V Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra
UMA CLASSIFICAÇÃO ESPONTÂNEA DE ROCHAS E MINERAIS
<AN ESPONTANEOUS CLASSIFICATION OF ROCKS AND MINERALS >
MARIA JOSE MESQUITA, SILVIA FIGUEIRÔA, JEFFERSON L. PICANÇO, JACINTA ENZWEILER , MÁRCIA E. B.
GOMES, JAQUELINE FREITAS, MATHEUS F. ANCELMI
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS APLICADO AO ENSINO, IG,UNICAMP
Rua João Pandiá Calôgenas 51 CEP 13083-870, Caixa Postal 6152, Campinas,SP
[email protected] , [email protected] , [email protected] ,
[email protected] , [email protected] , [email protected],
[email protected]
Abstract
The analyzed experience has been applied at the Course of Mineralogy to the Undergraduate Program in Chemistry, UNICAMP, Campinas,
São Paulo, for teachers of the Department of Geosciences Applied to Teaching, Geosciences Institute since 1988. The data in this article are
specific to the first half of 2011 scholar year. The activity consists of spontaneous classification of rocks and minerals from sets of random
samples. The goal is to have students construct knowledge rather than memorized a classification imposed by the teacher as well as to participate actively and collaboratively on the experience of learning science. This becomes more relevant because the students are from a non
geological course and, therefore, have no prior basis in Geosciences, nether will have another curricular opportunity to consolidate their
content learning.
Keywords – spontaneous classification, minerals and rocks, education research, DGAE, IG-UNICAMP
Resumo
A experiência analisada vem sendo aplicada na Disciplina de Mineralogia para o Curso de Graduação em Química da UNICAMP, Campinas, por professores do Departamento de Geociências Aplicado ao Ensino do Instituto de Geociências , desde 1988. Os dados referidos
neste artigo são específicos do primeiro semestre de 2011. A atividade consiste na classificação espontânea de rochas e minerais a partir de
conjuntos de amostras aleatórias. O objetivo foi fazer com que os estudantes construíssem conhecimento ao invés de recorrerem à memorização de uma classificação imposta pelo professor, bem como que participassem ativa e colaborativamente da experiência do aprendizado
científico. Isso se faz mais relevante por se tratar de estudantes de um curso não geológico e que, portanto, não possuem embasamento
prévio em Geociências, nem terão outra oportunidade curricular para consolidar seu aprendizado.
Palavras-chave
- classificação espontânea, minerais e rochas, pesquisa em educação, DGAE, IG-UNICAMP.
Linha temática
- Ensino de Geociências no Ensino Médio e Ensino Superior
1
Introdução
Muitos autores têm chamado à atenção para que se
tenha um melhor uso dos laboratórios de Geociências, entre eles Barstow & Geary (2002). Apedoe et
al. (2006) salientam a importância do aprendizado
baseado na indagação (inquiry-based learning) e
alfabetização visual para o desenvolvimento do pensamento crítico, habilidade de resolver problemas
científicos e desenvolver conhecimento científico.
Conforme Buchwald (1997, p. 327), citado por Apedoe et al. (2006), a educação nos cursos de graduação
tende a enfatizar o conhecimento, mas não a maneira
de pensar e fazer.
Um estudo de Westerback et al. (1985) demonstra
que os estudantes memorizam as amostras de rocha
disponibilizadas em laboratório ao invés de observar
suas características, o que possibilitaria a identificação das amostras desconhecidas. Com isso, estes ficam ansiosos quando pegam amostras desconhecidas
em avaliações práticas. O aprendizado por rotina leva
a memorizações e consequentemente a erros, pois o
conhecimento é adquirido, mas não plenamente compreendido nem conectado com conhecimento préexistente, não sendo recuperado nem aplicado a outras situações (Dove, 1996). Da mesma maneira, o
V Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra
aprendizado dos tipos de rochas por rotina resulta em
identificação errônea, pois os espécimes variam muito em textura e cor. Westerback & Azer (1991) têm
mencionado que as rochas são gradacionais por natureza e a nomenclatura dos espécimes que ocorrem
próximos a limites de classe é subjetiva.
A presente experiência vem sendo aplicada na Disciplina de Mineralogia para o Curso de Graduação em
Química da UNICAMP, Campinas, por professores
do Departamento de Geociências Aplicado ao Ensino
(DGAE) do Instituto de Geociências (IG), desde
1988, contudo cabe salientar que a profa. Maria
Margaret Lopes era uma das docentes responsáveis
pela disciplina "de 1986 a 2004 e seguia este modelo
de prática". Os dados referidos neste artigo são específicos do primeiro semestre de 2011. A atividade
consiste na classificação espontânea de rochas e minerais a partir de conjuntos de amostras aleatórias. O
objetivo é fazer com que os estudantes construam
conhecimento ao invés de recorrerem à memorização
de uma classificação imposta pelo professor, bem
como que participem ativa e colaborativamente da
experiência do aprendizado científico. Isso se faz
mais relevante, em nossa opinião, por se tratar de
estudantes de um curso não geológico e que, portanto, não possuem embasamento prévio em Geociências, nem terão outra oportunidade curricular para
continuar a trabalhar e consolidar seu aprendizado
deste conteúdo.
2 Método
Quarenta e dois estudantes (de um total de 62 matriculados) de terceiro ano do Curso de Química da
UNICAMP (modalidades bacharelado e Licenciatura) participaram do laboratório da disciplina de Mineralogia ofertada pelo DGAE, IG-UNICAMP. Dois
professores e dois monitores (um de graduação e
outro de pós-graduação, ambos de Geologia) conduziram a experiência. Os estudantes, 19 homens e 22
mulheres, se dividiram em 8 grupos mistos de 3 a 6
participantes. Cada grupo recebeu uma caixa com
seis amostras de rochas de tipos variados (sedimentares, magmáticas e metamórficas) e os materiais de
análise como lupa, canivete, tubo com ácido clorídrico, lâmina de vidro e de porcelana (para qualificar a
dureza). A pergunta proposta para a atividade foi:
“Quais critérios podem ser usados para agrupar os
diferentes tipos de rochas apresentados?”. Estes tiveram uma hora e meia para discutir em grupo e elaborar um documento com seus resultados. Cabe salientar que as 8 caixas não tinham as mesmas rochas e
que esta experiência aconteceu na metade do semestre, sendo que os alunos já tinham trabalhado exaustivamente com minerais, iniciado da mesma forma
(classificação espontânea), sem, no entanto, fornecerse qualquer material auxiliar (como lupas, canivetes,
ácido, etc.). Ao fim deste tempo, cada grupo foi convidado a apresentar os seus resultados para toda a
turma, os quais foram debatidos. Os orientadores
tinham o papel de instigar o debate, perguntar o porquê das escolhas e escrever na lousa as diferentes
características levantadas como critério pelos estudantes. Toda a atividade de apresentação foi filmada.
Ao final, foi conduzida, pelos professores, uma discussão sobre os diferentes critérios de agrupamentos
e comentada a similaridade entre a maioria dos critérios levantados com os critérios mais comuns de descrição de rochas. Os atributos definidos pelos estudantes foram posteriormente analisados com os filmes de cada grupo para melhor entender as suas propostas de classificações. Por fim, foram tabulados de
acordo com as propriedades de rochas conhecidas
nos livros de Geologia, associando aos nomes dados
pelos estudantes.
3 Resultados e Discussões
Os resultados apresentados por cada grupo por escrito e compilados estão na tabela 01.
Foram agrupados como característica de “estrutura
das rochas” conceitos como presença ou não de camadas, alternância de camadas com cores diferentes,
estratificação, “clivagem”. Também foram usados
termos mais descritivos como lamelares ou maciços.
Estes conceitos foram lembrados por todos os grupos
e em alguns casos mais de uma vez, demonstrado sua
eficiência para a classificação.
Os conceitos agrupados em “textura das rochas” refletem conceitos como homogeneidade/ heterogeneidade, número de fases, compactos/arenosos, aglomerados, aspecto físico, tamanho de grão, composição
mineral visível e forma externa da amostra. O aparecimento do conceito de “número de fases” pelo grupo
2, para indicar os diferentes minerais, deve ser decorrente dos estudantes serem alunos do curso de química, já familiarizados com conceitos essenciais da
físico-química. Assim como na discussão travada
entre o que é “homogeneidade e heterogeneidade”
que teve um viés químico. Para a maioria dos grupos,
estes dois conceitos estão ligados à distribuição das
cores (minerais) na amostra ser homogênea ou aleatória (heterogênea). Contudo, o grupo 2 contrapôs que
o conceito de homogeneidade estaria relacionado à
existência de apenas uma fase mineral. O termo “aglomerado” refere-se igualmente a esta distribuição.
O termo “pintinhas” aparece para descrever as amídalas dos basaltos.
A característica “cor” é muitas vezes descrita como
uma cor ou mais de uma cor. Densidade, porosidade,
dureza estão relacionadas a propriedades físicas e
foram empiricamente identificadas.
Observa-se que os estudantes trouxeram os termos
como lamelas, clivagem, hábito, dureza, traço do
conteúdo do laboratório prático de minerais, que tinha sido previamente desenvolvido em aulas anteriores. No caso do hábito, este foi usado para descrever
o formato externo da amostra, como faziam para
V Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra
Tabela 1. Compilação das características das amostras de rochas levantadas por grupo de estudantes (grupos numerados de 1 a 8). Características da primeira coluna nomeadas pelos autores.
Características
Grupos
Critérios dos alunos
1
presença ou não de camadas
3
4
5
6
alternância camadas/estriamento
x
lamelas (camadas)
x
x
x
clivagem
homogeneidade (distribuição de cores homogênea)
/heterogeneidade (distribuição de cores aleatória)
x
x
x
x
número de fases
x
compactos/arenosos
x
aglomerados (distribuição mineral)
x
tamanho das partículas
heterogeneidade (uma cor) /heterogeneidade (mais de
uma)
x
x
x
x
aspecto físico (áspera/lisa/esfarelante)
x
x
composição mineral visível
x
forma (aspecto externo da amostra)
x
densidade
cor
efervescência
x
mais de uma ou uma só
x
ataque ácido
x
efervescência
x
x
x
x
x
x
vítreo/metálico/não-metálico/fosco/nacarado
x
brilho (purpurina) / opacos
hábito
forma externa da amostra (ortorrômbico/maciço)
dureza
quebradiço, esfarelante, duro/mole
asfálicto/chão/sem cheiro
os minerais. Para “lamelas e clivagem”, quando arguidos na apresentação oral, observaram que poderiam substituir por camadas. No caso da dureza e traço,
estes se deram conta que era difícil de testar, pois
teriam diferentes fases minerais com propriedades
distintas.
No grupo 4 tinha um estudante que tinha cursado a
disciplina Elementos de Geologia previamente (pois
cursou Biologia antes de cursar Química) e introduziu conceitos como os tipos de rocha, detalhes de
tipos de brilho, além de observar tipos de camadas
diferentes quanto às diferenças de cor entre elas.
x
x
formação (sedimentar/magmática/metamórfica)
brilho
cheiro
x
x
absorve ou não o ácido
traço
risco colorido ou não
evidência orgânica
conchas
x
x
reage com ácido
porosidade
tipo
8
x
estratificação/flocular
textura
7
x
lamelares/maciças
estrutura
2
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Os problemas que podem ser enfrentados com este
tipo de laboratório são a falta de treinamento dos
professores ou dos auxiliares didáticos (monitores de
graduação ou pós-graduação) na escolha das amostras dependendo do que se quer salientar, ou mesmo
a falta de experiência em desafiar os alunos a este
tipo de atividade. Os estudantes, em um primeiro
momento, tentam obter respostas rapidamente e sem
esforço e os professores devem estar atentos para
acalmar a sua própria ansiedade e a deles. Como exemplo, pode-se discutir a utilização dos diferentes
instrumentos de identificação como ácido clorídrico
ou escala de Mohs, pois estes podem induzir o traba-
V Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra
lho com propriedades que não seriam facilmente percebidas, ou mesmo levar a resultados errôneos. Tais
equipamentos podem dirigir o raciocínio e falsear o
experimento, como já apontado por Dove (1996).
Recomenda-se que a preparação deste tipo de atividade seja cuidadosa para que estes problemas citados
acima sejam diminuídos.
Por fim, salienta-se a enorme facilidade com que
estes estudantes desenvolveram as habilidades necessárias para descrever as diferentes rochas apresentadas (e os minerais em aulas prévias). Acredita-se que
com esta atividade atingem-se os objetivos de desenvolver nos estudantes a capacidade de observação, de
pensar cientificamente e de ter condições de classificar rochas e minerais desconhecidos.
Conforme apreciação da atividade por um
dos auxiliares didáticos, o desafio em caracterizar as
amostras faz com que os estudantes fixem suas percepções nas feições das rochas e minerais, tentando
caracterizá-las. Isso torna as descrições ricas, bem
como as discussões no grupo, tão importantes no
processo de aprendizado e na fixação do conhecimento. Desta forma, a palavra que melhor descreve a
feição observada está em segundo plano e não o contrário. Diferente seria se colocássemos a disposição
uma lista de características previamente estabelecidas
e de uso rotineiro no vocabulário geológico, pois aí o
exercício de descrição seria “tentar encontrar uma
característica na rocha que coubesse dentro dos termos da lista”. Assim o foco do exercício seria outro
(como estabelecer o significado de um termo), deixando de lado a observação geológica.
Um sub-produto importante deste tipo de atividade
colaborativa é a quebra das barreiras sociais na sala
de aula, pois os estudantes transcendem os pequenos
grupos de amizades previamente estabelecidos e interagem para além dos seus círculos sociais estabelecidos, como salienta Kennelly (2009) em um tipo de
atividade interativa similar.
4 Conclusão
Este tipo de atividade, que vem sendo desenvolvida
há mais de 20 anos, pode parecer, em princípio, bastante banal. No entanto, tantas vezes, a eficácia e a
sabedoria residem em pequenas coisas, simples em si
mesmas. Pelas práticas amplamente difundidas em
cursos de graduação, este tipo de atividade ainda é
raro e, mais ainda, em disciplinas para alunos de cursos não-geológicos, pois se assume que, sendo os
estudantes de outras áreas, não teriam condições de
aplicar critérios antes que lhes tenham sido previamente apresentados. Nossa experiência, apoiada inclusive nos resultado das provas e avaliações aplicadas, aponta justamente o contrário: a aprendizagem é
muito mais significativa e eficaz se ancorada nas percepções e saberes prévios dos alunos, de qualquer
idade e de qualquer formação. Cabe a nós, como educadores, sairmos da “zona de conforto” e nos arriscarmos a ouvir o que os estudantes têm a dizer e
trabalhar com o rico material que eles nos podem
oferecer.
Referências Bibliográficas
Apedoe, X. S.; Walker, S. E.; Reeves, T. C. 2006.
Integrating
inquiry-based
learning
into
undergraduate geology. Journal of Geoscience
Education, 54: 3: 414-421.
Barstow, D., and Geary, E., editors, 2002. Blueprint
for change: Report from the national conference
on the revolution in earth and space science
education.
Cambridge,
MA,
Technical
Education Research Center, 100 p.
Dove, J. E. 1996. Student teacher identification of
rock types. Journal of Geoscience Education,
44: 266-269.
Kennelly, P. J. 2009. An online Social networking
approach to reinforce learning of rocks and
minerals. Journal of Geoscience Education, 57:
1: 33-40.
Westerback, M. E. & Azer, N. 1991. Realistic
expectations for rock identification. Journal of
Geoscience Education: 39: 325-330.
Westerback, M. E., Gonçalez, C. & Primavera, L. H.
1985. Comparison of preservice elementary
teachers anxiety about teaching students to
identify minerals and rocks and students in
geology courses anxiety about identification of
minerals and rocks. Journal of Research in
Science Teaching: 22: 1: 63-79.
Download

Rua João Pandiá Calôgenas 51 CEP 13083