríguez, Vaca, Hewitt & Martínez, 2009), en el cual a partir de la caracterización de la interacción entre diferentes actores de una comunidad educativa, utilizando métodos combinados, se logró identificar los significados que subyacen a las prácticas en el contexto escolar y desde allí construir conjuntamente con la comunidad un camino viable y prometedor para visibilizar formas de interacción que favorezcan la convivencia y prevenir a futuro la deserción de jóvenes estudiantes. Empezamos planteando una fundamentación teórica sobre convivencia y posteriormente se presenta la propuesta sustentada tanto en el marco teórico como en los resultados 182 Aletheia 33, set./dez. 2010 previos de investigación. Describiremos entonces los objetivos, los beneficiarios y cada uno de los componentes que lo hacen singular, en la medida en que corresponde a una experiencia concreta en un contexto particular. Promover la convivencia en la escuela: una propuesta de intervención comunitaria La propuesta de intervención se construyó de manera participativa con los padres, profesores, alumnos y directivos de la institución educativa participante, una vez se devolvieron los resultados y se acordaron las condiciones a través de un consentimiento informado. Como se mencionó anteriormente surgió de las demandas específicas del contexto, en ese sentido el trabajo que se propuso es pertinente y particular para esta institución educativa, pues responde a las necesidades identificadas y jerarquizadas con los miembros de la comunidad. Se partió de una conceptualización de Convivencia entendida como el conjunto de significados y practicas existentes en una comunidad para interactuar y relacionarse a partir de la cooperación, el buen trato, la inclusión de los demás y la erradicación de la agresión como forma de solucionar la diferencia (Organización de Estados Iberoamericanos & AECID, 2010). Esta comprensión de la Convivencia se fundamenta en el planeamiento realizado por la UNESCO (2001), en relación con los objetivos de la Educación para la Paz, que se dirigen fundamentalmente a la promoción de valores universales y comportamientos en los que se basa una cultura de paz, destacándose la necesidad de trabajar en aspectos como la capacidad de resolver conflictos, el reconocer y aceptar la diversidad y el fortalecimiento de sentimientos de solidaridad y equidad, entre otros. Objetivos de la propuesta De esta manera se estableció le necesidad de trabajar en el logro de cuatro objetivos específicos que son: 1. Analizar críticamente el Manual de Convivencia existente en la Institución participante. 2. Diseñar un programa psicoeducativo orientado al desarrollo de competencias comunicativas, emocionales y cognitivas que favorezcan la construcción de interacciones incluyentes. 3. Brindar asesoría psicológica individual y/o familiar a los participantes 4. Favorecer el trabajo en redes intra y extramurales. Cada uno de estos objetivos se convirtió en un uno de los componentes que conforma la propuesta de trabajo, como se expone en el Figura 1. Aletheia 33, set./dez. 2010 183 Figura 1 – Propuesta de intervención comunitaria para promover la convivencia en la escuela. Componentes de la propuesta Análisis crítico del Manual de convivencia El Manual de convivencia es el documento que guía el quehacer de las instituciones educativas, contiene el conjunto de valores, principios derechos y deberes que regulan las interacciones al interior de la institución. Este componente tiene como objetivo analizar tanto el contenido como la práctica del Manual de convivencia. Responde al reconocimiento por parte de la de la comunidad educativa de la existencia de incongruencias en la utilización del mismo. Se espera como resultado de este trabajo de reflexión y análisis colectivo, el compromiso por parte de la comunidad de respetar de manera consistente los acuerdos establecidos en él. Programa psicoeducativo Este componente se orienta a la construcción de competencias dirigidas a promover formas de relación que favorecen interacciones positivas entre los miembros de la Institución. Fue divido en 4 módulos que desarrollan temáticas identificadas por la comunidad como fuente de dificultad relacional entre ellos. 184 Aletheia 33, set./dez. 2010 Módulos 1. Trabajo en equipo: Tiene el objetivo de promover competencias para el trabajo colaborativo, en el cual la interdependencia se convierte en condición necesaria para el logro de objetivos comunes. 2. El Modulo de Roles y Contexto Escolar, busca identificar y reconocer los diferentes roles que existen en la comunidad educativa, las funciones que se esperan de su ejercicio, las expectativas que generan y la posición legítimamente reconocida de los mismos. 3. Gestión del conflicto: Busca reconocer el conflicto como inherente a la vida social, como una realidad que puede tomar diferentes matices, dependiendo de la aproximación creativa o no que se haga frente a ella. Se reconoce el conflicto como una posibilidad de encuentro creativo, cuestionando la connotación negativa asignada por la comunidad. 4. Interacciones y Cotidianidad: Se orienta a reconocer y promover el valor de los acuerdos en relación con el cumplimiento de normas, respeto a la diversidad y existencia de consensos frente a las sanciones e incentivos en el contexto escolar. Resalta la necesidad de coherencia y consistencia en el cumplimiento de los aspectos mencionados. La propuesta se está trabajando a través de metodologías participativas. (Construyendo Paz en las Escuelas, 2010) (Montero, 2008), desde los planeamientos de Coll (1988) relacionados con la concepción del aprendizaje como un proceso de construcción de sentido que ocurre en un contexto relacional. Asesoría psicológica individual y/o familiar El centro de Servicios de Psicología de la Universidad de la Sabana tiene como objetivo contribuir a la proyección social que realiza la Facultad de Psicología en su entorno próximo. De la experiencia de trabajo con la comunidad surgió la necesidad de ampliar los objetivos de la propuesta de tal manera que responda a los requerimientos individuales y familiares desde una aproximación clínica. Es así como se han realizado procesos de asesoría, tanto a los alumnos de la institución participante como a sus familias. Los procesos de detección y remisión para las asesorías están a cargo de los docentes, quienes previamente fueron preparados para convertirse en agentes promotores de salud mental. Adicionalmente, con la intención de hacer del aula un escenario para optimizar los procesos de socialización del niño, se ha apoyado a los profesores en relación con el desarrollo de estrategias orientadas a favorecer la participación y el comportamiento apropiado de los estudiantes en el aula, reconociendo y legitimando el rol del profesor como gestor de convivencia en los contextos escolares. En este sentido la propuesta, resalta la necesidad de trabajar de manera interdependiente y sincrónica lo que se traduce en pertinencia y coherencia de las acciones realizadas, contribuyendo de ésta manera a minimizar los riesgos de deserción escolar. Aletheia 33, set./dez. 2010 185 Trabajo en redes intra y extramurales. Se concibe el trabajo en red como una garantía de viabilidad y sostenibilidad de la propuesta de trabajo; en este sentido la construcción de redes tanto al interior del contexto educativo como fuera de él, se convierte en una herramienta fundamental para aunar esfuerzos y trabajar conjuntamente (Elkaîm, citado por Rangel, 2008). Desde allí es posible que las personas se reconozcan como sujetos activos con posibilidad de transformar su entorno, a través de su participación en procesos de planeación, organización y toma de decisiones frente a situaciones que les atañen. Se espera que este trabajo se traduzca en una comunidad autónoma y con posibilidades de autorregulación. La conformación de redes al interior de la escuela, tales como la Red de Lideres que promueve la negociación pacífica del conflicto y la Red de Padres, que se orienta al soporte entre ellos, para potenciar el desarrollo de sus hijo, son ejemplo del objetivo de este componente. De igual manera se fomenta el trabajo con redes extramurales, que permitan optimizar el uso de los recursos que existen en la comunidad. Discusión El reto de las sociedades actuales es la convivencia en la diferencia, sin duda, formamos parte de un mundo plural en el que la diversidad se expresa de diferentes maneras. El hacer de la escuela un escenario para el ejercicio de la democracia a partir de la participación, el respeto a la diversidad y el abordaje creativo del conflicto, aspectos fundamentales en la construcción de la convivencia, contribuye indudablemente a la construcción de una sociedad incluyente. La escuela como espacio de socialización por excelencia permite que sea considerada como un lugar privilegiado en el cual es posible pensar en la construcción de otros mudos posibles, es decir es un lugar para la transformación cultural. El convocar a diferentes actores de la comunidad alrededor de una necesidad manifestada y sentida en la escuela y más allá de ella en la sociedad, nos permitió reconocerla como una puerta de entrada a una dinámica mucho más compleja que la expresada inicialmente por los participantes. Es así como, en los encuentros iniciales con los docentes y directivos, la intimidación ocupaba un papel protagónico en el escenario de trabajo, de tal manera que una primera aproximación se caracterizó por la necesidad de cuantificarla, caracterizarla así como comprenderla a partir de su significado en las transacciones cotidianas en la escuela, lo que nos llevó a reconocer la importancia de ir más allá y pensar en una propuesta de intervención, que desde integral se dirigiera a todos los actores que convergen en el espacio escolar. En este sentido compartimos el planteamiento de considerar este contexto que como espacio de reproducción cultural nos posible acceder a las problemáticas y preocupaciones que tienen una sociedad como la nuestra. Diferentes investigadores (Arango, 2001; Gázquez, Cangas, Pérez & Aeién, 2009) interesados en el tema de la convivencia, han coincidido en afirmar que en la escuela se evidencian las condiciones que pueden convertirse en riesgo y /o amenaza para la permanencia y los procesos formativos a los que los jóvenes tienen derecho. De igual 186 Aletheia 33, set./dez. 2010 manera coinciden en afirmar que un ambiente escolar caracterizado por el Buen Trato es un factor protector para su permanencia de los niños y jóvenes en el proceso de formación. Además, hay un acuerdo, también en afirmar que estas últimas condiciones contribuyen a la formación de ciudadanos con competencias para enfrentarse a los retos que le plantea este nuevo milenio. Es en este sentido, que reiteramos que toda propuesta que busque minimizar las condiciones adversas y promover la permanencia de los estudiantes en la escuela, será bienvenida e irá en la línea de los “Objetivos de Desarrollo del Milenio” que son explícitos en afirmar la importancia de evitar que los niños abandonen la escuela antes de terminar el ciclo básico (Espíndola & León, 2008). Es importante destacar como lo afirma Whitted y Dupper (2005) la necesidad de hacer seguimiento a este tipo de iniciativas, de tal manera que se garantice la vinculación a todas las esferas que conforman la ecología del niño. La experiencia realizada hasta ahora nos permite señalar cómo la participación activa e interesada de los profesores, es un insumo fundamental en el éxito de propuestas de este tipo. Por último, no debemos olvidar que el trabajo con padres requiere de constancia, generación de compromiso por parte de ellos y la responsabilidad social de los empleadores, quienes en muchas ocasiones obstaculizan su presencia para el desarrollo de los procesos que se esperan sea el resultado de una propuesta de este tipo. Referencias Arango, L. (2001). Hacia una psicología de la convivencia. Revista Colombiana de Psicología, 10, 79-89. Centro Virtual de Noticias – CVN. Disponible en: <www.mineducación.gov.co/cvn> Recuperado el: 26 de Mayo de 2010. Cepeda, E., Pacheco, P. N., García, L., & Piraquive, C. J. (2008). Acoso escolar a estudiantes de educación básica y media. Revista de Salud Pública, 10(4), 517528. Chaux, E., Lleras, J., & Velásquez, A. M. (2004). Competencias ciudadanas: de los estándares al aula. Una propuesta integral para todas las áreas académicas. Bogotá: Ediciones Uniandes. Coleman, P. T. (2000). Intractable Conflict. En: M. Deustch & P. T. 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Serão aceitos somente trabalhos não publicados que se enquadrem nas categorias de relato de pesquisa, artigos de revisão ou atualização, relatos de experiência profissional, comunicações breves e resenhas. Relatos de pesquisa: investigação baseada em dados empíricos, utilizando metodologia e análise científica. Artigos de revisão/atualização: revisões sistemáticas e atuais sobre temas relevantes para a linha editorial da revista. Relatos de experiência profissional: estudos de caso contendo discussão de implicações conceituais ou terapêuticas; descrição de procedimentos ou estratégias de intervenção de interesse para a atuação profissional dos psicólogos. Comunicações breves: relatos breves de experiências profissionais ou comunicações preliminares de resultados de pesquisa. Resenhas: revisão crítica de livros recém-publicados, orientando o leitor quanto a suas características e seus usos potenciais. Aspectos éticos: todos os artigos envolvendo pesquisa com seres humanos devem declarar que os sujeitos do estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de pesquisa. No caso de pesquisa com animais, os autores devem atestar que o estudo foi realizado de acordo com as recomendações éticas para esse tipo de pesquisa. Os autores também são solicitados a declarar, na seção “Método”, que o protocolo da pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do local de origem do projeto. Conflitos de interesse: os autores devem declarar todos os possíveis conflitos de interesse (profissionais, financeiros, benefícios diretos ou indiretos), se for o caso. A falha em declarar conflitos de interesse pode levar à recusa ou cancelamento da publicação. Normas editoriais 1. Serão aceitos somente trabalhos inéditos. 2. O artigo passará pela apreciação dos Editores. 3. Após a avaliação inicial, os Editores encaminharão os trabalhos para apreciação do Conselho Editorial, que poderá fazer uso de consultores ad hoc de reconhecida competência na área de conhecimento. A Comissão Editorial e os consultores ad hoc analisam o manuscrito, sugerem modificações e recomendam ou não a sua publicação. 190 Aletheia 33, set./dez. 2010 4. Os artigos poderão receber: a) aceitação integral; b) aceitação com reformulações; c) recusa integral. Em qualquer dessas situações, o autor será devidamente comunicado. Os originais, em nenhuma das possibilidades, serão devolvidos. 5. O(s) autor(es) do artigo receberá(ão) cópia dos pareceres dos consultores e será(ão) informado(s) sobre as modificações a serem realizadas. 6. No encaminhamento da versão modificada do seu manuscrito (no prazo máximo de 15 dias após o recebimento da notificação), os autores deverão incluir uma carta ao Editor esclarecendo as alterações feitas e aquelas que não julgaram pertinentes e a justificativa. No texto, as modificações feitas deverão estar destacadas com a ferramenta Word “pincel amarelo”. O encaminhamento com as modificações realizadas pode ser realizado via e-mail ([email protected]). 7. Os Editores reservam-se o direito de fazer pequenas alterações no texto dos artigos. 8. A decisão final sobre a publicação de um manuscrito sempre será do Editor Responsável e Conselho Editorial que fará uma avaliação do texto original, das sugestões indicadas pelos consultores e as modificações encaminhadas pelo autor. 9. Os artigos poderão ser escritos em outra língua além do português (espanhol e inglês). 10. Independentemente do número de autores, serão oferecidos dois exemplares por trabalho publicado. O arquivo eletrônico com a publicação em PDF será disponibilizado no site www.ulbra.br/psicologia/aletheia. 11. As opiniões emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade do(s) autor(es), e sua aceitação não significa que a revista Aletheia ou o curso de Psicologia da ULBRA lhe dão apoio. 12. A matéria editada pela Aletheia poderá ser impressa total ou parcialmente, desde que obtida a permissão do Editor Responsável. Os direitos autorais obtidos pela publicação do artigo não serão repassados para o autor do artigo. Apresentação dos manuscritos 1) Os artigos inéditos deverão ser encaminhados em disquete ou CD e uma via impressa, digitada em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12 e paginada desde a folha de rosto personalizada. A folha deverá ser A4, com formatação de margens superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). A revista adota as normas do Manual de Publicação da American Psychological Association - APA (4ª edição, 2001). Aletheia 33, set./dez. 2010 191 2) O número máximo de laudas deve atender a seguinte orientação: relatos de pesquisa (25 laudas); artigos de revisão/atualização (20 laudas); relatos de experiência profissional (15 laudas), comunicações breves (5 laudas) e resenhas (máximo de 5 laudas). 3) Encaminhamento: toda correspondência deve ser encaminhada à revista Aletheia, aos cuidados do Editor Responsável. 4) Todo manuscrito encaminhado à revista deverá ser acompanhado de uma carta de autorização, assinada por todos os autores, onde deve constar: a) a intenção de submissão do trabalho à publicação; b) a autorização para reformulação da linguagem, se necessário; c) a transferência de direitos autorais para a revista Aletheia. 5) O artigo deve conter: a) folha de rosto identificada: título do artigo em língua portuguesa; nome dos autores; formação, titulação e afiliação institucional dos autores; resumo em português de 10 a 12 linhas; palavras-chave, no máximo 3; título do artigo em língua inglesa; abstract compatível com o texto do Resumo; key-words; endereço para correspondência, incluindo CEP, telefone e e-mail. b) folha de rosto não identificada: título do artigo em língua portuguesa; resumo em português, de 10 a 12 linhas, 3 palavras-chave, título do artigo em língua inglesa, resumo (Abstract) em inglês, compatível com o texto do Resumo; key-words. c) corpo do texto. d) sugere-se que os artigos referentes a relatos de pesquisa apresentem a seguinte seqüência: Título; Introdução; Método (população/amostra, instrumentos, Procedimentos de coleta e Análise de dados – incluir nessa seção afirmação de aprovação do estudo em Comitê de Ética em Pesquisa de acordo com Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde); Resultados; Discussão, Referências (títulos em letra minúscula e em seções separadas). Usar as denominações tabelas e figuras (não usar a expressão quadros e gráficos). Colocar tabelas e figuras incorporadas ao texto. Tabelas: incluindo título e notas de acordo com normas da APA. Formato Word – ‘Simples 1’. Na publicação impressa, a tabela não poderá exceder 11,5 cm de largura x 17,5 cm de comprimento. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para assegurar qualidade de reprodução, as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia (resolução mínima de 300 dpi). A versão publicada não poderá exceder a largura de 11,5 cm para figuras. Anexos: apenas quando contiverem informação original importante, ou destaque indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos. 6) Trabalhos com documentação incompleta ou não atendendo às normas adotadas pela revista (APA, 4ª edição) não serão avaliados. 192 Aletheia 33, set./dez. 2010 Normas para citações - As notas não bibliográficas deverão ser colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. - As citações dos autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA (4ª edição). - No caso da citação integral de um texto: deve ser delimitada por aspas, e a citação do autor seguida do ano e do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio em itálico e sem aspas, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. A fonte será a mesma utilizada no restante do texto (Times New Roman, 12). • Citação de um autor: autor, sobrenome em letra minúscula, seguida pelo ano da publicação. Exemplo: Rodrigues (2000). • Citações de dois autores: cite os dois autores sempre que forem referidos no texto. Exemplo: (Carvalho & Santos, 2000) – quando os sobrenomes forem citados entre parênteses, devem estar ligados por &. Quando forem citados fora de parênteses, devem ser ligados pela letra e. • Citação de três a cinco autores: citar todos os autores na primeira referência, seguidos da data do artigo entre parênteses. A partir da segunda referência, utilize o sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. Exemplo: Silva, Foguel, Martins e Pires (2000), a partir da segunda referência, Silva e cols. (2000). • Artigo de seis ou mais autores: cite apenas o sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. (ANO). Na seção referências, todos os autores deverão ser citados. • Citação de obras antigas, clássicas e reeditadas: citar a data da publicação original, seguida da data da edição consultada. Exemplo: (Kant 1871/1980). • Autores com a mesma idéia: seguir a ordem alfabética de seus sobrenomes e não a ordem cronológica. Exemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005). • Publicações diferentes com a mesma data: acrescentar letras minúsculas, após o ano de publicação. Exemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c. • Citação cuja idéia é extraída de outra ou citação indireta: utilizar a expressão citado por. Ex: Lopes, citado por Martins (2000),... Na seção Referências, incluir apenas a fonte consultada (Martins). • Transcrição literal de um texto ou citação direta: sobrenome do autor, data, página. Exemplo: (Carvalho, 2000, p.45) ou Carvalho (2000, p.45). Normas para referências As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do artigo. Sua disposição deve ser em ordem alfabética do último sobrenome do autor e em minúsculo. Aletheia 33, set./dez. 2010 193 Livro Mendes, A. P. (1998). A família com filhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas. Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar. Porto Alegre: Artes Médicas. Capítulo de livro Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertilidade e gravidez tardia. Em: P. Papp (Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed. Artigo de periódico científico Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 95-121. Artigos em meios eletrônicos Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível: <http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000. Artigo de revista científica no prelo Albuquerque, P. (no prelo). Trabalho e gênero. Aletheia. Trabalho apresentado em evento científico com resumo em anais Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas. XXV Reunião Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP. Tese ou dissertação publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de PósGraduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Tese ou dissertação não-publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado não publicada. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Obra antiga e reeditada em data muito posterior Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre: Universal. (Original publicado em 1950). 194 Aletheia 33, set./dez. 2010 Autoria institucional American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.).Washington: Autor. Endereço para envio de artigos Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José Sala 121 - Prédio 01 Canoas – RS – Brasil CEP: 92425-900 Aletheia 33, set./dez. 2010 195 Instructions to authors Editorial policy Aletheia is a published three times a year journal edited by the Psychology Program of the Lutheran University of Brazil, which purpose is to publish papers in Psychology and related sciences. Only unpublished papers will be accepted into these categories: original articles, review/update articles, professional experiences reports, brief communications and book reviews. Original articles: empirical research reports with scientific methodology. Review articles/ Update articles: systematic and update reviews about relevant themes according with editorial policy. Professional experiences reports: case reports with discussion of its conceptual or therapeutic implications; description of intervention procedures or strategies of psychology practitioners’ interest. Brief communications: brief reports of professional experiences or preliminary communications of original character. Book review: critical review of recently published books that may be of interest to psychology. Ethical aspects: All the articles involving research with human subjects must state that individuals included in these studies gave a Written Informed Consent, according to the national and international ethical regulations. In case of research with animals, authors must confirm that the study was done in accordance with the ethical care standards for the animals involved in the research. The authors are also requested to state in the “Methods” section that the research protocol was previously approved by a Research Ethics Board. Disclosures: The authors are requested to disclose all possible kinds of conflict of interest (professionals, financials, direct or indirect benefits), if the case. The failure to disclose properly can lead to publication refusal or cancellation. Editorial rules 1. Only unpublished articles will be accepted. 2. The articles will be evaluated by the Editors. 3. After initial evaluation, the Editors will send the submitted papers to the Editorial Board, which will be helped, whenever necessary, by ad hoc consultants of recognized expertise in the knowledge area. The Editorial Board and ad hoc consultants will analyze the manuscript, suggest modifications, and recommend or not its publication. 196 Aletheia 33, set./dez. 2010 4. The papers may be: a) fully accepted; b) accepted with modifications; c) fully refused. In any of the situations the author will be properly communicated. The originals will not be returned in any case. 5. The authors will received a copy of the consultants’ analysis and will be informed about recommended modifications. 6. When the modified version of the manuscript is sent (this may happen up to 15 days after receiving the notification), the authors must include a letter to the Editors, elucidating the changes that have been made and justifying the ones they did not judge relevant to make. All modifications must be highlighted with Word’s tool “yellow brush”. The modified version of the article may be sent by e-mail ([email protected]). 7. The Editors have the right to make small modifications in the text. 8. The final decision of publication of a manuscript will always be of the Editor and of the editorial board in charge. They will take into consideration the original text, the consultant’s recommendations and the modified version of the article. 9. Articles may be submitted in other languages besides Portuguese (Spanish and English) 10. Regardless the number of authors, two copies of the journal per published article will be offered. The electronic version of the printed article (PDF file) can be accessed in Aletheia homepage www.ulbra.br/psicologia/aletheia. 11. The opinions emitted in the articles are full responsibility of author(s), and its acceptance does not mean that Aletheia supports it. 12. Total or partial reproduction can be made only after permission of the Editor. Aletheia owns the copyrights and will not transfer them to authors. Preparation of manuscripts 1) The unpublished articles must be sent in diskettes or CD and also one printed copy, typed in double space, Times New Roman letter, size 12, numbered since the title page. The sheet must be A4, with inferior and superior margins of 2,5 cm, and right and left margins of 3 cm. The journal follows the rules of Manual of Publication of American Psychological Association - APA (5th edition, 2001). Aletheia 33, set./dez. 2010 197 2) The maximum number of pages should be as follow: Original articles (25 pages); Review articles/Uptade articles (20 pages); Professional experiences reports (15 pages); Brief communications (5 pages); Book review (5 pages). 3) Submissions: All correspondence should be addressed to Aletheia in behalf of the Editor in charge. 4) Every manuscript sent to the Journal must be accompanied by an authorization letter, signed by all of the authors, stating: a) The intention of submission the article to publication; b) Authorization for modification of language if necessary; c) Transference of copyrights for Aletheia Journal. 5) The manuscript should contain: a) Title page: article title in Portuguese ; authors’ name; authors’ essential title and institutional affiliation; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key words; Correspondence address, including Zip Code, telephone and e-mail. b) Non identified title page: article title in Portuguese; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key words; * If article was not written in Portuguese, it must contain the same information in its original language. c) Body of the text. d) Original articles may have the following sequence: Title, Introduction, Method (population/sample; instruments; procedures; and data analysis. In this section the study approval in a Ethics Research Committee should be stated), Results, Discussion, Conclusion or Final Considerations, References (in small letters and in separate section). Use the denomination “table” and “figure” (and not graphs or other terms). Place tables and figures embedded in the text. Tables: including title and notes in accordance with APA’s standards . Word format - ‘Simple 1’. In the printed version the table may not exceed 11.5 cm wide x 17.5 cm in length. The length of the table should not exceed 55 lines, including title and footer(s). To ensure quality, the reproduction of pictures containing drawings should have photograph quality (minimum resolution of 300 dpi). The printed version can not exceed 11.5 cm width for pictures. Appendixes: only when they contain new and important information, or are essential to highlight and make more understandable any section of the paper. The use of appendixes should be avoided. 198 Aletheia 33, set./dez. 2010 6) Papers with incomplete documentation or that do not attend the norms adopted by Aletheia (APA, 4th edition) will not be appraised. Citations norms - The non bibliographical notes must be put in the lower margin of pages, arranged by Arabic numerals that must appear immediately after the segment of text to which the note refers to. - The authors’ citations must be done in agreement with norms of APA (4th edition). - In the case of full citation of a text: it must be delimited by quotation mark and the author’s citation followed by the year and number of page mentioned. A literal citation with 40 or more words must be presented in proper block and in italic without quotation mark, starting a new line, with pullback of 5 spaces of margin, in the same position of a new paragraph. The letter will be the same used in the remaining of text (Times New Roman, 12). • Citation of an author: author, last name in small letter, followed by the year of publication. Example: Rodrigues (2000). • Citation of two authors: cite both authors always that they are referred in the text. Example: (Carvalho & Santos, 2000) – when the last names are cited between parentheses: they must be connected by &. When they are cited outside the parenthesis they must be connected by the letter e. • Citation from three to five authors: cite all the authors in the first reference, followed by the date of article between parentheses. Starting from the second reference, use the last name of the first author, followed by e cols. Example: Silva, Foguel, Martins and Pires (2000), starting from the second reference, Silva and cols. (2000). • Article of six or more authors: cite just the last name of the first author, followed by e cols (YEAR). In the references all the authors must be cited. • Citation of old, classic and reedited works: cite the date of original publication, followed by the date of edition consulted. Example: (Kant 1871/1980). • Authors with the same idea: follow the alphabetical order of their last names and not the chronological order. Example: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005). Different publications with the same date: Increase capital letter, after the year of publication. Example: Carvalho (1997, 2000a, 2000b, 2000c). • Citation whose idea is extracted from other or indirect citation: Use the expression cited by. Ex: Lopes, cited by Martins (2000),... In the Bibliographical References, include just the source consulted (Martins). • Literal transcription of a text or direct citation: last name of author, date, page. Example: (Carvalho, 2000, p.45) or Carvalho (2000, p.45). Aletheia 33, set./dez. 2010 199 References norms The bibliographical references must be presented at the end of article. Its disposition must be in alphabetical order of the last name of author in small letter. Book Mendes, A.P. (1998). A família com filhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas. Silva, P.L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar. Porto Alegre: Artes Médicas. Chapter of book Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertility and late pregnancy. Em P. Papp (Org.), Couples in danger,, new guideline for therapists (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed. Article of scientific journal Dimenstein, M. (1998). The psychologist in the Basic Units of Health: Challenges for the formation and professional performance. Studies of Psychology, 3(1), 95-121. Articles in electronic means Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Collective Health: a “new public health” or open field for new paradigms? Magazine of Public Health, 32 (4) Available: <http:// www.scielo.br> Accessed: 02/11/2000. Article of scientific journal in press Albuquerque, P. (no prelo). Gender and work. Aletheia. Work presented in congress Silva, O. & Dias, M. (1999). Unemployment and its repercussions in the family. Em Annals of XX Meeting of Social Psychology, pp. 128-137, Gramado, RS. Thesis or published dissertation Silva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children. Master dissertation or doctorate thesis. Program of Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS Thesis or non-published dissertation Silva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children. Master dissertation non-published or doctorate thesis (non-published). Program of Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS Old work reedited in posterior date Segal, A. (2001). Some aspects of analysis of a schizophrenic person. Porto Alegre: Universal. (Original published in 1950) 200 Aletheia 33, set./dez. 2010 Institutional Authorship American Psychological Association (1994). Publication manual (4th edition). Washington: Author Address for submissions Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José CEP: 92425-900 Sala 121 - Prédio 01 Canoas – RS – Brasil Aletheia 33, set./dez. 2010 201 Instrucciones a los autores Política editorial Aletheia es una revista cuadrimestral editada por el Curso de Psicología de la Universidad Luterana de Brasil, destinada a la publicación de trabajos de investigadores, implicados en estudios producidos en el área de la Psicología o ciencias afines. Serán aceptados solamente trabajos no publicados que se encuadren en las categorías de relato de investigación, artículo de revisión o actualización, relatos experiencia profesional, comunicaciones breves y reseñas. Relatos de investigación: investigación basada en datos empíricos, utilizando metodología y análisis científica. Artículos de revisión/actualización: revisiones sistemáticas y actuales sobre temas relevantes para la línea editorial de la revista. Relatos de experiencia profesional: estudios de caso, contiendo discusión de implicaciones conceptuales o terapéuticas; descripción de procedimientos o estrategias de intervención de interés para la actuación profesional de la psicología. Comunicaciones breves: relatos breves de experiencias profesionales o comunicaciones preliminares de resultados de investigación. Reseñas: revisión crítica de libros recién publicados, orientando el lector cuanto a sus características y usos potenciales. Aspectos éticos: Todos los artículos implicando investigación con seres humanos deben declarar que los participantes del estudio firmaron algún Término de Consentimiento Libre y Esclarecido, de acuerdo con las directrices brasileñas e internacionales de investigación. En el caso de investigación con animales los autores deben atestar que el estudio ha sido realizado de acuerdo con las recomendaciones éticas para este tipo de investigación. Los autores también son solicitados a declarar, en la sección “Método”, que el protocolo de la investigación ha sido previamente aprobado por algún Comité de Ética en Investigación del local de origen del proyecto. Conflictos de interés: los autores deben declarar todos los posibles conflictos de interés (profesionales, financieros, beneficios directos o indirectos), si es el caso. El fallo en declarar conflictos de interés puede llevar a la recusa o cancelación de la publicación. Normas editoriales 1. Serán aceptados solamente trabajos inéditos. 2. El artículo pasará por la apreciación de los Editores. 202 Aletheia 33, set./dez. 2010 3. Seguido de una evaluación inicial, los Editores enviarán para apreciación del Consejo Editorial, que podrá hacer uso de consultores ad hoc de reconocida competencia en el área de conocimiento. La Comisión Editorial y los Consultores ad hoc analizan el artículo, sugieren modificaciones y recomiendan o no su publicación. 4. Los artículos podrán recibir: a) aceptación integral; b) aceptación con reformulaciones; c) recusa integral. En cualquier de estas situaciones el autor será debidamente comunicado. Los originales, en ninguna de las posibilidades, serán devueltos. 5. El autor del artículo recibirá copia de los pareceres de los consultores. Será informado sobre las modificaciones que necesiten ser realizadas. 6. En el envío de la versión modificada del artículo (en el límite máximo de 15 días después del recibimiento de la notificación), los autores deberán incluir una carta al Editor, esclareciendo las alteraciones hechas y aquellas que no juzgaran pertinentes y la justificativa. En el texto, las modificaciones hechas deberán estar destacadas con la herramienta Word “pincel amarillo”. El envío del archivo con las modificaciones realizadas puede ser realizado por e-mail ([email protected]). 7. Los Editores se reservan el derecho de hacer pequeñas alteraciones en el texto de los artículos. 8. La decisión final sobre la publicación de un manuscrito siempre será del Editor Responsable y del Consejo Editorial, que hará una evaluación del texto original, de las sugerencias indicadas por los consultores y las modificaciones enviadas por el autor. 9. Los artículos podrán ser escritos en otra lengua además del portugués (español e inglés). 10. Independientemente del número de autores, serán ofrecidos dos ejemplares por trabajo publicado. El archivo electrónico con la publicación en PDF estará disponible en el site www.ulbra.br/psicologia/aletheia. 11. Las opiniones emitidas en los artículos son de entera responsabilidad de los autores, su aceptación no significa que la Revista Aletheia o el Curso de Psicología de la ULBRA le soportan. Aletheia 33, set./dez. 2010 203 12. La materia editada por la Aletheia podrá ser impresa total o parcialmente, des de que obtenida la autorización del Editor Responsable. Los derechos autorales obtenidos por la publicación del artículo no serán repasados para el autor del artículo. Presentación de los originales 1) Los artículos inéditos deberán ser enviados en disquete o CD y una vía impresa, digitada en espacio doble, fuente Times New Roman, tamaño 12 y paginado desde la hoja de rostro personalizada. La hoja deberá ser A4, con formatación de márgenes superior e inferior (mínimo de 2,5 cm), izquierda y derecha (mínimo de 3 cm). La revista adopta las normas del Manual de Publicación de la American Psychological Association - APA (4ª edición, 2001). 2) El número máximo de laudas debe atender a la siguiente orientación: Relatos de investigación (25 laudas); Artículos de revisión/actualización (20 laudas); Relatos de experiencia profesional (15 laudas), Comunicaciones breves (5 laudas) y Reseñas de libros (máximo de 5 laudas). 3) Dirección: Toda correspondencia debe ser dirigida a la Revista Aletheia, a la atención del Editor Responsable. 4) Todo manuscrito dirigido a la Revista deberá acompañar una carta de autorización, firmada por todos los autores, donde deberá constar: a) la intención de sumisión del trabajo a la publicación; b) la autorización para reformulación del lenguaje, si necesario; c) la transferencia de derechos autorales para la Revista Aletheia. 5) El artículo debe contener: a) Hoja de portada identificada: título del artículo en lengua portuguesa; nombre de los autores; formación, titulación y afiliación institucional de los autores; resumen en portugués de 10 a 12 líneas; palabras-clave, en el máximo de 3; título del artículo en lengua inglesa; abstract compatible con el texto del resumen; keywords; dirección para correspondencia, incluyendo CEP, teléfono y e-mail. b) Hoja de portada no identificada: título del artículo en lengua portuguesa o castellana; resumen en portugués o castellano, de 10 a 12 líneas, 3 palabras-clave, título del artículo en lengua inglesa, resumen (abstract) en inglés, compatible con el texto del Resumen en lengua original; keywords. c) Cuerpo del texto. 204 Aletheia 33, set./dez. 2010 d) Sugiérase que los artículos referentes a Relatos de Investigación presenten la siguiente secuencia: Título; Introducción; Método (populación/muestra, instrumentos, procedimientos de recogida y análisis de los datos, (incluir en esta sección afirmación de aprobación del estudio en Comité de Ética en Investigación de acuerdo con la Resolución 196/96 del Consejo Nacional de Salud – Ministerio de Salud o declaración de haber atendido a los criterios de dicha resolución); Resultados; Discusión, Referencias (títulos en letra minúscula y en secciones separadas). Utilizar las denominaciones tablas y figuras (no utilizar la expresión cuadros y gráficas). Dejar las tablas y figuras incorporadas al texto. Tablas: incluyendo título y notas de acuerdo con las normas de la APA. Formato Word – ‘Sencillo 1’. En la publicación impresa la tabla no podrá exceder 11,5 cm de ancho x 17,5 cm de largo. El largo de la tabla no debe pasar de 55 líneas, incluyendo título y notas al pié. Para garantizar cualidad de reproducción, las figuras que contengan dibujos deberán ser dirigidas en cualidad para fotografía (resolución mínima de 300 dpi). La versión publicada no podrá ultrapasar el ancho de 11,5 cm para figuras. Anexos: solo cuando tengan información original importante, o destaque indispensable para la comprensión de alguna sección del trabajo. Recomendase evitar anexos. 6) Trabajos con documentación incompleta o no atendiendo las normas adoptadas por la revista (APA, 4ª edición) no serán evaluados. Normas para citaciones - Las notas no bibliográficas deberán ser puestas al pié de las páginas, ordenadas por números arábicos que deberán figurar inmediatamente después del segmento de texto al cual se refiere a la nota. - Las citaciones de los autores deberán ser hechas de acuerdo con las normas de la APA (4ª edición). - En el caso de la cita integral de un texto: debe ser delimitada por comillas y la citación del autor, seguida del año y del número de la página citada. Una cita literal con 40 o más palabras debe ser presentada en bloque propio y en cursiva y sin comillas, empezando en nueva línea, con una retirada de espacio de 5 espacios del margen, en la misma posición de un nuevo párrafo. La fuente será la misma utilizada en el restante del texto (Times New Roman, 12). • Citación de un autor: autor, apellido en letra minúscula, seguida por el año de publicación. Ejemplo: Rodrigues (2000). • Citaciones de dos autores: cite los dos autores siempre que sean referidos en el texto. Ejemplo: (Carvalho & Santos, 2000) - cuando los apellidos sean citados entre paréntesis: deben estar separados por &. Cuando sean citados fuera del paréntesis Aletheia 33, set./dez. 2010 205 deben ser vinculados pela letra e, en publicaciones en portugués y por la letra y para publicaciones en castellano. • Citación de tres a cinco autores: citar todos los autores en la primera referencia, seguidos de la fecha del artículo entre paréntesis. A partir de la segunda referencia, utilice el apellido del primero autor, seguido de y cols. Ejemplo: Silva, Foguel, Martins y Pires (2000), a partir de la segunda referencia: Silva y cols. (2000) • Artículo de seis o más autores: cite solamente el apellido del primero autor, seguido de y cols. (AÑO). En la sección Referencias, todos los autores deberán ser citados. • Citación de obras antiguas, clásicas y reeditadas: citar la fecha de la publicación original, seguida de la fecha de la edición consultada. Ejemplo: (Kant 1871/1980). • Autores con la misma idea: seguir el orden alfabético de sus apellidos y no el orden cronológico. Ejemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005). • Publicaciones distintas con la misma fecha: Añadir letras minúsculas, luego el año de publicación. Ejemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c. • Citación cuya idea es extraída de otra o citación indirecta: Utilizar la expresión citado por. Ej.: Lopes, citado por Martins (2000),... En la sección Referencias, añadir solamente la fuente consultada (Martins). • Transcripción literal de un texto o citación directa: apellido del autor, fecha, página. Ejemplo: (Carvalho, 2000, p.45) o Carvalho (2000, p.45). Normas para referencias Las referencias bibliográficas deberán ser presentadas en el final del artículo. Su disposición debe ser en orden alfabético del último apellido del autor (cuando presente más de uno) y en minúscula. En el caso de autores hispánicos, se puede utilizar la normativa de la APA, y presentar los dos apellidos a la vez, separados por un guión. Ej.: Martínez-Cruz. Libro Mendes, A. P. (1998). A família com filhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas. Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar. Porto Alegre: Artes Médicas. Capítulo de libro Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertilidade e gravidez tardia. Em: P. Papp (Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed. 206 Aletheia 33, set./dez. 2010 Artículo de publicación periódica científica Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 95-121. Artículos en medios electrónicos Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível: <http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000. Artículo de revista científica en prensa Albuquerque, P. (en prensa). Trabalho e gênero. Aletheia. Trabajo presentado en evento científico con resumen en anales Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas. XXV Reunião Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP. Tesis o monografía publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Tesis o monografía no-publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS. Obra antigua y reeditada en fecha muy posterior Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre: Universal. (Original publicado em 1950). Autoría institucional American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.). Washington:Autor Aletheia 33, set./dez. 2010 207 Dirección para el envío de artículos Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José Sala 121 - Prédio 01 Canoas/RS – Brasil CEP: 92425-900 E-mail: [email protected] 208 Aletheia 33, set./dez. 2010