ANNE RICE
Escreve como A. N. ROQUELAURE
A LIBERTAÇÃO DA BELA
tradução
Maria Beatriz Branquinho da Costa
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PRISIONEIROS NO MAR
(laurent)
A
noitecera.
Mas algo mudou. Tão logo abri meus olhos, soube que estávamos nos aproximando da terra firme.
Mesmo no silêncio sombrio da cabine, eu podia sentir o
cheiro das coisas vivas no continente.
E então a jornada está chegando ao fim, pensei. E finalmente saberemos o que nos aguarda nesse novo cativeiro,
em que estamos destinados a estar ainda mais baixos e mais
abjetos do que antes.
Estava tão aliviado quanto assustado, tão curioso quanto
cheio de temor.
E pela luz da única lanterna noturna, vi Tristan deitado, porém desperto, seu rosto tenso enquanto perscrutava pela escuridão. Ele também sabia que a viagem estava
quase acabando.
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Entretanto, as princesas nuas ainda dormiam, parecendo
bestas exóticas em suas gaiolas de ouro. A pequena e provocante Bela era uma chama amarela em meio à escuridão,
o cabelo ondulado e negro de Rosalynd cobria suas costas alvas até a curva de suas pequenas e roliças nádegas.
E acima, a alta Elena, de estrutura óssea delicada, dormia de
costas para baixo, seu liso cabelo castanho desembaraçado
sobre o travesseiro.
Carnes encantadoras, essas três, nossas delicadas amigas
prisioneiras: os pequenos e bem desenvolvidos braços e pernas de Bela implorando para serem apertados enquanto ela
permanecia aninhada em seus lençóis. A cabeça de Elena
jogada para trás no total abandono do sono, suas longas
pernas esbeltas bem abertas, um joelho contra as barras da
gaiola. Rosalynd se virou quando olhei para ela, seus grandes seios caindo gentilmente para a frente, os mamilos cor-de-rosa escuros e eretos.
E à minha mais distante direita, Dmitri, de cabelos negros, competindo com o loiro Tristan em beleza muscular,
seu rosto estranhamente frio em repouso, apesar de, durante o dia, frequentemente ser o mais gentil e conformado
dentre todos nós. Nós, príncipes, tão enjaulados quanto as
mulheres, provavelmente não parecíamos mais humanos
nem menos exóticos.
E cada um de nós usava uma malha rígida e pequena coberta de ouro entre as pernas, que nos impedia o mais breve
exame de nossos próprios órgãos famintos.
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Acabamos conhecendo bem uns aos outros durante as
longas noites no mar, enquanto nossos guardas não estavam
perto o bastante para ouvir nossos sussurros. E em nossas
horas silenciosas de reflexão e sonho, talvez tenhamos conhecido melhor a nós mesmos.
– Você sente isso, Laurent? – sussurrou Tristan. – Estamos perto da costa.
Tristan era o mais ansioso, o que mais lamentava o senhor que deixara para trás, Nicolas, e ainda por cima observava tudo à sua volta.
– Sim – respondi sob minha respiração, com uma rápida
olhada para ele. Um lampejo de seu olho azul. – Não falta
muito.
– Eu só espero...
– Sim? – disse de novo. – O que há para se esperar, Tristan?
– ... que eles não nos separem.
Não respondi. Me reclinei para trás e fechei os olhos. De
que adiantava falar sobre isso quando em breve tudo seria
revelado? E não podíamos fazer nada para alterar o que quer
que fosse.
– O que quer que aconteça – comentei sonhadoramente
–, estou feliz que a viagem tenha acabado. Estou feliz por
logo termos algum uso novamente.
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Depois dos testes iniciais de nossa paixão, não fomos mais
usados por nossos captores. E ao longo de quinze dias fomos
torturados por nossos próprios desejos, os assistentes pueris
apenas sorrindo gentilmente para nós e rapidamente atando
nossas mãos quando ousávamos tocar os revestimentos da
malha que aprisionava nossas partes íntimas.
Todos sofríamos da mesma forma, parecia, sem nada
que nos distraísse no cativeiro do navio a não ser a visão da
nudez dos demais.
E eu não podia evitar me perguntar se esses jovens cuidadores, tão atenciosos em todos os detalhes, percebiam o
quão implacavelmente fôramos educados nos apetites da
carne, como nossos senhores e senhoras na corte da rainha
nos ensinaram a desejar até mesmo o estalo do cinto para
aliviar o fogo dentro de nós.
Nem a metade de um dia da antiga servidão se passou
sem um meticuloso uso de nosso corpo, e até mesmo o
mais obediente de nós recebera constantes castigos severos.
E aqueles enviados do castelo à penitência da vila tampouco
conheceram um breve descanso.
Mas aqueles eram mundos diferentes, como eu e Tristan
frequentemente concluíamos durante nossas conversas noturnas sussurradas. Tanto na vila quanto no castelo, era esperado apenas que disséssemos, se tanto, “Sim, meu senhor”
ou “Sim, minha senhora”. E recebemos ordens expressas
e fôramos enviados de vez em quando para fazer serviços
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desacompanhados. Tristan até mesmo tivera longas conversas com seu querido senhor, Nicolas.
Mas fôramos avisados mesmo antes de deixar os domínios da rainha que esses serviçais do sultão nos tratariam
como se fôssemos animais mudos. Mesmo que conseguíssemos compreender seu estranho idioma estrangeiro, nunca
falariam conosco. E na terra do sultão, qualquer vil escravo
do prazer que falasse mereceria imediata e severa punição.
Os avisos se provaram verdadeiros. Durante toda a viagem, fomos afagados, acariciados, apertados e conduzidos
em gentil e condescendente silêncio.
Quando, por desespero e tédio, a princesa Elena falou
alto, implorando para que a tirassem da gaiola, foi rapidamente amordaçada, seus tornozelos e pulsos atados às suas
pequenas costas, seu corpo, que se contorcia, suspenso no
teto da cabine. E lá permaneceu, os assistentes a olhando
com o semblante fechado, chocados e ultrajados, até que ela
desistira de seus protestos em vão e abafados.
E depois fora trazida para baixo com extrema gentileza e
cuidado. Os lábios silenciosos dela foram beijados, seus doloridos pulsos e tornozelos receberam óleos até que as marcas vermelhas das amarras de couro tivessem desaparecido.
Os jovens meninos com robes de seda até mesmo pentearam os cabelos castanhos de Elena, macios e cheios de
brilho, e massagearam suas nádegas e costas com seus dedos fortes, como se irascíveis bestinhas como nós devessem
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ser amainadas em suas maneiras. É claro, pararam tão logo
perceberam que a suave sombra de pelos castanhos ondulados entre as pernas de Elena estavam úmidos, e que ela não
podia evitar mover os quadris contra a seda do colchão, tão
excitada que estava pelo toque deles.
Com pequenos gestos de repreensão e meneando as ca­
beças, eles a fizeram se ajoelhar, segurando seus pulsos novamente enquanto encaixavam em sua pequena vagina a
inflexível cobertura de metal, com as correntes que circulavam suas coxas apertadas firmemente. Então fora instalada
novamente em sua gaiola, braços e pernas atados às barras
com grossas fitas de cetim.
Ainda assim, essa demonstração de paixão não os enfurecera. Pelo contrário, acariciaram o sexo úmido dela antes de
cobri-lo, sorrindo para ela como se para aprovar seu calor,
sua necessidade. Do mesmo jeito, todo o lamento do mundo não despertara a piedade neles.
E o restante de nós apenas observara em um silêncio
libidinoso, nossos próprios órgãos famintos pulsando em
vão. Eu queria escalar a gaiola dela e arrancar o pequeno
escudo de malha de ouro e apunhalar com meu pênis o
pequeno e úmido ninho feito para ele. Queria abrir a sua
boca com a minha língua. Queria espremer seus seios com
minhas mãos, sugar os pequenos mamilos cor de coral, e vê-la corada pelo prazer vibrante enquanto eu a conduzia até o
fim. Mas esses eram sonhos dolorosos. Elena e eu podíamos
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apenas olhar um para o outro, enquanto acalentávamos em
silêncio a esperança de que cedo ou tarde nos seria permitido o êxtase dos braços um do outro.
A delicada e pequena Bela era ainda mais intrigante, e a
robusta Rosalynd, com seus grandes olhos pesarosos, absolutamente voluptuosa, mas era Elena quem tinha toda essa
inteligência e desdém sombrio pelo que ocorrera conosco.
Durante nossas conversas sussurradas, rira de nosso destino,
jogando seus pesados cabelos sobre o ombro ao falar.
– Quem já teve três alternativas tão maravilhosas, Laurent? – perguntou. – O palácio do sultão, a vila, o castelo.
Estou dizendo, em qualquer um deles posso encontrar prazeres para me satisfazer.
– Mas, querida, você não sabe como será no palácio do
sultão – respondi. – A rainha tinha centenas de escravos
nus. Na vila havia centenas em serviço. E se o sultão tiver ainda mais do que isso... escravos de todos os reinos do
Leste e do Oeste, tantos escravos que pode usá-los como
descanso de pés?
– Você acha que ele tem? – perguntou Elena excitadamente. Seu sorriso se tornou charmosamente insolente.
Que lábios úmidos, e que lindos dentes. – Então temos que
achar um jeito de nos destacarmos, Laurent. – Ela apoiou o
queixo na mão. – Não quero ser apenas mais uma entre mil
príncipes e princesinhas sofredores. Temos que nos certificar de que o sultão saiba quem somos.
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– Ideias perigosas, meu amor – respondi –, quando não
podemos nem falar com ninguém e ninguém pode falar
com a gente, quando somos mimados e punidos como simples bestinhas.
– Vamos achar um jeito, Laurent – disse ela, com uma
piscadela maliciosa. – Você já deixou que alguma coisa te
assustasse antes? Você fugiu só para saber como seria ser
capturado, não foi?
– Você é muito perspicaz, Elena. O que te faz pensar que
não fugi por medo?
– Sei que não foi por isso. Ninguém nunca fugiu do palácio da rainha por medo. Sempre é motivado pelo espírito
de aventura. Comigo foi assim, sabe. Esse foi o motivo pelo
qual fui sentenciada à vila.
– E valeu a pena, minha querida? – perguntei. Ah, se eu
pelo menos pudesse beijá-la, fazer com que ela despejasse
sua impetuosidade em minha boca, beliscar seus pequenos
mamilos. Era uma enorme crueldade eu nunca ter sequer
chegado perto dela durante nossos dias no castelo.
– Sim, valeu a pena – respondeu Elena, pensativa. Ela estava na vila havia um ano quando o ataque aconteceu, uma
escrava de fazenda do lorde Mayor, trabalhando em seus
jardins, procurando por ervas daninhas no gramado com
os dentes, de quatro, o jardineiro um homem corpulento e
severo que sempre tinha um chicote nas mãos.
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– Mas eu estava pronta para algo diferente – disse Elena,
virando-se de costas, deixando que suas pernas se separassem, como sempre fazia. Eu não conseguia parar de olhar
para os espessos pelos castanhos de seu sexo sob a proteção
entrelaçada de ouro. – E então os soldados do sultão vieram, como se eu os tivesse convocado com minha imaginação. Lembre-se, Laurent, temos que fazer alguma coisa para
nos destacarmos dos demais.
Eu ri sozinho. Gostava de seu entusiasmo.
Mas naquele momento eu gostava de todos eles: Tristan,
uma encantadora mistura de força e carência, que suportava
seu sofrimento em silêncio; e Dmitri e Rosalynd, ambos
contritos e dedicados a agradar, como se tivessem nascidos
escravos, em vez de na realeza.
Porém, Dmitri não conseguia controlar sua agitação ou
sua luxúria, não conseguia se manter quieto para receber a
punição ou ser usado, embora sua mente estivesse repleta
de nada além de bons pensamentos a respeito de amor e
submissão. Passara sua curta sentença na vila exposto no
pelourinho na praça das punições públicas, aguardando
suas chicotadas na plataforma giratória pública. E Rosalynd
também não conhecia algo parecido com controle ao menos que estivesse acorrentada. Ambos esperavam que a vila
purgasse seus medos, permitisse a eles servir com a elegância
que admiravam nos outros.
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Quanto a Bela, bem, perto de Elena, era a mais encantadora, a escrava mais incomum. Ela parecia fria, ainda
que fosse inegavelmente doce, atenciosa e rebelde. De vez
em quando, durante as noites escuras no mar, a flagrava
olhando para mim por entre as barras de sua gaiola com
uma enigmática expressão em seu pequeno e forte rosto,
seus lábios se afastando facilmente em um sorriso quando
eu devolvia o olhar.
Quando Tristan chorava, ela dizia suavemente em sua
defesa:
– Ele amava seu senhor. – E encolhia os ombros como se
achasse isso triste, mas incompreensível.
– E você não amava ninguém? – perguntei a ela uma noite.
– Não, não de verdade – respondeu. – Apenas outros
escravos uma vez ou outra... – E veio o olhar provocante que fez com que meu pau despertasse na mesma hora.
Havia algo de selvagem nela, algo intocado, em toda a sua
aparente fragilidade.
Entretanto, de vez em quando, parecia incomodada em
sua resistência.
– O que significaria amá-los? – perguntara uma vez, quase como se conversasse consigo mesma. – O que significaria entregar completamente meu coração? As punições, eu
amo. Mas amar um dos senhores ou das senhoras... – De
repente, pareceu assustada.
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– Isso a perturba – respondi, demonstrando compreender. As noites no mar tinham seus efeitos sobre todos nós.
O isolamento tinha seu efeito em todos nós.
– Sim. Desejo algo que ainda não encontrei – sussurrou.
– Nego, mas desejo isso. Talvez seja porque não encontrei
um senhor ou uma senhora apropriados.
– O príncipe real foi quem trouxe você para o reino.
Com certeza você o considerou um senhor verdadeiramente
magnífico.
– Não, de forma alguma – respondeu Bela distraidamente. – Mal me lembro dele. Ele não me despertava nenhum
interesse, sabe. O que aconteceria se eu fosse subordinada
a alguém que me interessasse? – E seus olhos exibiram um
brilho estranho, como se vislumbrassem pela primeira vez
todo um novo reino de possibilidades.
– Não posso lhe dar essa resposta – disse, sentindo-se
subitamente perdido. Até aquele momento eu estivera certo
de que amara minha senhora, lady Elvera. Mas agora já não
tinha tanta certeza. Talvez Bela falasse de um amor melhor
e mais profundo do que eu jamais conhecera.
O fato era: Bela me interessava. Ela, que se deitava fora de
meu alcance em sua cama de seda, seus membros despidos
tão perfeitos quanto uma escultura na semiescuridão, seus
olhos cheios de segredos revelados pela metade.
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Ainda assim, todos nós, apesar de nossas diferenças, nossas
conversas sobre amor, éramos verdadeiros escravos. Isso era
certo.
Fôramos expostos e inalteravelmente transformados por
nossa servidão. Não importavam nossos temores e conflitos,
não éramos aqueles seres constrangidos, pasmados de antes.
Nadávamos, cada um em seu próprio ritmo, na deslumbrante corrente do tormento erótico.
E deitado, ao refletir, procurava entender as importantes
diferenças entre a vida do castelo e a vida na vila, e tentar adivinhar o que esse novo cativeiro no sultanato nos prometia.
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