ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO SECRETARIA-GERAL DE CONTENCIOSO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 632.853 RECORRENTE: ESTADO DO CEARÁ RECORRIDO: TEREZA MARIA CARVALHO PINHEIRO E OUTROS RELATOR: MINISTRO GILMAR MENDES Concurso Público - Questões de prova objetiva - Possibilidade de ocorrência de ampla discussão, no Plenário do STF, quanto aos limites do controle jurisdicional sobre o ato administrativo de avaliação de questões em concurso público - Existência de interesse da União - Intervenção como amicus curiae Manifestação pelo provimento do recurso. Egrégio Supremo Tribunal Federal, A UNIÃO, representada por seu Advogado-Geral (art. 4°, inciso lII, da Lei Complementar n.o 73/93), nos autos do recurso extraordinário em epígrafe, vem requerer seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, nos termos do art. 543-A, §6°, do Código de Processo Civil, e do art. 323, §2°, do Regimento Interno desse Supremo Tribunal Federal, fazendo-o conforme os seguintes fundamentos de fato e de direito. Secretaria-Geral de Contencioso/AGU I. DO RESUMO DA CONTROVÉRSIA Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Ceará contra o acórdão proferido pela Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará nos autos da Apelação Cível nO 2006.0009.5822-0/1, assim ementado: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDIN/ÍRlA - CONCURSO PÚBLICO - EXAME DAS QUESTÕES OBJETIVAS DO CERTAME QUESITOS QUE ADMITEM MAIS DE UMA RESPOSTA COMO CORRETA - NULIDADE - EDITAL COM INDICAÇÃO DE LITERATURA - RESPOSTAS QUE NÃO SE REGEM PELAS REGRAS EDITALÍCIAS - IMPOSSIBILIDADE - APELAÇÕES CONHECIDAS E IMPROVIDAS. I - O concurso público, de provas e títulos, rege-se pelos princípios da legalidade, da moralidade e da razoabilidade. 11 - Destarte, não se mostram razoáveis os quesitos da prova objetiva que apresentam mais de uma resposta como correta. 111 - Neste sentir, tal situação malfere o princípio da moralidade pública. IV - Igualmente, com aplicação do princípio da legalidade, não pode o concurso público deixar de dar observância estrita ao Edital. V - Neste caso, muito embora o Edital do Certame indicasse literatura própria às matérias a serem submetidas aos certamistas, desconsiderou a doutrina indicada em prol de pesquisadores diversos, o que lhe era defeso. VI - Apelações desprovidas. VII - Remessa oficial desacolhida. VIII - Sentença hostilizada inalterada. " Sustenta o recorrente, em síntese, a ocorrência de ofensa aos arts. 2° e 5°, caput, da Constituição da República, sob o entendimento de que seria vedado ao Poder Judiciário adentrar o mérito administrativo para rever critérios de correção e avaliação impostos pela banca examinadora do concurso público, substituindo-se a ela. O recurso extraordinário em questão, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, trata da "possibilidade de o Poder Judiciário realizar o controle jurisdicional sobre o ato administrativo que profere avaliação de questões em concurso público ". O Plenário Virtual desse Supremo Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria constitucional suscitada, em 07/10/2011. RE 632.853 - ReI. Min. Gilmar Mendes 2 Secretaria-Geral de Contencioso/AGU Dada a relevância da controvérsia constitucional tratada nos autos, vem a União apresentar sua manifestação, a fim de contribuir para a elucidação da questão. 11. DO PEDIDO DE INGRESSO A demanda ora em comento procura discutir, em verdade, a devida extensão do controle jurisdicional em relação à correção de provas de concursos públicos. Como restou demonstrado na manifestação do Ministro Relator, resta li configurada a relevância social e jurídica da matéria, uma vez que a presente demanda ultrapassa os interesses subjetivos da causa, e a solução a ser definida por este Tribunal balizará não apenas este recurso específico, mas todos os processos em que se discute idêntica controvérsia". Nesse sentido, necessária se faz a intervenção da União no feito, agindo em prol do interesse público na avaliação da relevância e da transcendência das matérias constitucionais envolvidas. Acrescente-se, ainda, que a possibilidade de intervenção do amicus curiae no incidente de análise da repercussão geral, no âmbito de uma sociedade democrática e organizada, valoriza em todos os sentidos os pronunciamentos desse Supremo Tribunal Federal l . De fato, quanto maior a participação da sociedade, e a pluralização do debate constitucional, maior serão a estabilidade e a legitimação constitucional das soluções dadas por essa Excelsa Corte, sendo indubitável que 1 TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006). Revista da OAB. Disponível em www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1211289535174218181901.pdf, acesso em 02.02.12. RE 632.853 - ReI. Min. Gilmar Mendes 3 Secretaria-Geral de Contencioso/AGU a atuação do amicus curiae está intimamente ligada ao princípio da segurança jurídica. Segundo a experiência jurisprudencial dessa Suprema Corte, a habilitação para atuar na condição de amicus curiae ou terceiro interessado nos recursos extraordinários processados sob o rito do art. 543-B do Código de Processo Civil depende da demonstração simultânea de dois requisitos: (i) a relevância da matéria; (ii) e a representatividade adequada do requerente. o conceito de relevância, embora de definição bastante fluida, está de certo modo relacionado com a complexidade do tema em apreço e com as múltiplas repercussões que a sua definição poderá projetar sobre as diferentes realidades dos jurisdicionados. Sempre que a solução a ser ministrada puder trazer implicações sociais assimétricas, será conveniente que, antes de decidir, essa Suprema Corte tenha conhecimento desses efeitos, de modo a ponderá-los da melhor maneira possível. Para isso, será necessário que ela franqueie a terceiros a faculdade de apresentar elementos de inforn1ação que singularizem as suas situações jurídicas. Ressalte-se que o amicus curiae deve possuir representatividade, característica essa que está relacionada com a sua finalidade institucional, ao seu aspecto subjetivo, ou seja, se existe pertinência temática entre a matéria em análise e os objetivos institucionais daquele. No caso concreto, tal como exposto pelo Relator, a matéria ultrapassa os interesses subjetivos da causa; sendo assim, importante se faz a intervenção da União, pois, sem dúvidas, é a Pessoa Política que mais realiza concursos públicos em todo o país - destinados ao provimento de cargos nas carreiras das Forças Armadas, no Ministério Público da União, nos Poderes Judiciário e Legislativo Federais, dentre outros. RE 632.853 - ReI. Min. Gilmar Mendes 4 Secretaria-Geral de Contencioso/AGU 111. DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. DA AUTONOMIA DA BANCA EXAMINADORA Preceito constitucional obrigatório, o concurso público tem por objetivo selecionar os indivíduos mais capacitados para exercer determinada atividade nos quadros da Administração Pública. A Constituição Federal (artigo 37, 11) estabeleceu o concurso público como meio de ingresso no Poder Público, buscando com isso a preservação do princípio democrático, garantindo a todos o igual direito de acesso ao serviço público, sem privilegiar um ou outro candidato. Assim, deve o concurso público ser executado com ampla liberdade técnica e científica, em ordem a atender a finalidade para a qual foi destinado. Diante de tais perspectivas, surge a necessidade de serem criados órgãos colegiados dotados de ampla autonomia administrativa, técnica e científica para a execução de atividades relacionadas à seleção e ao recrutamento de pessoal, sem a ingerência política das autoridades superiores dos órgãos e das entidades diretamente interessadas no concurso público. Dessa forma, a banca examinadora, constituída e designada pela autoridade máxima do órgão ou da entidade respectiva, goza de ampla autonomia no exercício de suas funções, sendo responsável pela elaboração do edital, observadas as diretrizes regulamentares, e pela condução do concurso até sua homologação pela autoridade competente, devendo estabelecer as condições, os recursos e as demais providências decorrentes do edital, do regulamento e das disposições legais aplicáveis2 • 2 MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 83/84. RE 632.853 - ReI. Min. Gilmar Mendes 5 Secretaria-Geral de Contencioso/AGU As bancas examinadoras detêm, pois, a chamada discricionariedade técnica, proveniente da liberdade de adotar, dentre um leque de posições cientificamente razoáveis, aquela que melhor atenda ao escopo do concurso público, a partir dos critérios eleitos pela comissão e tendo em vista o princípio da eficiência administrativa. A Administração Pública, em regra, em processos semelhantes ao recurso extraordinário em debate, defende a tese de que não cabe ao Poder Judiciário substituir-se à banca examinadora do concurso público em relação aos critérios de correção de provas e de atribuição de notas, mas tão somente verificar se ocorreu ilegalidade no procedimento administrativo. Assim é que, enl se tratando de exames para provimento de cargos públicos, a atuação do Poder Judiciário limita-se à verificação da legalidade do procedimento adotado, sendo-lhe vedado formular questões, elaborar critérios de julgamento de provas ou atribuir notas aos candidatos. Nem poderia ser diferente, pois a intervenção do Judiciário na elaboração de critérios para a correção de provas implica reapreciação do mérito do ato administrativo, o que violaria a discricionariedade técnica da banca exanlinadora, bem como o postulado primordial da separação dos poderes. Raciocínio diverso culminará, na maioria das vezes, na incursão do mérito administrativo, o que é defeso ao Poder Judiciário. Deveras, apenas é permitido ao Judiciário intervir para controlar a legalidade do ato administrativo, ou seja, quando a comissão responsável pela correção das provas comete vícios no ato de correção, afastando-se, dessa forma, da lei e do edital. Nessas hipóteses, é legítima a invalidação de atos administrativos maculados pela ilegalidade e as questões decorrentes desse procedinle n to. RE 632.853 - ReI. Min. Gilmar Mendes 6 Secretaria-Geral de Contencioso/AGU Somente nas situações que evidenciam, de forma cristalina e irrefutável, condutas abusivas da banca examinadora no contexto da aplicação e correção das provas discursivas, é possível e imperativo o seu controle jurisdicional, no afã de salvaguardar os princípios do concurso público e o primado de sua legalidade 3 . Não compete, pois, ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade, atuar em verdadeira substituição à banca examinadora, apreciando, por exemplo, critérios na formulação de questões e correção de provas. De fato, os critérios utilizados pela comissão avaliadora para correção de provas de Concurso Público não podem ser reapreciados pelo Poder Judiciário, salvo se houver vícios de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. A liberdade outorgada às bancas examinadoras é imprescindível para resguardar a sua autonomia administrativa. Assim, ao serem fixadas regras gerais, uniforme e imparcialmente dirigidas a todos os concorrentes, garante-se isonomia de tratamento e igualdade de condições, constitucionalmente previstas, para o ingresso no serviço público. N esse sentido, a banca examinadora goza de autonomia para estabelecer critérios de correção das provas, complementando, inclusive, a lei do certame. No caso concreto, a intenção de se analisar profundamente os critérios utilizados para a correção das provas subjetivas do certame em tela é intento que ultrapassa a competência do Poder Judiciário, limitado ao exame da legalidade dos atos praticados na realização do concurso, vedada a apreciação do acerto ou desacerto quanto aos critérios na formulação de quesitos e avaliação das respostas. 3 MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o se controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 204 RE 632.853 -Rei. Min. Gilmar Mendes 7 Secretaria-Geral de Contencioso/AGU IV. PEDIDO Ante o exposto, a União requer o seu ingresso no feito e pugna pelo provimento do recurso extraordinário. Advoga ~S -Ge~g:ntenciOSO GRACE MARIA FE Secretária - eral da União MENDONÇA RA~~DE LB~E Advogada da União RE 632.853 - ReI. Min. Gilmar Mendes 8