CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ SONIA CRISTINA TORMAN AS CRIANÇAS PEQUENAS E SUAS RELAÇÕES COM OS SONS E A MÚSICA São José 2009 SONIA CRISTINA TORMAN AS CRIANÇAS PEQUENAS E SUAS RELAÇÕES COM OS SONS E A MÚSICA Trabalho de conclusão de curso elaborado como requisito final para a aprovação no curso de pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José- USJ. Professora Orientadora: MSc Andréa Simões Rivero São José 2009 TERMO DE APROVAÇÃO SONIA CRISTINA TORMAN AS CRIANÇAS PEQUENAS E SUAS RELAÇÕES COM OS SONS E A MÚSICA Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito para obtenção de graduação no curso de Pedagogia, do Centro Universitário Municipal de São José - USJ, pela seguinte banca examinadora: Andréa Simões Rivero ________________________________________________________ Mestre em Educação (Linha Educação Infantil), Universidade Federal de Santa Catarina. Izabel Cristina Feijó de Andrade_________________________________________________ Doutoranda da Faculdade de Educação. Pontifícia Universitária Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação (Conceito CAPES 5), Universidade Federal de Santa Catarina. Regina Ingrid Bragagnolo ______________________________________________________ Doutoranda de Psicologia (Conceito CAPES 5). Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Brasil. Mestre em Educação (Conceito CAPES 5), Universidade Federal de Santa Catarina. São José, 04 de dezembro de 2009. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho de conclusão de curso ao meu noivo Thiago Mariano Coelho, pela compreensão, paciência e apoio oferecido durante todo o percurso. A minha mãe Vilma Marafon, por todo o incentivo oferecido durante a minha formação, assim como a todos os familiares que me apoiaram na concretização desse sonho. AGRADECIMENTOS À minha professora orientadora, Msc. Andréa Simões Rivero, pela sua dedicação e paciência em guiar este trabalho, pois contribuiu de forma efetivamente para a concretização deste trabalho. Ao grupo de crianças com o qual realizei a pesquisa, pois marcaram profundamente minha caminhada na formação de pedagoga. Agradeço também as minhas amigas Daiana da Silva, Caroline Azevedo, Jana Ribeiro pelo companheirismo, ajuda e principalmente pela grande amizade construída durante todo nosso curso de Pedagogia. “Fale, e eu esquecerei; Ensina-me e eu poderei lembrar; Envolva-me, e eu aprenderei.” Benjamim Franklin RESUMO Neste trabalho de conclusão de curso procurou-se refletir sobre como as crianças pequenas se relacionam com a música e os sons. Tendo o desafio de realizar a pesquisa com o grupo de crianças cujo qual atuo diretamente como professora. O interesse pelo tema investigado aflorou durante o Estagio Curricular de Educação Infantil. Buscou-se no TCC aprofundar e ampliar a visão a respeito da linguagem musical relacionada às crianças pequenas, com a intenção de ir ao encontro de respostas para questionamentos realizados no decorrer do Curso de Pedagogia. A reflexão sobre a relação das crianças com a música e os sons foi baseada em estudos de teóricos das áreas da educação infantil e da música, que auxiliaram na compreensão do envolvimento dos pequenos com essas linguagens. Refletiu-se sobre o modo como as crianças pequenas significam à sua maneira a produção sonora presente no cotidiano da instituição pesquisada, caracterizados por ouvir/sentir músicas e sons com o corpo inteiro, explorar, brincar e criar a partir das experiências que lhes eram propostas. O trabalho de conclusão de curso pautou-se em registros escritos e fotográficos que permitiram analisar e compreender que a linguagem musical está além do ato de cantar ou ouvir alguma melodia, pois está presente em todo tipo de experiência sonora realizada pelas crianças. A relação e envolvimento de crianças pequenas com os sons e a música, a maneira como as crianças vivenciam a musicalidade no cotidiano de uma instituição de educação infantil é o que se problematiza ao longo deste trabalho. Palavras-chave: educação infantil, sons, música, prática pedagógica. SUMÁRIO I INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9 AS CRIANÇAS PEQUENAS E SUAS RELAÇÕES COM OS SONS E A MÚSICA ..... 13 1 – Crianças, Infâncias e Educação Infantil ..................................................................... 13 2 – Sons e Músicas na Educação Infantil .......................................................................... 17 III O PERCURSO DA PESQUISA....................................................................................... 25 IV REFLEXÕES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS SONORAS DO GRUPO PESQUISADO ........................................................................................................................ 30 V CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 72 VI REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 75 APÊNDICES ........................................................................................................................... 78 I INTRODUÇÃO Desde o estágio curricular, vinculado à disciplina de Prática de Ensino em Educação Infantil, realizado em uma instituição de educação infantil da rede pública municipal de São José comecei a construir um olhar mais atento às maneiras como as crianças pequenas se relacionam com os sons a sua volta e às suas expressões diante desses sons Durante o estágio já atuava como professora em uma instituição de educação infantil da rede particular e comecei a cultivar um olhar cada vez mais reflexivo e atento à minha prática pedagógica, procurando observar vários aspectos do cotidiano mas, especialmente como as crianças se relacionavam com os sons, quando e como eles produziam e interpretavam o que ouviam. Passei também a refletir sobre questionamentos que me fazia durante a realização do estágio: Por que as crianças não cantam? Não há música no seu dia-adia? Nesse momento, eu não conseguia perceber as experiências sonoras das crianças como algo que merecia ser valorizado e ampliado mas, aos poucos, minha visão foi se transformando, com leituras muito pertinentes sobre o assunto. Atualmente continuo a trabalhar na rede privada, como professora titular de uma turma de Maternal, com 10 crianças de 02 a 03 anos de idade. Algumas das crianças inseridas no grupo permanecem na instituição em período integral. Foi nesse contexto de educação infantil que realizei esta pesquisa, em caráter de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). A música é algo que sempre me mobilizou, devido ao encantamento que tenho por instrumentos musicais e a vontade de aprender a tocar algum deles. Pensei então em levar a linguagem musical para o meu trabalho com as crianças, entendendo que o desejo de aproximação ao universo dos sons poderia contribuir para minha prática pedagógica. Entretanto não tinha a intenção de “ensinar” a tocar ou a cantar de forma sistemática, mas de um modo que fizesse sentido para crianças pequenas, que não implicasse na obrigatoriedade de cantar a todo o momento, ou ter que cantar “bonito” e ter uma boa voz. À medida que eu fui estabelecendo uma aproximação ao referencial teórico indicado nas disciplinas de educação infantil e nas orientações do TCC, comecei a compreender a necessidade de planejar situações educativo-pedagógicas com sons e música, a partir da organização do espaço, de tempos e materiais apropriados, possibilitando experiências sonoras e musicais diversas. Também entendi que a presença dos sons e da música na vida das crianças pode tornar-se algo significativo, que desperte sua curiosidade, imaginação, pensamento, fantasia, movimento, emoções... Vindo a propiciar experiências lúdicas e criativas. Cada criança significa a seu modo elementos sonoros, e manifesta muita vontade de explorar os objetos que provocam sons, extraindo sons de objetos simples do seu cotidiano. Essas situações despertaram o meu interesse em compreender como as crianças realizam esse contato com o universo sonoro e como se relacionam durante essas experiências, no âmbito individual e coletivo. Diante disso, o objetivo geral deste trabalho de conclusão de curso foi o de observar e analisar as experiências sonoras e musicais, propostas às crianças com as quais atuo como professora de educação infantil na rede privada de São José. Os pequenos atribuem sentidos e significados aos sons que ouvem a sua volta, os quais muitas vezes nem percebemos. A seu modo, transformam, modificam as coisas que os cercam, movimentam objetos e produzem sons com eles e, até mesmo alteram e fazem novas combinações de letras de músicas que ouvem. Foi possível perceber isso quando ocorreu uma situação muito interessante no grupo do Maternal, em que atuo como professora. As crianças estavam realizando uma atividade e, no decorrer, uma das meninas começou a cantarolar a seguinte música: “o que tem na sopa no neném”. Mas, para minha surpresa, ela mudou a letra da canção, chamando a atenção das outras crianças, pois inseria o nome delas na letra. E assim, as demais crianças entraram no ritmo da brincadeira, e davam sugestões de coisas para colocar na sopa. Essa situação mobilizou minha atenção e impulsionou ainda mais meu desejo por investigar a relação dos pequenos com a sonoridade e com a musicalidade. A definição dos objetivos específicos, durante a produção do projeto de pesquisa, foi fundamental na realização da pesquisa. Foram os seguintes: - Planejar situações educativo-pedagógicas, envolvendo a escolha de sons e músicas, a organização de espaços, tempos e materiais, com a intenção de proporcionar experiências sonoras e musicais diversas; - Observar e documentar, através registros escritos e fotográficos, como as crianças se relacionam e o quê reproduzem/produzem a partir de diferentes experiências sonoras e musicais; - A observação e a documentação, através de registros escritos e fotográficos, das experiências das crianças com sons e músicas, possibilitaram a descoberta de muitos aspectos considerados essenciais para a pesquisa. O olhar de professora aliado ao de pesquisadora fez-me repensar algumas idéias equivocadas que possuía antes do início da pesquisa, a respeito dos processos de musicalização de crianças pequenas. Antes da decisão sobre o tema da pesquisa, eu já tinha o desejo de fazer a investigação com crianças na faixa etária de 2 a 4 anos, pelo interesse em observar e compreender as relações que estabelecem com seus pares e com os adultos. Ao mesmo tempo, os modos de atribuir significados e sentidos aos acontecimentos do cotidiano, mas especialmente pelo fato de irem além deles, ressignificando e recriando aquilo que conhecem, a partir de elementos da realidade e da fantasia. Mas, para realizar o trabalho com esta faixa etária, foi necessário rever alguns conceitos que vieram a tona durante a construção do trabalho, entre eles: infância e cultura infantil. Como várias pesquisas evidenciam, a valorização das crianças, de suas infâncias e de suas culturas é algo recente. Concordo com Cerisara (1983) e Perrotti (1990), quando se referem à criança como um ser que reproduz e produz cultura, cria e recria significados, isto é, que não são meros reprodutores das ações dos adultos ou da cultura mais ampla, e que as infâncias das crianças são plurais, constituindo-se nas relações sociais que estabelecem em seus contextos de vida, a partir de sua etnia, gênero, classe social, religião. O referencial teórico acerca do tema, encontrado em pesquisas, produções acadêmicas e documentos relacionados à linguagem sonora e musical, tornaram-se indispensáveis no decorrer da pesquisa para as reflexões sobre situações observadas e propostas às crianças. A realização da pesquisa, relacionada aos sons e musicalidades que as crianças exploram, ouvem, cantam, produzem e reproduzem em suas vivências, me fez crescer como pessoa e profissional. Devido a esse trabalho, sempre que me deparar na educação infantil com uma situação relacionada ao universo musical, terei mais subsídios para compreendê-la, mas também continuarei a buscá-los. Este trabalho foi estruturado da seguinte forma: após a seção introdutória, está a seção, intitulada “As crianças pequenas e suas relações com os sons e a música” onde procuro apresentar primeiramente algumas reflexões sobre as concepções de infância em uma perspectiva histórica e, logo após apresento um levantamento da recente produção teórica sobre a música na educação infantil. Na terceira seção apresento o percurso metodológico realizado durante a pesquisa. Na quarta seção, procuro refletir e analisar as situações propostas às crianças no decorrer da pesquisa. Na última seção, teço as considerações finais acerca da pesquisa realizada e da inserção da música na educação infantil. II AS CRIANÇAS PEQUENAS E SUAS RELAÇÕES COM OS SONS E A MÚSICA 2.1 Crianças, Infâncias e Educação Infantil “A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Paulo Freire Os espaços destinados às crianças em instituições de educação infantil devem ser acolhedores, agradáveis, ricos em propostas que ampliem os repertórios lúdicos e culturais das crianças e comprometidos com a garantia de seus direitos fundamentais. Não podem ser lugares em que as crianças ficam “para passar o tempo” ou rígidos e inflexíveis no que se refere à organização de tempos e espaços para as crianças. As instituições de educação infantil precisam ultrapassar os modelos seguidos tradicionalmente pela escola, cujas práticas desconsideram os modos de expressão das crianças. Em muitos espaços destinados à Educação Infantil, muitas crianças permanecem em período integral, de 8 a 12 horas por dia, portanto, esse espaço deve ser muito significativo para as crianças, cuja educação e cuidado exige atenção, dedicação, valorização e ampliação de seus conhecimentos e experiências, respeito e reconhecimento de seus modos de expressão, aspectos esses que são indispensáveis para se trabalhar com pequenos. Quando o trabalho educativo-pedagógico envolve principalmente crianças de 0 a 6 anos de idade, não se pode fazer uma separação entre educação e cuidado. Essas duas dimensões devem caminhar juntas para um desenvolvimento integral das crianças. Concordo com Cerisara (1998) que a educação infantil não deve seguir o modelo de ensino fundamental, com um ensino estruturado a partir de conteúdos sistematizados; tampouco um espaço que prioriza um olhar vigilante apenas, muitas vezes autoritário, com foco na alimentação e higiene das crianças. Atualmente as instituições de Educação Infantil devem oferecer um atendimento que assegure o direito às crianças de serem educadas e cuidadas simultaneamente. Essa orientação, do ponto de vista legal 1 , tornou-se obrigatória desde 1999. Cerisara (1998) esclarece a questão: [...]ter claro que o trabalho junto às crianças em creches e pré-escolas não se reduz ao ensino de conteúdos ou disciplinas, ou de conteúdos escolares que reduzem e fragmentam o conhecimento, mas implica em trabalhar com as crianças pequenas em diferentes contextos educativos, envolvendo todos os processos de constituição da criança em suas dimensões intelectuais, sociais, emocionais, expressivas, culturais, interacionais. (CERISARA, 1998, p.16). Para que haja a valorização das crianças e de seus modos de expressão e significação, os quais se distinguem dos modos dos adultos se expressarem, se deve procurar romper com uma visão adultocêntrica. Esse termo, segundo Gobbi (1997) apud Batista, Cerisara, Oliveira, Rivero (2004) remete a “uma visão de mundo segundo a qual o grupo ao qual pertencemos é tomado como centro de tudo e os outros são olhados segundo nossos valores (...)”. Devemos entender os pequenos como sujeitos produtores e reprodutores de cultura, que criam, recriam, que não somente imitam as ações dos adultos que os cercam, embora encontrem neles e na cultura mais ampla referências fundamentais para sua constituição como sujeitos sociais e para suas experiências sociais e culturais. Perrotti (1990), destaca que a séculos a criança é entendida e tratada como um “vir a ser”. O autor ressalta que entender a criança como sujeito e não como objeto é algo extremamente recente, pois a criança era (e ainda é) entendida apenas como um ser em formação, incompleto, devido a sua idade e “imaturidade”, um ser que só atingiria sua plenitude quando se tornasse adulto. A criança não pode ser vista apenas em função de suas características físicas que vão se transformando com o passar do tempo. São sujeitos sociais que possuem desejos, linguagens específicas, conhecimentos e experiências próprias. Não são meras reprodutoras da cultura adulta, mas sujeitos que constroem suas significações de mundo, como afirma o autor. É necessário, portanto, entender as crianças como produtoras de culturas, e não apenas como seres em desenvolvimento, cujas primeiras fases da vida são inferiores ou menos importantes que a fase adulta. A partir dessa compreensão pode-se buscar uma relação respeitosa e digna entre adultos e crianças – que não desconheça as distinções entre ambos – 1 Ver o documento “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1999) recusando uma visão em que os pequenos são vistos como seres que devem subordinar-se à cultura adulta. [...] a cultura infantil é uma rede de significados gestados no interior das relações entre as crianças e se consolida mediante a ressignificação, a reprodução, a produção de vivências socioculturais. Essa cultura tem a diversidade como característica – pois existem culturas infantis e não uma cultura infantil única – e a relação entre a realidade e a fantasia. (FARIA (1997), BÚFALO(1997), PRADO(1998), FERNANDES(1998), GUSMÃO(1999), QUINTEIRO(2000), apud COUTINHO, 2002, p.111). Batista, Cerisara, Oliveira, Rivero (2004), apresentam em seu trabalho pesquisas recentes como as de Batista (1998), Prado(1999), Búfalo (1997), Oliveira (2001) e Coutinho (2002), sustentam que: [...] a busca por uma inteligibilidade das infâncias e dos sujeitos que compõem esta categoria social requer um olhar inverso ao que historicamente nos tem marcado: o de que as crianças são “vir a ser”, “tabula rasa” (...). Esse outro olhar que estamos nos propondo a construir exige a compreensão de que as crianças à sua moda compreendem o mundo que as cerca. Portanto, são sujeitos completos em si mesmos, que pensam, se expressam criativamente e criticamente sobre o espaço institucional onde são educadas e cuidadas. São sujeitos conscientes de sua condição e situação e se expressam de múltiplas formas. (BATISTA, CERISARA, OLIVEIRA, RIVERO, 2004, p. 3). Quando se busca a valorização do sujeito criança como um sujeito ativo em um grupo social, deve-se compreender que cada criança carrega consigo suas particularidades, sua história social e cultural, experiências próprias. Portanto é necessário ter clareza que não existe apenas um modo de viver essa fase da vida que é a infância, como já foi dito anteriormente. Cada criança constitui-se a partir das relações com o contexto histórico e cultural em que está inserida, e carrega consigo esses elementos para os grupos com os quais se relaciona no contexto da educação infantil, os amigos, os professores. Contudo, percebe-se uma homogeneização das crianças em alguns espaços educativos, onde os pequenos são orientados a seguir um padrão estabelecido pela instituição, como o momento do lanche, do sono, momentos em que todas as crianças devem seguir a mesma rotina, independente de suas vontades ou necessidades. No entanto, é importante ressaltar o quanto ainda estão por ser conhecidos os jeitos das crianças se expressarem. Historicamente temos dirigido nosso olhar e nossa escuta mais para as falas das crianças, para sua linguagem oral. É interessante observar que dessa forma continuamos privilegiando aquelas manifestações das crianças que se assemelham ao modo como os adultos se expressam, desconsiderando suas outras linguagens. Compreendê-las nas suas singularidades, nas suas diversidades, nos seus jeitos de ser, exige que nós encontremos novas formas de aproximação aos universos infantis presentes em nossas instituições, considerando que esses universos são compostos por todas as dimensões do humano, por todas as formas de produção e manifestações culturais. (BATISTA, CERISARA, OLIVEIRA, RIVERO, 2004, p. 4) . É muito comum associar-se criança à brincadeira, que por muitos é entendida como algo natural de toda criança, mas Brougère (1995) revela que a brincadeira requer uma aprendizagem social e cultural que a criança realiza de acordo com o contexto em que está inserida, sendo assim uma construção social. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura [...]. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar. A brincadeira não é inata, pelo menos nas formas que ela adquire junto ao homem. (BROUGÈRE, 1995, p.97-98) E assim as crianças vão construindo significados acerca de tudo que as rodeia. Esse processo se evidencia na brincadeira, no falar, cantar, dançar, desenhar. Deve-se buscar um olhar mais atento às reproduções e produções culturais das crianças, buscando sempre entendê-las em suas singularidades, assim estaremos cada vez mais próximos de uma pedagogia comprometida com uma vivência plena da infância, entendendo o mundo dos pequenos. 2.2 Sons e Músicas na Educação Infantil “Educar é semear com sabedoria e colher com paciência.” Augusto Cury É necessário compreender a criança como um todo em suas experiências, nas suas diversas linguagens. Essa pesquisa busca refletir sobre a necessidade de um olhar mais atencioso às maneiras de se expressar dos pequenos, a partir da observação e análise de suas experiências com sons, ritmos, melodias, canções. O ser humano possui relações bem estreitas com a musicalidade desde muito cedo, a presença de sons é constante em nossas vidas, como nos alerta Brito (2003), pois o envolvimento com sons ocorre antes mesmo do nascimento, quando o feto tem contato com os sons do corpo materno. O envolvimento das crianças pequenas com o universo sonoro começa ainda antes do nascimento, pois na fase intra-uterina os bebês já convivem com um ambiente de sons provocados pelo corpo da mãe, como o sangue que flui nas veias, a respiração e a movimentação dos intestinos. A voz materna também constitui material sonoro especial e referência afetiva para eles. (BRITO, 2003, p.35). Após o nascimento, esse contato muitas vezes é reforçado com canções de ninar entoadas pela mãe e familiares, como forma de cuidado e carinho. Mais tarde a própria criança vai fazendo suas produções sonoras, através das descobertas das palminhas, percepção e reconhecimento das vozes que a cercam e seu próprio balbuciar. Outro tipo de sonoridade e de expressão é o choro, produzido pelos bebês para demonstrar que algo não está bem, ou então a própria gargalhada significando alegria e bem estar. Concordando assim com Pires (2006), quando ela diz que as crianças usam outras formas sonoras para se comunicarem como o choro, risada, gritos e tantas outras manifestações sonoras que não somente a língua falada ou cantada. É fácil perceber que a presença de sons é constante em nosso cotidiano, sendo difícil encontrar uma pessoa (com exceção daquelas que possuem surdez profunda) que não se relacione de alguma forma com sons, seja cantando, dançando ou apenas ouvindo. Estamos inseridos em um ambiente sonoro por natureza, devido ao fato de possuirmos capacidade auditiva. Os sons da chuva, do vento, dos animais, dos automóveis e de outras fontes sonoras, tornam-se algo automático, muitas vezes imperceptível e natural em nosso dia-a-dia. Se relacionar com música ultrapassa a ação de cantar ou tocar algum tipo de instrumento. Existem muitas outras formas de vivenciar a musicalização, como o próprio andar, respirar, falar, ações que envolvem ritmos. A respeito disso Brito (2003) nos diz que: É fato indiscutível que o ritmo se aprende por meio do corpo e do movimento. Partir dos movimentos naturais dos bebês e crianças ampliando suas possibilidades de expressão corporal e movimento garante a boa educação rítmica e musical, além de equilíbrio, prazer e alegria, pois o ser humano é também um ser dançante. (BRITO, 2003, p. 145). Assim como nas brincadeiras as crianças criam ou recriam situações, o mesmo ocorre com os sons, que a criança imita ou transforma, de acordo com sua curiosidade ou vontade de experimentar. As crianças pequenas não apenas ouvem alguma melodia e reproduzem a mesma, possuem uma enorme capacidade de criação sonora também, que envolve corpo e mente. Suas criações rítmicas e sonoras muitas vezes são entendidas como barulho, causam incômodo e são repreendidas, limitando suas experiências sonoras. Infelizmente isso ocorre com freqüência em instituições de educação infantil, quando a criança brinca com os vários sons que pode produzir com a boca, com os membros de seu corpo ou objetos que estão a sua volta. Essa possibilidade das crianças criarem sons faz com que muitas vezes sejam entendidas como barulhentas e suas explorações e criações concebidas como transgressão, sendo impedidas pelos adultos. As questões que envolvem som, barulho, ruído é o que Pires (2006) investiga em sua pesquisa. [...] estudar as experiências com os sons das crianças pequenininhas, na percussão, no barulho, no ruído e na música como linguagem e expressão, um fator preponderante foi ouvi-las sob outro ponto de vista, não como meras reprodutoras das músicas tradicionais existentes. Foram observadas todas as formas sonoras de comunicação que produziam em seu dia-a-dia, no espaço educativo pesquisado, utilizando-se de todo tipo de instrumentos a sua disposição, como cadeiras, brinquedos, tampas, pratos, talheres e o próprio corpo. (PIRES, 2006, p. 31). Brito (2003), defende a exploração dos sons produzidos pelo corpo, porque a criança vai fazendo assim suas próprias descobertas. Descobrir que som é produzido no momento que bate na mesa, quando bate os pés no chão, quando grita, quando fala baixinho, quando bate palmas, quando arrasta uma cadeira e assim tudo que as cerca, podem ser experiências ricas e lúdicas. É importante também que as crianças conheçam e reproduzam os sons que ouvem no ambiente, sons de animais, de vozes humanas, e também criem a partir deles. Quando são induzidas somente a cantar como os demais, a imitar os gestos que a professora realiza de acordo com a música ou a cantar mais alto ou mais baixo, perde-se a sua criação, pois assim está reproduzindo o que todos fazem, sem a possibilidade de aprender a se expressar de acordo com sua vontade e criatividade. Em ambientes coletivos das instituições, as crianças vivem situações diversas simultaneamente em uma mesma sala, como dormir, ouvir história, brincar de diversas formas, etc.. Em alguns momentos ocorre a solicitação de que as crianças cuidem para não inviabilizar as experiências dos outros. Assim, as crianças vão percebendo como vivemos com os sons em nossa cultura, os modos como conversamos, os diferentes níveis em que cantamos e produzimos sons. No entanto, tendo clareza da importância dessas manifestações, sempre que possível devemos compreendê-las, propô-las e incentivá-las das mais diversas formas, possibilitando que a criança consiga expressar-se nas mais variadas linguagens. Entretanto, a música é apresentada em muitas instituições como maneira de controlar as crianças ou demarcar rotinas, como cantar a todo tempo sem qualquer objetivo, cantar por cantar. Vários autores como Brito (2003), Nogueira (2000), Pires (2006), Ponso (2008), criticam essa prática de cantar rotineiramente, fazendo com que a musicalidade perca seu real sentido e torne-se algo sem relevância para as crianças, por ser algo que elas realizam mecanicamente. Quando assim apresentada a musicalidade perde seus verdadeiros objetivos, como defendem os autores citados acima, não sendo algo significativo para as crianças, mas apenas uma maneira de passar o tempo. Trabalhar com a presença de sons e músicas em instituições é de suma importância para as crianças, desde que se tenha um respeito às crianças e que a musicalidade seja entendida como algo que vai muito além do ato de ouvir uma música qualquer, a qualquer momento. É perceptível, no entanto, a hegemonia de concepções pedagógicas tradicionais, nas quais a música quase sempre é reduzida a forma de canção, não tem especificidade ou conteúdos próprios. Serve sempre de estratégia para a obtenção de padrões de comportamento, tais como lanchar, formar a fila, descansar (“musiquinhas de comando”) ou para a fixação de conteúdos de outras áreas (...). (NOGUEIRA, 2005, p. 3). Na educação infantil pode-se propor a produção sonora junto à literatura, com as histórias sonorizadas, que permitem um envolvimento da criança de modo inteiro, ao utilizar seu próprio corpo e objetos para produzir determinados sons e até mesmo a alteração da sua voz, possibilitando que perceba que efeitos diversos podem ser causados dependendo da tonalidade da voz. Quando essas experiências ocorrem sem ser impostas torna-se algo de extrema relevância para as crianças pequenas. Ponso (2008, p. 24) diz que: A contação de histórias na educação infantil é sempre um momento significativo de aprendizado na turma. Através da expressão corporal, da interpretação e da técnica vocal, a forma de contar a história torna-se envolvente, cativante e emocionante para as crianças, incentivando-as a leitura e estimulando a imaginação. A música pode envolver tanto a contação de histórias como a experiência de desenhar das crianças, entre tantas outras linguagens. Quando as crianças cantam têm a possibilidade de se expressar, o mesmo ocorre com suas garatujas, que são suas primeiras manifestações gráficas colocadas no papel. Como explica Leite (2004), ao realizar seus desenhos a criança está interagindo com os mesmos, criando, expressando sentidos e significados. Como explica a autora, do mesmo modo, acontecem as produções sonoras, nas quais a criança põe sua imaginação e dedica-se inteiramente à situação proposta. O desenho também significa ritmo, pois quando as crianças desenham fazem uso do corpo por inteiro, trocam idéias com os amigos e, muitas vezes sentem necessidade de se movimentar enquanto estão desenhando algo. Imaginam, vivenciam sentimentos e emoções, coordenam movimentos e até mesmo elementos de sua cultura ficam evidentes em suas criações. Provocar, portanto, uma relação entre a música e o desenho, e também entre a música e outras linguagens ou formas de expressão como a dança, o teatro, a pintura, possibilitará a expressão, comunicação, interação e a ampliação e diversificação das próprias criações e interpretações das crianças. A construção do desenho implica a compreensão da criança. O encontro dos sentidos, visão e audição, permite que o ato de criar o desenho a partir da música favoreça a formação do sentido crítico a partir de experiências cotidianas, com um olhar diferenciado, sensível e conectado às diversas manifestações sonoras e visuais do mundo infantil. (PONSO, 2008, p. 50) Quando a criança transpõe para o papel o que está ouvindo, de alguma forma ela expressa suas sensações e significações a partir do som, mesmo que isso muitas vezes não tenha sentido para quem está observando. O adulto tende a questionar o que está sendo desenhado, o significado do desenho, ou até mesmo emite opiniões equivocadas sobre o que vem a ser aquele desenho. Leite (2004) defende que independente do entendimento do adulto a criança produz seus conceitos ao desenhar, que tem seus significados próprios, que devem ser respeitados e não necessariamente compreendido por quem observa. Perceber esses significados exige um movimento dialeticamente objetivo, de associação e estranhamento, aproximação e distanciamento. Não se trata de respostas certas ou erradas, mas de impregnar-se da idéia de que exercitar o contraponto de olhar um desenho de criança sem decifrá-lo não apenas confere à criança um conhecimento próprio e distinto daquele dos adultos como ainda ressignifica as relações hierárquicas de poder entre o adulto e criança. (LEITE, 2008 p. 73.) Antigamente era fácil de identificar as brincadeiras de roda, nas ruas e escolas, onde os grupos se reuniam e cantavam em uma só voz por horas e horas as divertidas canções de rodas, que eram passadas de geração para geração. Hoje em dia não se percebe esse ritual nas ruas e dificilmente as escolas cultuam as brincadeiras de roda. Esse ato coletivo de brincar de roda tem muitos benefícios para as crianças. Quando analisada com atenção fica fácil perceber que existe uma grandiosidade de elementos culturais, socialização e afetividade, desenvolvimento da linguagem, expressão corporal e muitos outros presentes nas simples brincadeiras de roda. Cantar de mãos dadas com os companheiros, movimentando-se ao som da música, dá muito prazer, a criança, talvez pelo sentido da união. A roda é o princípio do grupo. As rodas cantadas constituem poderoso recurso pedagógico e, devem ser bastante exploradas [...]. (NICOLAU, 1986, p.247). Com o passar do tempo as cantigas tradicionais foram perdendo espaço no contexto de educação infantil para as músicas da atualidade, ou melhor, para as canções divulgadas na mídia. Facilmente ouve-se as crianças reproduzindo canções que estão em alta na mídia. O professor(a)2 não pode impedir que as crianças cantem ou dancem músicas que são divulgadas maciçamente pela mídia, pois essas músicas compõem os repertórios culturais das crianças e de suas famílias e, muitas vezes do próprio professor(a). Mas o professor(a) deve ter senso crítico diante do repertório musical que pretende trabalhar, selecionando materiais adequados para o trabalho com as crianças. Não deve se deixar levar pelos repertórios de massa impostos pela grande mídia, pela indústria cultural, mas proporcionar um leque de opções para as crianças, possibilitando que elas tenham contato com a diversidade musical, e ampliem seus repertórios musicais e sonoros na instituição. [...] não se trata de negar a entrada na instituição educativa de qualquer tipo de música pelas crianças, porque seria como negar a história dessas crianças. Porém, não é também seguir a moda, as determinações do mercado de bens simbólicos. É, no mínimo, questionar tudo que aí chega, e questionar não significa proceder a uma análise, de forma racional, explicativa, didática, demonstrando por “a mais b” como se dá a dominação e a alienação. É possibilitar a coexistência dos mais variados tipos de músicas, de modo a provocar o encontro e o debate de significados e sentidos - do estranhamento às entranhas do novo. (...) possibilitar a ampliação do repertório cultural. É tarefa da escola, da creche e da pré-escola, sim, colocar à disposição e ao conhecimento de todos (...) o melhor dentre tudo o que já foi produzido e criado pela humanidade. (OSTETTO, 2004, p 58). Um exemplo claro do que não é muito explorado, entre tantos outros gêneros musicais, é a música clássica, que é pouco difundida entre nós e não é freqüentemente tocada em rádios ou na televisão. Não podemos fazer com que a criança ouça esse tipo de música e 2 De acordo com a LDB de 1996 foi instituído que o termo mais adequado para a utilização do profissional da educação infantil é “professor”. Pois, desta forma valoriza-se a classe trabalhista defendendo os direitos igualitários de ser professor. goste imediatamente, pois pode não ser o estilo musical que ela está habitualmente acostumada a ouvir, mas podemos apresentar como uma opção sonora. É importante proporcionar momentos variados de contato com vários estilos musicais, desde o clássico até o popular. Podemos fazer um resgate cultural através das canções de roda, por exemplo, que carregam em si elementos ricos para as crianças. A música é uma arte e como tal possibilita estranhamento, encantamento, sensações variadas, criatividade, algo que tradicionalmente tem estado distante das instituições de educação infantil e da sociedade atual. Quando trabalhada de modo planejado e intencional a musicalidade pode ser uma excelente proposta pedagógica. A partir do momento que se trabalha a música como uma linguagem, ela pode ser apropriada pelas crianças como uma importante e prazerosa forma de expressão, como afirma Freitas (2001): A linguagem musical é reconhecida como uma linguagem de expressão, que permeia as interações, jogos e brincadeiras, propiciando ao fazer pedagógico, a convivência com uma forma universal de comunicação. É uma linguagem expressiva capaz de fazer com que a criança reconheça nela seu próprio sentir, considerando as canções como veículos de emoções e sentimentos. (2001, p. 20) Percebe-se uma grande fragilidade nos cursos de formação de professores de crianças pequenas, em relação à preparação para um trabalho voltado às linguagens artísticas. Tal situação impossibilita que a musicalidade, por exemplo, seja entendida em suas diversas possibilidades a serem exploradas com as crianças. Não cabe, portanto, apenas criticar as práticas realizadas por muitos professores em relação à linguagem musical com crianças, mas sim questionar a ausência dessa linguagem em sua formação, o que dificulta a efetivação de uma prática que contemple as possibilidades de ampliar as idéias e entendimentos sobre como a música pode ser proposta e explorada no cotidiano de educação infantil, como uma rica forma de expressão das crianças. Em relação aos cursos de formação de professores Pires (2006) diz: [...] não se pode deixar de olhar para as profissionais de creche, especialistas em educação ou não. Nesse contexto, vale ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/96), no que se refere a formação de educadores de crianças pequenas, não faz qualquer alusão a sua formação nas linguagens artísticas. Isso não favorece que essas profissionais amadureçam seus ouvidos ou criem condições em seu trabalho para que as crianças produzam e descubram não só a sonoridades presente em seu universo, como também as possibilidades que elas têm de ouvir, produzir e fazer escolhas, em vez de apenas aceitar as produções já existentes em seu contexto de vida. (PIRES, 2006, p. 13). Para que a linguagem musical torne-se uma experiência significativa em instituições de educação infantil, entendida além do cantar ou dançar mecanicamente é sem dúvida necessária uma reestruturação dos cursos de formação de professores, que ofereçam aos educadores subsídios para a prática com a linguagem musical em suas diversas possibilidades. Para além da formação acadêmica haveria necessidade de políticas culturais que promovessem aos professores e à população em geral uma aproximação a esse modo de expressão. III O PERCURSO DA PESQUISA O interesse pelo tema em questão surgiu bem antes do início da pesquisa, conforme mencionei anteriormente, então procurei dirigir um olhar atento para as manifestações sonoras dos pequenos já no estágio curricular de educação infantil, realizado na rede pública de São José. Simultaneamente ao estágio, comecei a refletir sobre minha prática pedagógica, e a observar mais atentamente as crianças com as quais atuava como professora na rede privada do mesmo município. Entretanto, o interesse pela linguagem musical das crianças tornou-se mais intenso durante o estágio. Algumas inquietações e dúvidas sobre como as crianças se relacionam com os sons, quais as significações dada por elas à música, ficaram cada vez mais presentes. Procurando estudar mais minuciosamente esses conceitos comecei a entender que trabalhar com a linguagem musical não significava utilizar a música para acalmar/controlar as crianças em alguns momentos da rotina como o almoço ou lanche, por exemplo, ou apenas possibilitar o contato dos pequenos com canções variadas. Passei a refletir sobre modos de propor a linguagem sonora e musical de uma maneira significativa para as crianças com as quais trabalho, levando sempre em consideração as interações, as explorações, as criações das crianças com os sons e a música. Construir esse outro olhar sobre a música e os sons na educação infantil, me fez refletir cada vez mais sobre minha prática pedagógica. A partir daí comecei a pensar em aprofundar meu conhecimento sobre a temática e suas possibilidades pedagógicas com as crianças pequenas. Foi desse modo que surgiu o desejo de realizar meu trabalho de conclusão de curso (TCC) com as crianças com as quais atuo diretamente como professora. Essas crianças possuem a mesma faixa etária daquelas com as quais realizei o estágio em educação infantil 2 a 3 anos de idade. Ao discutir sobre essa possibilidade nas primeiras sessões de orientação refletiu-se sobre o que significaria realizar uma investigação junto ao próprio grupo de crianças com qual trabalho. Eu poderia descobrir elementos riquíssimos, pelo fato de estar mais próxima das crianças, em contato diário com elas, pois trabalho de segunda à sexta-feira, no período vespertino, da 13:00 .hora às 18:15 horas . Ao mesmo tempo discutiu-se sobre as possíveis dificuldades que eu teria de “estranhar o que me parecia tão familiar” pois, como professora, com o conhecimento que já possuía sobre cada criança, talvez não conseguisse construir um olhar investigativo, necessário ao trabalho de conclusão de curso. Consciente do desafio que teria, tomei a decisão de realizar a pesquisa de TCC na instituição onde trabalho, com o grupo de crianças em que atuo como professora. Trabalho na instituição como professora há aproximadamente 2 anos. Essa instituição foi aberta em 1974 e localiza-se no bairro de Campinas, a maioria das crianças que a frequentam residem neste mesmo bairro e em bairros próximos, como por exemplo: Kobrasol, Forquilhinhas e Praia Comprida. Atualmente atende em torno de 190 crianças, de 01 a 11 anos de idade nos períodos matutinos e vespertinos, crianças do berçário ao 5º ano. A instituição conta com 9 professoras, 1 professor de educação física e uma auxiliar de ensino. As professoras são formadas em Pedagogia, sendo que três delas fazem especialização e o professor responsável pela prática esportiva é formado em educação física, a auxiliar está cursando Pedagogia. Outros profissionais assumem as funções de diretora, coordenadora pedagógica são formadas em Pedagogia, sendo que a coordenadora está realizando uma segunda formação em Psicologia. Tendo uma pessoa responsável pela limpeza. Ao iniciar a pesquisa procurei sensibilizar meu olhar, observando as crianças e tudo que as cercava, por diferentes ângulos. André (2001), mostra que em muitos momentos o papel do professor se funde com o de pesquisador, pois ele precisa refletir, questionar-se sobre sua prática pedagógica constantemente. Ao discutir as relações entre docência e pesquisa a autora afirma que assim como ensino e a pesquisa se articulam em muitos pontos, acabam se diferenciando em outros. Entretanto, em relação às possibilidades do professor atuar como pesquisador a autora faz um alerta sobre a função docente: Reconhecer sua importância e complexidade, no entanto não, não significa confundi-la com a pesquisa, nem igualá-la a ela. Assim como ensino e pesquisa se articulam em vários sentidos, em outros se diferenciam. Assumir essas diferenças é essencial para que não gerem expectativas nem propósitos irreais ou até equivocados. (ANDRÉ, 2001, p.58). Muitos fatos observados durante o estágio e em minha própria prática pedagógica, me levaram a um olhar cada vez mais crítico em relação à determinadas formas de propor a música no contexto da educação infantil, como por exemplo: o ato de cantar a todo o momento, seguindo a mesma coreografia, ou ter que cantar bonito, alto, baixo. Situações como essas infelizmente são bem comuns em instituições de educação infantil como afirma Ponso (2008) em seu trabalho, que mostra algumas concepções de professoras sobre a música. A autora destaca a concepção existente entre professoras, de que a música deve ser utilizada apenas como um meio para fazer isso ao aquilo, o que impossibilita perceber que a música é algo muito além do simples fazer musical. Foi ficando claro para mim que a linguagem musical deve ser encarada como um modo de expressão que envolve a criança por inteiro. Ao expressar-se musicalmente as crianças criam, recriam e significam a sua maneira tudo o que ouvem, tocam, cantam ou dançam. Ao iniciar as observações junto ao grupo procurei sensibilizar cada vez mais meu olhar diante das produções sonoras das crianças, construindo assim, como afirma André (2001), um espírito de investigação em relação ao grupo com o qual atuo como educadora. André (2001), se refere a relação do professor pesquisador dizendo: A tarefa do professor no dia-a-dia de sala de aula é extremamente complexa, exigindo decisões imediatas e ações, muitas vezes, imprevisíveis. Nem sempre há tempo para distanciamento e para uma atitude analítica como na atividade de pesquisa. Isso não significa que o professor não deva ter um espírito de investigação. É extremamente importante que ele aprenda a observar, a formular questões e hipóteses e a selecionar instrumentos e dados que o ajudem a elucidar seus problemas e a encontrar caminhos alternativos na sua prática docente de uma atitude reflexiva no trabalho docente (ANDRÉ, 2001, p. 59). Além de observar, é muito importante para a educação infantil registrar as situações vivenciadas pelas crianças para poder assim analisá-las e proporcionar novas experiências que possam ser significativas para os pequenos. O registro torna-se uma ferramenta indispensável para os educadores construírem um processo de aprendizado respeitoso, como se refere Gandini e Goldhaber (2001). A autora complementa dizendo que registrar é algo além de coletar dados de uma maneira descompromissada, pois exige uma escuta atenta ao que as crianças vivem. Observar e registrar é uma maneira de aproximar-se das crianças e de suas experiências, visando a construção de um planejamento que inclua seus indicativos. (GANDINI e GOLDHABER, 2001) Com essa atitude investigativa foi que desenvolvi minhas observações, procurando documentar as relações que as crianças estabeleciam com os diversos sons e as músicas. Desse modo foram ficando mais visíveis alguns questionamentos que possuía, o que me fez, em muitos momentos, recorrer aos autores que tratavam sobre o tema na tentativa de encontrar algumas respostas. Também me senti muito instigada à reflexão pois, conforme lia, mais perguntas surgiam sobre o porquê de tais acontecimentos. As leituras, o encontro com diversos autores foi sem dúvida a base na busca do entendimento, assim como um impulso constante para continuar a investigação. O referencial teórico auxiliou na ampliação de idéias que possuía sobre a música, mostrando também outros lados da relação das crianças com os sons. A ampliação do meu olhar sobre as diversas possibilidades de experiências com os sons me auxiliou na construção das situações que seriam propostas para as crianças. Leituras como dissertação de mestrado de Pires (2006), direcionaram minha atenção às expressões sonoras das crianças, presentes nos seus choros, gargalhadas, gritos ou silêncios. Assim como o seu interesse por explorar os sons de objetos simples de seu cotidiano. O que Pires fala pode ser visualizado na seguinte cena que observei e registrei: “As crianças estavam colorindo quando o Kaio, Nicolas e Gustavo, de repente pegaram o lápis e começaram a batucar na mesa e a cantarolar uma música que eles inventaram. (Diário de Campo 06/08/2009). Fica evidente que o simples lápis utilizado diariamente torna-se para as crianças, um instrumento musical, e simultaneamente aos sons elas criam uma música que possui uma letra. Desse modo, antes de planejar situações para propor às crianças observei e registrei diversas situações3 ocorridas no cotidiano, que evidenciavam que as experiências musicais e sonoras eram uma constante no cotidiano das crianças daquele grupo. Essas observações foram fundamentais para a sensibilização de meu olhar em direção às experiências das crianças com a linguagem em questão. Pensei em cada proposição detalhadamente, para que fossem situações realmente significativas para as crianças. Ao planejar essas situações também estava atenta ao fato de que precisavam possibilitar que eu visualizasse o que pretendia saber sobre como os pequenos se relacionam com os sons. Organizar cada um das situações a serem propostas foi uma tarefa que exigiu muita dedicação e reflexão sobre o tema. As idéias das proposições tiveram grande incentivo das crianças, pois tentei contemplar seus indicativos, e orientar-me pelos sentidos e significados que atribuíam, para dar continuidade às próximas proposições. Foi fundamental nesse processo, rever os registros escritos e fotográficos ao final do dia, para a preparação da próxima situação. Toda essa documentação acaba tornando-se uma fonte indispensável de materiais de que nos utilizamos diariamente a fim de poder “ler” e refletir criticamente, de forma individual e coletiva, sobre a experiência que estamos vivenciando e os projetos que estamos explorando. Isso permite construir teorias e hipóteses que não são arbitrárias ou artificialmente impostas às crianças. (GANDINI, GOLDHABER 2001, p.152). . Após as situações propostas, as quais foram todas documentadas, iniciei um trabalho de 3 Essas situações encontram-se no Apêndice A, intitulado “Observações anteriores ao início das proposições”. releitura de todos os diários de campo, e de revisão dos autores cujas obras deram sustentação teórica à pesquisa, para dar início à análise do material empírico obtido. Partindo assim para um diálogo entre o que observei, minhas inquietações e as reflexões dos autores que trabalham com a temática dessa pesquisa. IV REFLEXÕES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS SONORAS E MUSICAIS DO GRUPO PESQUISADO No segundo semestre de 2008, como já fiz referência anteriormente, realizei o estágio em Educação Infantil, na rede pública do município de São José. Neste momento já atuava como professora de um grupo de crianças da rede privada desse mesmo município. Eu tinha muita expectativa em relação a esse estágio, pois estaria me posicionando como estagiária e não como professora. Procurei ter muito cuidado e atenção durante o percurso para não deixar de perceber situações que poderiam ser muito relevantes para a compreensão dos modos como as crianças viviam a infância naquele contexto, assim como poderiam indicar um foco para a realização do estágio com aquele grupo. No entanto, já entrei no campo de estágio com a idéia de eleger a música como temática de estágio, então procurei localizar as vivências das crianças com essa linguagem durante as observações. A escolha da música surgiu em virtude do grande interesse e significação que eu atribuía à música. Confesso que logo nas primeiras observações fiquei um tanto que intrigada, e me perguntava: Não há música no cotidiano desse grupo? As crianças não cantam? Essas questões surgiram em virtude da concepção que já tinha construído sobre música. O fato de eu não ter presenciado situações relacionadas a essa linguagem, reforçou minha vontade de eleger a música como foco central do estágio, e foi isso que fiz. Procurei estudar e ampliar meus conhecimentos sobre essa questão. Iniciando as leituras4 descobri que o que eu realmente queria conhecer eram as relações que as crianças estabeleciam com os sons e que a música estava além do ato de cantar ou ouvir alguma canção no CD. Foi assim que fiquei ainda mais encantada pela linguagem sonora e musical e as ricas possibilidades de inclusão das mesmas na educação infantil. Antes de começar a propor às crianças situações relacionadas à pesquisa, eu procurei observar mais atentamente esse grupo de 10 crianças com o qual trabalho, suas brincadeiras, conversas, desenhos e suas relações e manifestações a partir dos sons. Observei como exploravam os sons, que objetos utilizavam, suas criações e imitações a partir do que cantavam ou ouviam. 4 PONSO (2008); NICOLAU (1986); HOWARD (1984); BEYER (1999); BRITO (2003); BECKER (1989) As leituras indicadas nas disciplinas de educação infantil e as discussões a partir delas contribuíram para a ampliação da sensibilização de meu olhar em direção às criações e relações dos pequenos, ou como afirma Oliveira (2001), às expressões em suas “cem linguagens”. Fica evidente a necessidade de possibilitar às crianças espaços e tempos para viver situações a partir de sua imaginação e criatividade, para que a criança signifique e possa viver da sua maneira esse lugar, como cita Agostinho (2005): [...] as crianças em suas relações com e no espaço recorreram ao faz-deconta, à imaginação, imprimindo suas marcas no espaço e, ao fazê-lo, demonstram que têm outro jeito de se relacionar com o espaço, para além do convencionalmente instituído: vão inventando, inovando, explorando-o de outras formas, dando novos significados aos arranjos e objetos, encontrando novos jeitos de se relacionar com os objetos e pessoas, sua organização, dando outros sentidos; tapetes se transformam em lagoa, mar em piscinas; caixas por vezes são carros, ônibus, casinha, lixeiros viram chapéus, máscaras; colegas transformam-se mãe, pai, filhinha, irmã, professor. (AGOSTINHO, 2005, p.67). No cotidiano com as crianças observo que elas sentem uma grande alegria em estar no parque, pois lá parecem encontrar maior satisfação e liberdade para suas criações. Procuro interagir permanentemente com elas no espaço externo, participar de suas brincadeiras de pegar, de casinha, dirigir o trem, provar de suas comidinhas de areia, cantar ou dançar a partir do que eles criam. No mês de setembro comecei a propor situações para o grupo sobre o tema escolhido, situações que surgiram com o auxílio de leituras sobre a linguagem musical e sonora relacionados às crianças, leituras que me fizeram refletir sobre como propor experiências relacionadas à música e aos sons, de maneira significativa, para os pequenos. Minha preocupação era propor situações de uma forma que não separasse música e sons, situações em que esses dois elementos estivessem presentes de modo indissociável, aliando à musicalidade/sonoridade à brincadeiras que despertassem a imaginação e criatividade dessas crianças. Foi assim que surgiram idéias de desenvolver proposições que possibilitassem e valorizassem a percepção dos sons, a relação das crianças com os objetos de seu dia-a-dia, movimento, entre outros, com a intenção de não trabalhar os sons e a música de maneira fragmentada. Com a primeira proposição5 o objetivo era o de proporcionar a percepção dos sons que estão presentes no cotidiano, e que muitas vezes passam despercebidos. Pois, de acordo com Nicolau (1996), as crianças desde muito cedo já estão inseridas num ambiente sonoro riquíssimo, sendo muitas vezes despercebidos por nossa audição, o que não nos permite perceber que praticamente tudo que nos cerca envolve os sons, inclusive nosso próprio corpo. A vida da criança se desenvolve em ambientes ricos em estímulos sonoros; não obstante, é necessário que ela seja sensibilizada para ouvi-los. O professor sensibiliza a crianças não apenas ao criar situações propícias, mas também quando aproveita todas as oportunidades sonoras que surgem, no dia-a-dia, para desenvolver a percepção auditiva de seus alunos. (NICOLAU, 1986, p. 191). Na primeira proposição, cujo objetivo foi possibilitar o contato com a música e sons diversos, propus às crianças que fechassem os olhos e prestassem atenção aos diferentes sons ao seu redor. Antes disso conversei com as crianças para que pudessem compreender o sentido de fechar os olhos para depois falar o haviam conseguido ouvir. Falei que muitas vezes estamos brincando, conversando ou fazendo qualquer outra coisa e não nos damos conta que está passando um carro na rua, ou um pássaro está cantando, assim como outros sons que existem a nossa volta. Sugeri então que fechassem os olhos e deitassem ou ficassem na posição mais confortável que encontrassem. As crianças permaneceram deitadas e em silêncio por alguns instantes, depois sentaram e contaram o que ouviram. Foi sem dúvida uma experiência intensa para as crianças, elas identificaram vários sons além daqueles presentes dentro da sala, assim como sons do parque, das outras salas, e até mesmo da rua. É o que evidenciam as imagens6 e o registro de campo desse dia: 5 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se no Apêndice B, com o título de Proposição 1. Os nomes e imagens foram devidamente autorizados pelos pais e/ou responsáveis das crianças para a utilização da pesquisadora no presente trabalho. 6 Fotografia 1: Crianças ouvindo os diversos sons Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009). Aos poucos as crianças foram deitando e ficando mais relaxadas, com os olhos fechados. Depois de alguns instantes eles foram levantando e cada uma falando o que ouviu. O Kaio disse que ouviu o barulho das cadeiras das pessoas lá de cima, a Helena escutou o carro passando, a Marina disse que ouviu as crianças que estavam conversando no pátio da instituição, a Melissa disse que escutou o barulho das máquinas que estavam trabalhando na rua. (Diário de Campo,setembro/2009) Pareceu-me que as crianças se surpreenderam ao descobrir que ouviam sons produzidos fora do ambiente em que estávamos. Conversamos sobre a importância do silêncio em alguns momentos, pois sem ele muitas vezes não conseguimos ouvir o que está acontecendo ao nosso redor, pois quando praticamos o ato de silenciar o nosso ouvido consegue mais facilmente perceber outros barulhos além dos que estão próximos da nossa audição e visão. Ainda no primeiro dia de proposição, propus outra situação7, com o objetivo de dar continuidade ao processo de sensibilização das crianças ao universo sonoro. As crianças cobriram os ouvidos, para experimentar a diminuição dos sons que estavam a sua volta. Uma das crianças, o Gustavo, disse que naquele momento tudo ficou “quieto”, identificando assim o silêncio. Nicolau (1986) diz que é de fundamental importância perceber a presença ou ausência de estímulos sonoros para desenvolvê-la a percepção auditiva. 7 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 1. Além da percepção auditiva que as crianças podem vivenciar, um elemento interessante para o trabalho com música e sons é a valorização e incentivo às descobertas realizadas pelas crianças diante de sons e ruídos variados. A criança também pode descobrir que além dos sons do ambiente, ela mesma consegue produzir sons, seja com o seu corpo ou com objetos que manuseia. Ponso (2008), faz uma consideração muito interessante em relação à descoberta das crianças de um universo sonoro. Exercitar o ouvido a partir de um ambiente visual seja ele a natureza, seja a partir de lugares concretos como sons de uma lavanderia, ou sons de um parque de diversões, faz com que a crianças perceba um mundo de sonoridades que ela pode internamente acessar ou criar. (PONSO, 2008, p.48) A situação seguinte mostra a experiência de ouvir e descobrir os sons do nosso corpo a partir do corpo do outro: sons da respiração, da batida do coração, sons da barriga. Fotografia 2: Marina ouvindo o coração do Kaio Fonte: Sonia Torman ( setembro de 2009) Neste dia as crianças retornaram do parque bem agitadas, pois estavam brincando de pegar, aproveitei o momento para que eles conseguissem perceber que o nosso próprio corpo produz sons. Não foi uma situação prevista em planejamento, mas que se mostrou muito pertinente para propor às crianças naquele momento, aproveitando agitação delas devido à brincadeira de correr realizada no momento do parque. Quando falei que íamos ouvir nosso coração algumas crianças logo colocaram a mão no peito. Chamei uma das crianças, a Marina, e encostei minha cabeça em seu peito, para mostrar onde ficava nosso coração e como íamos ouvir. Adoraram a idéia, um por vez foi ouvindo o coração de um amigo, assim que ouviam diziam que fazia: - Tum!tum! batendo a mão no coração. O mesmo ocorreu com a respiração, cada criança se concentrou na sua respiração. Neste momento “O Nicolas disse que sobe e desce, e mostrou o barulho, respirando mais forte” (Diário de campo, setembro de 2009). Procurei ter muito cuidado na preparação de situações que envolvessem o som e a música, para não apresentar esses elementos como um mero exercício, pois as crianças vivem essas descobertas movidas pela curiosidade, pela fantasia, pela ludicidade. Nogueira (2005), se refere ao fato de que muitas vezes o educador deixa de explorar as possibilidades expressivas da música, não possibilitando a criança o prazer de explorar a música como um todo. É necessário que a criança tenha a liberdade de se relacionar com a sonoridade que a cerca, da sua maneira, para não ser apenas induzida, treinada em relação ao conhecimento dos sons, mas que possa aos poucos ir sentindo e explorando a música e o som a partir se suas descobertas. Nogueira (2005, p.4) afirma que “[...] a riqueza da música e do movimento é menosprezada em função de uma ênfase na apresentação, em um produto final mecânico, estereotipado, quase sempre pouco expressivo.”. As crianças se relacionam intensamente com os sons produzidos a partir dos mais diferentes objetos, e isso se reflete em suas ações. Elas sentem necessidade de conhecer, de explorar materiais diversos e seus sons. Algo que observei muito, ao longo da pesquisa, foi exatamente essa exploração dos objetos e seus sons pois, em muitos momentos, uma das primeiras ações era tocar, bater, soprar, ouvindo e sentindo determinado objeto. Ao manusear objetos, os pequenos estão explorando e descobrindo como agir com aquele objeto. A criança não é levada só a “mexer” em coisas desordenadamente, mas exercer seu pensamento sobre as coisas através de “experiências físicas”, desenvolvendo conhecimentos e melhorando suas possibilidades de pensar sobre elas. (BECKER, 1989, p.43). A criança sensibiliza-se com suas descobertas, sentem alegria, medo, assim como se surpreendem com suas descobertas diante do novo. Explorar objetos e seus sons, para a criança, não significa apenas buscar o entendimento de tal coisa, mas sim o encontro com novas sensações, que podem experimentar a partir do que estão explorando. A criança descobre um mundo de possibilidades expressivas tanto em suas brincadeiras, diálogos presentes em seu dia a dia. A escuta de obras musicais sempre provoca emoções, sensações, pensamentos e comportamentos diversos. Uma música que tem no ritmo o seu elemento mais determinante desperta a vontade de movimentar-se de balançar o corpo, de dançar ao passo que certas melodias despertam sentimentos e emoções subjetivas, únicas, distintas para cada um. (BRITO, 2003, p.198). A exploração sonora e sensorial de objetos foi observada em alguns momentos, por exemplo, na seguinte situação: Ao construir o chocalho de carretel a Maria Vitória começou a soprar o carretel como se fosse um apito. O Gustavo e a Melissa colocaram os objetos nos dedos e brincaram como se fosse dedoches, outras crianças ficaram enfileirando e rolando os carretéis na mesa. O mesmo aconteceu quando receberam as latas, pois começaram a testar o som que produzia batendo na mesa e sobre ela. (Diário de campo, setembro /2009). Fotografia: Maria Vitória soprando o carretel Fonte: Sonia Torman ( setembro de 2009) Fotografia: Kaio e Gustavo brincando de dedoche com os carretéis Fonte: Sonia Torman ( setembro de 2009) Outra situação proposta foi a do Baú Mágico 8 . Essa situação possibilitou uma brincadeira com a descoberta dos sons. Percebendo o grande interesse das crianças por explorar os objetos e suas sonoridades, construí um baú e dentro coloquei objetos como papel, plástico, colheres, latas, tesoura, pandeiro, tambor, chocalho e violão de brinquedo. Colocava 8 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 5. a mão dentro do baú e mexia nos objetos produzindo sons para que as crianças tentassem descobrir qual era a fonte sonora. Percebi que algumas crianças tinham uma audição bem aguçada, além disso ficou evidente que os sons estavam carregados de significado para elas, pois conseguiam dizer, com facilidade o que estava produzindo o sons. Conforme eu ia manuseando os objetos, as crianças logo queriam falar o que era, como indica o registro realizado: “Primeiramente comecei a amassar o papel e a Marina já falou o que era. Quando comecei a abrir e fechar a tesoura, o Kaio respondeu que era uma colher, sacudindo o plástico, a Melissa disse que era uma sacola, e foram descobrindo um por um.” (Diário de campo, setembro de 2009). O mesmo ocorreu com vários sons gravados em CD, como chuva, vento, carro, trem, buzina, animais, etc. Notei que alguns sons talvez não muito próximos de seus universos, dificultou a descoberta dos pequenos como o som do piano, do liquidificador. Aos poucos as crianças iam percebendo que somente quando havia silêncio elas conseguiam ouvir o som produzido e assim descobrir o que produzia. De acordo com o Referencial Curricular Nacional (1998) o “silêncio valoriza o som”. Refletindo um pouco sobre isso, entendo que não se deve pedir silêncio a todo momento e indevidamente, mas que ele é importante para a valorização e percepção de outros sons que podem passar despercebidos diante de nossa audição quando não se tem um devido silêncio. Fotografia: Crianças descobrindo os sons Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Na segunda proposição 9 , denominada por mim “Tocando com objetos de cozinha”, pensei em criar uma situação que possibilitasse às crianças experimentarem os sons de objetos que convencionalmente não seriam utilizados para a finalidade de tocar. Nesta proposição também utilizei o baú mágico onde dentro as crianças encontrariam panelas, tampas, colheres, copos. A utilização destes instrumentos como fonte sonora surgiu a partir da leitura de Pires (2006). A autora relata em suas observações, o momento do almoço do grupo de crianças que pesquisava, durante o qual os pequenos utilizavam esses objetos para produzir sons, enquanto esperavam pelo almoço. Tal situação também foi observada por mim durante o estágio de Prática de Ensino em Educação Infantil. A situação que propus tinha a intenção de possibilitar uma experiência com objetos cuja sonoridade parece atrair as crianças, procurei utilizar as tampas, colheres, copos, panelas – geralmente inacessíveis às crianças para essa finalidade - e observei seus diferentes movimentos, explorações e produção de sons a partir de tais objetos. Fotografia: Crianças explorando o som dos utensílios de cozinha Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Aos poucos as crianças iam experimentando seus instrumentos, assim como observando os das outras crianças e até realizando trocas, mas a grande alegria era tocar todos os objetos em grupo e ao mesmo tempo, pois juntos os objetos produziam um som diferente daquele que era produzido quando tocado isoladamente. Nesta proposição, além da exploração dos sons 9 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 2. de utensílios de cozinha, procurei fazer uma relação com a música “Sopa do neném”, do grupo musical “Palavra Cantada” pois, antes do início das proposições uma das meninas, a Helena, resignificou a canção, cantando a música mas alterando a letra da mesma, onde incluiu os nomes dos amigos. Procurei a música no site do grupo “Palavra Cantada” e encontrei o clip dessa música, no qual os músicos utilizavam colheres para produção sonora. O volume 3 do Referencial Curricular para Educação Infantil (RCNEI, 1998), destaca essa criação sonora dos pequenos diante de diferentes objetos. Interessam-se pelos modos de ação e produção dos sons, sendo que sacudir e bater são seus primeiros modos de ação. Estão sempre atentas às características dos sons ouvidos ou produzidos, se gerados por um instrumento musical, pela voz ou qualquer objetos, descobrindo possibilidades sonoras com todo material acessível. (BRASIL/MEC/SEF, 1998, p. 51) De acordo com o Referencial as crianças não exploram apenas os objetos, mas também sua própria voz quando brincam de imitar animais, quando alteram o tom para significar o personagem, quando cantam. Uma das cenas observadas evidencia a exploração da própria voz: As crianças estavam pintando, o giz de cera que utilizavam para pintar estava dentro de um pote em formato de cone. O Kaio colocou a boca na abertura do pote e começou a falar, notou então que o som da sua voz era modificado por ficar abafada. Quando viu seu amigo fazendo isso, Yasmin fez o mesmo. (Diário de campo, 24 agosto de 2009). Os pequenos procuram ressignificar o que ouvem, fazendo ensaios e experimentando novas possibilidades, não somente com objetos, mas também com canções e brincadeiras. A observação seguinte me chamou muito a atenção, pois mostra o modo ativo e lúdico como as crianças se relacionam e significam aquilo que ouvem, transformando as letras, fazendo as suas criações. A hora do lanche é sempre um momento repleto de trocas, diálogos. Neste dia a Helena começou a cantar a música da “lenda” que havíamos ouvido outro dia. Como ela percebeu que o Gabriel ficou com medo, ela cantava: “E o boi da cara preta pega o Gabriel que tem medo de careta”. A primeira reação dele foi pedir para parar, mas depois entrou no clima da brincadeira e junto com a Helena cantava o trecho da música e falava o nome de outro amigo. (Diário de campo, setembro /2009). A questão do movimento se fez muito presente no decorrer de toda a pesquisa. Agostinho (2005), ao se referir aos significados dos espaços físicos para as crianças, afirma que elas querem e vivem o espaço da instituição como um lugar para movimentar-se, apropriando-se desse espaço e deixando suas marcas registradas. Essa movimentação das crianças é constante, hora estão aqui, hora ali, correm, pulam, dançam, sobem, descem sem parar. É nesse sentido que procurei observar e analisar a relação das crianças desse grupo com a experiência sonora, que está diretamente relacionada aos movimentos, de tal maneira que fica evidente a indissociabilidade entre linguagem musical/sonora e movimento. Em várias das situações propostas observei que uma das primeiras ações das crianças quando ouviam uma música, cantavam ou utilizavam algum objeto para tocar era a de movimentar-se. Percebi também que o movimento se fazia presente quando queriam mostrar ou extrair o som de algum objeto, o que indica que a linguagem musical/sonora relaciona-se profundamente à linguagem corporal. Num dos momentos propus às crianças que imitassem o som de animais como sapo, leão, galo, jacaré, entre outros. Neste momento percebi que somente a imitação do som não bastava para os pequenos e, aos poucos, foram se levantando e também realizando o movimento que determinado animal realizava. As crianças se expressam de variadas maneiras nos diferentes momentos que vivenciam, a partir de inúmeras formas de linguagem como a gestual, sonora, facial, entre outras. A linguagem corporal se faz muito presente nas experiências das crianças, como afirma Pires (2006), em sua pesquisa. O movimento é também linguagem utilizada pelas crianças para se expressar, revelar as culturas com as quais estão em contato, e também é utilizado na construção de suas identidades: por meio dele vão descobrindo e se exercitando, durante as brincadeiras e jogos infantis. (PIRES, 2006, p. 103) Fotografia: Crianças imitando o som e movimento do sapo Fonte: Sonia Torman( setembro de 2009) Pires (2006), também observa que as professoras pedem para as crianças dançarem sem sair do lugar. Acredito que essa é uma questão bem delicada, pois a crianças se expressam de várias maneiras e o movimento é também uma maneira de expressar o que estão sentindo e a significação que aquele momento ou situação está tendo para ela. Brito (2003) explicita que: É certo que música é gesto, movimento, ação. É preciso dar às crianças a possibilidade de desenvolver sua expressão, permitindo que criem seus gestos, que observem e imitem os colegas e que, principalmente concentremse na interpretação da canção sem a obrigação de fazer gestos comandados durante todo o tempo, outro vício muito presente na educação infantil. (2003, p. 93) As crianças cantam e dançam simultaneamente, às vezes só cantam, só dançam ou só ouvem. Isso parece depender do tipo de som ou música; do modo como estão significando e sentindo aquele momento, entre outros aspectos. Assim as crianças devem ser respeitadas de acordo com seu desejo de movimentar-se ou não, assim como o de querer ou não cantar. Quando se tem a obrigação de cantar ou dançar, muito da possibilidade de atribuir significado e sentido àquela situação se perde, tornando-se algo mecânico para a criança. Possibilitar que as crianças movimentem-se também significa proporcionar que criem, experimentem fazer do seu jeito, vivenciando de modo inteiro e lúdico as mais diversas situações do cotidiano. Para isso, os professores também precisam inventar o novo, propor situações que contemplem os seus modos de conhecer e envolver-se com as coisas. Num determinado momento propus10 uma experiência com a música do Hino Nacional às crianças. Conversando sobre essa música com elas procurei saber onde ouviam, quando ouviam e o que vem a ser o Brasil, mostrando-lhes também a bandeira nacional. Quando esticamos juntos a bandeira e o Hino começou a tocar a primeira ação das crianças foi a de movimentar o tecido. Aos poucos foram inventando novas possibilidades de utilização da bandeira. Uma das coisas que eles descobriram foi que, além de ser a bandeira nacional, também poderia ser uma caverna, pois diziam “uma caverna! vamos ficar embaixo!”, levantando a bandeira acima de suas cabeças e indo para baixo da bandeira, e lá ficando por alguns minutos. Percebi novamente a necessidade do movimento. Ao brincar com a bandeira, enquanto ouviam o Hino, as crianças indicam que precisamos possibilitar-lhes experiências em que se expressem e apropriem-se por inteiro, sem dicotomizar corpo e mente. Fotografia: crianças movimentando a bandeira Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) 10 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 4. Fotografia: Crianças brincando de caverna com a bandeira Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) A sensibilidade de algumas crianças do grupo em relação aos ritmos musicais, também merece ser ressaltada. Percebi essa questão quando ouvíamos uma música clássica. Estávamos ouvindo uma música clássica de Bethoveen, quando o Kaio sentou-se e seu cadarço estava desamarrado, então ele começou a brincar de acordo com o ritmo da música. Quando ficava mais rápida ele cruzava as tiras do cadarço rapidamente e quando ficava mais lenta ele movimentava bem devagar. (Diário de campo, setembro /2009) Percebi, por parte das crianças, uma apropriação e um envolvimento diferenciados, que variava de acordo com os ritmos diferentes. No mesmo dia que a situação acima citada ocorreu, algumas crianças estavam deitadas, outras sentadas enquanto a música clássica tocava.11 O Gabriel, logo ao ouvir a música quis levantar e começou a movimentar-se no decorrer da música. Durante as proposições foi ficando cada vez mais evidente a relação entre som e movimento, algo que pode ser muito prazeroso, desde que esse desejo de movimentar-se parta da própria criança. 11 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 3. Foto: Gabriel dançando com a música clássica Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Em outro momento propus12 vários ritmos e músicas diferentes e sugeri que as crianças fizessem o que sentissem vontade quando ouvissem a música. Coloquei músicas infantis, clássicas, algumas com um ritmo lento, outras com um ritmo rápido. As crianças tinham a liberdade de movimentar-se ou não quando as músicas eram tocadas. Notei que, no primeiro momento, quando coloquei músicas lentas, eles ficaram movimentando o corpo lentamente, mas, logo que iniciou uma canção infantil bem animada eles começaram a pular, rodar, dar as mão com muita satisfação. Tentei voltar para música lenta para observar a reação, e notei que independente do ritmo tocado eles continuaram a dar as mãos e pular com alegria. Parece-me que, de um modo semelhante ao que ocorre nas brincadeiras infantis - onde as crianças reproduzem elementos da cultura mais ampla mas também inserem novos elementos criando enredos próprios a partir de seus contextos de vida e repertórios lúdicos e culturais (Brougère, 2002) – ocorre o mesmo com a música, as crianças vivem a experiência de ouvir músicas e se expressam dos mais variados modos, cantando, dançando, ficando imóveis e de diversas maneiras, expressando alguns dos sentidos e significados provocados pelo som. 12 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 5. Fotografia: Dançando com ritmos diferentes Fonte: Sonia Torman (setembro de 2008) Fotografia: Dançando com ritmos diferentes Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) A percepção que tive ao observar as crianças é explicada na seguinte afirmação: A realização musical implica tanto gesto como movimento porque o som é também gesto e movimento vibratório, e o corpo traduz em movimentos os diferentes sons que percebe. Os movimentos de flexão, balanceio, torção, estiramento etc. e os movimentos de locomoção, como andar, saltar, correr, saltitar, galopar etc., estabelecem relações diretas com os diferentes gestos sonoros. (RCNEI, 1998, p. 61 apud BRITO, 2003 p. 145) De acordo com o autor acima citado essa relação entre som e movimento é muito estreita, pois nosso próprio andar, correr, falar, até o respirar são ações que precisam de determinado ritmo e são movimentos que permeiam nossa vida, de acordo com Becker (1989). Além disso, a música e os sons, relacionados ao movimento permeiam o cotidiano infantil, seja quando a criança está se embalando ao som uma música que criou, ou quando dança ao ouvir alguma canção, quando empurra seu carrinho produzindo o som do motor com a boca, e assim em diversas situações lúdicas e interativas que vivencia. De acordo com o Referencial (1998): [...] três anos aproximadamente, os jogos com movimento são fonte de prazer, alegria e possibilidade efetiva para o desenvolvimento motor e rítmico, sintonizados com a música, uma vez que o modo de expressão característico dessa faixa etária integra gesto, som e movimento. (RCNEI, 1998, p. 52). Outra questão bem interessante relacionada à música surgiu da fala de uma das crianças, ocorreu na primeira vez que utilizei a música clássica com o grupo. A música estava tocando quando o Kaio perguntou: “Não vai começar?”. O “começar” a que ele se referia parecia ter a ver com o fato de não ter nenhuma voz acompanhando o som dos instrumentos, ou seja, se iriam começar a cantar. Percebi neste momento que as crianças daquele grupo possuíam uma concepção de música, construída a partir das relações sociais estabelecidas com a música desde o nascimento. Expliquei que essa é uma música um pouco diferente das que estamos acostumados a ouvir, que é uma música produzida apenas por instrumentos musicais como por exemplo, piano, saxofone, violino e que, embora não haja uma pessoa cantando esse também é um tipo de música, chamada música clássica. Acredito que, pela reação das crianças, aquela pode ter sido a primeira vez que ouviram esse estilo musical. Concordo com Brito (2003), Ponso (2008), Nogueira(2002) e Ostetto (2004) quando afirmam que o educador deve estar atento ao tipo de música que pretende propor às crianças e buscar apresentar novos estilos musicais, não se restringindo ao que a mídia produz ou repertórios infantis. O material selecionado para a escuta deve contemplar todos os gêneros musicais, de diferentes épocas e culturas, privilegiando, no entanto, a produção musical do nosso país, com o cuidado especial de não limitar o contato das crianças ao repertório “infantil”.(BRITO, 2003, p.190). No dia em que realizei a caça ao tesouro, o objeto escondido era uma flauta. As crianças se interessaram pelo instrumento, queriam saber como tocar, que som produzia. Um de cada vez foi manuseando o objeto. Enquanto uma criança tocava algumas batiam palmas, dançavam, chamando novamente minha atenção para a relação entre o som e o movimento corporal. Quando chegou a vez da Melissa tocar a flauta ela não queria apenas tocar, mas sim que os amigos a acompanhassem cantando. Fotografia: Melissa tocando flauta e as outras crianças cantando Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Ao mesmo tempo que observo as explorações e criações sonoras dos pequenos com qualquer objeto que lhes chegue às mãos, vejo que eles estão inseridos em um contexto em que a música é valorizada exclusivamente como o ato de cantar e tocar, não abrangendo as centenas de possibilidades sonoras, como som do ambiente, do corpo, o choro, a gargalhada das crianças, que muitas vezes é entendida pelo adulto como simples barulho, como indica Pires (2005) em sua dissertação. Busquei levar para minha prática pedagógica outras possibilidades sonoras que não são tão valorizadas nas instituições de educação infantil. Possibilitei, por exemplo, histórias sonorizadas, a partir das quais as crianças descobrem possibilidades de criar sons com o corpo, com instrumentos ditos não convencionais, como colheres, tampas, copos e panelas. Propus às crianças uma história sonorizada, a História da Formiguinha 13 . Durante a história os sons eram produzidos com diferentes batidas sobre a mesa, ato que geralmente é repreendido por ser entendido apenas como barulho pelos adultos. Nessa situação percebi o quanto as crianças envolveram-se, expressando-se de modo intenso enquanto, descobriam diversas possibilidades sonoras de modo lúdico. Fotografia: Crianças sonorizando a história da formiguinha Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Percebi que esse momento, da sonorização da história, se tornou muito significativo para as crianças desse grupo. Além de pedirem para repetir a história, observei Kaio recontando essa história para outras crianças. 13 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 1. As crianças adoraram a história da formiguinha, imitar o andar dos animais batendo sobre a mesa encantou-as, e pediram para repetir quando terminou. Quando chegou o outro grupo de crianças para esperar a chegada dos pais, percebi que o Kaio estava recontando a história para eles, realizando as batidas na mesa. (Diário de campo, setembro/2009). Outra situação bem significativa foi a história “Vamos passear na floresta?”14, que, além de possibilitar a expressão do corpo como fonte sonora, contribuiu muito para ampliar sua imaginação, a partir de um ambiente todo preparado para as crianças. Os sons eram produzidos com batidas de pés, com os movimentos de esfregar as mãos, tapar o nariz para diferenciar a voz, imitar o barulho da água com a boca, bater a mão na mesa para imitar a batida da porta... e assim fomos produzindo a história com a participação ativa do grupo. O espaço das instituições de educação infantil acolhe a infância das crianças que nelas estão, temos então de pensá-lo, organizá-lo com o que é próprio das mesmas, para que tenham a identidade da infância. Assim coloca-se como desafio para nós, profissionais da educação infantil, direcionar o foco de nossas observações nas crianças e na forma como elas ocupam o espaço, vendo como se relacionam com ele, tornando-o lugar, obtendo possíveis pistas que elas mesmas nos fornecem para subsidiar a prática pedagógica para elas voltada, contribuindo, assim, para a implementação de uma “pedagogia da educação infantil”. (AGOSTINHO, 2005, p.63). Quando se pensa na organização de espaços significativos para os pequenos, para ampliar a imaginação e possibilidades de brincadeira das crianças, estamos pensando no desenvolvimento integral da criança, oferecendo a elas oportunidade explorar e ver o espaço que estão inseridas sobre outro ângulo. 14 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 3. Fotografia: Crianças produzindo o som do milharal esfregando as mãos Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: Crianças entrando na “Floresta” Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: crianças escalando montanha Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: História sonorizada “Passeio na floresta” Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: História sonorizada- crianças na caverna Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Ficou evidente que a estruturação do ambiente provocou a imaginação das crianças. O espaço da sala recebeu tiras de tecido verde simbolizando a entrada na floresta, as cadeiras representavam montanhas, os tecidos azuis eram o rio e, da união das mesas, surgiu a misteriosa caverna. De acordo com Ponso (2008): [...] o primeiro momento da contação de história precisa ser interessante, utilizando efeitos sonoros, sons de instrumentos ou a participação das crianças realizando sons onomatopéicos, cantando ou criando ambientes sonoros. ( p.23). Em meu entender, a preparação do espaço, com a intenção de ampliar as experiências lúdicas das crianças, deve estar sempre presente no cotidiano da educação infantil. Possibilitar o enriquecimento dos processos de imaginação e criação é algo que devemos priorizar em nossos planejamentos, pois assim contribuímos para que, na infância as crianças se constituam como sujeitos lúdicos, imaginativos, criativos, críticos, que significam de modo rico e complexo suas experiências nos contextos sociais em que vivem. Como diz Agostinho (2005) é preciso observar e valorizar os modos como as crianças relacionam-se com os espaços, para isso é fundamental deixar de lado nossas posturas controladoras e procurar se colocar no lugar das crianças, para preparar lugares que contemplem os seus indicativos. Pensar em espaços das instituições de educação infantil a partir do que as crianças nos indicam revoluciona, mexe, remexe, vira do avesso, desafia-nos em nossa adultez controladora, normalizadora, impositora; mas aquela crianças que todos fomos mora em nossos corpos, com marcas e cicatrizes, em nossas lembranças, com emoções, visões, cheiros. Sons que insistentemente nos convidam a deixar-nos seduzir, embriagar pela magia da fluidez e da autenticidade infantil. (AGOSTINHO, 2005, p.68) Percebi que durante a contação da história sonorizada “Passeio na floresta”, em que as crianças participavam da história movimentando-se ou produzindo sons, gargalhadas, gritos e surpresas se faziam presentes naquele grupo de crianças. Olhavam com curiosidade para o espaço que havia sido todo modificado e decorado para a proposição da história. O pedido para repetir história me fez refletir sobre a importância de proporcionar momentos como esse. Essa situação possibilitou às crianças uma intensa brincadeira de faz-de-conta, elas não estavam apenas passando por cima das cadeiras, mas estavam escalando uma montanha; não estavam deitadas sobre um tecido azul, mas nadando em um imenso rio e não estavam, embaixo de mesas, mas entrando em misteriosas cavernas onde as coisas mais incríveis podem acontecer. Percebi que um dos momentos mais esperados era o de entrar na caverna e desvendar o que havia. Quando entramos um leve escuro se fazia presente e ruídos de animais começaram a surgir por parte das crianças, que modificavam suas vozes imitando rugidos de monstros. Fotografia: Criança na caverna Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Ficou evidente para mim que nas situações de contação de história, além do ambiente ser muito motivador para crianças, a variação dos tons de voz pode ser muito interessante, principalmente quando as crianças participam, fazem a sonorização da história. Foi o que ocorreu durante a situação proposta às crianças a partir da história da Dona Baratinha, que uniu a música à imitação de sons de diferentes animais. As crianças se transformavam em gatos, leões, galos e muitos outros animais de um instante para o outro. Mudar a entonação de voz faz com que as crianças percebam as varias possibilidades sonoras que existem em nosso vocal. De acordo com Nicolau (1986): É importante que você dê entonações diferentes à sua voz quando conversa com as crianças, quando dramatiza, assim como é importante que você estimule as crianças a experimentar a voz, personificando tipos bem diferentes. (NICOLAU, 1986, p. 196). Além do incentivo à produção sonora a partir de diferentes fontes, procurei expandir o conhecimento musical das crianças apresentando-lhes diferentes músicas: infantis, clássica, folclórica, além de resgatar as cantigas de roda, não me restringindo às músicas que estão presentes na mídia ou às ditas “músicas para crianças”. As músicas que estão em evidência na mídia também fazem parte do cotidiano dessas crianças, e isso não podemos negar, pois elas estabelecem relações ativas com o contexto social em que estão inseridas. Em alguns momentos foi possível entrar em contato com os repertórios musicais das crianças do grupo e identificar músicas presentes na mídia. Uma das crianças, a Helena começou a cantar a música da fada (cantada pelos cantores Vitor e Leo), a Melissa pediu que parasse de cantar, pois era a música dela, e começou a cantar: fada, fada querida [...]. (Diário de campo, setembro /2009). No parque percebi que a Marina estava brincando sozinha no cavalo e começou a cantarolar alto a seguinte música: “ado, aado, cada um no seu quadrado...” e assim ficou por um tempo até que a Melissa se aproximou e a convidou para fazer um bolo. (Diário de campo, setembro /2009). Fotografia: Marina cantando no cavalo Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) As crianças têm contato com a televisão, rádio, internet e, por isso, não podemos negar, tentar impedir suas manifestações ou desconhecer a música veiculada na mídia mas, como diz Brito (2003), “devemos ampliar o contato das crianças com produtos musicais diversos, o que exige disposição para executar, pesquisar e ir além do que a mídia costuma oferecer.” É fundamental possibilitar às crianças um leque de opções, para que possam conhecer outros estilos sonoros que não sejam os massificados, quando isso ocorre, facilmente se ouve frases do tipo “mas as crianças gostam”, que procuram justificar as razões pelas quais continuam sendo veiculadas em instituições de educação infantil os repertórios divulgados na mídia. Também precisamos compreender que não podemos restringir os pequenos ao nosso gosto musical, como ressalta Nogueira (2005). Outra questão importante a ser ressaltada, refere-se à necessidade de não subestimar a capacidade auditiva das crianças, oferecendo a elas apenas músicas consideradas fáceis ou simplificadas como sinônimo de “canção de criança”, pelo contrário, deve-se cada vez mais expandir o repertório musical das crianças. Nogueira (2005), destaca que é importante trabalhar com os gêneros musicais variados desde que tenham respeito às crianças. Muitas das brincadeiras de roda, tão comuns no cotidiano de nossos pais e avós, se perderam com o passar do tempo. O ato de dar as mãos e cantar juntos em escolas e nas ruas me parece que, de modo geral, ficou no passado. Procurei ampliar o repertório do grupo em que trabalho com as cantigas de roda que não se fazem tão presentes no cotidiano das crianças na instituição. Propus para o grupo brincar com algumas cantigas de roda, entre elas: “Atirei o pau no gato”, “Cirandinha”, “Terezinha de Jesus”, “A linda rosa Juvenil”, “Apareceu a Margarida”, “Viuvinha”, “A galinha quer pôr”. A cantiga de roda é considerada por alguns teóricos a garatuja espacialsonora-temporal. A medida em que a criança tem oportunidade de participar destes brinquedos, ela vai se organizando com grupo e como pessoa, fazendo parte deste grupo, com o seu lugar e a sua função ou atividade específica. (BECKER, 1989, p.53) Concordo com Becker (2005), quando diz que as brincadeiras de roda envolvem outros elementos além do ato de cantar. Ao propor situações com músicas de roda, observei entusiasmo por parte das crianças por interpretar determinados personagens, em rodar, cantar e até mesmo pelo uso de figurino proposto em algumas das brincadeiras. Iniciamos neste dia com a cantiga da linda Rosa Juvenil, utilizando um figurino para identificar os personagens. Convidamos também o grupo do jardim para brincar conosco no pátio. Fizemos uma grande roda e começamos a escolher os personagens. Para surpresa todos queriam ser algum personagem, ficaram muito contentes com a idéia de usar figurino que caracterizasse a Rosa (com um vestido), o Rei(com uma camisa), e a bruxa com um chapéu. Repetimos várias vezes, pois todos queriam ser algum personagem. (Diário de campo,setembro /2009). Fotografia: Crianças brincando de roda: “A linda Rosa Juvenil” Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: Crianças brincado de roda: “Apareceu a margarida” Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: Criança brincando de roda: “Viuvinha” Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Percebi que as crianças sentiram muito prazer em brincar de roda, em relembrar algumas cantigas e conhecer outras. Em outro momento, após termos brincado com algumas cantigas de roda, percebi que eles estavam brincando no espaço coberto e encontraram fantasias, cada um foi escolhendo a sua e ia decidindo o personagen para brincar da Linda Rosa Juvenil. Brincar em grupo tornou-se algo significativo, tanto que reproduziam a brincadeiras em outros momentos. Vários elementos sociais e culturais podem estar inclusos na cantiga de roda, de acordo com Becker (1989), como conhecer culturas através da brincadeira, desencadear o relacionamento em grupo e principalmente a relação da música com o movimento. Movimentar-se é uma dos princípios das músicas de roda, e talvez o que desperta o grande interesse dos pequenos. O Referencial Curricular (1998, p. 71), também destaca a grande importância de se trabalhar com as cantigas de roda, cita que “As rondas ou brincadeiras de roda integram poesia, música e dança.”, e que “no Brasil receberam influência de várias culturas, especialmente a lusitana, africana, ameríndia, espanhola e francesa”. A relação entre o som e o ato de desenhar também pode tornar-se muito interessante. Muitas vezes o desenho é proposto às crianças de maneira indevida na educação infantil, assim como a música. Ambos comumente são propostos para preencher o tempo das crianças quando não se tem o que fazer, para entreter as crianças com alguma coisa. Ao desenhar o envolvimento das crianças ultrapassa os traços realizados com a mão no papel. A criança desenha e cria porque brinca. Para ela, a mesma concentração de corpo inteiro está presente na ação. “Concentrado na pontinha do lápis”, e a ponta do lápis funciona com uma ponte de comunicação entre o corpo e o papel. (SMOLE, DINIZ, CÂNDIDO apud PONSO, 2008, p. 47). Em relação ao desenho de crianças Leite (2004), contribui indicando que: Observar crianças desenhando, especialmente as de pouca idade, faz-nos deparar com meninos e meninas que se mexem, falam, gesticulam, locomovem-se, colorem e rabiscam enquanto desenham. (LEITE, 2004, p. 73). Representar a música a partir do desenho foi outra das situações propostas às crianças. Propus que tentassem pôr no papel o que ouviam ou estavam sentindo pela música naquele momento. Tentei criar as condições para que desenhassem movidas pelo desejo e envolvimento com a música, realizando seus traços livremente, expressando o que estavam ouvindo. De acordo com Ponso (2008): Quando pedimos ao aluno que desenhe o que está ouvindo, o seu registro irá construir uma visão gráfica sobre aquele som, e, mesmo que não signifique nada para os outros ela constitui as primeiras notações musicais daquela criança. (PONSO, 2008, p. 48). O gênero musical escolhido foi o clássico, e a música de Beethoven, que tem um ritmo bem marcante. Sugeri que as crianças deitassem no chão e quem quisesse poderia fechar os olhos para desenhar. Só o fato de desenhar no chão e não nas mesas foi um algo que mobilizou as crianças para a proposta, pois tornou-se algo diferenciado, assim como desenhar sem ver. Percebi realmente um envolvimento muito significativo enquanto desenhavam. A Melissa estava tão concentrada, que começou a realizar seus traços e, quando percebi, estava desenhando no tapete e não na folha. A Maria Vitória desenhou de uma maneira tão intensa que chegou a furar o papel. O Kaio parecia seguir o ritmo da música fazendo os movimentos com a caneta hidrocor conforme a música. Fotografia: Crianças deitadas no chão para desenhar a música Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: Maria Vitória e Gustavo desenhando Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: Melissa desenhando Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Esses gestos sonoros também podem ser transformados em desenhos. “Desenhar o som”, que podemos considerar como o primeiro modo de notação dos sons, e trazer para o gesto gráfico, aquilo que a percepção auditiva identificou. (BRITO, 2003, p. 179). A perspectiva apresentada por Brito (2003) também está presente no Referencial Curricular Nacional (1998, p. 75): “trazer para o gesto gráfico aquilo que a percepção auditiva identificou, constituindo-se em primeiro modo de registro”. Concordo com os autores acima citados, pois acredito que desenhar exige essa concentração da criança, e que para ela não é só a realização de traços, mas sim se colocar por inteiro na sua produção. Nos registros fotográficos percebe-se esse envolvimento das crianças no que estão realizando, e também a relação estreita entre a expressão corporal e o ato de desenhar, ou seja, as crianças estão envolvidas de corpo inteiro nessa situação, por completo. Outro incentivo à produção sonora dos pequenos deu-se com a construção de instrumentos musicais de material reciclável, que foram selecionados para o uso das crianças, assim como sugere o Referencial Curricular (1998). A confecção de instrumentos com as crianças foi muito interessante, pois percebia que eles queriam ver as novas possibilidades de sonorização do material que era distribuído para a construção artesanal de instrumentos. As latas deixavam de ser simples latas, pois assim que recebiam queria testar e inventar como utilizá-las: rolando na mesa, batendo na mesa, tocando com a mão sobre o objeto e até colocando outro brinquedo dentro da lata para produzir os sons. Desvendar o que havia dentro do chocalho foi algo que instigou as crianças, que olhavam atentamente para dentro das garrafas, sacudiam rapidamente ou lentamente na tentativa de descobrir o que havia lá. E assim, movidos pela curiosidade e interesse em explorar os objetos é que construímos tambores, chocalhos variados e violões. Ao construir instrumentos musicais, as crianças refazem a sua maneira o caminho traçado por nós seres humanos, na busca de meios para o exercício da expressão musical, ao mesmo tempo que transcendem esse caminho por meio de invenção de novas possibilidades. ( BRITO, 2003, p. 71). Fotografia: Crianças construindo chocalho com carretéis Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Fotografia: Crianças decorando seus tambores e chocalhos Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) O processo tornou-se mais significativo para as crianças, pois, embora eu tivesse iniciado a produção de alguns objetos como tambores, chocalhos diferentes, aquela tornou-se uma construção de cada criança, onde estava impressa suas marcas no fazer. De acordo com o Referencial (RCNEI, 1998, p.68), a construção de instrumentos “Além de contribuir para o entendimento de questões elementares referentes à produção do som e suas qualidades, estimula a pesquisa, a imaginação e a capacidade criativa.” Observando o grande envolvimento das crianças com os objetos, explorando seus formatos e sons, pensei em propor a construção de instrumentos musicais. Instrumentos de brinquedo utilizados no baú mágico na 5ª proposição, despertaram o interesse dos pequenos, pensei em explorar essa experiência com instrumentos possibilitando que as crianças construíssem também seus tambores, violões, chocalhos com material reaproveitável. Desse modo procurei ampliar aquela experiência, confeccionando instrumentos, a partir da leitura do Referencial Curricular Nacional (1998), sobre a importância de realização de oficinas, ou seja momentos de confecção de instrumentos. Existiu uma valorização e o reconhecimento das crianças de que aqueles materiais haviam se transformado em instrumentos musicais, pois não falavam em lata, mas em tambores; não existiam caixas de sapato decoradas, mas violões; garrafas não eram garrafas mas belos chocalhos com sons agradáveis. Além de construir o instrumento, foi muito interessante tocar com eles, testar as diferenças dos sons de um e outro, tocar todos ao mesmo tempo, e até mesmo cantar e tocar com instrumentos. Fotografia: Crianças tocando com seus instrumentos Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Para as crianças aqueles objetos transformaram-se em verdadeiros instrumentos musicais. Uma das falas das crianças me chamou a atenção em relação aos instrumentos. O Gustavo me chamou muito a atenção, foi no momento que ele se aproximou para entregar o seu tambor, pois ele disse “só um pouquinho que eu vou pegar a baqueta”, ou seja os palitos de churrasco que utilizou para tocar o instrumento. ( Diário de campo,setembro /2009). Pode ser que Gustavo já tivesse algum contato com a bateria em seu contexto, com alguém tocando ou mesmo através da mídia, entretanto, confesso que não imaginei que ele conhecesse o significado de baqueta. O mais interessante foi perceber que, além de latas e palitos, para eles se tornavam instrumentos “de verdade” enquanto utilizava, possibilitando brincar, fazer-de-conta que estava tocando realmente. A fala de Gustavo me fez amadurecer a idéia de propor o contato com instrumentos musicais verdadeiros, em que as crianças, além de visualizar pudessem explorar esses instrumentos e até perceber as diferenças entre os instrumentos que produziram, os de brinquedo e os instrumentos reais. Os instrumentos de qualquer tipo, encantavam as crianças, e isso foi observado quando: Estávamos conversando quando percebi que as crianças começaram a dispersar e conversar com a Helena, querendo saber o que ela tinha. Percebendo o interesse deles em relação ao objeto, pedi emprestado para que todos pudessem ver e saber o que era. O que ela tinha era uma gaita de boca, que ela pegou da Melissa. Logo as perguntas começaram, queriam saber o que era e como fazia. Disse que era um instrumento musical chamado de gaita de boca, mostrei então como era tocado. Percebi que a maioria nunca tinha visto o objeto, e sorriam com o som que fazia. O Kaio pediu para tocar, dei a gaita para ele, assim que o primeiro som saiu, começou a dizer”eu consegui”. No final do dia ele quis mostrar para as outras crianças que chegaram o que ele aprendeu a tocar. (Diário de campo, setembro/2009). Realizei uma caça ao tesouro, o objeto a ser procurado era uma flauta doce. As crianças haviam tido contato com a flauta, na situação proposta da caça ao tesouro não faltou interesse em querer manusear e tocar o instrumento. Falei neste momento sobre o que era uma nota musical, mostrando que na flauta as notas musicais eram produzidas a partir de cada furo que ela possuía e com a posição dos dedos nesses buracos. Cada um quis testar o som do objeto, em alguns momentos não queriam só tocar a flauta, alguns queriam acompanhar com palmas de modo ritmado ou em pé, dançando ao som do que ouviam. Fotografia: Crianças explorando o som da flauta. Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Em outro momento proporcionei o contato com o violão15. Neste dia, novamente criei um clima de suspense, decorando e fechando a sala. Utilizei uma janela de teatro, material utilizado para contação de história com fantoches, a qual tem uma cortina, por onde os personagens aparecem. Escondido atrás da janela havia um convidado com um violão. Logo que foi produzida a primeira nota musical o Kaio e o Gustavo disseram que era uma música. Ao serem perguntados sobre o instrumento que produzia essa música Melissa rapidamente disse que era de um violão. Quando o convidado começou a tocar a atenção se voltou para o instrumento, prestaram a atenção em cada movimento. Alguns se embalavam com a melodia. O momento esperado pelas crianças, sem dúvida foi o de também poder tocar o violão. Cada um teve a oportunidade de tocar. Percebi que, neste momento, alguns tentavam trocar a posição dos dedos, assim como a pessoa que tocou para nós o fez. Perceberam a diferença do tamanho comparando o violão de brinquedo com o de verdade e diziam “nossa que grande”. Aproveitei para tocar uma música que havia aprendido, para as crianças. 15 As situações propostas às crianças nesse dia encontram-se em Apêndice B, com o título de Proposição 6. Fotografia: Kaio tocando violão Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Devido ao grande interesse das crianças pelos instrumentos, pensei em propor uma situação marcante e diferenciada daquelas que tínhamos vivido até então, foi quando surgiu a ideia da visita à Fundação Cultural Franklin Cascaes, de Florianópolis. Entrei em contato com uma das professoras do projeto, que possibilita tanto a crianças como adultos terem aulas de violino. O contato foi estabelecido por indicação de outra acadêmica do Centro Universitário Municipal de São José -USJ, que já conhecia o trabalho desenvolvido pela Fundação Franklin Cascães. É um espaço aberto para visitas, possibilitando a qualquer cidadão conhecer ou assistir aulas de instrumentos utilizados em uma orquestra. No dia que assistimos a aula de violino fomos bem recebidos pela professora responsável pelas aulas de violino, que foi muito atenciosa com o grupo. Primeiramente o entusiasmo surgiu pelo fato de sairmos da instituição para realizarmos uma visita. Para isso foi muito importante a ajuda de alguns pais, que nos levaram até o local. A expectativa das crianças era grande, queriam muito ver os músicos. Quando chegamos lá a atenção se voltava para cada som que ouviam. O contato com diferentes tipos de violinos foi uma experiência maravilhosa. Foi muito interessante o fato dos músicos não se limitarem ao repertório de músicas infantis. Fizeram acompanhamentos rítmicos, imitação de sons de animais, explorando entonações diferentes de sua voz na imitação dos sons de animais. A grande expectativa das crianças era de ver o que havia dentro de uma grande capa. O instrumento escondido era um grande contrabaixo, que as crianças tiveram a oportunidade de tocar. Fotografia: Crianças conhecendo o contrabaixo Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Teve um momento em que a professora da Fundação perguntou se alguém queria tocar alguma música, se referindo aos seus violinistas, mas a resposta foi de uma das crianças, o Kaio, que se levantou dizendo “ eu quero!”. A professora chamou e mostrou como segurar o arco e o violino, mas o Kaio estava ansioso para tocar, e assim fez, junto com os violinistas. Depois de um tempo a Helena também quis tocar o instrumento. (Diário de campo, setembro/2009). Fotografia: Helena tocando o violino Fonte: Sonia Torman (setembro de 2009) Assim consegui proporcionar uma aproximação concreta das crianças com diferentes instrumentos musicais e também com músicos. Acredito que essa experiência contribuiu muito para ampliar as experiências sonoras dessas crianças. Em princípio, todos os instrumentos musicais podem ser utilizados nos trabalhos com a criança pequena, procurando valorizar aqueles presentes nas diferentes regiões, assim como aqueles construídos pelas crianças. (RCNEI, 1998, p. 60). Depois de todas as situações propostas às crianças, ficou mais clara a minha visão sobre como os pequenos se relacionam com os variados sons, e suas produções sonoras com instrumentos, com variados objetos e com a voz, bem como suas maneiras de se expressar diante dos sons e da música. Concordo com Nogueira (2005), quando ressalta a grande dificuldade de educadores de crianças pequenas em trabalhar a música em suas múltiplas possibilidades. De acordo com a autora geralmente se restringe a música apenas ao cantar ou ao ouvir uma canção a qualquer momento, tornando-a um produto mecânico, estereotipado. Diante desse despreparo em entender a música como algo muito além desse ato rotineiro, é que se percebe facilmente: O aparecimento exaustivo de clichês (“as crianças gostam muito de música”, “música é bom porque acalma”, “o ambiente fica melhor com música” etc) aponta para a fragilidade teórica de suas formações iniciais no que diz respeito às linguagens artísticas, nas quais a música, enquanto disciplina ou conteúdo raramente aparece. (NOGUEIRA, 2005, p. 11). A música é repleta de possibilidades, mas não deve ser entendida apenas como uma estratégia para que se desenvolva algo. Acredito que a música deve ser entendida como um todo, onde a criança cria, descobre, imagina e significa ao seu modo a presença dos sons de seu cotidiano. V CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa procurou saber como as crianças se relacionam com os sons e a música, em uma instituição de Educação Infantil. Para isso procurei observar e registrar como elas significam a música e os sons presentes em seu cotidiano, como exploram interagem com os objetos para produzir sons e como manifestam-se na presença de sons. Imagens e registros das falas, dos movimentos, das brincadeiras, entre outras ações das crianças envolvendo sons e música, foram analisados para auxiliar na compreensão do tema escolhido. Em muitos momentos observados percebi a significação que a música tem para as crianças pequenas e sua capacidade de criar e recriar sons a partir de músicas ou objetos que tem contato. Percebi que os pequenos se relacionam com a sonoridade não somente quando estão ouvindo ou cantando uma música, mas a todo o momento e de variadas formas. Quando manuseiam algum objeto tentando descobrir o barulho que faz, quando cantam alguma canção mudando a voz ou alterando a letra, quando percebem que seu corpo é capaz de produzir som ou quando estão tocando alguns instrumentos sejam eles de verdade ou de brinquedo, elas estão se relacionando intensamente com a musicalidade. Ficou muito visível nos registros realizados que a música é experenciada e significada pelas crianças de modo completo, indissociável, envolvendo o movimento, a imaginação, o conhecimento, a brincadeira, ou seja, existe um envolvimento de corpo e da mente da criança com a música e os diversos sons. Quando se trabalha com a linguagem musical não se pode propor às crianças a fragmentação de experiências que as tomam por inteiro. Torna-se muito difícil para as crianças cantar sem dançar, ouvir música e desenhar sem brincar, pois para as crianças a linguagem sonora e musical exige uma expressão lúdica onde todos esses outros modos de expressão estão interligados. O trabalho promovido com a educação infantil, deve sempre conceber as crianças como sujeitos do processo, e a prática pedagógica deve contemplar as várias formas que as crianças encontram de se expressar com a intenção de valorizá-las, diversificá-las e ampliá-las de modo significativo. Para a produção deste trabalho de conclusão de curso foi indispensável a leitura e releitura de autores que tratam do assunto, contribuindo para o entendimento sobre como as crianças relacionam-se com a música e com os sons no cotidiano de uma instituição de educação infantil. Assim como contribuiu para o meu crescimento como professora de educação infantil, ao me fazer refletir sobre alguns pontos ou conceitos que eu havia construído acerca da música e da maneira de trabalhar com a música e os sons com crianças pequenas. As leituras me remeteram também a refletir sobre a importância da organização dos espaços para as crianças pequenas, pois, muitas delas passam a maior parte de sua infância em instituições de educação infantil. Muitas permanecem em período integral na instituição, necessitando de um ambiente que propicie seu crescimento integral, um processo rico de socialização, criatividade, autonomia, em espaços em que elas sintam-se legitimadas em relação aos seus modos de expressão, sendo valorizadas em seus desejos e criações. Precisamos ter clareza de que existe não uma infância, mas várias, cada qual com suas próprias histórias e, sobretudo como produtoras de cultura. Tendo um entendimento e sensibilidade diante desses elementos um melhor trabalho poderá ser realizado com crianças em espaços de Educação Infantil. Nos materiais pesquisados fica clara a grande crítica ao trabalho que ainda vem sendo realizado com a música em instituições de educação infantil, sobretudo quando é encarada apenas como um elemento para manter a ordem, ou seja, para dar os comandos da rotina, ou para ocupar tempo quando não se tem nada para fazer. Pesquisas apontam a fragilidade e despreparo de muitos educadores ao propor a música em suas práticas pedagógicas, desprezando assim o real sentido que a música pode ter para a criança. É necessário como afirma Pires, uma formação que preencha as lacunas, para a construção de uma nova metodologia de trabalho com a música que consiste em “observar, dar oportunidades, colocar materiais, espaços e tempo a disposição da criançada, incentivar e ouvir a criação infantil individual e em grupo e ajudá-las, provocá-las nas próprias criações” (PIRES, 2006, p.14) O Referencial Curricular Nacional (1998) se refere muito à relação entre a música e o movimento. E isso ficou bem visível durante as proposições e as análises, pois as crianças sentiam a necessidade de expressar ou interagir com a música ou o som através movimentos, como dançar, pular, rodar, etc. Outro ponto analisado foi o repertório de música, percebi que as crianças se mostraram bem receptivas a vários gêneros musicais, conhecer o novo fez parte de minha prática pedagógica. Parece-me que esse processo foi muito significativo para as crianças, pois no momento posterior à proposição percebia que eles repetiam ou pediam para repetir determinadas experiências. Vários autores afirmam a importância de não nos restringirmos ao repertório de músicas infantis que é ditado pela mídia, mas de ampliarmos o mesmo, proporcionando às crianças oportunidades de conhecer diversos estilos musicais, assim como a exploração dos mais diferentes e inusitados sons. Enfim, a realização desse trabalho me fez crescer muito como profissional e auxiliou-me no esclarecimento de muitas das perguntas que me fazia a respeito dessa temática. Ao reconhecermos as crianças, cada vez mais, como sujeitos sociais de direitos, e buscarmos entender suas necessidades, particularidades, produções culturais, modos de expressão, entre eles a linguagem sonora e musical. Assim teremos mais condições de propor experiências sonoras e musicais no cotidiano da educação infantil como algo completo, que tem sentido em si mesma e com a qual as crianças se relacionam com o corpo e com a mente ao mesmo tempo, significando a sua maneira ruídos, barulhos, músicas, enfim, os mais diversos elementos sonoros presentes em suas vidas. VI REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. CampinasSP: Papirus, 2001. BATISTA; CERISARA; OLIVEIRA; RIVERO. Partilhando olhares sobre as crianças pequenas: reflexões sobre o estágio na educação infantil. 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Estávamos conversando quando as crianças começaram a dispersar conversar com a Helena, querendo saber o que ela tinha. Percebendo o interesse deles em relação ao objeto, pedi emprestado para que todos pudessem ver e saber o que era. O que ela tinha era uma gaita de boca, que ela era da Melissa. Logo as perguntas começaram, queria saber o que era e o que fazia. Disse que era um instrumento musical que se chamava de gaita de bota, e mostrei então como que era tocado. Percebi que a maioria nunca tinha visto esse objeto, e sorriam com o som que fazia. O Kaio pediu para tentar tocar, dei a gaita para ele e assim que o primeiro som saiu e começou a dizer “eu consegui!”. No final do dia ele quis mostrar para as outras crianças que chegaram o que ele aprendeu a tocar. (Diário de campo 12/07/09) Ao retirar os casacos da mochila, o Gustavo começou a tremer o lábio produzindo um som. As demais crianças começaram a imitar o Gustavo, quando percebi estavam todos juntos cada um fazendo um som e dizendo olha o que eu sei fazer. Além de tremer o lábio, também fizeram com a língua e assim ficaram por alguns instantes. (Diário de campo 17/07/09) Estávamos ensaiando para a apresentação dos pais, mas a parte da canção que mais chamava a atenção das crianças era no momento do assobio, que dizia “papai, papai olha como eu cresci, eu descobri que você já posso assobiar”. E assim eles iam tentando assobiar. (Diário de campo 22/07/09) As crianças estavam colorindo quando o Kaio, Nicolas e Gustavo, de repente pegaram o lápis e começaram a batucar na mesa e cantarolar uma música que eles inventaram. (Diário de campo 06/08/09) As crianças estavam no espaço coberto, pois estava chovendo, havia brinquedos como fogão, pia panelinhas, mesinha e cadeiras. A Helena se aproximou da Marina e disse que ia fazer um bolo porque era seu aniversário. Depois de um tempo convidou as demais crianças para se aproximar e cantar parabéns. (Diário de campo 07/08/09) Neste dia a prática pedagógica foi iniciada com a lenda do Saci, com um baú mágico de onde saiam acessórios como gorro, cachimbo, bermuda vermelha e a professora ia se caracterizando de Saci Perere, dando inicio as atividades folclóricas. Após a contação da lenda apresentei uma música que fala das lendas. Tem um trecho que fala “[...] e o boi, e o boi da cara preta pega essa criança que tem medo de careta[...]”.Assim que iniciou essa parte o Gabriel começou a chorar e pedir pela mãe, pois estava com medo. Parei e conversei com as crianças dizendo que o “ boi da cara preta” existe em nossa imaginação, que era apenas uma música e não precisa ter medo, pois ele não pega nenhuma criança. Ele então se acalmou e ficou próximo da professora. (Diário de campo 10/08/09) A hora do lanche é sempre um momento repleto de trocas, diálogos. Neste dia a Helena começou a cantar a música da lenda que havíamos ouvido outro dia. Como ela percebeu que o Gabriel ficou com medo, ela cantava “e o boi da cara preta pega o Gabriel que tem medo de careta”. A primeira reação dele foi pedir para parar, mas depois entrou no clima da brincadeira e junto com a Helena cantava o trecho da música e falava o nome de outro amigo. (Diário de campo 21/08/09) As crianças estavam pintando e o giz de cera no qual utilizavam estava dentro de um pote em formato de cone. O Kaio colocou a boca na abertura do pote e começou a falar, notou então que o som da sua voz era modificado por ficar abafada. E assim fez o mesmo a Yasmin quando viu seu amigo fazendo. (Diário de campo 24/08/09) Estávamos pintando com a ponta dos dedos com cola colorida. De repente a Marina e a Maria Vitória olharam para a ponta de seus dedos e começaram a cantar a música da mãozinha, em que há um diálogo de uma mão com a outra e a voz é diferenciada de uma para outra. Música: “ Cadê sua mão mãozinha(2x) / Estou aqui(2x)/ Como vai? Eu vou bem! Já vou indo embora! Eu também(2x)/ tchau!!.(Diário de campo 25/08/09) Uma das crianças a Helena começou a cantar a música da fada ( cantada por Vitor e Léo), a Melissa pediu que parasse de cantar pois era a música dela, e começou a cantar “fada, fada querida[...]”. No mesmo dia em outro momento o Kaio estava brincando com um carrinho e sozinho começou a cantarolar a música da apresentação dos pais. (Diário de campo 26/08/09) As crianças estavam pintando e a Melissa começou a cantar a seguinte música: “já dia a lenda que o boi Tatá era uma cobra que vinha assustar...”, foi então acompanhada pelas outras crianças. (Diário de campo 08/09/09) A Emanuele afastou as cadeiras foi para baixo da mesa brincar com sua boneca de casa, a Marina viu a amiga e foi para baixo da mesa também. (Diário de campo 08/09/09) Antes da chegada dos pais na instituição no final do dia, outro grupo de criança fica em nossa sala até o horário de ir embora. A Helena retirou todas as cadeiras das mesas enfileirando-as e convidou as demais crianças presentes para passar pela montanha, assim como aconteceu na história da floresta. (Diário de campo 09/09/09) Abaixei-me para amarrar o cadarço do Kaio e escutei que ele estava cantando baixinho uma parte da história sonorizada que realizei outro dia com eles (vamos passear na floresta?), fazendo movimentos com os dedos no chão como se eles caminhassem. (Diário de campo 16/09/09) A Marina e Emanuele estavam brincando com peças de montar no tapete, depois de um tempo levantaram deram-se as mãos e começaram a cantar e rodar com a música atirei o pau no gato. (Diário de campo 17/09/09) Uma das crianças trouxe de casa um apito, de repente ela começa a apitar e as demais crianças perguntam o que é isso? Quando ela mostra o que é todos se aproximam dela querendo apitar uma vez. (Diário de campo 25/09/09) Estávamos na sala de brinquedo, onde têm além de brinquedos também fantasias. O Gabriel encontrou um casaco e disse que era o príncipe, a Marina um arco de cabelo e disse que era a Rosa Juvenil e convidou as outras crianças para fazer a roda e cantar com ela. (Diário de campo 28/09/09) APÊNDICE B – PROPOSIÇÕES PEDAGÓGICAS E REGISTROS. PROPOSIÇÃO 1 Tema: Música e som Objetivo: Proporcionar as crianças um contato com os diferentes sons que estão presentes a sua volta. Desenvolvimento: Convidar o grupo a sentar-se em um tapete “mágico”, e iniciar uma conversa sobre música mostrando um CD, perguntando qual a utilidade, onde utilizamos. Após, convidar as crianças a deitarem no tapete e fecharem os olhos, apenas ouvir. Dar um tempo para que elas consigam captar o som da sala, da rua. Em seguida perguntar se conseguiram ouvir algo e o que ouviram no momento que estavam deitados. Realizar uma caça ao tesouro pelo pátio da escola, onde estará escondida uma flauta. Depois de encontrarem o objeto, vamos retornar para a sala e conversar sobre o instrumento encontrado, mostrando como é tocado, a diferença das notas musicais produzidas, que tipo de som ouvimos. Deixar livre para as crianças que sintam vontade de manusear a flauta, observando assim suas reações diante desse objeto. Juntos vamos construir um cantinho musical, com desenhos de notas musicais e CDs que não podem mais serem utilizados. Após o lanche vamos para o parque, aonde os pequenos vão se relacionar com seus amigos, com outras crianças e adultos. Ao retornar para sala, unir as mesas para que todos fiquem juntos, contar a história da formiguinha que foi criada pela professora Sonia, produzindo os sons e movimento com batidas na mesa. Roteiro da História da Formiguinha: Era uma vez uma formiguinha que gostava muito de correr (movimentar a ponta dos dedos indicadores na mesa), mas além de correr ela adorava pular (imitar o pulo da formiguinha levantando e abaixando o dedo indicador na mesa). Mas, um belo dia ela ouviu um barulho muito forte (bater com a palma da mão na mesa), era um grande elefante que estava passeando pela floresta. Mas a formiga ficou assustada e começou a correr de um lado para o outro (movimentar a ponta do dedo indicador prá lá e pra cá). O elefante foi se aproximando da pequena formiga e, de repente, ele pisou na formiguinha (colocar a mão aberta sobre o dedo indicador). Depois de algum tempo a pata do elefante começou a se movimentar e lá saiu correndo a formiguinha para o alto de uma árvore. Recursos: flauta, CD, papel, giz de cera, duplex. Referencial Teórico: [...] “as crianças se expressam e se relacionam não só com a música, mas com todas as formas de representação simbólica. Brincando, exercitam questões que passam por aspectos emocionais, sensíveis e cognitivos”. (BRITO, 2003, p. 170) REGISTRO DA 1ª PROPOSIÇÃO Esta primeira proposição tinha como objetivo introduzir um contato mais efetivo com sons e música. Quando foi perguntado às crianças para que serviam os CDs, de imediato as crianças responderam que era para ouvir música no aparelho de som. O momento de deitar, fechar os olhos e prestar atenção aos sons que estão a nossa volta, seria para que os pequenos tivessem uma percepção maior dos ruídos que ouvimos mesmo sem ver o que está causando o barulho. Aos poucos as crianças foram deitando e ficando mais relaxadas com os olhos fechados. Depois de alguns instantes eles foram levantando e cada um foi falando o que ouviu. O Kaio disse que ouviu o barulho das cadeiras das pessoas lá de cima, a Helena escutou o carro passando, a Marina escutou as crianças que estavam conversando no pátio da instituição, a Melissa ouviu as máquinas que estavam trabalhando na rua. Para diferenciar som e silêncio experimentamos fechando os olhos e tapando os ouvidos, neste momento o Gustavo disse que ficou tudo quieto. Depois comparamos com o barulho, tirando a mão do ouvido e conversando uns com os outros, o Gabriel disse então que agora estava escutando. Fotografia 1: A percepção das crianças sobre o som e o silêncio Conversamos sobre o que é música, que é além do ato de cantar, que existem músicas que não tem ninguém cantando, apenas pessoas tocando algum tipo de instrumento. Para exemplificar coloquei uma música em que havia a presença da voz e outra em que só havia som de instrumento musical. Realizamos uma caça ao tesouro pelo pátio, as crianças adoraram e ficaram bem empenhadas em encontrar o grande tesouro (que era uma flauta). O Gustavo se aproximou do escorregador e disse: “aqui tem uma coisa”, as demais crianças correram então para ver o que era, imediatamente eles quiseram testar experimentar o objeto. Conversamos um pouco sobre a flauta, que é um instrumento tocado com a boca através do sopro, mostrando que cada um dos furinhos que ela tem significa uma nota musical, um som diferente. Fiz a demonstração para que eles notassem o som das diferentes notas musicais formadas. Cada criança quis tocar uma vez, percebi que eles tapavam o furo para soar diferente. Quando a Melissa foi tocar ela pediu os amigos cantassem, foram todos levantando, a Helena, a Marina e a Yasmin foram acompanhando com palmas e o Gabriel ficava girando. Fotografia 2: Crianças experimentando a flauta No parque percebi que a Marina estava brincando sozinha no cavalo e começou a cantarolar alto a seguinte música: “ ado, ado cada um no seu quadrado...” e assim ficou por um tempo até que a Melissa se aproximou e a convidou para fazer um bolo. Como as crianças correram bastante pelo parque, quando retornamos fizemos o exercício de ouvir o coração de nossos amigos, cada um ia aproximando o ouvido do peito do colega para escutar as batidas cardíacas. O Nicolas disse que fazia “Tum, Tum” e mostrava o movimento com a mão. As crianças pareceram adorar a história da formiguinha, pois imitar o andar dos animais batendo sobre a mesa encantou-as. Pediram para repetir quando acabou. Quando chegou outro grupo para esperar a chegada dos pais, percebi e o Kaio estava recontando a história realizando as batidas na mesa. Fotografia 3: Crianças sonorizando a história da formiguinha Neste dia todas as crianças estavam presentes, e todas participaram das situações propostas. PROPOSIÇÃO 2 Tema: Tocando com objetos de cozinha Objetivo: Produzir sons com objetos que não são convencionais para tocar e cantar. Desenvolvimento: Iniciar o encontro com um tapete diferente do usado no dia anterior, com formato de um círculo de várias cores. Pedir que cada criança escolha uma cor de sua preferência para sentar. Colocar no centro da roda um “ baú mágico”, com tampas, panelas, copos, colheres e muitos CDs que não servem mais para ouvir música. Perguntar o que cada uma acha que tem dentro daquele baú, batendo sobre ele para tentarmos descobrir. Antes de abrirmos a caixa vamos ouvir uma música que vai ajudar a descobrir o que tem lá dentro. Ouviremos a música “ Sopa” ( Grupo musical: Palavra Cantada-CD Canções de Brincar). O que que tem na sopa do neném?O que que tem na sopa do neném?Será que tem espinafre?Será que tem tomate?Será que tem feijão?Será que tem agrião?É um, é dois, é três...O que que tem na sopa do neném?O que que tem na sopa do neném?Será que tem farinha?Será que tem balinha!?Será que tem macarrão?Será que tem caminhão?!É um, é dois, é três...O que que tem na sopa do neném?O que que tem na sopa do neném?Será que tem rabanete?Será que tem sorvete!?Será que tem berinjela?Será que tem panela!? É um, é dois, é três...O que que tem na sopa do neném?O que que tem na sopa do neném?Será que tem mandioca?Será que tem minhoca!?!Será que tem jacaré!?!Será que tem hulé!?!É um, é dois, é três...O que que tem na sopa do neném?O que que tem na sopa do neném?Será que tem alho-poró?Será que tem sabão em pó?!Será que tem repolho?Será que tem piolho!?É um, é dois, é três...O que que tem na sopa do neném?O que que tem na sopa do neném?Será que tem caqui?Será que tem javali?!Será que tem palmito?Será que tem pirulito!?É um, é dois, é três... Logo após a música, abrir o baú mágico e possibilitar que cada criança escolha o objeto que mais lhe chama a atenção. Juntos vamos tocar, depois cantar e tocar com as tampas, colheres, copos e panelas ao mesmo tempo. Mostrar a diferença dos sons produzidos utilizando apenas as colheres, apenas as tampas, panelas e tampas, colheres e panelas, fazendo várias combinações e percebendo as diferenças entre um e outro. Utilizando os CDs encontrados na caixa vamos confeccionar móbiles para decorar o cantinho musical, colando papel picado e cola colorida. Após o lanche vamos nos concentrar em nossa respiração, se faz algum barulho, qual o movimento que é realizado por nós ao respirarmos. Avaliação: será analisada conforme interesse e participação das crianças. Recursos cd, aparelho de som, papel duplex picado, tampas, panelas, colheres, copos, tapete e baú Referencial Teórico: Quando pedimos ao aluno o que está ouvindo, o seu registro irá construir uma visão gráfica sobre aquele som, e, mesmo que não signifique nada para outros, ela constitui as primeiras notações musicais daquela criança.(PONSO, 2008, p. 48) REGISTRO DA 2ª PROPOSIÇÃO A presença de um tapete diferente chamou a atenção dos pequenos e cada um foi escolhendo uma cor. O aparelho de som foi colocado ao alcance das crianças, e curiosamente a Marina perguntou que música ia ser tocada. Utilizei um “baú mágico”, e ao colocar no centro da roda os objetos que estava dentro fizeram barulho, logo a Helena disse que era uma panela. Ao perguntar para cada um o que tinha dentro surgiram respostas como cadeira, pandeiro, panela, chocalho e até mesmo monstro. Começamos a bater sobre o baú para tentarmos descobrir, o Kaio aproximou então o ouvido da caixa para descobrir. Fotografia 4: Descobrindo o que tem no baú mágico Ao abrir o baú cada criança logo pegou um CD que estava dentro, e depois escolheram seus respectivos instrumentos. Alguns pegaram colheres, outros tampas, panela e copo. Assim que escolhiam já iam testando os objetos. Juntos ouvimos a música do da sopa do neném, o Gustavo disse que tinha barulho de colher e mostrou o som com duas colheres que ele havia escolhido. Levantamos, tocamos e cantamos com esses instrumentos de cozinha, alguns dançavam, outros só tocavam. Paramos para observar cada instrumento isoladamente para perceber que eles produzem sons diferentes. Mostrei que quando batia tampa com tampa tinha um som, que era diferente da batida de colher com colher, assim como era diferente do copo com a colher, todos os instrumentos ao mesmo tempo e assim com várias combinações realizadas. Fotografia 5: Crianças tocando com instrumento de cozinha Decoramos os CDs encontrados no baú colando papel picado, para confeccionarmos móbiles para decoração de nosso cantinho musical. Percebi que eles ficaram surpresos pela colagem ser realizada no cd e não no papel. Concentramo-nos em nossa respiração, observando o movimento e se era possível ouvir algum barulho. O Nicolas disse que sobe e desce e mostrou o barulho respirando mais forte. O Kaio neste momento estava com soluço, a Marina disse então que ele estava fazendo igual ao barulho de um sapo. Neste dia não faltou nenhuma criança, e todos demonstraram interesse pelas atividades propostas. PROPOSIÇÃO 3 Tema: História sonorizada e nova experiência musical Objetivo: Instigar a imaginação com um ambiente diferenciado e sonorizar o enredo com o corpo. Apresentar a música para os pequenos. Desenvolvimento: Decorar a sala com tiras de TNT que serão fixadas no teto indo até o chão, transformando em uma cortina. Unir as mesas transformando-a em uma caverna coberta por um tecido, juntar as cadeiras para que pareçam montanhas, escurecer a sala e fechar a porta. Antes de entrar na sala instigar a imaginação, dizendo que tem uma surpresa esperando por eles. Convidá-los a entrar na sala para realizarmos um passeio encantado, do outro lado da cortina mágica. A história foi adaptada a uma versão da música “Vamos passear na floresta?” do guia prático dos professores. A História ia acontecendo e as crianças se movimentado pelo ambiente. “ Vamos passear na floresta? Então vamos! Olha lá uma árvore vamos subir? Então vamos! Vamos passear na floresta? Olha lá um milharal, vamos entrar? Então vamos! Olha lá um rio, vamos nadar? Então vamos! Vamos passear na floresta? Então vamos! Olha lá uma montanha, vamos escalar? Então vamos! Bem devagar... Vamos passear na floresta? Então vamos! Olha lá uma caverna, vamos entrar? Bem devagar! Está tudo escuro, um pelo macio, uma cauda comprida, um cheiro engraçado! Ih é um gambá, vamos fugir! Correndo!” Essa história terá o som dos passos das crianças, a imitação do barulho da água, a mudança do tom de voz. Ouvir o Cd que tem a história original com eles. Falar que estaria colocando uma música diferente das que costumamos ouvir em nossa instituição. Colocar para executar uma música de Beethoven- Symphony No. 9. Avaliação: será analisada conforme interesse e participação das crianças. Recursos cd, aparelho de som, mesas, cadeiras, tecido Referencial Teórico: O reconhecimento do estímulo sonoro ocorre quando a criança reage a ele, dando-lhe um significado. (NICOLAU, 1986, p. 200). REGISTRO DA 3ª PROPOSIÇÃO A sala foi decorada com tiras de tecido TNT, colocadas no teto da sala, formando uma cortina que ia até o chão. Tinha também rio e montanhas formadas pela união das cadeiras. As mesas ficaram juntas formando uma caverna, a porta foi fechada, as cortinas também, criando um clima de suspense. No parque eles esperavam curiosos pela surpresa, perguntando o que tinha lá dentro. Ao entrar as crianças foram falando que estava tudo lindo. Falei que íamos fazer um passeio pela floresta encantada, e na cortina mágica iria começar a história. A Emanuele olhava atentamente para tudo, sem falar nada. Falei que eles iam ajudar a produzir os sons da floresta. Começamos entrando pela cortina mágica e prestando atenção ao som dos nossos passos, o Gustavo o Kaio batiam bem forte o pé no chão. Quando falava: Ih olha lá! eles procuravam o que eu estava falando, como o caso do milharal, que foi sonorizado, esfregando as mãos uma na outra. No momento do rio as crianças deitaram no tecido azul e começaram a fazer o barulho da água com a boca e movimentando os braços como se estivessem nadando. Na hora de subir na montanha (cadeiras), eles adoraram, falando que estavam grandes. Ao final do dia percebi que a Emanuele começou a unir as cadeiras para repetir a cena na montanha. Fotografia 6: Entrando na “floresta “ O momento mais esperado foi o de entrar na caverna. Quando falei: - Olha lá uma caverna todos correram para a porta de entrada. Lá dentro eles mudavam o tom de voz dizendo estava tudo escuro. Tapando o nariz falavam: - Tem um cheiro engraçado. Quando disse que era um gambá as crianças saíram correndo e gritando sala. Fotografia 7: Helena na caverna Quando a história terminou, eles queriam voltar para a caverna, voltamos então e ouvimos o cd que tem esta história com os sons gravados. Depois eles ficaram lá embaixo brincando de imitar monstros. Percebendo o entusiasmo com a brincadeira, comecei a bater na porta e mudar a voz dizendo que era o monstro, novamente os pequenos saíram correndo e gritando. Após o lanche nos reunimos em uma roda no chão e falei que ia apresentar uma música diferente das que costumamos ouvir. Coloquei a música clássica de Beethoven, que inicia com uma batida bem marcante, a Melissa pergunta: - O que vai acontecer? Ao dizer que poderiam ficar como quisessem alguns foram deitando, outros ficaram sentados, mas o Gabriel quis levantar e começou a dançar. O Nicolas estava bem do lado do aparelho de som, e ficou muito concentrado ouvindo. Depois de um tempo o Kaio perguntou se não ia começar, demonstrando assim qual o conceito que eles tem de música, pois sua fala demonstrou que ele queria saber se não iam começar a cantar naquela música. Em um momento o Kaio sentou-se e seu cadarço estava desamarrado, então ele começou a brincar de acordo com o ritmo da música, quando ficava rápida ele cruzava as tiras do cadarço rapidamente e quando ficava mais lenta ele movimentava bem devagar. Expliquei que era um estilo musical, que não tinha ninguém cantando apenas tocando algum instrumento, disse a eles que essa música é chamada de música clássica. Fotografia 8: Ouvindo música clássica Todas as crianças estavam presentes neste dia, todos quiseram participar das atividades propostas. PROPOSIÇÃO 4 Tema: Imitando os animais Objetivo: Reproduzir o som de diferentes animais através da história da Dona Baratinha. Desenvolvimento: Iniciar o encontro com uma música clássica devido ao interesse das crianças quando lhes foi apresentado esse estilo musical. Como estava na semana da Independência, trabalhei com o assunto, iniciando uma conversa sobre o que significa ser independente, qual é o nosso país, nossa bandeira, nosso hino. Juntos vamos segurar a bandeira ouvindo o hino, observando qual a reação das crianças com essa música. Convidá-los a formar um grupo sentado no chão, e contar a história da Dona Baratinha, pedindo a ajuda das crianças para contar a história. Roteiro da História: “Era uma vez uma Baratinha que tinha muito dinheiro, mas certo dia ela resolveu que queria se casar. Arrumou-se bem bonita, passou perfume e foi para a janela, onde cantava: Quem quer casar com a Dona Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha! Logo se aproximou da janela um lindo cachorro, que foi chegando devagar perto da janela. Então a Dona Baratinha disse: - Nossa que pêlo macio que você tem seu Cachorro, você é tão bonito, mas para eu casar com o senhor preciso saber qual barulho você faz ( as crianças imitam então o som do animal). Nossa você é muito barulhento, vai embora! E lá foi o seu cachorro todo triste para casa. Em seguida a Dona Baratinha voltou para a janela e novamente começou a cantar: Quem quer casar com a Dona Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha! Apareceu um belo galo. Ela então falou: - Nossa, que penas brilhantes que você tem e que bico bonito o seu, mas para eu casar com o senhor preciso saber como você faz! (as crianças imitam o som do galo). Ai, ai que barulho horrível, está doendo minha cabeça, não quero acordar com esse som todo dia, vai embora... e lá foi todo chateado o Senhor galo. Foi arrumar-se de novo, trocou-se de roupa para ver se dava sorte de encontrar um noivo, voltou para janela e cantou: Quem quer casar com a Dona Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha! Apareceu o Senhor Leão, que chegou de mansinho. A barata logo quis saber qual o barulho que ele fazia (imitação do som pelas crianças). Que medo, você me assustou, não quero casar com quem me dá medo, vai embora! E lá se foi mais um pretendente. Já desanimada a Dona baratinha disse: - Agora é a última vez que eu vou tentar casar, se não aparecer ninguém legal não caso mais. Ficou por um tempo na janela cantando... quem quer casar com a Dona Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha! Apareceu então o senhor barato, ela ficou muito animada com esse pretendente, pois se parecia muito com ela, e disse: - Que lindo você é, mas para eu casar com você preciso saber que barulho você faz (as crianças imitam). E, nesse momento, ela percebeu que o som que ele fazia era muito baixinho e não a incomodava, disse então que aceitava casar com ele. Os dois se casaram e ficaram muito felizes juntos. Conversar sobre a história sobre os diferentes sons de animais e propor a imitação de outros que não são tão conhecidos, como o jacaré, o elefante, sapo, etc. Avaliação: será analisada conforme interesse e participação das crianças. Recursos: tampinhas. Referencial Teórico: Podemos pesquisar e experimentar os mais diversos sons vocais: imitar vozes dos animais, o barulho da água, do trovão, o som de instrumentos musicais, o ruído de portas abrindo [...]. Também podemos explorar os sons produzidos com o corpo: batendo palma de diferentes maneiras. (BRITO, p. 163, 2003). REGISTRO DA 4ª PROPOSIÇÃO Neste dia as crianças pareciam mais familiarizadas com a música clássica, pois assim que começou a tocar a Marina logo disse que era outra música clássica. Essa versão de música era mais calma, o Gabriel deitou e segurou a mão da Maria Vitória. Foi proposto pela instituição que se falasse com as crianças sobre a Independência. Conversamos sobre o nosso país, qual o nome, e que cada país tem uma bandeira, um música. Juntos abrimos então a bandeira e conversamos sobre o significado de cada uma das cores. Enquanto segurávamos coloquei o hino nacional para tocar, logo o Kaio disse que era a música do jogo do Brasil. O Gabriel e a Helena mesmo não sabendo a letra tentavam cantar. As crianças ficavam agitando a bandeira, enquanto o hino ia sendo tocado, quando acabou todos levantaram a bandeira e ficaram embaixo dela, dizendo: - Uma caverna! Fotografia 9: Experiência com o hino Nacional Antes das folhas serem distribuídas as crianças começaram a unir as mãos no centro da mesa e levantavam dizendo: - “ eh! eh!”. Perguntei quem gostava dos animais, e em conjunto todos levantaram a mão dizendo: - Eu! Cada um disse o bicho que mais gostava imitando som. Iniciei a história da Dona Baratinha, e falei que eles que iriam imitar o som dos animais para me ajudar na história. Não se contentaram com a reprodução dos sons e faziam o movimento dos animais. A Helena adorou a música que a Dona baratinha cantava, e sempre acompanhando com batidas de palma. Imitaram o som do leão, do galo, do cachorro, eles tentavam fazer bem forte para impressionar a Dona baratinha, mas para minha surpresa no momento de imitar o som do barato o silêncio prevaleceu. E, quando disse que a Dona Baratinha resolveu casar com o Senhor Barato eles fizeram uma comemoração aplaudindo. Perguntava qual o som que o sapo faz, e as crianças pulavam e diziam: - Rebt, rebt! Como faz o elefante e eles colocavam a mão na boca significando a tromba e faziam: - Uh, uh! Para imitar a cobra eles começaram a arrastar-se no chão, colocando a língua para fora e fazendo: - Si, si, si! E assim com outros amimais. PROPOSIÇÃO 5 Tema: Desenhando o som e descobrindo objetos pelo barulho Objetivo: Através da melodia tocada desenhar o que sentir vontade impulsionado pela música. Desenvolvimento: Iniciar o encontro pedindo para as crianças deitarem no tapete de barriga para baixo e distribuir uma folha e caneta hidrocor para cada um, depois por para tocar a música clássica de Beethoven- Symphony No. 9, e explicar que no papel eles vão desenhar o ritmo da música como se sentirem mais a vontade. Em seguida, reunidos em roda, utilizarei o baú mágico com vários objetos como papel, plástico, colheres, latas, tesoura, pandeiro, tambor, chocalho e violão de brinquedo. Instigar as crianças a descobrir que objeto é através do som que ele produz quando manuseado dentro da caixa. Em seguida ouviremos um CD, com vários sons: vento, chuva, buzinas, etc. A ideia é que descubram o que produz determinados sons. Após o parque teremos dois momentos, utilizando músicas com ritmos diferentes. No primeiro as músicas serão tocadas, algumas com uma melodia mais calmas e outras mais agitadas, observando assim a reação das crianças de acordo com cada um desses ritmos. Proporcionar um momento de descontração com as músicas, realizando a dança da cadeira com os pequenos. Recursos: flauta, CD, papel, cadeiras, caneta hidrocor, folhas de papel ofício, colheres, latas, pandeiro, violão, chocalho, tambor ambos de brinquedo. Referencial Teórico: O reconhecimento do estímulo sonoro ocorre quando a criança reage a ele, dando-lhe um significado. (NICOLAU, p. 200, 1986) 5ª PROPOSIÇÃO Nesta proposição algumas coisas bem interessantes foram observadas, como por exemplo no momento de desenhar a música. Assim que coloquei a música a Marina e a Melissa logo falaram que se tratava de uma música clássica e ainda disseram: - Só é tocada com instrumentos. No momento de desenhar falei que quem quisesse fechar o olho poderia. A Melissa estava tão concentrada que começou a desenhar também no tapete em que estavam deitados sem perceber. O Kaio mostrou, movimentando a mão de um lado para o outro que sentia vontade de fazer esse movimento rápido e devagar quando ouvia a música. O Gabriel estava desenhando e falando que era a mana, a mãe, o pai e o mano. Durante a realização da atividade observei que alguns realmente seguiam o movimento da música, fazendo traços rápidos quando a música assim era tocada e traços lentos quando ficava mais tranqüila. Pareceram viver intensamente momento do desenho, pois pediram outra folha para continuar desenhando. Durante o lanche o Gabriel e o Gustavo olhavam para seus desenhos pendurados e diziam: - Esse é meu!. Fotografia 10: Desenhando a música clássica Assim que surgiu o baú mágico logo perguntaram o que tinha dentro. Respondi então que eles iriam descobrir sem olhar, apenas escutando o barulho que o objeto produzia. Primeiramente comecei a amassar o papel a Marina já falou o que era. Quando comecei a abrir e fechar a tesoura o Kaio respondeu que era uma colher, ao sacudir o plástico a Melissa disse que era uma sacola, e foram descobrindo um por um. Descobrimos os sons também através de um Cd em que haviam diversos sons gravados. Alguns como liquidificador e piano eles sentiram mais dificuldade em descobrir o que produzia o barulho. Retomamos o baú mágico e utilizamos os instrumentos de brinquedo, como tambor, chocalho, violão, flauta e o pandeiro, que foi o que mais chamou atenção dos pequenos. O Kaio perguntou se eu ia dar para eles aqueles instrumentos. Respondi positivamente e assim peguei outros instrumentos iguais aqueles para que cada criança pudesse utilizar um. Os pequenos foram levantando e juntos começamos a cantar algumas músicas infantis como: Aiolé, aiolé foi na loja do mestre André/ Foi na loja do mestre André que eu comprei um violão Dim dim dom violão/ Aiole, aiolé foi na loja do mestre André/ Foi na loja do mestre André que eu comprei um tamborzinho, bum! Bum tamborzinho./ Aiolé, aiolé foi na loja do mestre André/ Foi na loja do mestre André que eu comprei um pininho, um chocalho, uma flauta... Fotografia 11: Que som é esse? Dançar no ritmo de diferentes músicas foi outra situação interessante. Inicialmente, quando coloquei músicas com um ritmo mais tranqüilo eles se embalavam lentamente, ao contrário das canções mais agitadas onde eles pulavam, giravam e até davam as mãos para rodar. Fui alternando entre músicas lentas e mais agitadas de diferentes estilos. Depois de algumas mudanças voltei para a música lenta, mas eles continuaram a pular e rodar agitados. Ao propor a dança da cadeira percebi que a animação foi imediata e cada um foi pegando uma cadeira e levando para o centro da sala. Expliquei como seguia a brincadeira e que no momento que a música parasse poderiam sentar em qualquer cadeira. Disse-lhes que quem ficasse sem a cadeira não deveria ficar triste, pois ia torcer pelos amigos que ficavam e assim ia animando as crianças a cada cadeira que ia sendo retirada. Todos aplaudiam quem ia ficando e no final os meninos diziam que o Kaio iria vencer e as meninas diziam que a vencedora seria a Marina. Mas quando a brincadeira encerrou nos reunimos todos e comemoramos juntos. A Melissa pediu para brincarmos novamente. Fotografia 12: Dança da cadeira Neste dia faltaram três crianças, o Nicolas, a Yasmin e a Helena. As crianças que estavam presentes participaram das atividades propostas. PROPOSIÇÃO 6 Tema: Tocando e cantando com violão Objetivo: Proporcionar o contato das crianças com um violão de verdade e confeccionar este instrumento com material reciclável. Desenvolvimento: Preparar a sala com tapete e com uma janela de fantoches para que a surpresa - o violão - fique escondida, estimulando as crianças a descobrirem qual a novidade apenas pelo som do instrumento. Pedir para o convidado que toque alguma música que ele goste para os pequenos. Em seguida permitir que elas tenham a oportunidade de poder tocar com o violão observando quais as reações diante do instrumento. Em seguida conversar um pouco sobre o violão, que é um instrumento de cordas, mostrar como as notas são realizadas e os diferentes sons produzidos por ele. Depois das crianças terem esse contato com esse instrumento, estimular a criatividade confeccionando violões com caixas de papelão, para que eles possam brincar e realizar suas criações a partir da experiência com o instrumento verdadeiro. Recursos: violão, caixa de sapato, papel colorido picado, elástico, tesoura, cola e palito de churrasco. Referencial Teórico: Tão importante quanto confeccionar os próprios instrumentos e objetos sonoros é poder fazer música com eles, postura essencial a ser adotada nesse processo. (RCNEI, 1998, p.69) REGISTRO DA 6ª PROPOSIÇÃO Preparei nosso ambiente com tapete e uma janela de teatro, para que o nosso convidado ficasse escondido atrás com o violão (o convidado foi uma criança de 10 anos de outro grupo da instituição). Avisei antes de entrarmos que tínhamos uma surpresa, a reação dos pequenos foi de comemoração. Quando entraram logo perguntaram que história ia acontecer. Neste momento a pessoa que estava escondida produziu um som com o instrumento. Perguntei o que era, o Kaio e o Gustavo disseram que era uma música. Indaguei dizendo música de que? A Melissa disse que era do violão. A Helena estava muito curiosa para saber quem estava atrás da cortina do teatro, pedi então que o convidado saísse de trás da janela e cantasse uma música para as crianças. Ele então tocou e cantou uma música do Zezé de Camargo e Luciano (O dia que saí de casa). Eles ficaram bem atentos a canção, alguns se movimentavam no embalo da música, outros ficaram parados apenas observando. Como eu havia aprendido tocar algumas músicas infantis, cantei e toquei também para as crianças a música “era uma casa muito engraçada, não tinha teto não tinha nada...”. Eles prestavam muito atenção aos movimentos que eu realizava com a mão. Depois mostrei que cada vez que os dedos mudavam de posição representava uma nota musical, um som diferente. Perguntaram por que tinha um furo no meio. Explique que aquele buraco servia para o som sair. Quando perguntei se alguém queria tocar com o violão, a resposta foi unânime, todos responderam que sim. Assim um por vez foi tendo a oportunidade de explorar o instrumento. O Kaio e o Nicolas observaram que os dedos iam mudando de posição enquanto a música ia sendo tocada, tentavam fazer o mesmo. Quando o violão era colocado no colo das crianças eles diziam “que grande!”. No momento da Yasmin tocar ela levantou-se e foi até a cadeira, mas mudou de idéia e não quis mais. A Melissa além de produzir o som queria cantar também. Duas meninas não estavam presentes nesse momento que tocamos e cantamos com o violão, pois chegaram mais tarde. Fotografia 13: Kaio tocando violão Em seguida confeccionamos nosso próprio violão, utilizando caixas de sapato, palito de churrasco e elástico. As crianças iam decorando o “braço” do violão enquanto as caixas iam sendo encapadas. Todos esperavam ansiosos para que o seu instrumento fosse montado. Ao colocar as cordas a primeira reação dos pequenos foi produzir som movimentando-as. Quando todos os instrumentos estavam prontos cada um recebeu o seu e juntos cantamos a música da borboletinha que a Melissa queria. O Gustavo queria saber se iam levar o instrumento para casa, respondi que sim. Conforme iam saindo uma criança lembrava a outra de pegar o violão. PROPOSIÇÃO 7 Tema: Brincando de roda Objetivo: Resgatar a cada dia alguma cantiga de roda que não é tão conhecida, além das mais familiarizadas pelas crianças. Em seguida confeccionar tambores e chocalhos. Desenvolvimento: Reunir as crianças no pátio da escola e conversar sobre o que eles sabem de brincadeira de rodas, explicando o sentido dessas cantigas, incentivá-los a conversar com seus pais e avós sobre como eram as brincadeiras em seus tempos. Convidar as crianças de um grupo diferente para ficar mais interessante a brincadeira de roda. Iniciar apresentando a cantiga da Linda Rosa Juvenil e quais os personagens que fazem parte dela. Mostrar a roupa da Rosa, do Rei, e da Bruxa para começarmos a cantar e dançar. Utilizar algum figurino nas músicas para despertar o interesse e a imaginação dos pequenos. Vamos confeccionar mais alguns instrumentos. Cada criança vai escolher qual prefere confeccionar entre tambor e chocalho. Os tambores vamos decorar com uma colagem na lata de leite ou achocolatado, e para fazer os chocalhos vamos passar o barbante por dentro do carretel de linha para transformá-lo em um brinquedo sonoro. Darei continuidade a músicas de roda, possibilitando que a cada dia as crianças conheçam ou relembrem alguma cantiga de roda, como da Margarida, Terezinha de Jesus, Viuvinha(o), Cirandinha, Atirei o pau no gato. Músicas: ATIREI O PAU NO GATO Atirei o pau no gato, tô, tô /mas o gato, tô, tô /não morreu, reu, reu dona Chica, cá, cá /admirou-se, se /do berrô, do berrô que o gato deu /miau! CIRANDA CIRANDINHA Ciranda, cirandinha /vamos todos cirandar /vamos dar a meia-volta /volta e meia vamos dar /O anel que tu me deste /era vidro e se quebrou /O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou. TEREZINHA DE JESUS Teresinha de Jesus /numa queda foi ao chão /acudiram três cavalheiros /todos três chapéu na mão /O primeiro foi o pai /o segundo, seu irmão /o terceiro foi aquele que à Teresa deu a mão. MARGARIDA Onde está a margarida? /Olê, olê, olá, olá /Onde está a margarida? /Olê, seus cavaleiros /Ela está em seu castelo /Olê, olê, olá , olá /Ela está em seu castelo /Olê, seus cavaleiros. A LINDA ROSA JUVENIL A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil / A linda rosa juvenil, juvenil /Vivia alegre no seu lar, no seu lar, no seu lar /Vivia alegre no seu lar, no seu lar /Mas uma feiticeira má, muito má, muito má /Mas uma feiticeira má, muito má /Adormeceu a rosa assim, bem assim, bem assim /E o tempo correu a passar, a passar, a passar... /E o mato cresceu ao redor, ao redor... /Um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei... /Que despertou a rosa assim, bem assim, bem assim... /Batam palmas para o rei: para o rei, para o rei, para o rei!... Recursos: lata de leite ou Nescau, carretel de linha, barbante, fantasias, papel colorido picado, tesoura, cola. Referencial Teórico: As rodas e brinquedos cantados têm importância vital, por oferecem às crianças as maiores e melhores oportunidades para um primeiro convívio social, reunindo tradições, música e movimento. REGISTRO DA 7ª PROPOSIÇÃO Durante alguns dias busquei fazer um resgate de algumas brincadeiras de roda que não eram muito conhecidas pelas crianças. A cada dia procurei apresentar ou relembrar alguma cantiga. Foi uma surpresa para as crianças quando eu falei que esse tipo de brincadeira era comum na época que seus pais e avós iam para a escola. A Marina, Maria Vitória e Melissa olharam-se e começaram a rir, achando engraçado o fato de seus pais brincarem de roda. Iniciamos neste dia com a cantiga da Rosa Juvenil, utilizando um figurino para identificar os personagens. Foi muito interessante, pois neste momento convidamos também outro grupo de crianças para brincarem conosco no pátio, fizemos uma grande roda e começamos a escolher os personagens. Para minha surpresa todos queriam ser algum dos personagens, pois pareceram muito contentes com a idéia de usar um figurino que caracterizasse a Rosa (um vestido), o Rei( uma camisa) e a bruxa (um chapéu). Começamos a cantar e rodar e os personagens da história iam entrando conforme a letra da música determinava. Quando a Bruxa se aproximava da Rosa fazia um movimento com a mão que significava o feitiço e assim a Rosa caia no chão. O Rei fazia movimento com os dedos como se tivesse uma tesoura para cortar o mato e em seguida dava a mão para a princesa para levantá-la e dançar. Percebi muito entusiasmo com a cantiga e com os personagens. Repetimos várias vezes a música, pois todos queriam ser algum personagem. Além do violão confeccionamos outros instrumentos como chocalho com carretel de linha e com garrafas e tambores de lata. Ao construir o chocalho de carretel, a Maria Vitória começou a soprar o carretel com o se fosse um apito. O Gustavo, Melissa colocaram os objetos nos dedos e brincaram de dedoches, outras crianças ficaram enfileirando os carretéis e rolando na mesa. O mesmo aconteceu quando receberam as latas, pois começaram a experimentar o som que produzia batendo na mesa e sobre ela. Decoramos os instrumentos e cada um escolheu o que queria tocar. Fotografia 14: Maria Vitória assobiando com o carretel Uma das falas do Gustavo me chamou muito atenção, foi no momento que ele se aproximou para entregar o seu tambor, pois ele disse: “Só um pouquinho que eu vou pegar a baqueta”, ou seja os palitos de churrasco que utilizou para tocar o instrumento. Notei então que ele tinha algum conhecimento sobre a bateria ou já teve contato com o mesmo. Num outro momento relacionado às cantigas de roda apresentei a música da Margarida. Como percebi o interesse pelo figurino utilizei também um vestido para que as crianças segurassem na saia da Margarida. As meninas pareceram estar encantadas, pois diziam que a criança que estava no meio parecia uma bailarina. Já os meninos no momento de esticar a saia queriam ir para baixo, como se fosse uma cabana. Aos poucos as “pedras” iam sendo retiradas, ou seja, as crianças iam se abaixando para deixar a margarida aparecer. Eles cantavam com bastante empolgação o seguinte trecho “ apareceu a Margarida olê, olé, olá”. Fotografia 15: Apareceu a Margarida Algumas crianças conheciam a música da Margarida, da Roda Juvenil, mas a canção da Terezinha de Jesus nenhuma delas conhecia. Neste dia também utilizei acessórios como chapéus e vestido. Iam seguindo o que a letra da música falava. O Kaio queria ser o pai da Terezinha, e assim incentivava os outros meninos a participar também, sendo irmão e quem deu a mão para Tereza. Não deixei de cantar com eles as músicas de roda que eles já conheciam como: Atirei o pau no gato, a canoa virou, cirandinha. Notei que o momento mais esperado era o de cair no chão, e eles cantavam com mais entonação pois já conheciam bem a letra e a melodia. Na cantiga da Canoa virou combinamos que a cada nome que fosse falado, cada criança iria se virando de costas na roda, foi uma alegria, pois cada uma que ia se virando era motivo para gargalhada do grupo. Foi muito interessante esse resgate de algumas brincadeiras de roda, pois nenhuma criança ficou sem brincar, e eles realmente pareceram estar interessados pelas personagens e movimentos da cantiga. PROPOSIÇÃO 8 Pensei em proporcionar um momento que ficasse marcado para as crianças com quem trabalho e realizo minha pesquisa de conclusão de curso, com uma experiência musical em um ambiente externo à instituição. Proporcionei então uma visita à Fundação Cultural Franklin Cascaes, de Florianópolis, para assistirmos uma aula de violino. Fomos muito bem recebidos pela professora que ministrava a aula, que já esperava nossa visita, ela foi muito dedicada e interativa com as crianças. Quando chegamos alguns dos alunos estavam afinando o violino e a atenção das crianças se voltou para o que estava acontecendo. Aproximamo-nos dos violinistas e a professora começou a mostrar do que era composto o violino, o arco que é usado para tocar, quantidade de cordas, a diferença do som produzido quando tocado com o dedo e quando utilizado o arco. Fez uma apresentação das pessoas que iam tocar e de cada um de nós, que estávamos lá, de uma maneira bem dinâmica, cada um falava seu nome e o grupo acompanhava com um ritmo de palmas cantando “tá, ta...tatata”. A professora perguntou quem gostava de cantar e todos responderam “eu” em coro. Seguiu interagindo com as crianças perguntando quem conseguia imitar um passarinho, gatinho, leão. As crianças iam respondendo as perguntas e imitando os sons que ela sugeria participando efetivamente do que era proposto. Começaram a tocar uma música com o violino, depois a professora perguntou quem sabia cantar a música “Atirei o pau no gato”, que eles haviam tocado. As crianças cantaram e os violinistas tocaram , mas enquanto isso o Kaio começou a bater na cadeira acompanhando o ritmo da canção. A professora observou o movimento e sugeriu que todos cantassem batendo na cadeira como fez o Kaio. Mostrou então a “família” do violino, com seus tamanhos diferentes, mas a atenção das crianças se voltava para algo grande que estava dentro de uma capa. Chegou o momento de apresentar aquele instrumento, as crianças ficaram muito atentas. Quando foi aberto e colocado em pé, logo eles disseram: - Nossa que grande. A professora falou que o nome era contrabaixo e mostrou o som desse instrumento que é um dos maiores da família do violino. Quando disse que eles poderiam tocar, levantaram-se imediatamente e começaram a manusear. Fotografia 16: Conhecendo o contrabaixo O grupo continuou tocando outras músicas, não se restringindo apenas ao repertório infantil. Teve um momento que a professora perguntou se alguém queria tocar alguma música, se referindo aos seus violinistas, mas a resposta foi de uma das crianças, o Kaio que se levantou dizendo “eu quero”. A professora o chamou e mostrou como segurar o violino e o arco, o Kaio estava ansioso para tocar, e assim fez junto com os demais violinistas. Foi perguntado aos pequenos qual música que eles queriam que fosse tocada e o Gustavo sugeriu a do “jacaré”, as crianças cantaram e ela tocou com o violino. Depois de um tempo a Helena também quis tocar, e assim que pegou o instrumento, aproximou-o do rosto e começou a tocar. Foi sem dúvida uma experiência muito intensa proporcionar o contato com esse instrumento de verdade, relacionando aos diversos sons trabalhados. Sendo muito importante destacar a participação dos pais para a realização deste momento, pois tiveram a disponibilidade de nos levar até o local. As crianças pareceram maravilhadas, pois chegaram à instituição e foram contando as novidades, assim como falavam para os pais sobre o passeio quando eles chegavam para pegá-los.