PENSAR ACADÊMICO
ISSN 1808-6136
Publicação semestral da FACIG – Faculdade de Ciências Gerencias de
Manhuaçu/MG
Editor: Lima Deleon Martins
Lívia Paula de Almeida Lamas
Conselho Editorial: Aloísio Teixeira Garcia
Rita de Cássia Martins de Oliveira Ventura
Thales Reis Hannas
Periodicidade: Semestral
Indexação: Lantidex e Sumários.org
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serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es)”.
Publicação Semestral da FACIG
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
Ano
3
Número
2
2º Semestre
2011
PENSAR ACADÊMICO
ISSN 1808-6136
Revista de Ciências Gerencias da FACIG
Ano 3
Número 2
2º Semestre 2011
Artigos
p. 05 - As raízes do brasileiro – a cordialidade na obra de Sérgio Buarque de Holanda
Amanda Dutra Hot
p. 13 - Abordagem acerca da inclusão de um aluno autista no ensino regular
Lidiane Hott de Fúcio Borges
Hellen Cristine Prata de Oliveira
Élida Tamara Prata de Oliveira
Regina Coeli
p. 23 - Análise dos processos de avaliação e certificação dos serviços de saúde no
processamento de roupas, no procedimento de acreditação hospitalar pelos critérios da
ONA: estudo de caso em um hospital filantrópico de médio porte
Jaqueline Conceição Leite
Mônica de Oliveira Costa
Farana de Oliveira Mariano
p. 35 - Breves apontamentos sobre o papel do direito de resistência na formação dos
estados democráticos de direito
Lívia Paula de Almeida Lamas
p. 39 - Educação e desigualdades regionais: os impactos do Fundeb no Brasil
Paulo Eduardo Frinhani
p. 53 - Educação e novos saberes: a necessidade de uma nova visão sobre a África e os
africanos
Amanda Dutra Hot
Germano Moreira Campos
p. 63 - A questão habitacional em Manhuaçu e a garantia de direitos de cidadania: uma
equação possível?
Luciana Bosco e Silva
Ruteléia Cândida de Souza Silva
Roberto Vicente Silva de Abreu
p. 73 - Cantiga de trabalho: força e resistência contra a severidade do sistema escravista no
Brasil colônia
Luiz Antônio Coutinho
p. 79 - Mulheres chefes de família no Brasil colônia
Sara Bruna Lopes de Souza
j
Hot (2011).
AS RAÍZES DO BRASILEIRO – A CORDIALIDADE NA OBRA DE SÉRGIO BUARQUE DE
HOLANDA
Área temática: História
Amanda Dutra Hot1
1
Mestre em História pela UFOP e professora no curso de História na Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu (FACIG).
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar o conceito de homem cordial, presente
na obra Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Pretende-se demonstrar como o
conceito de homem cordial se desenvolveu e em que medida persiste na história da sociedade
brasileira. Partindo da forma como a colonização do Brasil se deu e da consequente organização
da política e da sociedade brasileira, impostas pelo nosso colonizador, demonstraremos que
nossa atual configuração se deve a esta herança colonizadora.
Palavras chave: cordialidade, identidade, colonização do Brasil.
INTRODUÇÃO
Nas palavras do professor Antônio
Cândido, Raízes do Brasil é um livro que
“nasceu clássico”1, pois fez uma interessante
análise de nossa sociedade colonial. É uma
obra que buscou nas características
presentes nas sociedades ibéricas as origens
para o paternalismo existente nas relações
entre os habitantes da colônia brasileira.
Raízes do Brasil introduz o conceito
de homem cordial como um dos elementos
da sociedade colonial. A cordialidade é
apresentada a partir da sua relação com o
processo de colonização portuguesa no
Brasil e com um tipo de socialização rural e
doméstica (AVELINO FILHO, 1990, p.5).
O que nos interessa no presente
trabalho é tentar mostrar o nascimento e
desenvolvimento do conceito de homem
cordial, desde a colonização portuguesa até
uma realidade mais contemporânea, bem
como o que caracteriza a cordialidade, até
uma discussão do que poderia ser uma
superação ou relativização deste conceito.
Através deste estudo e das
observações já citadas, buscaremos analisar
em que medida a noção de homem cordial,
em Raízes do Brasil, nos indica o caminho
escolhido por Sérgio Buarque de Holanda
para caracterizar uma identidade nacional,
bem como a existência ou não de um “tipo
próprio de cultura”.
1
2
Esta afirmação de Antônio Cândido pode ser
encontrada em CÂNDIDO, Antônio. Prefácio. In:
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. RJ:
José Olympio Editora, 1982.
AS ORIGENS DO HOMEM CORDIAL
A Europa do século XVI se
caracterizou por uma rígida coesão social,
privilégios hereditários e uma hierarquização
na sociedade. Pode-se dizer que Portugal2
constituiu uma exceção a esta regra,
desenvolvendo aquilo que Sérgio Buarque de
Holanda
denominou
“cultura
da
personalidade”.
Nas palavras de Holanda (1982) pela
importância particular que atribuem ao
valor próprio da pessoa humana, à
autonomia de cada um dos homens
em relação aos semelhantes no
tempo e no espaço, devem os
espanhóis e portugueses muito de
sua originalidade nacional.
Dessa forma, o isolamento que a
Península Ibérica encontrou-se, faz com que
os portugueses constituam-se por si
mesmos, pelo esforço pessoal. A partir daí
forma-se uma sociedade que permite grande
mobilidade entre as camadas sociais, devido
ao afrouxamento da estrutura social. Já não
são mais tão rígidos os princípios
Sérgio Buarque de Holanda se refere à
Península Ibérica, mas trataremos mais
detidamente de Portugal, por ter sido nosso
principal colonizador.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 05-12, agosto-dezembro, 2011.
Hot (2011).
hereditários de nobreza, possibilitando a
qualquer pessoa adquirir um título, bastando
para tal, que a mesma tenha considerável
riqueza.
Além da mobilidade social trazida
pelos portugueses, os mesmos, através de
um
processo
de
miscigenação,
proporcionaram um enfraquecimento das
regras familiares. Mesmo depois que os
portugueses trouxeram suas mulheres e
constituíram famílias, a miscigenação sexual
é constante. As relações sexuais entre
brancos e negras tornam-se frequentes e
“aceitas” na colônia, contribuindo para a
miscigenação brasileira e influenciando a
constituição das relações paternalistas no
Brasil.
Até
a
religião,
aparentemente
inabalável, vê-se obrigada a adaptar-se à
realidade da colônia. Os casamentos são
menos frequentes, as festas religiosas
perdem a respeitabilidade antes apresentada
(PRADO JR.,1971, p.355).
Embora Sérgio Buarque de Holanda
não afirme a existência de uma hierarquia
social no Brasil, podemos afirmar que a
mesma existiu, mesmo sendo permeada por
uma
flexibilidade
característica
da
colonização brasileira. A estratificação davase na medida em que havia um senhor,
abastado, no topo da pirâmide social e os
escravos, subordinados, em sua base.
Voltando à colonização portuguesa,
há que se ressaltar a característica do
colonizador
que
aqui
chegou
para
embasarmos o argumento de que o homem
que se configurou nas terras brasileiras e
persiste nos dias atuais (de alguma maneira)
é o homem cordial.
Segundo Holanda, os portugueses
que aqui chegaram não se tratavam de
homens com ocupações já determinadas e
fixas em sua terra, mas sim de aventureiros.
Ou seja, os homens que aceitaram a
empreitada colonizadora vieram com a
intenção de enriquecer em pouco tempo e
obter títulos de nobreza3. Queriam enriquecer
e desfrutar da fortuna em Portugal. Dessa
3
A este respeito ver também o trabalho HOT,
Amanda Dutra. Muito dinheiro e pouca nobreza:
estratégias de ascensão social dos negociantes
no Brasil Colonial (Séculos XVII e XVIII),
publicado nos Anais do II Memorial do ICHS,
disponível
em
http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/h531.pdf.
forma nasce uma nova consciência,
importando para esses homens o mérito e a
virtude e não a nobreza adquirida pela família
através dos tempos ou pela política de dom e
contra dom com o rei.
A característica principal deste tipo de
mentalidade foi, segundo Sérgio Buarque de
Holanda, o desenvolvimento extremado da
“cultura da personalidade”, que se definiria
pelo valor dado à autonomia do homem e à
ausência de qualquer tipo de dependência;
uma espécie de “individualismo radical” que
produz uma situação de luta e competição
constantes na busca da auto superação e
acréscimo de prestígio pessoal (AVELINO
FILHO, 1990, p.6).
Essa mentalidade formará uma frágil
organização portuguesa no Brasil, crítica
constante de Sérgio Buarque de Holanda.
Nas palavras do autor “em terras onde todos
são barões não é possível acordo coletivo
durável, a não ser por uma força exterior
respeitável e temida” (HOLANDA, 1982,
p.4).
Para dar conta da mentalidade
ibérica, Holanda elabora uma tipologia do
“aventureiro” e do “trabalhador”. O
aventureiro seria o colonizador português,
pois para Holanda
Essa exploração dos trópicos não se
processou, em verdade por um
empreendimento metódico e racional,
não emanou de uma vontade
construtora e enérgica, fez-se antes
com desleixo e certo abandono
(HOLANDA, 1982, p.12).
Para comprovar tal argumento o autor
relembra o caráter rural do empreendimento
português que perdurou até bem pouco
tempo atrás. A prática da exploração
desenfreada
e
despreocupada
em
estabelecer raízes e uma estrutura foi
denominada de semeadora. Até mesmo a
forma irregular como a urbanização tardia
constituiu-se alude a esse desleixo do
colonizador português. “A ordem que aceita
não é a que compõem os homens com
trabalho, mas a que fazem com desleixo e
certa liberdade; a ordem do semeador, não a
do ladrilhador” (HOLANDA, 1982, p.82).
A colonização espanhola é tida como
a do ladrilhador, onde o trabalho, a
organização e a urbanização mais ordenada
fazem-se presentes.
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Hot (2011).
Através desta distinção Holanda
constrói as bases de um personalismo aqui
desenvolvido. Mesmo com a abolição da
escravatura, em 1888, o rural predomina,
sendo isto claramente percebido no âmbito
familiar se projetando fora dele. Ou seja, os
vínculos familiares extrapolam o mundo
privado e se estendem ao mundo público.
Isso é bastante perceptível nos “partidos
políticos” da época, em que interesses
individuais e familiares alcançam a política.
Em relação a essa dicotomia
rural/urbano, Buarque de Holanda alega
serem
dois mundos distintos que se
hostilizavam com rancor crescente,
duas mentalidades que se opunham
como ao racional se opõe o
tradicional, ao abstrato o corpóreo e o
sensível, o citadino e cosmopolita ao
regional ou paroquial. A presença de
tais conflitos já parece denunciar a
imaturidade do Brasil escravocrata
para
transformações
que
lhe
alterassem
profundamente
a
fisionomia (HOLANDA, 1982, p.46).
A preponderância do rural sobre o
urbano faz-se sentir quando, mesmo nas
cidades,
as
famílias
mantêm
uma
mentalidade
especificamente
ruralista,
voltada ao crescimento pessoal, aos
interesses individuais. Mas este certo
individualismo não excluía as relações de
solidariedade. Nesta sociedade as relações
desenvolviam-se em círculos restritos de
amigos e parentes; “(...) a solidariedade,
entre eles existe somente onde há vinculação
de sentimentos mais do que relações de
interesse- no recinto doméstico ou entre
amigos” (HOLANDA. 1982, p.10). As
pessoas que vivem nessa sociedade não se
relacionam com outras pessoas para
ascender socialmente ou adquirir qualquer
vantagem ou lucro. Os relacionamentos se
baseavam mais no sentimento, no afeto e
não em princípios racionais.
As relações sociais que surgem a
partir daí são baseadas no afeto, na emoção
e nos sentimentos vindos do coração. O
paternalismo nasce desse preceito onde a
emoção está acima da razão. Serão, então,
os sentimentos (bons ou maus) a
estruturarem as relações estabelecidas no
Brasil colonial.
Os elementos até aqui citados
ocasionarão o nascimento do polêmico
“homem cordial” de Sérgio Buarque de
Holanda.
O HOMEM CORDIAL
A cordialidade construída na obra de
Sérgio Buarque de Holanda pretendia definir
a identidade brasileira que resultou da
colonização portuguesa. O homem cordial
pode ser definido como aquele que constrói
todas as suas relações sociais por meio da
afetividade, renegando sempre os princípios
da razão. Como bem afirmou Maria Odila
Leite da Silva Dias4, a cordialidade a que
Sérgio Buarque faz referência diz respeito à
dificuldade de institucionalização que o
brasileiro possui, consequência das relações
estreitas de sociabilidade que carregamos
desde os tempos coloniais.
No Brasil colônia a cordialidade se faz
presente a todo o momento a partir das
relações estabelecidas entre o “homem da
casa”, o patriarca, com os demais membros
da família, da criadagem e do círculo de
convívio (amigos, agregados). Dessa forma,
a família pode ser considerada uma unidade
movida pelo afeto e pela lógica do interesse
recíproco. Se, por exemplo, determinado
fazendeiro fizesse algum tipo de favor a
outro, o último sentia-se impelido a retribuir.
Em outro exemplo, se se pretendia fazer
algum negócio com determinada pessoa,
importava muito se a mesma era do convívio
do interessado e, se não fosse, dificilmente
conseguiria fazer tal negócio.
Já no âmbito mais restrito da família e
dos escravos da mesma, as relações
também estreitavam-se devido ao contato do
senhor com seu escravo e deste com outros
membros da família. Muitos escravos
trabalharam dentro da casa dos senhores,
criando seus filhos, acompanhando a esposa
do senhor, enfim perpassando por toda a
esfera familiar. Gilberto Freyre5 nos mostra
isso bem claramente em Casa-Grande e
Senzala, ao perscrutar a influência do
escravo negro na formação da família
brasileira. Ora, de alguma forma temos que
4
Cf. entrevista dada por Maria Odila Leite da
Silva Dias à Revista IHU ONLINE, disponível no
site http://www.unisinos.br
5
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. SP:
Global, 2004.
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Hot (2011).
concordar com Freyre, pois se as relações
eram tão estreitas, daí a cordialidade pode
ter resultado.
Segundo Holanda, a cordialidade era
clara nas relações entre senhor e escravo. A
mentalidade predominante era a de que o
senhor oferece comida e proteção ao
escravo, e este deve cumprir seus deveres
com o seu senhor, pois se não o fizesse ele
estaria traindo a “confiança” depositada pelo
senhor, e não, como nossa mentalidade
capitalista atual nos impele a pensar,
quebrando um processo produtivo.
É importante ressaltar que a
cordialidade não implica, necessariamente, a
prática de boas maneiras ou gostar de uma
pessoa. Muito pelo contrário, a cordialidade
se caracteriza pela falta de racionalização
das ações, sempre motivadas pelos
sentimentos, sendo eles bons ou maus.
Segundo Sérgio Buarque de Holanda “a
inimizade bem pode ser tão cordial como a
amizade, nisto que uma e outra nascem do
coração, procedem, assim, da esfera do
íntimo, da família, do privado” (HOLANDA,
1982, p.107).
Outro aspecto merece destaque no
que tange à ausência da racionalização
também na religião. O homem cordial rejeita
os formalismos e ritualismos da religião, por
isso cria uma espécie de humanização e
aproximação com a religião nomeando os
santos, em sua maioria, no diminutivo. Dessa
forma, busca-se uma intimidade maior com a
religião, diminuindo as distâncias que as
demais nações criaram por respeito à
mesma. Por essa razão alguns viajantes que
por aqui passaram afirmaram que a religião
no Brasil chegava à irreverência até mesmo
naquilo em que a religião católica tinha de
mais respeitável6.
Com a decadência da economia
agrícola e a crescente urbanização, as elites
tendem a transferir-se para as cidades. Os
cargos públicos são agora ocupados por uma
mentalidade substancialmente rural e
personalista. A cordialidade, antes restrita a
esfera privada, começa a ocupar a esfera
pública; e nessa “invasão” do privado no
público a ideia do cordial permanece.
6
Este aspecto relatado por alguns viajantes pode
ser encontrado em LEITE, Miriam Moreira. A
condição feminina no RJ do século XIX. SP:
Hucitec; Brasília: INL, 1984.
O Estado, que com a urbanização vê
sua chance de se afirmar como um órgão
democrático, não consegue fazê-lo já que
ainda representa uma ampliação da esfera
doméstica. Dessa forma a urbanização não
trouxe mudanças suficientes para a
consolidação do Estado democrático; o
mesmo só se formará solidamente quando o
âmbito familiar for superado.
O Estado é um espaço que não
admite a ordem familiar. O mesmo surge com
a superação da família, tornando todos os
indivíduos cidadãos comuns, contribuintes e
eleitores que têm seus direitos e seus
deveres perante o Estado. É a partir daí que
vemos o geral triunfar sobre o individual. As
sociedades ditas “mais desenvolvidas”, como
a europeia, por exemplo, passaram por esse
processo, em que não há mais uma
intimidade e subjetividade no trato com os
demais. O capitalismo e as leis do Estado é
que regem a sociedade, a economia e a
política.
No Brasil estes princípios do Estado
Moderno apareceram mais tardiamente, e
mesmo
assim
não
abandonam
a
cordialidade. O funcionalismo e os políticos
brasileiros até bem pouco tempo atrás
carregavam muito da cordialidade, o estado
impessoal ainda procurava atender seus
próprios interesses e dos grupos que os
apoiam em vez de pensar no coletivo. Ainda
hoje a política brasileira carrega estes traços
de interesses próprios e de grupos afins. O
nepotismo, ainda que proibido, é uma prática
constante e a corrupção chegou a um ponto
de ser vista com normalidade. Maria Odila
Dias, quando perguntada se existiria um
homem cordial contemporâneo, afirmou ser o
mesmo, hoje, representado pela corrupção
na política brasileira.
Assim, o homem cordial, que teve
suas origens há mais de cinco séculos,
contrário à polidez e bem distante da
civilidade, segundo Sérgio Buarque de
Holanda, tende a enfraquecer-se. O autor
afirma, ainda, que a cordialidade não se
apresenta como algo fixo, imóvel e imutável,
podendo ser modificada de acordo com as
circunstâncias históricas.
A INFLUÊNCIA DA CORDIALIDADE NA
POLÍTICA BRASILEIRA
Tendo em vista a construção do
conceito de cordialidade aqui feita, desde o
seu nascimento no Brasil colonial até os dias
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Hot (2011).
atuais, é possível levantarmos mais uma
questão: o quanto a sociedade brasileira, e
especialmente a política, ainda carrega
dessa cordialidade?
Como foi mencionado anteriormente,
o político que “teoricamente” representa os
nossos interesses atualmente no governo é o
mesmo que em outros tempos era o
fazendeiro abastado, dono de riqueza e
poder, que fazia suas próprias leis.
No início do século XX, com o
crescimento tecnológico, a urbanização e um
aparelhamento do Estado, esses mesmos
oligarcas que vinham governando direta
(como os presidentes da “política do cafécom-leite”) e indiretamente (os fazendeiros
que apoiavam e sustentavam essa política) o
nosso país, começam a desaparecer.
Fizeram, até então, a típica política do
legítimo homem cordial, priorizando o
interesse de suas riquezas, de seus
familiares e de seus aliados, enfim todos os
elementos que permitiam a manutenção
dessa ordem por eles estabelecida. Agiam
em interesses próprios e faziam suas
próprias leis, desconsiderando, na prática, a
falsa democracia que regia o país.
Com a Revolução de 1930, a política
ensaia uma mudança que, na prática, não
ocorre. A política continua da mesma forma,
com os nossos representantes cada vez mais
interessados em lutar por causas próprias.
E assim a situação se perpetuou por
todo o século XX: políticos engajados (em
causas particulares), o povo quase sempre
omisso, alheio a tudo, e uma corrupção que
se transformou numa “tradição” na política
nacional. Tradição esta explicada pela forma
como se deu nosso processo de colonização
(desorganizado e sem estruturação, na
opinião de Buarque de Holanda), nossas
relações de reciprocidade estabelecidas na
colônia (em que favorecemos o nosso restrito
grupo e a nós mesmos) e na forma como
encaminhamos tudo isto até o presente
tempo.
A cordialidade pode ser assim
entendida, atualmente, como uma dificuldade
enfrentada por nós à institucionalização e
como o fato de carregarmos resquícios das
relações de sociabilidade do século passado.
Presos a essa “teia” de interesses, ainda hoje
não
conseguimos
assumir
uma
impessoalidade nas relações políticas, o que
pode ser percebido na prática tão comum do
nepotismo e da corrupção.
O que esperamos é que um dia esta
triste realidade possa mudar. Que saibamos
guardar apenas o que há de positivo na
colonização que nos foi aplicada e que
dispensemos, de alguma forma, o legado
negativo de comodidade, de aceitação dessa
corrupção, enfim, dessa cordialidade que
nos foi deixada. Esperamos que possa,
finalmente, ser interrompida a “procissão dos
milagres”7...
CORDIALIDADE SUPERADA?
A cordialidade é o resultado direto da
materialização
da
“cultura
da
personalidade” na colônia; é somente
com o processo de urbanização que a
cordialidade, junto com a influência
ibérica, começa a enfraquecer-se
(AVELINO FILHO, 1990, p.8).
É certo que a cordialidade, desde os
tempos em que se configurou, está
enfraquecendo. Mas será que está em vias
de desaparecer? Ou será que há muito
tempo já foi superada?
Tomando por base a interpretação de
Cassiano Ricardo do termo cordialidade e a
reação de Sérgio Buarque de Holanda à
mesma, desenvolveremos este tópico
buscando uma resposta para a pergunta que
o intitula: ocorreu uma superação da
cordialidade?
Em publicação feita à Revista
Colégio, em 1948, Cassiano Ricardo tece
algumas considerações sobre o conceito de
homem cordial e deixa clara sua
interpretação. Afirma apresentar o termo
homem cordial uma conotação de bondade,
“uma bondade mais envolvente, mais
política, mais assimiladora”8.
Numa edição posterior da mesma
revista, Sérgio Buarque de Holanda, rebate a
interpretação feita por Cassiano Ricardo
através de uma carta destinada a este.
7
Esta expressão é usada por Sérgio Buarque de
Holanda em sua obra Visão do Paraíso, criticando
todo esse processo que envolve a formação do
povo brasileiro, desde sua colonização. Porém,
Holanda não teve uma visão muito otimista
acerca desse processo, garantindo que o mesmo
perduraria.
8
Citado por HOLANDA, Sérgio Buarque de.
Raízes do Brasil. RJ: José Olympio Editora, 1982,
p.107, nota.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 05-12, agosto-dezembro, 2011.
Hot (2011).
Holanda alega que Cassiano Ricardo
equivocou-se, pois o sentido que pretendeu
dar à cordialidade não passa de seu sentido
denotativo, ou seja, os sentimentos
provenientes do coração, sejam eles bons ou
ruins.
Sérgio Buarque de Holanda termina a
carta com uma afirmação que nos dá pistas
para o rumo que tomou o “homem cordial”
em seu pensamento e sua obra, fazendo
com que pensemos sobre uma possível
superação da cordialidade por ele elaborada
Por fim quero frisar, ainda uma vez,
que a própria cordialidade não me
parece virtude definitiva e cabal que
tenha
de
prevalecer
independentemente das circunstâncias
mutáveis de nossa existência. Acredito
que, ao menos na segunda edição do
meu livro, tenha deixado este ponto
bastante claro. Associo-a antes a
condições particulares de nossa vida
rural
e
colonial,
que
vamos
rapidamente superando. Com a
progressiva urbanização, que não
consiste apenas no desenvolvimento
das metrópoles, mas ainda e sobretudo
na incorporação de áreas cada vez
mais extensas à esfera da influência
metropolitana, o homem cordial se
acha
fadado
provavelmente
a
desaparecer,
onde
ainda
não
desapareceu de todo (Carta a
Cassiano Ricardo, HOLANDA, 1982,
p.145-146).
Percebemos através do trecho citado,
que Sérgio Buarque de Holanda enfatiza o
grau de mobilidade e de historicidade que
assume o conceito de “homem cordial”. Essa
mobilidade talvez diga respeito ao abandono
ou modificação paulatina dos valores ligados
à cordialidade na história brasileira.
No último capítulo de Raízes do
Brasil, intitulado “Nossa Revolução”, o autor
se refere a uma lenta e gradativa
transformação a que estaríamos passando
desde a abolição da escravatura em 1888,
até alcançarmos a “linha de chegada” que
seria a “nossa” modernização. “Nossa”
modernização,
pois
levamos
em
consideração – como Sérgio Buarque
também o fez – que cada nação tem suas
peculiaridades e um tempo próprio de
desenvolvimento.
O que Sérgio Buarque de Holanda
queria dizer é que como país independente,
pouco tínhamos, politicamente falando,
condições para sustentar este título. Tanto
que com uma célebre – porém polêmica –
frase, Holanda definiu o que pensava: “A
democracia entre nós não passou de um mal
entendido”. Com a frase Sérgio Buarque quis
dizer que para o tipo de sociedade e de
política que existia no Brasil, no século XIX,
em que a cultura personalista e os interesses
individuais
eram
predominantes,
a
democracia não seria uma escolha da
maioria. Isso porque numa democracia o
interesse da coletividade está no primeiro
plano, em detrimento dos interesses
individuais; o que não era verificado na
política brasileira.
Holanda critica contundentemente o
fato de termos importado um conjunto de
ideias liberais, sem que antes houvesse um
preparo na mentalidade das pessoas. Assim,
para um povo que se importa mais com seus
próprios interesses era difícil assimilar um
“modelo” em que a associação e o interesse
do povo eram o alvo da política.
Por
fim,
é
necessário
que
respeitemos
nosso
ritmo
lento
de
modernização, segundo o autor, além de
procurarmos entendê-lo bem para não repetir
o erro de exportar modelos políticos,
econômicos, sociais inadequados à nossa
realidade brasileira.
CONCLUSÃO
Tendo em vista o que foi
apresentado, podemos perceber que a obra
de Sérgio Buarque de Holanda, embora
escrita há mais de cinquenta anos, encontrase atual como nunca e encaixando-se nos
problemas que a sociedade brasileira ainda
não conseguiu extinguir. A política corrupta, a
dificuldade
enfrentada
para
a
institucionalização, as relações informais
desenvolvidas
na
sociedade
(sempre
providas de interesses próprios), são apenas
algumas das lembranças que temos ao ler
Raízes do Brasil.
A obra de Holanda configura-se, na
historiografia brasileira, como um dos
principais marcos que nos levou a conhecer
as raízes do povo brasileiro, sendo de
extremo valor para o também conhecimento
dos primeiros passos dados pela sociedade
para a formação de uma “identidade
brasileira”.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 05-12, agosto-dezembro, 2011.
Hot (2011).
Holanda elabora com perfeição um
caminho, usando amostragens de nossas
origens históricas, sociais e culturais, para
mostrar como se configura nossa sociedade
hoje.
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Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 05-12, agosto-dezembro, 2011.
Hot (2011).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 05-12, agosto-dezembro, 2011.
Borges et al. (2011).
ABORDAGEM ACERCA DA INCLUSÃO DE UM ALUNO AUTISTA NO ENSINO
REGULAR
Área Temática: Educação
Lidiane Hott de Fúcio Borges1*, Hellen Cristine Prata de Oliveira2, Élida Tamara
Prata de Oliveira3 e Regina Coeli4
1*
Mestre em Engenharia dos Materiais, Prof da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
([email protected]).
2
Doutora em Engenharia dos Materiais, Prof. da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu.
3
Mestre em Educação Matemática, Prof. da Rede municipal de Juiz de Fora.
4
Doutora em Educação, Prof. Da Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo: O processo de inclusão do aluno autista na escola nos tempos atuais tem-se mostrado
deficiente, pois os professores da educação básica não estão preparados para lidar com alunos
especiais em suas turmas, seja em classes regulares seja em classes especiais. Este estudo foi
motivado, principalmente, pelas enormes dificuldades em se admitir a questão da inclusão na
educação regular brasileira. E vem analisar a inclusão de um aluno autista matriculado em uma
escola regular da rede municipal de Juiz de Fora (MG). A pesquisa de campo foi realizada
baseada no estudo de caso, através de entrevistas semi-estruturadas com a mãe do aluno autista
e três profissionais da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). No espaço
escolar, o estudo foi realizado através de dois questionários, um deles aplicado aos colegas do
autista e outro aplicado a alguns professores. Através dos resultados, notou-se que na inclusão é
necessário o desenvolvimento do aluno especial, como os demais alunos, salvo suas limitações.
Sendo de total relevância a capacitação dos professores ao lidar com a inclusão.
Palavras chave: autismo, educação especial, inclusão.
INTRODUÇÂO
O presente artigo foi motivado pela
falta de preparo, de uma professora de
matemática do ensino fundamental da
educação básica, ao incluir um aluno
diagnosticado autista9 no processo de
ensino-aprendizagem em uma de suas salas
de aula regulares, de 7° ano, em escola
pública.
Como fazer para que a inclusão não
seja
apenas
uma
inclusão
social,
esquecendo-se das potencialidades que
podem ser desenvolvidas pelo aluno autista,
dentro de seus limites, no ambiente escolar?
Como contribuir para que esta inclusão se
dê de fato, indo além de uma simples
matrícula no ensino regular? Estes são
desafios a serem vencidos pelos educadores
matemáticos.
Esta pesquisa tem por objetivo verificar
como se procede a inclusão de alunos com
9
Neste estudo, o aluno autista, de 15 anos, terá o
pseudônimo de Teo.
necessidades especiais em classes comuns
do ensino regular. A questão de
investigação, portanto, consiste em analisar
alguns casos de inclusão que estão
presentes
em
diversos
trabalhos,
comparando-os com a situação de inclusão
vivenciada pela professora em sua sala de
aula, de forma que seja observado como tem
sido praticada a inclusão nas escolas
regulares e até que ponto tal modalidade
deixa de ter caráter de inclusão ou se torna
‘excludente’, trazendo ou não benefícios
para o aluno e sua família que, buscam na
escola, apoio para seu desenvolvimento
pleno.
No que tange aos procedimentos
metodológicos, um acompanhamento do
aluno autista na sala de aula regular pela
professora, vai se estruturar como um
estudo de caso e um conjunto de dados
específicos foram coletados em entrevistas
com alguns professores da escola, objeto de
estudo, bem como a família e os colegas do
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 13-22, agosto-dezembro, 2011.
Borges et al. (2011).
aluno autista, perfazendo com uma gama de
detalhes um cenário de pesquisa qualitativa.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Uma breve reflexão sobre o autismo
A palavra autismo é oriunda da junção
de duas palavras gregas: “autos” que
significa “em si mesmo” e “ismo” que
significa “voltado para”, ou seja, o termo
autismo originalmente significava “voltado
para si mesmo” (GOMES, 2007).
As definições mais atuais do autismo
são dadas por dois documentos distintos:
CID-1010 e DSM-IV-TR11, nos quais o
autismo é classificado como um Transtorno
Global do Desenvolvimento (TGD), ou seja,
autismo é um distúrbio do desenvolvimento
apresentando perturbações no trio: interação
social, comportamento e comunicação.
Como exposto, o autismo é tido como uma
deficiência que representa uma disfunção
global do desenvolvimento e de acordo
coma a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008), “os alunos com
transtornos globais do desenvolvimento são
aqueles
que
apresentam
alterações
qualitativas das interações sociais recíprocas
e na comunicação, um repertório de
interesses
e
atividades
restrito,
estereotipado e repetitivo” (p.15).
E embora o autismo seja classificado
como um distúrbio de desenvolvimento com
alterações nas relações sociais, na
comunicação e no comportamento, na
maioria dos casos, essa deficiência é
também
acompanhada
por
alguma
deficiência
mental
(GOMES,
2007;
GAUDERER,
1993;
SERRA,
2004;
CAMARGO,
2007; MARTINS,
2007).
Segundo Gauderer (1993) cerca de 75% dos
10
CID 10: Classificação Estatística Internacional
de Doenças e Problemas Relacionados com
Saúde (conhecida também como Classificação
Internacional de Doenças). Foi aprovada em uma
Conferência Internacional convocada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), realizada
em Genebra no ano de 1989 e que entrou em
vigor em janeiro de 1993 e permanece até hoje.
11
DSM IV-TR: Manual de Diagnóstico e
Estatística das Perturbações Mentais que foi
atualizado no ano de 2002 e elaborado pelos
psiquiatras da Associação de Psiquiatria Norteamericana.
autistas convivem com algum nível de
retardo mental.
Outras características do autismo são
descritas por Grandin & Scariano (1999): O
autismo é um distúrbio do desenvolvimento.
Uma deficiência nos sistemas que
processam a informação sensorial recebida
fazendo a criança reagir a alguns estímulos
de maneira excessiva, enquanto a outros
reage debilmente. Muitas vezes, a criança se
“ausenta” do ambiente que a cerca e das
pessoas circunstantes a fim de bloquear os
estímulos externos que lhe parecem
avassaladores. O autismo é uma anomalia
da infância que isola a criança de relações
interpessoais. Ela deixa de explorar o mundo
à sua volta, permanecendo em vez disso em
seu universo interior. (GRANDIN &
SCARIANO, 1999, p.18)
Assim, a pessoa autista permanece em
seu mundo interior como um meio de fugir
dos estímulos que a cerca no mundo
externo. Outro motivo para o autista
permanecer em seu universo interior é o fato
de que, em geral, o autista sente dificuldade
em se relacionar e em se comunicar com
outras pessoas uma vez que ele não usa a
fala como um meio de comunicação. Não se
comunicando com outras pessoas acaba
passando a impressão de que a pessoa
autista vive sempre em um mundo próprio,
criado por ela e que não se interage fora
dele. Na verdade, quando uma criança
autista se isola do mundo externo é de
acordo com Grandin & Scariano (1999) uma
fuga para filtrar os estímulos externos, pois
caso contrário, o excesso de muitos
estímulos simultâneos causa nos autistas
ataques de nervos, gritos e outros
comportamentos inadequados.
Segundo essas autoras, as causas
para o autismo ainda são desconhecidas,
apesar de haver vários estudos e pesquisas
na busca das mesmas, mas ele é
identificado através dos sintomas e
características que surgem ao longo do
tempo. A maioria das crianças começa a
mostrar sintomas de autismo entre 18 a 24
meses e os meninos são mais afetados pelo
autismo do que as meninas. Numa
proporção de uma menina para quatro
meninos.
Algumas
das
características
encontradas em uma pessoa autista, de
acordo com Grandin & Scariano (1999),
Gauderer (1993), Serra (2004), Martins
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 13-22, agosto-dezembro, 2011.
Borges et al. (2011).
(2007), e Gomes (2007) são: contato visual
difícil sendo normalmente evitado; ecolalia
(repetição
de
palavras
ou
frases);
preferência em estar só; não responde as
ordens verbais (atua como se fosse surdo);
recusa
em
ouvir;
incapacidade
de
estabelecer interações sociais com outras
crianças; dependência de rotinas e
resistência à mudança; pode começar a
desenvolver
a
linguagem,
mas
repentinamente isso é completamente
interrompido sem retorno; apresenta certos
gestos imotivados como balançar as mãos
ou
balançar-se;
fazem
movimentos
repetitivos; cheira ou lambe os brinquedos;
resiste à mudança de rotina; demonstra
desigualdade em habilidades motoras.
Vale ressaltar que cada autista tem
suas características e limitações próprias, ou
seja, um autista dificilmente se comportará
igual a outro autista.
Entende-se por educação especial,
para os efeitos desta lei, a modalidade da
educação
escolar,
oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino,
para educandos portadores de necessidades
especiais.
O que os documentos legais dizem a
respeito da inclusão?
Há, tanto na legislação brasileira
quanto na legislação internacional, vários
documentos, decretos, leis, conferências,
declarações que versam sobre a inclusão e
a educação especial. Para esclarecer o que
se entende por inclusão será feito o uso das
palavras de Carvalho (2004 apud Silva,
2007), o qual afirma:
Por inclusão estou me referindo ao
acesso, ingresso e permanência desses
alunos em nossas escolas como aprendizes
de sucesso e não como números de
matrícula ou como mais um na sala de aula
do ensino regular. Estou me referindo à sua
presença integrada com os demais colegas
participando e vivendo a experiência de
pertencer, isto é, estar no palco, sem ser
herói ou vilão (CARVALHO, 2004 apud
SILVA, 2007, p.122).
Dessa forma, a mera matrícula de um
aluno com necessidades especiais na escola
regular não é suficiente para se dizer que ele
está incluso, é necessário garantir sua
permanência e desenvolvimento de suas
habilidades no espaço escolar.
Uma definição para educação especial
está presente na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN) – Lei n°
9.394/96, em vigência, a qual dedica o
Capítulo V à educação especial e em seu
artigo 58 encontra-se que:
Em outras palavras, educação especial
é a educação fornecida aos alunos
portadores de alguma deficiência e o termo
‘preferencialmente’ escrito na LDBEN não
deixa claro que a educação especial se dá
necessariamente em classes regulares de
ensino, dessa forma torna-se possível se ter
a educação especial fora da rede regular de
ensino, por exemplo, em classes especiais
ou até mesmo em escolas especializadas.
Para complementar as ações da
educação especial tem-se no artigo 24 do
Decreto n° 3.298/99, o qual regulamenta a
Lei n° 7.853/89, que a oferta da educação
especial deve ser gratuita e obrigatória nos
estabelecimentos públicos de ensino, sendo
que todo aluno com necessidades especiais
têm direito aos mesmos benefícios
concedidos aos demais alunos. Em ambos
os documentos, Constituição Federal de
1988 e a Lei n° 8.069 de 1990, que é o
Estatuto da Criança e do Adolescente, é
garantido a toda criança e adolescente o
“direito à educação visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo
para o exercício da cidadania e qualificação
para o trabalho” (BRASIL, 1988, Art. 205;
BRASIL, 1990, Cap. IV, Art.53).
Dessa forma, para dar suporte ao
aluno deficiente e promover um avanço no
seu desenvolvimento “é dever do estado
assegurar
atendimento
educacional
especializado aos portadores de deficiência
preferencialmente na rede regular de ensino”
§ 1° Haverá, quando necessário,
serviços de apoio especializado, na escola
regular, para atender às peculiaridades da
clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será
feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das
condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes
comuns de ensino regular.
§ 3º A oferta de educação especial,
deve ser constitucional do Estado, tem inicio
na faixa etária de zero a seis anos, durante a
educação infantil. (BRASIL, 1996, Art. 58).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 13-22, agosto-dezembro, 2011.
Borges et al. (2011).
(BRASIL, 1988, Art.208, Inc. III; BRASIL,
1990, Cap. IV, Art. 54, Inc. III). E de acordo
com o Decreto n° 6571 de 2008, esse
Atendimento Educacional Especializado
(AEE) é definido como “conjunto de
atividades, recursos de acessibilidade e
pedagógicos organizados institucionalmente,
prestado de forma complementar ou
suplementar à formação dos alunos no
ensino regular” (BRASIL, 2008, Art. 1,
Parágrafo 1), ou seja, o AEE é, então, um
reforço para o ensino regular e não seu
substituto.
MATERIAIS E MÉTODOS
Esta pesquisa analisou a inclusão de
um aluno autista no ensino regular utilizando
o estudo de caso de Bogdan & Biklen (1994)
e Flick (2009). Para este estudo foi feito
inicialmente um contato com a mãe do aluno
Teo, que o acompanha até a escola todos os
dias, para lhe explicar os objetivos da
pesquisa. A mãe de Teo repassou as
informações para seu marido e ambos
concordaram e assinaram o termo de
consentimento da pesquisa, pois para eles,
esse trabalho é um meio para se obter mais
informações sobre o autismo, como lidar
com suas características e comportamentos.
Foi realizada uma entrevista semiestruturada com a mãe de Teo, na própria
residência dela, em um horário em que ele
não estava em casa, pois a mãe justificou-se
dizendo que não gostava de falar do filho na
presença dele. Nessa entrevista foram
abordados os seguintes temas: a infância de
Teo, sua entrada na escola, as mudanças
ocorridas na fase escolar, o contato com as
outras pessoas e sua comunicação com as
mesmas.
Com o intuito de conhecer as
atividades desenvolvidas com o aluno e seus
progressos obtidos desde 2001, ano em que
ele começou a frequentar a APAE, o Teo
também foi observado em seu dia-a-dia na
APAE. Foram analisadas, juntamente com
os profissionais responsáveis pelo trabalho
nessa instituição, todas as atividades
desenvolvidas nesse ambiente e como se
dava a participação dos alunos nas mesmas.
Além dessas tarefas, a pesquisadora,
enquanto professora do Teo, manteve-se
atenta a todos os comportamentos e
mudanças ocorridas com ele, não só durante
suas aulas, mas em todo o ambiente
escolar. E, por se manter atenta aos fatos
ocorridos em sala é que a pesquisadora viu
a necessidade de elaborar um questionário a
partir de uma discussão com os alunos da
turma de Teo a respeito da inclusão. Foi
aplicado um ‘questionário infantil’ aos
demais 23 alunos da turma.
Concomitante a essas pesquisas e
conversas, foi repassado aos professores
das disciplinas de Artes, Educação Física e
Informática um questionário indagando sobre
como o Teo se comporta em suas aulas. A
escolha por essas disciplinas foi feita com
base no fato de elas serem disciplinas mais
livres de um conteúdo maçante que exija
muito do adolescente pesquisado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seguir serão apresentados os
principais resultados da pesquisa. No tópico
de ‘Pesquisa de campo’ serão abordadas a
entrevista com a mãe do Teo e a visita à
APAE,
enquanto
que
no
tópico
‘Questionários’
serão
explicitados
os
resultados dos dois questionários aplicados
no ambiente escolar.
Pesquisa de campo
Na entrevista semi-estruturada e
conversas informais realizadas com a mãe
de Teo, ficou-se sabendo que a entrada do
Teo na escola se deu aos 5 anos de idade
em uma escola pública da rede municipal da
cidade de Juiz de Fora (MG), na qual ele
permanece até hoje, aos 15 anos. A mãe
comentou que quando foi procurar vaga para
seu filho nesta escola, a direção não teve
dificuldades para aceitá-lo e logo que
começou a estudar, sugeriram a ela procurar
tratamento com um fonoaudiólogo e
psicólogo para o filho. O que ela só
conseguiu na APAE, três anos mais tarde.
Na APAE as atividades desenvolvidas
com o Teo são: ludoterapia (na área de
psicologia),
psicomotrocidade,
terapia
ocupacional e hidroterapia.
Conversando com os profissionais da
instituição que atendem o Teo, todos
afirmaram mudanças positivas desde a sua
entrada na APAE, como: mais sociável, mais
calmo, mais feliz e participativo nas
atividades propostas. Estas atividades são
desenvolvidas com apoio de materiais
concretos, pois fazer uso da abstração é
difícil para compreensão por parte de alunos
especiais.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
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Borges et al. (2011).
Já no ambiente escolar, a mãe de Teo
relata que antes dele entrar na escola ele
era mais calado, mais tímido e até muito
nervoso, mas depois que se iniciou no
ensino regular ele foi tornando-se mais
calmo, mais esperto, e foi se interessando
por outras atividades, até mesmo em se
comunicar com as pessoas. Ela comentou
também que antes de entrar na escola ele
não tinha conhecimento nenhum, não sabia
identificar nada, nem o nome do irmão, nem
o nome dele e foi na escola que aprendeu a
identificar seu nome e demais objetos.
Quando questionada se era válido ou
não a inclusão de pessoas com
necessidades
especiais
em
classes
regulares de ensino, ela disse que é válido e
fundamental para a qualidade de vida desta
pessoa, e melhor é que a inclusão também
traz benefícios para todos ao redor, uma vez
que eles têm a oportunidade de aprenderem
a conviver com a diversidade e enquanto ao
Teo, ela não vê nenhum problema com a
inclusão, pois os colegas e a direção
respeitam suas necessidades.
Questionários
Com relação ao questionário aplicado
aos professores de Artes, Educação física e
Informática, apenas um deles, a professora
de Artes, não tinha em sua experiência de
docência lecionado para alunos com
necessidades
especiais.
Quando
questionados
sobre
as
atividades
desenvolvidas com o Teo, os três
professores relataram que elas eram
realizadas com a ajuda dos colegas ou do
próprio professor.
O professor de Educação Física
respondeu que as atividades são atividades
lúdicas de coordenação motora (relacionada
a movimentos), a professora de Artes
colocou que também trabalha com a
coordenação motora e visual, porém através
de desenhos e colagens e a de Informática
desenvolve com o Teo atividades de pintar,
digitar e alguns jogos.
Os três professores ressaltaram que
respeitando o interesse e a limitação do
aluno é possível que ele execute as
atividades
propostas.
Quanto
ao
relacionamento do Teo com o professor e
demais
alunos,
os
professores
se
posicionaram da seguinte forma:
O relacionamento tanto com a turma,
quanto comigo, é amigável e a turma o
respeita e nunca discrimina sua participação,
quando aleatoriamente ele participa em
conjunto com todos os alunos (Professor de
Educação física).
O aluno em questão é quieto, dócil,
carinhoso, calmo, de fácil convívio,
apresentando características próprias do
autista, que é viver em seu próprio mundo,
sem interagir com os colegas, mas receptivo
quando procurado (Professora de Artes).
O aluno é amável com seus colegas e
comigo. Às vezes, não responde aos
estímulos
externos
(Professora
de
Informática).
Nota-se
dessa
forma,
um
relacionamento amigável com os alunos e
professores. Porém no ‘questionário infantil’,
os colegas, em sua maioria, se mostrou
contrários a inclusão do Teo em classes
regulares. Dos 23 questionários, 15 alunos
responderam que o Teo deveria estar
matriculado em uma classe especial. As
explicações são as mais variadas possíveis:
que na escola regular, na qual o Teo está
matriculado, tem muito barulho o que é ruim
para ele, enquanto que na escola especial
existem pessoas para ajudá-lo, que vão dar
mais atenção a ele, que ele vai aprender
mais em uma escola especial do que na
escola regular, que na escola especial as
pessoas sabem como lidar com ele.
Ao todo, dos 23 alunos, 19 estudam
com o Teo há dois anos ou mais, e os
demais há um ano. E dentre os 23 alunos
somente 6 sabiam qual o nome da
deficiência que o Teo tem, mas isso não
significa que eles saibam, de fato, o que é
autismo; 5 responderam que sabiam qual
era a deficiência, mas não lembravam o
nome; 10 disseram que não sabiam qual era
a deficiência e 2 colocaram que sabiam a
deficiência, mas responderam errado; um
escreveu que ‘ele fica muito irritado dentro
de sala’ e outro colocou ‘cabeça’.
Os professores, muitas vezes, por
estarem desinformados e por serem
inexperientes
no
assunto
sentem
dificuldades em trabalhar com o Teo, e
alguns deles não conseguem realizar as
atividades propostas com o aluno especial
em todas as aulas.
Este fato foi comprovado na resposta
obtida do questionário realizado com os
alunos, quando eles forma indagados se
“Todos os professores conseguem realizar
atividades com o Teo durante as aulas ou,
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 13-22, agosto-dezembro, 2011.
Borges et al. (2011).
às vezes, ele fica sem fazer nada?”, a
maioria dos alunos (13 alunos) respondeu
que ‘nem todos professores dão atividades
para o Teo’ ou que ‘ele, às vezes, fica sem
fazer nada’, 5 alunos responderam que
‘todos professores ajudam como podem’, 3
deixaram em branco e 2 responderam
apenas ‘sim’ ou ‘não’.
Como uma escola pretende fazer
‘inclusão’ se os próprios colegas de sala não
têm conhecimento da deficiência que o
colega possui? Como poderão ajudar o
colega com necessidades especiais se
desconhecem
suas
limitações
e
dificuldades?
Não tem como o aluno especial, como
o Teo, obter uma aprendizagem significativa
e um bom desenvolvimento, no ensino
regular, se a escola (direção, coordenação e
professores) não for capacitada para tal.
Ainda mais considerando, por parte do
aluno, suas dificuldades e limitações
provenientes da deficiência. Que inclusão é
esta em que parece não haver um
tratamento adequado para com o aluno com
necessidades especiais? Neste ponto faz-se
necessário repensar se a experiência
vivenciada pela pesquisadora é inclusão
mesmo ou se é a integração, pois para
integrar um aluno com necessidades
especiais basta inseri-lo em uma escola
comum para que ele venha a ter contato
com um sistema escolar, seja na classe
regular seja na classe especial.
Com a legislação brasileira apoiando e
dando suporte para os alunos deficientes
terem acesso a uma educação regular de
qualidade, observa-se que o n°. de
matrículas de deficientes em classes
regulares tem aumentado no decorrer dos
últimos anos se comparado com as
matrículas realizadas em classes especiais.
Por exemplo, no ano de 1999, foram
realizadas 374.699 matrículas, em nível
nacional,
na
educação
especial
e
transcorridos dez anos (2009), este n°. subiu
para 637.242, conferindo um aumento em
torno de 70%.
Das 374.699 matrículas realizadas, em
1999, 311.354 destas foram feitas em
escolas exclusivamente especializadas e/ou
classes especiais e as demais, 63.345, em
escolas regulares e/ou classes comuns. Já
em 2009, do total de 637.242 matrículas,
250.908 foram realizadas em escolas
exclusivamente especializadas e/ou classes
especiais e as demais, 386.334, em escolas
regulares e/ou classes comuns. Então, de
1999 para 2009 o no. de matrículas em
escolas
especializadas
e/ou
classes
especiais diminuiu, pois em 1999 esse no.
correspondia cerca de 83% do total de
matrículas e já em 2009 ele caiu para
aproximadamente 40%. Por outro lado, o no.
de matrículas em escolas regulares e/ou
classes comuns aumentou, pois em 1999
esse no. correspondia cerca de 17% do total
de matrículas e já em 2009 ele subiu para
aproximadamente 60%. Logo o n°. de
matrículas de alunos com necessidades
especiais em classes regulares tem se
tornado superior ao de classes especiais,
com o decorrer dos anos.
Portanto, é possível notar uma
concordância das leis brasileiras com o
movimento de se ter uma educação
acessível a todas as pessoas, inclusive
aquelas que apresentam alguma deficiência.
Mas para isso tornar realidade é necessário
a preparação e a capacitação dos
professores para lidar com as diferenças.
CONCLUSÕES
A proposta de inclusão tal como foi
abordada neste trabalho tem seus aspectos
positivos, mas, infelizmente, há também os
negativos.
Erroneamente,
muitos
professores e outros profissionais pensam
que para praticar a inclusão basta colocar o
aluno
com
necessidades
especiais
matriculado em uma classe regular, porém a
inclusão vai muito além de uma inclusão
social. É necessário que na inclusão o aluno
especial se desenvolva e aprenda como os
demais alunos, observando suas limitações.
Dessa forma, acredita-se que para
Teo, há ganhos na inclusão, como sua
própria mãe relatou, mas há também perdas,
como no caso da aprendizagem que fica
prejudicada.
O que se percebe, segundo o relato da
mãe de Teo, é que os benefícios trazidos
pela inclusão são mais visíveis na educação
infantil quando se tem apenas um professor,
com dedicação de cerca de 4 horas para
desenvolver as atividades com os alunos, e
possui maior facilidade de adaptação de
material.
Quando
ingressam
no
ensino
fundamental, a rotina muda completamente:
os alunos passam a ter vários professores
de diversas disciplinas, cada um com sua
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cultura, com sua forma de lecionar, e com
apenas 50 minutos para ensinar seu
conteúdo. Os alunos, em grande parte,
frente a estas mudanças, apresentam
alterações no comportamento e no
comprometimento com os estudos. Para os
autistas, que possuem certa resistência à
quebra de rotinas, a troca da educação
infantil para o ensino fundamental, é mais
complicada.
Percebe-se que tal como vem sendo
incluído nesta escola, o Teo não tem tido
tanto progressos quanto poderia ter, caso
houvesse maior comprometimento por parte
da instituição, professores e alunos com a
sua inclusão.
Ter o aluno com necessidades
especiais ‘incluído’ numa sala de aula
regular, mas não desenvolver atividades
com ele, não fazer com que ele tenha
avanços acaba-se tornando uma prática
excludente.
Não se pode deixar de levar em conta
os benefícios trazidos por esta inclusão, mas
em âmbito geral, acredita-se que o Teo
pudesse se desenvolver mais nas classes
especiais, nas quais o número de alunos é
reduzido e há profissionais habilitados para
tal tarefa.
Para as classes regulares, com
elevado número de alunos, o ideal seria ter
um monitor, ou outro professor, alguém que
pudesse dividir a responsabilidade de educar
junto com o professor da turma. Portanto, os
pais e/ou responsáveis devem buscar uma
escola que favoreça o desenvolvimento do
aluno com necessidades especiais, seja ela
especial ou regular.
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Leite, Costa e Mariano (2011).
ANÁLISE DOS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
NO PROCESSAMENTO DE ROUPAS, NO PROCEDIMENTO DE ACREDITAÇÃO
HOSPITALAR PELOS CRITERIOS DA ONA:
Estudo de caso em um hospital filantrópico de médio porte
Área Temática: Ciências Contábeis
Jaqueline Conceição Leite1, Mônica de Oliveira Costa2, Farana de Oliveira Mariano3
1
Dicente do curso de ciências contábeis na FACIG.
Professora e assessora na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu - FACIG.
3
Professora na Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG.
2
RESUMO: A Organização Nacional de Acreditação (ONA) visa com o compromisso da qualidade
hospitalar, contribuir para a melhoria da qualidade dos processos das Instituições Hospitalares.
Sendo assim, o objetivo deste trabalho é analisar o setor de Processamento de Roupas de um
hospital filantrópico de Médio Porte, que presta atendimento ao SUS, convênios e particulares,
quanto às condições operacionais e os critérios necessários para atingir o Nível 1 de acreditação
da ONA. A instituição tem como Missão “prestar assistência hospitalar com qualidade e
humanização a todos os clientes com responsabilidade social” e tem a visão de “ser um hospital
regional acreditado, reconhecido pela excelência nos serviços prestados”. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa, de natureza descritiva, desenvolvida através do método de estudo de caso.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas com os colaboradores da
unidade e através de observação direta participativa. Os principais resultados alcançados,
possibilitaram verificar a necessidade de aprimoramento da condução dos processos de trabalho,
implementando-os em conformidade com as normas pertinentes ao setor. Ocorrendo o
aperfeiçoamento dos processos, pressupõe-se o alcance de resultados positivos, quanto ao
aumento da qualidade dos serviços prestados, otimização dos recursos e do tempo, redução dos
fluxos entre outras.
Palavras chave: acreditação hospitalar, processamento de roupas, qualidade.
INTRODUÇÃO
O presente estudo, realizado em um
hospital filantrópico de médio porte, em
Minas Gerais, aborda o tema referente ao
processamento de roupas de serviços de
saúde e os critérios para acreditação
hospitalar; baseados no Manual das
Organizações Prestadoras de Serviços
Hospitalares da ONA (Organização Nacional
de Acreditação). Sua importância deve-se ao
fato da instituição ter como objetivo se tornar
um hospital acreditado e de referência na
qualidade de atendimento.
O hospital teve contemplado em seu
Plano Diretor 2008-2010, como opção
estratégica, a auto-sustentação e o
crescimento com excelência operacional,
buscando a reestruturação do modelo de
atuação dos processos e dos recursos, para
manter o equilíbrio econômico-financeiro e a
melhoria contínua da prestação de serviços
aos clientes.
Baseada
nestes
propósitos,
a
instituição pretende passar pelo processo de
acreditação da ONA. Uma organização não
governamental caracterizada como: “pessoa
jurídica de direito privado sem fins lucrativos
e de interesse coletivo”, com abrangência de
atuação nacional e que tem como objetivo
geral promover a implementação de um
processo permanente de avaliação e de
certificação da qualidade dos serviços de
saúde, permitindo o aprimoramento contínuo
da atenção, de forma a garantir a qualidade
na assistência aos cidadãos brasileiros, em
todas as organizações prestadoras de
serviços de saúde do País ONA (2001).
Segundo a Organização Nacional de
Acreditação - ONA (2001) - , acreditação é
um método de avaliação dos recursos
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institucionais,
voluntário,
periódico
e
reservado, que tende a garantir a qualidade
da assistência por meio de padrões
previamente definidos.
O Manual Brasileiro de Acreditação
das Organizações Prestadoras de Serviços
de Saúde e as Normas para o Processo de
Avaliação (2006), dispõem sobre os três
níveis de complexidade, sendo que, o Nível 1
de Estrutura: observa a segurança na
estrutura física, sanitária e de capacitação
profissional. O Nível 2 de Processo:
evidencia o planejamento na organização da
assistência
hospitalar,
referentes
à
documentação, corpo funcional, treinamento,
controle, estatísticas básicas para a tomada
de decisão clínica e gerencial e práticas de
auditoria interna. O Nível 3 de Resultados:
utiliza
perspectivas
de
medição
organizacional, alinhadas às estratégias e
correlacionadas
aos
indicadores
de
desempenho dos processos; disposição
sistemática de comparações com referenciais
externos pertinentes, bem como evidências
de tendência favoráveis para os indicadores;
apresenta
inovações
e
melhorias
implementadas, decorrentes do processo de
análise crítica.
Para
iniciar
o
processo
de
implantação da acreditação, é necessário e
importante a elaboração de um diagnóstico
da situação atual da organização, para que
se obtenham bases de comparação para
futuras avaliações do programa. O sucesso
da implantação desta política ocorrerá à
medida que for incorporada à rotina de
trabalho e no comportamento de todos os
envolvidos da instituição e pela sua
constante revisão e monitoramento, para
atingimento das metas e obtenção de
serviços que atendam às expectativas dos
clientes.
A avaliação da qualidade em serviços
de saúde constitui um passo importante no
planejamento e na gestão dos serviços. Para
Henriques (2003, p.02)12:
[...] Fortalecer e divulgar o processo de
acreditação é necessário para atingir o
reconhecimento pelo cidadão. É a
sociedade quem deve validar este
processo, não apenas os profissionais
12
Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques Diretor-presidente - Agência Nacional de
Vigilância Sanitária.
da área da saúde. Quando atingir este
ponto, o sistema estará maduro, não
apenas como instrumento de gestão e
avaliação,
mas
como
efetivo
instrumento de controle social [...]
A unidade de processamento da
roupa de serviços de saúde é considerada
um setor de apoio que tem como finalidade
coletar,
pesar,
separar,
processar,
confeccionar, reparar, e distribuir roupas em
condições de uso, higiene, quantidade,
qualidade e conservação a todas as
unidades do serviço de saúde (GODOY et al,
2004).
Para Kotaka (1989) uma unidade de
processamento de roupas bem planejada
resultará na eficiência dos processos
realizados, na economia dos custos
operacionais
e
de
manutenção,
na
confiabilidade, segurança e conforto dos
trabalhadores e usuários.
De acordo com Prochet (2000), o
serviço de processamento de roupas é uma
área da saúde pouco conhecida e estudada,
que pode, entretanto, representar um grave
problema, principalmente pelas condições e
riscos que oferece ao trabalhador desse
setor, o qual está sujeito aos riscos físicos,
químicos,
biológicos,
ergonômicos,
psicossociais e de acidentes. Dentro dessa
classificação
destacam-se
aqueles
relacionados ao uso de produtos químicos,
manipulação e operação dos equipamentos,
inadequação da infra-estrutura física da
unidade e organização do trabalho.
Sabe-se, que só será possível atingir
o Nível 1 de acreditação pela instituição se
todos os setores estiverem no mesmo padrão
de qualidade. Portanto, devido à grande
variedade de serviços executados, o setor
pesquisado,
se
restringirá
ao
de
processamento de roupas.
Pretende-se
com
este
estudo,
verificar os critérios mínimos de expectativas
de qualidade, descritos em forma de padrões
necessários no processo de acreditação, no
setor de Processamento de Roupas de um
hospital filantrópico de médio porte, com
base Itens de Orientação do manual da ONA
(Organização Nacional de Acreditação),
editado de acordo com Resolução da
Diretoria Colegiada - RDC Nº. 93, de 26 de
maio de 2006: Manual Brasileiro de
Acreditação de Organizações Prestadoras de
Serviços de Saúde e as Normas para o
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Leite, Costa e Mariano (2011).
Processo de Avaliação, da Diretoria
Colegiada da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, levantado a seguinte questão:
Como o setor de Processamento de Roupas
do hospital atende aos critérios baseados no
Manual das Organizações Prestadoras de
Serviços Hospitalares da ONA para
acreditação?
A conquista do Nível 1 de acreditação
permitirá ao hospital, fornecer melhores
serviços à comunidade, pois, o processo
envolve a garantia da melhoria contínua da
qualidade da assistência à saúde, na
segurança para os pacientes/clientes, sendo
um útil instrumento de gerenciamento, com
critérios e objetivos concretos adaptados à
realidade da instituição.
Para a realização dessa pesquisa, em
sua parte metodológica, foi necessária a
utilização de entrevista semi-estruturada,
sendo esta analisada qualitativamente.
Pode-se concluir que a unidade de
Processamento de Roupas, ainda não está
em condições de acreditar Nível 1, devido ao
fato de alguns processos não apresentarem
conformidade com os critérios exigidos nos
itens de orientação da ONA.
Conseqüentemente espera-se que
este estudo possa ser contributivo quanto às
informações que serão levantadas, e sirvam
de subsídios para a iniciação do processo de
acreditação no hospital.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O Processo de acreditação hospitalar no
Brasil
O Brasil é líder na América Latina no
desenvolvimento de sistemas de acreditação.
Uma revisão dos avanços em acreditação
hospitalar em dezenove países da América
Latina concluiu que o Brasil é um dentre os
cinco únicos países da região que não
apenas haviam estabelecido uma comissão
nacional de acreditação e produzido um
manual de procedimentos padrões, como
também tinham iniciado a implementação de
um programa em nível nacional. O Brasil foi
o único país da América do Sul a chegar tão
longe (NOVAES, 1999).
Em novembro de 1998 o Ministério da
Saúde aprovou a proposta de criação de uma
comissão
nacional
para
acreditação
hospitalar, a Organização Nacional de
Acreditação (ONA). À ONA coube a
responsabilidade de desenvolver regras,
normas e procedimentos para definir os
padrões, e assumiu a liderança ao criar
normas técnicas, desenvolver um código de
ética, treinar pesquisadores e certificar
institutos e empresas de vistoria.
De acordo com La Forgia; Couttolenc
(2009), Os sistemas de acreditação estão
bem desenvolvidos no Brasil, mas a
participação neles é voluntária e sua
utilização é inaceitavelmente baixa. Não há
conexão com as regulações de licenciamento
governamentais ou com requisitos de
certificação baseada em qualidade que
definem os arranjos contratuais e financeiros
entre pagadores (SUS e as seguradoras
privadas) e os hospitais.
[...] os critérios de elegibilidade para
financiamento do SUS deveriam estar
vinculados ao licenciamento e,
eventualmente,
à
acreditação
hospitalar. Sem esse tipo de vínculo e
sem
o
incentivo
financeiro
concomitante,
muitos
hospitais
brasileiros permanecerão abaixo dos
padrões e potencialmente inseguros
num futuro próximo.
O processo de acreditação trata de
questões consideradas de suma importância
para a cadeia assistencial em uma rede de
serviços de saúde: o direito dos pacientes, a
educação de pacientes e familiares, o acesso
e a continuidade do cuidado ao paciente,
incluindo a questão da referência e contrareferência. O paciente tem reconhecidas
suas necessidades nas diferentes fases de
sua doença e o hospital deverá educá-lo
quanto ao cuidado necessário, garantindo o
seu acesso aos serviços disponíveis na
instituição e referir ou contra-referir para
outros níveis de cuidados internos ou
externos, para que o paciente tenha
atendidas todas as suas necessidades
(CBA)13.
13
CBA - Consórcio Brasileiro de Acreditação é o
nome fantasia da Associação Brasileira de
Acreditação de Sistemas e Serviços de Saúde –
ABA. A Associação Brasileira de Acreditação de
Sistemas e Serviços de Saúde, organização sem
fins lucrativos, foi criada de acordo com o novo
Código Civil Brasileiro, que regulamenta todas as
atividades institucionais sociais.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pens@r Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 23-34, julho-dezembro, 2011.
Leite, Costa e Mariano (2011).
Segundo La Forgia; Couttolenc (apud
DLUGACZ, 2004, p. 358), “[...] a acreditação
busca, por meio de avaliação independente,
estabelecer padrões ótimos atingíveis. Ela
tem o foco na organização como um todo.
Esses padrões fornecem estrutura para
prestação de serviços de qualidade que os
gestores das unidades podem utilizar para
melhorar seu desempenho”.
Em entrevista ao P&P – Saúde
Suplementar, o coordenador de Educação do
Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA),
Heleno Costa Jr.; e o gerente de Projetos do
CBA, José de Lima Valverde Filho, afirmam
que há um crescimento cada vez maior entre
as instituições de saúde brasileiras pela
busca da acreditação, que está se tornando
um diferencial desejado tanto por gestores
quanto por pacientes. Portanto, passa a ser
um referencial de qualidade, que deve ser
continuamente seguido para garantir a
melhor e mais adequada segurança na
prestação
de
assistência
aos
clientes/pacientes. Outro diferencial, é que o
hospital acreditado passa a integrar uma
seleta rede internacional de hospitais
acreditados. Esta rede possibilita o
intercâmbio e o benchmarking entre as
instituições,
quando
são
utilizados
referenciais comparativos de qualidade,
através do estabelecimento de indicadores
clínicos e gerenciais.
De acordo com Costa (2009), o
desenvolvimento contínuo, através de
educação, treinamento e capacitação, devem
ser instrumentos fundamentais na política de
recursos humanos em uma instituição.
Através do programa de acreditação, os
profissionais recebem especial atenção
nestes requisitos, garantindo assim, seu
contínuo
aperfeiçoamento
pessoal
e
profissional. A exigência dessa qualificação e
capacitação
dos
profissionais
eleva
significativamente o grau de confiabilidade no
desempenho das atribuições conferidas a
cada categoria profissional.
O processo de acreditação traz
vantagens tanto para instituição quanto para
o cliente/paciente que está sob os seus
cuidados.
Costa (2009) ressalta que a
Instituição
acreditada
reconhece
a
O CBA é o representante exclusivo da Joint
Commission International no Brasil.
necessidade de uma avaliação permanente
de seus serviços, utilizando ferramentas e
instrumentos efetivos para monitorar o
desempenho clínico e gerencial.
O cliente/paciente passa a contar com
a garantia e a manutenção da segurança e
excelência na prestação dos cuidados.
Processamento de Roupas de Serviços de
Saúde
Até o início do séc. XIX, as
lavanderias eram vistas apenas como um
serviço de hotelaria, sem que houvesse
qualquer preocupação com sua morbidade
potencial (causadora de doenças) ou a
difusão de agentes patogênicos (MÜHLEN,
2002).
O processamento da roupa do serviço
de saúde hospitalar consiste em todos os
passos requeridos para a coleta, transporte e
separação da roupa suja, bem como aqueles
relacionados ao processo de lavagem,
secagem, calandragem, armazenamento e
distribuição
(TIETJE;
BOSSEMEYER;
MCINTOSH, 2003).
A lavanderia hospitalar é um dos
serviços de apoio ao atendimento dos
pacientes,, responsável pelo processamento
da roupa e sua distribuição em perfeitas
condições de higiene e conservação, em
quantidade adequada a todas às unidades do
hospital (MS, 1986).
A Resolução – RDC Nº. 50 da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) estabelece as atribuições da
prestação de serviços de apoio logístico, com
objetivos de proporcionar condições de
lavagem das roupas usadas, tais como:
1) coletar e acondicionar roupa suja a ser
encaminhada para a lavanderia;
2) receber, pesar a roupa e classificar
conforme a norma;
3) lavar e centrifugar a roupa;
4) secar a roupa;
5) costurar e/ou confeccionar,
necessário, a roupa;
quando
6) passar a roupa através da calandra;
prensa ou ferro;
7) separar e preparar (dobragem, etc.) a
roupa lavada;
8) armazenar a roupa lavada;
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9) separar e preparar os pacotes da roupa s
ser esterilizada;
10) distribuir a roupa lavada;
11) zelar pela segurança dos operadores; e
12) limpar e desinfetar o ambiente e os
equipamentos.
Figura 1 - Processo da lavanderia hospitalar. Fonte: Adaptação RDC Nº. 50 – ANVISA
depende de padrões específicos para cada
país,
estabelecidos
pelas
respectivas
O Ministério da Saúde em seu Manual de
agências
reguladoras
(LA
FORGIA;
Lavanderia Hospitalar (1986, p.03), ressalta a
COUTTOLENC, 2009).
importância da lavanderia dentro do
Os hospitais devem desempenhar
complexo hospitalar, pois da eficácia de seu
suas atividades, sempre atenciosos com a
funcionamento depende a eficiência do
qualidade.
Conforme
O
Manual
de
hospital, refletindo-se especialmente nos
Segurança Hospitalar/ ANVISA, 2003, o
seguintes aspectos:
principal objetivo de um hospital é a
prestação de serviços na área da saúde, com
• Controle das infecções;
qualidade, eficiência e eficácia. Conceituando
• Recuperação, conforto e segurança do
da seguinte forma:
paciente;
Qualidade: Aplicação apropriada do
• Facilidade, segurança e conforto da equipe
conhecimento disponível, bem como
de trabalho;
da tecnologia, no cuidado da saúde.
• Racionalização de tempo e material;
Denota um grande espectro de
características
desejáveis
de
• Redução dos custos operacionais.
cuidados,
incluindo
eficácia,
eficiência,
efetividade,
equidade,
aceitabilidade,
acessibilidade,
Qualidade dos Serviços de Saúde
adequação e qualidade técnicoA qualidade é um conceito abstrato,
científica.
de fácil descrição, mas de operacionalização
Eficácia: A habilidade do cuidado, no
difícil.
seu máximo, para incrementar saúde.
Não é fácil definir o que seja um
“bom” serviço de saúde, e isso muitas vezes
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Eficiência: A habilidade de obter o
máximo de saúde com um mínimo
custo.
Efetividade: O grau no qual a atenção
à saúde é realizada.
Uma análise mais abrangente do sistema
hospitalar, sob uma perspectiva nacional,
realça as enormes discrepâncias na
prestação de serviços de saúde de boa
qualidade, tanto entre os hospitais como
dentro deles. Deficiências generalizadas em
estruturas,
processos
e
resultados
hospitalares são evidentes tanto em hospitais
administrados pelo Estado como nos
privados (LA FORGIA; COUTTOLENC, 2009,
p.300). Atenção à saúde de boa qualidade
possui seis dimensões principais:
Quadro 4 – As dimensões principais da
atenção à saúde de boa qualidade
Segurança dos
pacientes
Evitar danos aos pacientes
por parte dos serviços cujo
propósito é ajudá-los.
Efetividade
Proporcionar
serviços
pautados no conhecimento
científico
e
evitar
proporcioná-los àqueles que
provavelmente
não
se
beneficiam deles.
Cuidados
centrados nos
paciente
Proporcionar cuidados que
respeitem e correspondam às
preferências, necessidades e
valores
dos
pacientes
individualmente e assegurar
que os valores dos pacientes
orientem todas as decisões
clínicas.
Adequação no
tempo
Reduzir as demoras às vezes
prejudiciais tanto para os
beneficiários como para os
fornecedores dos serviços.
Eficiência
Evitar
desperdício
de
equipamento,
suprimentos,
idéias e energia.
Equidade
Promover cuidados que
não variem em qualidade
em
virtude
de
características pessoais,
tais como gênero, grupo
étnico, naturalidade ou
status socioeconômico.
Fonte: IOM, (2001) apud La Forgia; Couttolenc
(2009, p. 297).
A
Organização
Nacional
de
Acreditação (ONA), e outras instituições têm
desenvolvido padrões que servem como
orientações para o fornecimento de serviços
de excelência. Segundo o IQG – Instituto
Qualisa de Gestão14, o desenvolvimento da
qualidade em qualquer setor do mercado
depende da existência de um ambiente
competitivo, da cultura empresarial, da
participação dos trabalhadores e da
organização dos consumidores.
A globalização e o atual cenário
político financeiro do país acabaram por
impulsionar os hospitais a procurar novas
alternativas para gestão do setor. A
necessidade de garantir resultados positivos,
de manter clientes satisfeitos num mercado
em permanente evolução; onde tecnologias
similares estão cada vez mais acessíveis,
requer mais que bons produtos e serviços;
requer qualidade na forma de atuar (IQG,
2006).
METODOLOGIA DE PESQUISA
Delineamento da Pesquisa
Quanto aos procedimentos adotados,
fez-se necessário a elaboração em duas
fases, onde a primeira embasou-se em
pesquisa teórica bibliográfica, onde houve a
leitura e estudo de livros e textos utilizados
durante o curso de Ciências Contábeis;
leitura e estudo de livros e textos referentes a
serviços de saúde, acreditação hospitalar,
processamento de roupas de serviço de
saúde,
qualidade na saúde e ainda,
manuais, leis e normas pertinentes ao tema;
além de publicações consultadas por meio
eletrônico.
Houve ainda, pesquisa teórica
documental, com análise do plano diretor da
instituição
(2008-2010)
onde
estão
contempladas as diretrizes, estratégias e
14
IQG – Instituto Qualisa de Gestão – Instituição
Acreditadora credenciada pela ONA, e tem a
missão de disseminar os conceitos da Gestão da
Qualidade no Brasil e América Latina. Orientado
sempre pelo compromisso de reforçar a
competitividade
e
sustentabilidade
das
Instituições de Saúde.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pens@r Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 23-34, julho-dezembro, 2011.
Leite, Costa e Mariano (2011).
metas, leitura do Estatuto
documentos da instituição.
e
outros
A segunda fase, quanto à técnica
utilizada para a pesquisa, foi a de estudo de
caso, que segundo Bertucci (2008, p.52):
[...] “tem por objetivo apresentar aos
estudantes
uma
determinada
realidade
organizacional,
um
problema, uma situação prática, a
partir da qual utiliza toda uma
metodologia didática para levar os
participantes a simular situações da
vida organizacional”.
Como instrumento empregado para a
coleta de dados, optou-se pela entrevista
formal semi-estruturada, o que de acordo
com Marconi e Lakatos (2004, p.279), é
também
chamada
de
assistemática,
antropológica e livre, pois, o entrevistador
tem liberdade para desenvolver cada
situação em qualquer direção que considere
adequada. Uma forma de poder explorar
mais amplamente a questão.
As entrevistas foram realizadas com
pessoas diretamente envolvidas com o setor
de processamento de roupas. As questões
levantadas foram baseadas nos itens de
orientação do padrão de Nível 1 do Manual
Brasileiro de Acreditação – ONA (2006); no
Manual de Processamento de Roupas de
Serviços de Saúde: Prevenção e Controle de
Riscos da ANVISA (2007); e ainda, através
da observação direta participante dentro da
instituição. Onde a observação participante,
“Implica a interação entre investigador e
grupos sociais, visando coletar modos de
vida sistemáticos, diretamente do contexto ou
situação específica do grupo” (MARCONI e
LAKATOS, 2004, p. 277).
Adotou-se uma abordagem qualitativa
como critério para análise dos dados, que foi
elaborada a partir da confrontação entre os
dados coletados e as normas e padrões
constantes dos manuais da ONA (2006) e da
ANVISA (2007), onde foi possível verificar o
proposto no objetivo principal desta pesquisa.
Marconi e Lakatos (apud Eisman et al, 1998,
p. 228), citam que: “a investigação qualitativa
supõe adoção de determinadas concepções
filosóficas e científicas e fórmulas específicas
de coleta e análise de dados. O que origina
uma nova linguagem metodológica”.
Análise dos Dados
Expõe-se a seguir os resultados
obtidos relativos ao perfil dos entrevistados e
à identificação das condições operacionais
do setor de Processamento de Roupas. Os
dados coletados foram confrontados e
analisados de acordo com o proposto nos
itens de orientação do padrão de Nível 1 do
Manual Brasileiro de Acreditação – ONA
(2006) e o disposto no Manual de
Processamento de Roupas de Serviços de
Saúde: Prevenção e Controle de Riscos da
ANVISA (2007).
Identificação das Condições Operacionais
Levando-se em consideração as
atividades desenvolvidas pelo setor de
Processamento de Roupas, buscou-se
através da entrevista e observação direta
participante, obter informações que tornasse
possível
a
análise
das
condições
operacionais para atingimento do nível 1 de
acreditação da ONA, que determina a
segurança na estrutura física, sanitária e
capacitação profissional.
Capacitação do Corpo Funcional
De acordo com os entrevistados
nenhum possui curso especializado para a
prática da função. O treinamento e
orientação
quanto
à
execução
das
atividades, são repassados pelos colegas
mais antigos. Não há um capacitador
específico proporcionado pela instituição.
Em relação as dificuldades em
realizar as atividades no setor, seis dos
entrevistados relataram não ter dificuldades
em realizar suas funções. Duas das
entrevistadas da área limpa mencionam
dificuldades em realizar a entrega da roupa
nas unidades do hospital, devido ao peso do
carrinho.
Quanto ao questionamento feito à
coordenadora da lavanderia sobre alguma
dificuldade em realizar as atividades no seu
setor, a mesma menciona ter dificuldades em
entender as normas pertinentes à unidade.
Segundo o Manual de Processamento
de Roupas de Serviços de Saúde: Prevenção
e Controle de Riscos da ANVISA (2007,
p.16); O trabalhador deve ser capacitado
para a execução das suas atividades no que
se refere aos aspectos técnicos e
operacionais, à legislação, às novas
tecnologias, à prevenção e controle de
infecção e a segurança e saúde ocupacional.
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Leite, Costa e Mariano (2011).
Já o Manual Brasileiro de Acreditação
da ONA (2006, p.147), preconiza que haja
responsável técnico conforme legislação;
corpo funcional habilitado e/ou capacitado,
dimensionado
adequadamente
às
necessidades do serviço.
tem como objetivo a prevenção de acidentes
e doenças decorrentes do trabalho, de modo
a tornar compatível permanentemente o
trabalho com a preservação da vida e a
promoção da saúde do trabalhador (BRASIL,
1978 – NR 5).
Condições estruturais e operacionais
quanto aos requisitos de segurança
No tocante ao quesito: conhecimento
das medidas de prevenção contra o risco
ergonômico, procurou-se investigar os
principais, como postura inadequada de
trabalho,
levantamento
de
peso
e
repetitividade.
Seis dos entrevistados
confirmam não ter conhecimento sobre o
risco de se ter uma postura inadequada no
trabalho; Quanto ao levantamento de peso,
apenas dois relatam não ter conhecimento; e
a
respeito
da
repetitividade,
todos
assinalaram
que
sim,
possuem
conhecimento.
A coordenadora da lavanderia relata
que as roupas sujas são colocadas nas
máquinas de lavar por estimativa, sem
pesagem, pois o setor não possui balança
própria para pesagem. Menciona que são
lavados em média 35.000 kg de roupa/mês.
E ainda, que após a lavagem, um funcionário
da área suja vai até a área limpa para
desempenhar, nesta unidade, as funções de
centrifugação da roupa molhada e secagem
na secadora.
Quanto
ao
uso
regular
dos
equipamentos de proteção individual, apenas
uma entrevistada da área limpa, afirma não
fazer uso do protetor auricular por não
possuí-lo e comenta já ter comunicado a
chefia de segurança do trabalho, que ficou de
providenciar.
Todos os respondentes afirmam
haver inspeções em seus setores, por parte
dos técnicos de segurança do trabalho da
instituição, com o objetivo de analisar a
conduta e rotina na execução das atividades.
O Manual de Processamento de
Roupas de Serviços de Saúde: Prevenção e
Controle de Riscos da ANVISA (2007, p.95106), mencionam várias normas que visam à
segurança e saúde ocupacional do
trabalhador, através da implantação de vários
programas. Citamos a seguir alguns
exemplos:
II - A NR-9 que dispõe sobre o Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, e
tem como objetivo conhecer e identificar os
riscos presentes no ambiente de trabalho,
bem como recomendar e aplicar medidas de
controle, minimização ou eliminação desses
riscos (BRASIL, 1978- NR9).
I - A NR-5 que dispõe sobre a Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA e
III - A NR-17 que dispõe sobre a avaliação da
adaptação das condições de trabalho às
características
psicofisiológicas
dos
trabalhadores cabe ao empregador realizar a
análise ergonômica do trabalho conforme NR
17 (BRASIL, 1978 –NR17).
IV - A NR-32 que dispõe sobre a Segurança
e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos
de Saúde e tem por finalidade estabelecer as
diretrizes básicas para a implementação de
medidas de proteção à segurança e à saúde
dos trabalhadores dos serviços de saúde,
bem como daqueles que exercem atividades
de promoção e assistência à saúde em geral
(BRASIL, 2005 – NR32). A NR 32 foi
estabelecida por meio da Portaria MTE nº.
85, de 11 de Novembro de 2005. O item 32.7
dessa
NR
estabelece
algumas
determinações específicas para a unidade de
processamento de roupas de serviços de
saúde.
O Manual traz ainda no item 2.7 p.32
uma Nota Importante: A circulação do
trabalhador entre a área limpa e a área suja
deve ser evitada. A passagem de um
trabalhador da área suja para a limpa deve
ser precedida de banho.
O Manual Brasileiro de Acreditação
da ONA (2006, p.147), cita que o setor de
Processamento de Roupas – Lavanderia
deve possuir condições estruturais e
operacionais que atendam aos requisitos de
segurança conforme as normas vigentes.
Sistemática da manutenção preventiva
dos equipamentos
Quando perguntado se há no setor
um manual de operação rotineira que vise
manter os equipamentos funcionando
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Leite, Costa e Mariano (2011).
adequadamente; por unanimidade, todos os
entrevistados responderam que não há.
Em
relação
à
realização
da
manutenção preventiva dos equipamentos e
máquinas, apenas um dos entrevistados
comentou que esta não é realizada: “só
acontece se der problema nas máquinas”. Os
demais relatam que sim, bem como a
periodicidade é mensal.
A coordenadora do setor informou
que a manutenção dos equipamentos é
realizada em períodos de 15 em 15 dias, por
funcionários da própria instituição. Informou
ainda, haver visita do fornecedor dos
produtos utilizados na lavanderia no mesmo
período, com o objetivo de verificar a
utilização e eficácia da lavagem das roupas.
O fornecedor faz a leitura das máquinas com
relação à quantidade de roupas e de
produtos utilizados, a fim de mensurar o
custo do kg da roupa lavada.
No que se refere à limpeza diária dos
equipamentos e máquinas, todas as
respostas foram afirmativas.
Comparando as informações contidas
no Manual de Processamento de Roupas de
Serviços de Saúde: Prevenção e Controle de
Riscos da ANVISA (2007, p.60-65), com os
dados obtidos através da coleta de dados,
este traz uma série de informações
relevantes e uma nota importante “a unidade
de processamento de roupas é a responsável
pela
elaboração,
implantação
e
implementação do Plano de Gerenciamento
de Equipamentos”.
Conforme o Manual, a unidade de
processamento de roupas de serviços de
saúde deve promover o gerenciamento dos
seus equipamentos, o qual abrange:
A identificação da necessidade de
aquisição
de
um
determinado
equipamento;
A escolha do equipamento ideal;
O seu recebimento;
A capacitação do operador;
A operação do equipamento;
O acompanhamento de seu desempenho
e de eventos adversos relacionados;
Os planos de manutenção preventiva e
corretiva.
Para acreditar Nível 1, a ONA
recomenda em seu Manual (2006, p.147) que
haja sistemática de manutenção preventiva e
corretiva das instalações e equipamentos.
Gerenciamento do controle de infecções e
biossegurança
Procurou-se através da coleta de
dados, identificar através de questões
básicas, como é realizado no setor de
processamento de roupas o gerenciamento
do controle de infecções e biossegurança.
As respostas foram positivas de
acordo comuns, quanto ao recebimento
constante de orientações sobre o modo de
transmissão de doenças e controle de
infecções;
quanto
à
realização
de
campanhas de vacinação preventiva por
parte da instituição e a participação dos
entrevistados nas mesmas.
Os trabalhadores da unidade de
processamento de roupas devem receber
constantemente orientações referentes ao
modo de transmissão de doenças e controle
de infecções; as infecções adquiridas pelos
trabalhadores na unidade de processamento
de roupas estão relacionadas principalmente
à não adesão das precauções padrão, quais
sejam: uso de equipamentos de proteção
individual - EPI; higienização das mãos e
dos equipamentos de EPIs; limpeza e
desinfecção das áreas e equipamentos da
unidade de processamento de roupas dentre
outras, estas são informações constantes do
Manual de Processamento de Roupas de
Serviços de Saúde: Prevenção e Controle de
Riscos da ANVISA (2007, p.85-91).
O setor de Processamento de
Roupas, de acordo com Manual Brasileiro de
Acreditação da ONA (2006, p.147), deve
atender aos seguintes requisitos de:
identificação, gerenciamento e controle de
riscos sanitários, ambientais, ocupacionais e
relacionados
à
responsabilidade
civil,
infecções e biossegurança e cumprimento
das diretrizes da Comissão de Controle de
Infecção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discussão dos resultados
A diversidade de serviços que um
hospital oferece, torna sua administração
complexa e altamente desafiadora. A
necessidade
cada
vez
maior
das
organizações hospitalares executarem suas
atividades dentro de processos coerentes
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pens@r Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 23-34, julho-dezembro, 2011.
Leite, Costa e Mariano (2011).
com as normas vigentes, faz com que seja
imprescindível a adoção de métodos que
possibilitem aumentar a eficiência e a
qualidade dos serviços prestados.
A pesquisa possibilitou identificar e
verificar as condições operacionais e os
critérios para acreditação do setor de
processamento de roupas, que culminou no
atendimento do objetivo geral, que são
comentados a seguir:
Quanto
ao
corpo
funcional
capacitado, embora a maior parte dos
entrevistados afirmem não ter dificuldades na
realização das atividades, baseado nas
entrevistas ficou evidenciado que falta
capacitação/qualificação voltada à função,
para a maioria dos colaboradores. Inclusive
para a coordenadora, visto que, as atividades
são desempenhadas sem treinamento ou
orientação proporcionada pela instituição e
não possuem curso específico na área.
As
condições
estruturais
e
operacionais quanto aos requisitos de
segurança, que visam à saúde física e
psicológica dos colaboradores, observou-se
que poucos possuem conhecimento de fato.
Podendo considerar como um fator de risco,
que
possivelmente
implicará
em
afastamentos para tratamentos médicos. O
que demandaria um outro estudo mais
aprofundado, não sendo neste momento foco
do trabalho: se há absenteísmo e suas
causas.
Um
acontecimento
também
observado é em relação ao funcionário da
área suja ir até a área limpa para
desempenhar outras funções, sem tomar as
medidas de segurança descritas no Manual
da Lavanderia, o que também podemos
considerar como um fator de risco, pois pode
originar a contaminação da área limpa.
Pôde-se verificar que a coordenadora
possui dificuldades de entendimento das
normas pertinentes ao setor. Porém um fator
positivo identificado através da observação e
da pesquisa teórica documental, é que a
instituição possui em conformidade com
legislação
pertinente:
Programa
de
Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA;
Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes – CIPA; Técnico de Segurança e
Saúde do Trabalho; relacionados às
atividades desempenhas na lavanderia.
Identificou-se através das entrevistas
e da observação, que há sistemática de
manutenção preventiva e corretiva dos
equipamentos, realizada pelos funcionários
do serviço de manutenção da instituição e as
limpezas diárias dos equipamentos e
máquinas por parte dos operadores. Porém,
não está implantado e implementado o Plano
de
Gerenciamento
de
Equipamentos,
contemplando no Manual de Processamento
de Roupas de Serviços de Saúde: Prevenção
e Controle de Riscos da ANVISA (2007).
Falta ainda, balança para controle da
quantidade de roupa a ser processada. Está
situação é negativa, considerada como não
conforme, pois, não atende aos requisitos
dos Itens de Orientação Nível 1, no processo
de acreditação.
Para acreditação Nível 1, espera-se
que o setor tenha gerenciamento do controle
de infecções e biossegurança e cumpra as
diretrizes da Comissão de Controle de
Infecção hospitalar (CCIH). Muitos fatores
positivos foram observados no que se refere
à participação da CCIH. Sendo efetiva na
orientação
e
acompanhamento
das
atividades na lavanderia, com intuito de
promover a segurança contra infecções e a
biossegurança dos colaboradores e usuários
dos serviços ali prestados. A comissão
realiza visita técnica regularmente ao local
para averiguação da correta conduta e auxilia
no encaminhamento dos casos, que
necessitam
de
medidas
específicas.
Confecciona relatórios mensais e identifica
caso haja algum evento adverso como, por
exemplo, o colaborador se ferir durante o
manuseio da roupa suja, com objeto pérfuro
– cortante possivelmente infectado. Foi
verificado que os funcionários participam de
programas
de
vacinação
preventiva
específicos para a unidade, fornecidos pela
instituição, contemplando várias doenças
imunopreveníveis.
Diante do acima exposto, foi possível
concluir que a unidade de Processamento de
Roupas, ainda não está em condições de
acreditar Nível 1, devido ao fato de alguns
processos não apresentarem conformidade
com os critérios exigidos nos itens de
orientação da ONA.
Sugere-se que todo o processo na
lavanderia seja revisto e analisado por
profissionais
com
capacidade
técnica
específica, em conformidade com a
legislação correspondente e se tomem às
medidas de adequação condizentes, para
aprimoramento dos métodos de trabalho.
Sugere-se ainda, que seja promovido
pela instituição, curso especifico em
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pens@r Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 23-34, julho-dezembro, 2011.
Leite, Costa e Mariano (2011).
lavanderia hospitalar
contemplando a
capacitação do calaborador deste setor, a
reconhecer e aperfeiçoar os serviços de
Processamento da Roupa Hospitalar,
reconhecendo e aplicando corretamente as
normas técnicas e os princípios científicos.
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Pens@r Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 23-34, julho-dezembro, 2011.
Lamas (2011).
BREVES APONTAMENTOS SOBRE O PAPEL DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NA
FORMAÇÃO DOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS DE DIREITO
Área Temática: Direito
Lívia Paula de Almeida Lamas1
1
Mestre em direito e coordenadora do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
– FACIG.
Resumo: O presente ensaio se propõe a fazer uma análise do papel exercido pelo direito de
resistência na formação dos Estados Democráticos de Direito, de forma a demonstrar que eles
funcionam como uma garantia de autodefesa da sociedade frente aos abusos contra os direitos
fundamentais do ser humano. O direito de resistência é considerado a partir do século XV, pois
somente a partir dessa data ele pode ser visto como uma Instituição. É também nesse período
que se inicia o processo em que os direitos humanos fundamentais começam a ser inseridos em
todos os âmbitos da vida civil e assumem um papel essencial na proteção do indivíduo enquanto
sujeito de direitos.
Palavras chave: resistência, direitos humanos fundamentais.
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios, a humanidade
sempre exerceu o direito de resistência como
forma de combater a opressão, ou seja, o
povo se julgava no direito de reagir contra
aqueles que tiravam sua vida, oprimiam sua
liberdade e feriam o seu direito à dignidade
humana. O direito de resistência encontrava,
portanto,
subsídios
na
garantia
de
autodefesa da sociedade e na concepção
individualista de que o homem se antepõe a
toda forma de poder, até mesmo, o poder do
Soberano.
Todavia, foi somente a partir do
século XV que esse direito se desenvolveu e
surgiu de uma forma institucional. Assim, um
estudo adequado sobre o direito de
resistência nos Estados Democráticos de
Direito, não pode se iniciar sem antes propor
uma reflexão a respeito do “processo de
secularização”, termo utilizado para definir as
mudanças vivenciadas pela sociedade a
partir da ruptura entre a cultura eclesiástica e
o modo de produção das ciências.
A secularização teve início no período
denominado iluminismo, e o seu foco recai
no indivíduo, em seus direitos fundamentais,
e na sustentação da idéia de que “toda
sociedade política legítima deve originar-se
de um ato de livre consentimento por parte
do povo inteiro” (SKINNER, 1996 p. 590).
O iluminismo, por sua vez, consistiu
em um movimento filosófico e pedagógico
que substituiu as justificações teológicas pela
razão, de tal modo que o saber passou a ser
fundado
na
razão
do
homem
(antropocentrismo).
“A
humanidade
descobriu seu poder no mundo e integrou
essa dignidade a uma nova consciência de
razão e potencialidade” (HARDT, NEGRI,
2002 p.89). “O resultado é uma teoria da
revolução inteiramente política, alicerçada
numa tese moderna e secularizada acerca
dos direitos naturais e da soberania original
do povo” (HOBBES, p. 780).
Com o iluminismo, a moral é
secularizada, “iniciando o processo que, no
século XX, redundará na universalização dos
direitos humanos” (CARVALHO, 2002, p.6) e
ocasionará
o
nascimento
do
constitucionalismo
e
do
Estado
de
Democrático de Direito.
A Declaração de Independência
Americana, de 1776, pode ser considerada
um marco decisivo nessa história, pois foi o
documento através do qual as Treze
Colônias da América declaram sua
independência da Inglaterra. O texto, escrito
por
Thomas
Jefferson,
proclamou
solenemente que todos os homens foram
criados iguais e que foram dotados de certos
direitos inalienáveis; dentre os quais se
devem colocar em primeiro plano a vida, a
liberdade e a busca pela felicidade, sendo
que para assegurar o uso desses direitos, os
homens estabelecerão entre si governos,
cuja
justa
autoridade
emanará
do
consentimento dos governados.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 35-38, agosto-dezembro, 2011.
Lamas (2011).
Em 1787, foi discutida e aprovada a
primeira e única Constituição dos Estados
Unidos. Dotada de fortes características
iluministas, a Carta Magna assegurava o
direito de propriedade e defendia os direitos
e garantias individuais do cidadão.
Sob a influência desses ideais o povo
francês encontrou força e argumentos para
se rebelar contra a concentração do poder
em uma só pessoa, o que acabou
culminando na Revolução Francesa (1789),
cujo lema era Liberdade, Igualdade,
Fraternidade.
A Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, resultante dessa Revolução,
afirmou a existência de certos princípios
superiores e imutáveis que se impõem a
todos os povos, a qualquer tempo, “tais
princípios os homens deveriam ter sempre
diante dos olhos. Os legisladores para lhes
servir de guia; os cidadãos, de salvaguarda”
(FRAGOSO, 1977. p.120).
Com a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, o homem
definitivamente passou a ser compreendido
como sujeito de direitos humanos universais.
Esses direitos não decorriam do fato de o
indivíduo ser ou não cidadão de determinado
Estado, mas sim de que os direitos humanos
eram “inalienáveis, irredutíveis e indeduzíveis
de outros direitos ou leis” (ARENDT, p. 324),
justamente em virtude de sua essencialidade
para a vida e a dignidade do homem. Isso
“significava que doravante o Homem, e não o
comando de Deus nem os costumes da
história seria a fonte da Lei” (ARENDT, 2006,
p. 324).
Em uma época em que o Estado
absoluto não tinha limites jurídicos, os ideais
pregados pelos movimentos revolucionários
norte americanos e franceses, foram
essenciais
para
o
nascimento
do
constitucionalismo.
Movimento
político,
jurídico e social, através do qual emergiram
as constituições nacionais.
Essas Constituições, que deveriam
ser escritas, celebrariam um “contrato” onde
governantes e governados estariam sujeitos
ao Direito - leis. Teriam, ainda, por escopo a
extinção preventiva dos conflitos sociais.
A Constituição seria a lei suprema de
um Estado, responsável por determinar as
autoridades competentes para a produção
das normas jurídicas, bem como os
procedimentos para a sua elaboração. Seria
também responsável pela separação dos
poderes e pelas garantias dos direitos
individuais.
Neste sentido, os ideais incorporados
pelo movimento constitucionalista, acabaram
influenciando o processo que culminou com o
surgimento do Estado de Direito, entendido
como a organização jurídica-política do
poder, destinada a garantir os interesses e
valores consagrados pelo seu povo. 15
O Estado de Direito pregava o
respeito a hierarquia das Leis, a separação
dos poderes e o respeito aos direitos
fundamentais.
O Estado de Direito, segundo dispõe
Toledo (p. 111):
Não é um fim em si mesmo, mas
organização política da sociedade,
normatizada
pelo
Direito,
cuja
finalidade é, em última instância, a
concretização da liberdade. Apresentase então como meio, instrumento, para
a realização do homem enquanto
sujeito de direitos, realização somente
possível
dentro
da
organização
jurídico-política do Estado.
No Estado de Direito, os homens
deveriam ser tratados pelo Estado com
igualdade, pois, conforme as sábias palavras
de Hobbes (1988, p.78):
A natureza fez os homens tão iguais,
quanto às faculdades do corpo e do
espírito que, embora por vezes se
encontre um homem manifestamente
mais forte de corpo, ou de espírito mais
vivo do que outro, mesmo assim,
quando se considera tudo isto em
conjunto, a diferença entre um e outro
homem
não
é
suficientemente
considerável para que qualquer um
possa com base nela reclamar
15
Sobre esse tema, SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos Direitos fundamentais. 2003, p.111.
Na condição de limite da atividade dos poderes
públicos, a dignidade necessariamente é algo que
pertence a cada um e que não pode ser perdido
ou alienado, porquanto, deixando de existir, não
haveria mais limite a ser respeitado. Como tarefa
imposta ao Estado, a dignidade da pessoa
humana reclama que este guie as suas ações
tanto no sentido de preservar a dignidade
existente ou até mesmo de criar condições que
possibilitem o pleno exercício da dignidade.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 35-38, agosto-dezembro, 2011.
Lamas (2011).
qualquer benefício a que outro não
possa também aspirar, tal como ele.
Ocorre, todavia, que criar uma
Constituição e estabelecer um Estado de
Direito não foram suficientes para proteger o
indivíduo contra as arbitrariedades do
Estado. Os Direitos do Homem, que se
supunham inalienáveis e independentes de
todos os governos, pois dispunham da
proteção das leis, viram-se fragilizados
justamente em razão delas.
O Estado de Direito ao manter todos
abaixo das regras legalmente ditadas,
acabou tendo o seu objetivo principal – a
proteção aos direitos humanos fundamentais
- desvirtuado durante a Segunda Guerra
Mundial, visto que, com base na lei alemã,
vários judeus foram massacrados por Hitler.
Tais
acontecimentos
foram
provenientes de um comando normativo e
violaram profundamente os direitos
fundamentais. Dessa forma, o uso
inadequado da lei autorizou o uso do
direito de resistência, como argumento
político e jurídico, na tentativa de se
restabelecer a ordem. Esse direito atuou
como uma manifestação de legítima
defesa diante do arbítrio.
Como conseqüência da interpretação
errônea feita pela Alemanha nazista acerca
do Estado de Direito, após a Segunda Guerra
Mundial, a interpretação dada às leis teve
que sofrer uma mudança significativa.
Passou-se a estabelecer que há um
grupo de valores fundamentais para a vida e
a dignidade humana que devem ser
respeitados
e
obedecidos,
independentemente do ordenamento jurídico
vigente.
Desse modo, passou-se a falar não
mais em Estado de Direito, mas em Estado
Democrático de Direito, “definido então como
organização jurídica do poder, que se
assenta em alguns princípios elementares e
na declaração e garantia dos direitos
fundamentais” (TOLEDO, p. 114).
Nesse sentido, Dahl (1997, p.25)
parte do pressuposto de que “uma
característica-chave da democracia é a
contínua responsividade do governo às
preferências de seus cidadãos, considerados
como politicamente iguais.”
A dignidade da pessoa
humana deve funcionar como “princípio
estruturante” (JARDIM, 1999, p. 317) dos
Estados Democráticos de Direito, ou seja,
representar o arcabouço político constitutivo
basilar sobre o qual o Estado repousa o seu
ordenamento jurídico.
A dignidade da pessoa humana
representa um princípio maior, composto por
um conjunto de valores objetivos e subjetivos
considerados invulneráveis e que devem ser
assegurados por todo estatuto jurídico, “de
modo que, somente excepcionalmente,
possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos” (MORAES, 2000, p.60)
O respeito aos direitos humanos
fundamentais assumiu, portanto, um novo
caráter a partir da formação dos Estados
Democráticos de Direito. A partir dessa
perspectiva os direitos da pessoa humana
passaram a ser inseridos em quase todos os
âmbitos da vida civil, de forma não apenas
estática, mas igualmente de modo a se
buscar a sua efetivação, ou seja, a simples
afirmativa de que os indivíduos possuem
direitos não é suficiente, é preciso que haja a
concretização dos direitos garantidos, ainda
que por meio da resistência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto pode-se afirmar
que a partir do século XV, iniciou-se um
processo que defende a legitimidade do
governo e das leis, que devem ser
construídas a partir do consentimento
popular e em função da sociedade. Neste
sentido, caso apareçam situações de
desigualdade e injustiça, cometidas pelo
titular do poder ou quando este se abstenha
de agir, o direito de resistência se
instrumentaliza, de forma a recompor e
atender às legítimas aspirações do povo.
A
formação
dos
Estados
Democráticos de Direito representa, portanto,
um marco em uma história marcada por
guerras e revoluções, pois confere aos
indivíduos a defesa de seus direitos
fundamentais, que devem ser considerados
invulneráveis,
independentemente
do
contexto em que se encontrem.
REFERÊNCIAS
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 35-38, agosto-dezembro, 2011.
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TOLEDO, Cláudia. Direito adquirido e
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 35-38, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
EDUCAÇÃO E DESIGUALDADES REGIONAIS: OS IMPACTOS DO FUNDEB NO BRASIL 1
Área Temática: Educação
Paulo Eduardo Frinhani1
1
Artigo cientifico extraído e atualizado da dissertação Educação e Desigualdades Regionais: Os Impactos
do Fundeb no Brasil do autor Paulo Eduardo Frinhani.
RESUMO: O objetivo do estudo é mostrar os impactos do Fundeb no financiamento da educação
básica pública brasileira no período de 2005 a 2009, tendo por comparação o crescimento do Ideb
nas regiões brasileiras. Para avaliar os impactos do Fundeb e os resultados alcançados, esta
pesquisa analisa o novo padrão de financiamento da educação básica introduzido pelo fundo,
buscando verificar se o fundo estabelece uma política nacional de correção das desigualdades
regionais e analisar a trajetória dos recursos disponíveis do valor aluno/ano aplicado nas regiões
brasileiras podendo concluir se o Fundeb representa um importante avanço para o equilíbrio
federativo no financiamento da educação básica, ampliando a discussão entre a política social,
educacional e econômica no Brasil através da avaliação da introdução do Fundeb.
Palavras chave: educação, Fundeb, financiamento, desigualdades.
ABSTRACT: The objective of the study is to show the impacts of Fundeb in the financing of the
public basic education Brazilian in the period from 2005 to 2009, tends for comparison the growth
of Ideb in the Brazilian areas. To evaluate the impacts of Fundeb and the reached results, this
research analyzes the new pattern of financing of the basic education introduced by the bottom,
looking for to verify the bottom establishes a national politics of correction of the regional
inequalities and to analyze the path of the available resources of the value applied aluno/ano in the
Brazilian areas could be concluded Fundeb represents an important progress for the federal
balance in the financing of the basic education, enlarging the discussion among the social policy,
education and economical in Brazil through the evaluation of the introduction of Fundeb.
key words: Education, Fundeb, financing, inequalities.
INTRODUÇÃO
As avaliações educacionais nacionais,
seguindo
situações
internacionais
emergentes, tiveram a implantação a partir
do final dos anos 80, o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) que
veio a mobilizar e trazer questionamentos em
torno de seus resultados e diagnósticos dos
estudantes brasileiros. Com as divulgações
feitas, várias críticas tiveram lugar e o
governo resolveu criar outro instrumento que
pudesse analisar, nacionalmente, a evolução
da qualidade educacional em termos do
rendimento escolar (com taxas de aprovação,
reprovação e abandono). De modo previsto,
a meta divulgada publicamente necessitava
incluir a participação das escolas e
comunidades no acompanhamento e esforço
para crescimento da educação no país.
Assim, foi criado, segundo o
Ministério da Educação, o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB)– “um indicador que combina
informações de fluxo e de desempenho dos
alunos, criado para promover um sistema de
responsabilidade, visando à melhoria da
qualidade da educação no país” (BRASIL,
2007, p.1).
No mesmo sentido das metas de
avaliações educacionais nacionais, para se
obter bons resultados o governo também
precisava garantir, por lei, fundos específicos
de financiamento para a educação básica
pública, que era garantida apenas pelo art.
212 da Constituição Federal. Assim, surgiram
o Fundef, em 1996, que garantia recursos ao
ensino fundamental e o Fundeb, em 2006,
garantindo recursos para toda a educação
básica pública.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
O Fundef (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de
Valorização
do
Magistério)
foi
estabelecido em 1996, para vigorar a partir
de janeiro de 1998. Antes da sua criação, já
havia uma vinculação de recursos à
educação expressa no art. 212 da
Constituição Federal, que determinava que
18% das receitas da União, 25% das receitas
dos estados e municípios deveria ser,
obrigatoriamente, aplicada "na manutenção e
desenvolvimento do ensino”. O Fundef foi o
primeiro fundo especifico da educação básica
pública brasileira, mas garantia recursos
apenas ao ensino fundamental, deixando de
fora a educação infantil, o ensino médio e os
cursos técnicos profissionalizantes.
Para Mendes (2002, p.17), “este tipo
de vinculação mostrou-se, na prática,
insuficiente, porque o termo “manutenção e
desenvolvimento do ensino" é muito
genérico, podendo qualquer ente da
federação que desejasse burlar essa
obrigação, podia lançar mão de manobras
contábeis de modo a registrar, como gasto
em educação, despesas pouco relacionadas
ao ensino. Agindo dessa forma, o governador
ou prefeito escapava da restrição legal,
ganhando graus de liberdade na gestão do
seu orçamento, à custa do nível educacional
da federação”.
Visando corrigir essas distorções na
educação básica pública brasileira, o governo
federal implanta o Fundeb (Fundo de
Manutenção
e
Desenvolvimento
da
Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação), que foi criado
pela Ementa Constitucional nº. 53/06 e
aprovada em 06 de dezembro de 2006 e
convertida Lei nº. 11.494, de 20 de junho de
2007 que regulamenta o fundo, e passou a
garantir recursos para toda a educação
básica, deste a educação infantil até ao
ensino médio.
Este
artigo
busca
avaliar
a
capacidade do Fundeb em promover o
equilíbrio federativo no financiamento da
educação básica, tendo por objetivo principal
mostrar quais foram os impactos do Fundeb
no financiamento da educação básica, tendo
por comparação o Ideb das regiões
brasileiras.
Para responder ao objetivo principal o
artigo apoiou-se em verificar se o Fundeb
estabelece uma política nacional de correção
das desigualdades educacionais regionais no
Brasil, analisando a trajetória dos recursos
disponíveis do Fundeb e do valor aluno/ano
aplicado em cada região brasileira, para por
fim verificar se o Fundeb representa um
importante avanço para o equilíbrio
federativo no financiamento da educação
básica.
Desta forma o presente estudo está
focado nos impactos do Fundeb e suas
relações com a correção das desigualdades
educacionais regionais existentes no plano
nacional de educação.
O
FINANCIAMENTO
PÚBLICO
DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
De acordo com Júnior (2009) a
educação pública no Brasil teve inicio em
1551, com o ensino sob administração dos
Jesuítas que durou até 1758. Após esse
período o ensino público brasileiro ficou sob
manutenção e administração da família
patriarcal sobe a mercê do investimento
tributário das vendas de carnes nos
açougues e das cachaças nos alambiques
denominados na época de subsídio literário.
Júnior (2009) descreve que após esse
período com o crescimento das grandes
cidades brasileiras o ensino passou a se
sustentar através de impostos arrecadados
(equivalentes ao atual ICMS) e somente em
1983 com a “emenda João Calmon” e
posteriormente com a consolidação da Carta
Magna em 1988, garantiu e especificou as
delimitações dos financiamentos para com a
Educação, por meio de Leis expressas pela
Constituinte no art. 212.
Para Castro (2007) a necessidade de
ampliação do acesso à educação e a
melhoria da qualidade dos níveis de ensino,
deve estar ligado diretamente à estrutura de
financiamento da educação básica, porque é
importante identificar e compreender como
se molda o financiamento e o gasto realizado
pelo Poder Público para gerar os bens e
serviços educacionais, com o fim de aferir
possíveis dificuldades a serem enfrentadas.
Desta forma os investimentos em educação
básica no Brasil estão sendo foco de muitas
análises e discussões com propósito de
promover uma educação de qualidade.
Segundo Education at a Glance:
16
OCDE Indicators (2007, p.1) “a instrução e
a educação desempenham um papel
16
Organização para a
Desenvolvimento Econômico.
Cooperação
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
e
Frinhani (2011).
importante no desenvolvimento econômico e
social dos países”. E o capital humano é um
fator chave para direcionar o crescimento
econômico e para desenvolver os resultados
dos indivíduos, exercendo assim evidências
que influenciam também sobre os resultados
não econômicos.
Para a Education at a Glance: OCDE
Indicators (2007) a OCDE é uma organização
que fornece uma série de indicadores
valiosos, comparáveis e atualizados sobre o
desempenho dos sistemas educativos dos
países. Embora seja dada ênfase aos 30
países membros da OCDE, a organização
têm incluído de modo crescente os
indicadores de países parceiros, e entre eles
o Brasil.
Esses indicadores da OCDE analisam
os gastos com a educação, o funcionamento
da
educação
e
os
sistemas
de
aprendizagem, fazendo um panorama da
educação no país.
De acordo com a OCDE (2007, p.2),
“a porcentagem do PIB gasto com educação
demonstra a prioridade que os países dão à
educação em relação a outros gastos de seu
orçamento”.
Segundo o Ministério da Educação
(2008) atualmente o gasto público brasileiro
com educação considerando as três esferas
de governo é de aproximadamente 5% do
Produto Interno Bruto (PIB), proporcionando
um gasto com educação ainda abaixo do
retratado
pela
Organização
para
a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) que recomenda que países como o
Brasil devam gastar no mínimo em torno de
6% do PIB. Para Abrahão (2005, p.884) “a
investigação dos gastos públicos na
educação tem como objetivo compreender o
valor e o uso dos recursos colocados à
disposição do poder público para gerar o
bem-estar social, mediante a oferta de bens
e serviços educacionais para a população”.
A tabela 01 mostra a evolução do
gasto público com educação básica no Brasil
no período de 1997 quando começou a
introdução do Fundef até o ano de 2009.
Tabela 1 – Gasto em Educação Básica no
Brasil em relação ao PIB:1997 – 2009
Ano Valor em relação ao PIB (%)
1997
2,71
1998
3,22
1999
3,15
2000
3,03
2001
3,15
2002
3,16
2003
3,12
2004
3,14
2005
3,10
2006
3,20
2007
3,90
2008
4,00
2009
4,30
Fonte: MEC/INEP Elaborado pelo autor
A Tabela 1 mostra apenas dois
grandes saltos no gasto com educação
básica pública, que foram em 1998 com a
implantação do Fundef e 2007 com a
implantação do Fundeb. Esses dois
momentos foram muito significativos para a
educação básica pública brasileira, porque
elevaram o gasto com educação básica em
relação PIB em aproximadamente 0,51
pontos em 1998 com a implantação do
Fundef e aproximadamente 0,7 pontos em
2007 com a implantação do Fundeb. Após a
implantação do Fundeb podemos observar
que os gastos públicos com educação básica
continuam
a
crescer
ano
a
ano
proporcionando uma parcela um pouco mais
significativa do PIB destinada a educação
básica pública brasileira.
Para Abrahão (2005, p.843) “a
estrutura de financiamento da educação é
fortemente baseada em impostos, que são
recursos gerais tomados à sociedade”. Isto
significa que parte expressiva dos recursos,
principalmente de Estados, Distrito Federal e
Municípios, são provenientes da arrecadação
tributária, sobretudo em razão da vinculação
de impostos.
Conforme Castro e Fernandes (1999)
a educação pública no Brasil segue normas
legais vigentes, devendo ser realizada pela
União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e
pelos Municípios, que têm a responsabilidade
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
e competência pela manutenção e expansão
dos sistemas de ensino.
De acordo co Abrahão (2005, p. 843):
“a União deve aplicar recursos na
execução de programas e ações
próprias, além de transferir recursos
para os sistemas estaduais e
municipais. Na composição de suas
receitas, os Estados somam os
recursos recebidos da União aos
provenientes de suas fontes, os quais
são utilizados na manutenção e
expansão de seus sistemas de ensino.
Por sua vez, na composição dos
recursos destinados à manutenção e
expansão de suas redes de ensino, os
municípios recebem recursos da União
e dos Estados, os quais são somados
aos seus recursos próprios. Ou seja, se
seguido o estabelecido pela norma
legal, o regime de financiamento entre
os entes federados deve se pautar pela
colaboração, além do que a ação
supletiva e redistributiva da União e
dos Estados estão condicionadas à
plena capacidade de atendimento e ao
esforço fiscal dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios”.
Para Castro (2007, p.12) “a forma de
financiamento da educação reserva um
determinado percentual de valor arrecadado
mediante impostos que tem sido uma das
medidas políticas mais importantes para
garantir a disponibilidade de recursos para o
cumprimento de responsabilidades do poder
público na área de educação”.
Abrahão (2005, p.855), mostra em um
artigo publicado na revista Educação e
Sociedade “que é importante alertar que os
baixos
gastos
não
podem
ser
automaticamente associados com baixa
qualidade da educação oferecida”. Mas,
entretanto quando esses números foram tão
baixos como os do Brasil ao longo do tempo
não há como não se questionar os possíveis
resultados educacionais brasileiros.
O
FUNDO
DE
MANUTENÇÃO
E
DESENVOLVIMENTO
DA EDUCAÇÃO
BÁSICA E DE VALORIZAÇÃO DOS
PROFISSIONAIS
DA
EDUCAÇÃO
(FUNDEB)
Segundo o Ministério da Educação
(2008) o FUNDEB – Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
visa aperfeiçoar o processo de financiamento
e gerenciamento orçamentário da educação
básica, garantindo o aumento de recursos
para este setor, bem como estabelecer uma
política
nacional
de
redução
das
desigualdades regionais.
Para o Ministro da educação
Fernando Haddad (2008) num artigo
publicado no site no Ministério da Educação
(MEC),
“O
Fundo
de
Manutenção
e
Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB) busca promover
o alcance das metas do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE),
em que a principal meta a ser
alcançada é a elevação da parcela do
Produto Interno Bruto (PIB) para a
educação, saltar de 3,9% para 6%”.
Se observarmos no histórico de
investimentos em educação no Brasil, o país
está longe de atingir está meta. Mas na
opinião do ministro os rumos estão bem
definidos, e o país vai cumprir boa parte das
metas do PDE. O Ministro ainda citou que “o
mais difícil para o país seja promover uma
intensa mobilização e sensibilização da
sociedade para os gastos com educação e
cobrar maior responsabilidade dos gestores
públicos”.
Segundo Vasquez (2005, p.26) “o
financiamento de políticas públicas através
da constituição de um fundo realiza-se pela
destinação de receitas específicas que por
lei, se vinculam à realização de determinados
objetivos”. Assim a Lei 9.424 que descreve
que “o Fundeb é um fundo de natureza
contábil, criado no âmbito de cada Estado,
instituído automaticamente no ano de 2007,
formado com recursos dos próprios Estados
e municípios”.
De acordo com a cartilha do Fundeb
(2007) a origem das receitas do fundo está
ligada diretamente a uma cesta de impostos
dos estados, do Distrito Federal e municípios,
formando um montante de recursos que são
aplicados pela união na educação básica
pública.
Segundo o manual de orientações do
Fundeb (2008) essa cesta de impostos que
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
financia o Fundeb é composta por 20% de
vários tributos: Fundo de Participação dos
Estados (FPE), Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto
sobre Produtos Industrializados (proporcional
às exportações (IPIexp), Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis (ITCMD), Imposto
sobre Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA), Imposto sobre Renda e Proventos
incidentes sobre rendimentos pagos pelos
municípios, Imposto sobre Renda e
Proventos incidentes sobre rendimentos
pagos pelos estados, cota-parte de 50% do
Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos
municípios.
A tabela 2 seguinte mostra a origem
dos recursos do Fundeb com seus
respectivos crescimentos ao longo dos anos.
Tabela 2 – Origem das Receitas do FUNDEB: 2007 – 2009 (MEC – Cartilha do FUNDEB)
IMPOSTOS
ARTIGO CF
2007
2008
2009
ITCMD
Art. 155, inciso I
6,66%
13,33%
20%
ICMS
Art. 155, inciso II
16,66%
18,33%
20%
IPVA - (participação estadual)
Art. 155, inciso III
6,66%
13,33%
20%
Competência residual (part. estadual) Art. 157, inciso II
6,66%
13,33%
20%
ITR (participação municipal)
Art. 158, II
6,66%
13,33%
20%
IPVA - (participação municipal)
Art. 158, III
6,66%
13,33%
20%
ICMS (participação municipal)
Art. 158, IV
16,66%
18,33%
20%
FPE
Art. 159, I, alínea “a”
16,66%
18,33%
20%
FPM
Art. 159, I, alínea “b”
16,66%
18,33%
20%
IPIexp (participação estadual)
Art. 159, II
16,66%
18,33%
20%
IPIexp (participação municipal)
Art. 159, II c/c L.C. n.º
16,66%
18,33%
20%
61/89, art. 5. º
ICMS Desoneração de Exportações (LC 87/96)
16,66%
18,33%
20%
Receitas da dívida ativa tributária relativa aos impostos elencados neste quadro, bem como
juros e multas eventualmente incidentes.
Ganhos auferidos em decorrência das aplicações financeiras dos saldos da conta do
FUNDEB.
Complementação da União:
I - R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), em 2007;
II - R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), em 2008.
III - R$ 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e quinhentos milhões de reais), em 2009;
IV – 10% do montante resultante da contribuição dos Estados e Municípios, a partir de 2010.
Para o Ministério da Educação (2008)
Conforme descrito na cartilha do
tanto o Fundef como o Fundeb são dois
Fundeb (2007, p.9) observa-se que, no caso
fundos de natureza contábil com finalidades
das receitas sobre as quais já era feito o
de financiar a educação pública brasileira e
desconto em favor do FUNDEF (ICMS, FPE,
melhorar a qualidade do ensino público no
FPM, IPIexp), o percentual passará de 15
Brasil. Ainda conforme o Ministério da
para 20% em três anos, ou seja, haverá um
Educação (2008) esses dois fundos
incremento de 1,66 ponto porcentual a cada
representam um avanço no ensino público
ano (5 / 3 = 1,66). No caso das demais
nacional,
porque
garantem
recursos
receitas de impostos e transferências, que
financeiros provenientes de impostos para a
não integravam a base de contribuição para
educação, desta forma o Fundeb foi
o Fundef (IPVA, ITR, ITCMD), o porcentual
implantado com o objetivo complementar e
de contribuição passará de 0% para 20% em
corrigir as falhas ocorridas no Fundef.
três anos, com incremento anual de 6,66
Para Fernandes (2007) o efeito
pontos porcentuais ao ano (20 / 3 = 6,66).
financeiro da mudança do Fundef para o
Fundeb, decorreu de uma aplicação dos
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
mecanismos redistributivos de transferências
de recursos pelo número de alunos
atendidos. Fernandes (2007) ainda afirma
que
a
equalização
promovida
pela
redistribuição de recursos do governo em
cada estado, não era suficiente para
promover a redução das desigualdades
regionais e proporcionar uma melhoria
qualitativa do ensino brasileiro. Desta forma a
mudança ocorrida teve como principal foco a
participação da União na complementação
dos recursos do fundo.
O ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA (IDEB)
De acordo com o Ministério da
Educação
(2007)
“o
Índice
de
Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) foi criado em 2007 para medir a
qualidade de cada escola e de cada rede de
ensino. O indicador é calculado com base no
desempenho dos estudantes em avaliações
do Inep e em taxas de aprovação”.
Segundo o Ministério da educação
(2007) esse indicador mede a qualidade da
educação brasileira e foi criado para facilitar
o entendimento de todos através de uma
escala de notas que varia de zero a dez. A
partir deste instrumento, o ministério da
educação traçou metas de desempenho
bianuais para cada escola e para cada rede
de ensino no país até o ano de 2022.
Para Fernandes,
“um sistema educacional que reprova
sistematicamente seus estudantes,
fazendo com que grande parte deles
abandone a escola antes de completar
a educação básica, não é desejável,
mesmo que aqueles que concluem
essa etapa de ensino atinjam elevadas
pontuações nos exames padronizados.
Por outro lado, um sistema em que
todos os alunos concluem o ensino
médio no período correto, não é de
interesse, caso os alunos aprendam
muito pouco na escola. Em suma, um
sistema de ensino ideal seria aquele
em que todas as crianças e
adolescentes tivessem acesso à
escola, não desperdiçassem tempo
com repetências, não abandonassem a
escola precocemente e, ao final de
tudo, aprendessem”. (2007, p.1).
Segundo o Inep/MEC (2007) o Ideb é
uma variável importante na análise dos
índices educacionais brasileiros, porque
através do Ideb o governo federal tem
informações sobre o desenvolvimento da
educação nacional, nas regiões, nos estados,
nos municípios e nas escolas. O Ideb
também verifica o indicador de rendimento
escolar, baseado nas taxas de aprovação em
todos os níveis da educação nacional.
OS
IMPACTOS
DO
FUNDO
DE
MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA E DE VALORIZAÇÃO
DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
(FUNDEB) NO BRASIL
Esta parte do estudo visa analisar os
efeitos e impactos do Fundeb no
financiamento da educação básica brasileira
nos anos de 2005 até 2009, avaliando o
primeiro fundo especifico da educação básica
pública brasileira.
A fim de conhecer as transformações
promovidas pela aplicação do Fundeb, partiuse de análises referentes aos anos de 2005,
2006, 2007, 2008 e 2009, períodos em que
ocorreram o processo de implantação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb). Assim
pretende-se avaliar os primeiros impactos da
introdução do fundo como instrumento de
financiamento da educação básica nacional.
O número de matrículas na educação
básica pública
Segundo Andrade (2007, p.3) “o
Brasil, nos últimos 15 anos, observou-se um
intenso crescimento da oferta de matrículas
na educação básica”. Porém este estudo nos
mostra somente a evolução das matriculas
durante a implantação do Fundeb no período
dos anos de 2005 até 2009, onde ocorreram
quedas nas matriculas da educação básica
pública nacional.
A tabela 03 seguinte nos mostra a
variação nas regiões brasileiras e no Brasil,
considerando todas as matrículas na
educação básica pública nacional.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
Tabela 3 - Variação das Matrículas na Educação Básica pública por regiões brasileiras nos ano de
2005 a 2009
Brasil / Regiões
Brasil
2005
49.040.519
2006
48.595.844
2007
46.643.406
2008
46.131.825
2009
45.270.710
Norte
5.007.618
5.020.031
4.866.406
4.819.075
4.828.574
Nordeste
16.279.403
16.014.812
15.045.706
14.742.522
14.355.067
Sudeste
18.182.860
17.970.601
17.479.482
17.448.332
17.098.937
Sul
6.232.904
6.252.475
6.064.038
5.985.542
5.876.922
Centro- Oeste
3.337.734
3.337.925
3.187.774
3.136.354
3.111.210
Fonte: MEC/INEP Elaborado pelo autor.
Para Andrade (2007, p.3), diz que:
“em relação ao Ensino Médio, a oferta
de matrículas, apesar de estar muito
longe
da
universalização
(e,
legalmente, não ter oferta pública e
gratuita obrigatória, como ocorre com o
Ensino Fundamental) apresentou um
explosivo crescimento durante os anos
90. De todos esses foi o seguimento
que mais expandiu. O volume de
matrículas mais do que dobrou,
passando de 3,7 milhões, no início dos
anos 90, para 9 milhões em 2006. Esse
vigoroso crescimento permitiu que a
taxa de atendimento dos jovens de 15
a 17 anos passasse de 20% no início
dos anos 90 para 45% atualmente.
Ainda assim, muito longe do que seria
a universalização do acesso neste nível
de ensino”.
Mas o que mudou? A quantidade de
matriculas
em
2005
estava
quase
alcançando os 50 milhões e nos anos
seguintes começaram a diminuir. Essa
redução foi proveniente da implantação do
Fundeb, que obrigou o governo federal a
fiscalizar ainda mais os repasses dos
recursos.
Segundo os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad/IBGE, 2008) as matriculas na
educação básica do país sofreram queda de
4,89% de 2005 para 2007. Entretanto a
Pnad/IBGE, (2008) ressaltou que a redução
não significa que há menos crianças na
escola, porque a taxa de atendimento escolar
está crescendo a cada ano. Já para o
ministro da educação Fernando Haddad em
uma nota divulgada no site do MEC (2008),
“o que ocorre é que a metodologia do censo
escolar brasileiro está muito mais apurada a
cada ano e desta forma estamos evitando a
dupla contagem”.
Segundo os dados do Educacenso
(2007) “essa redução do número de
matriculas não surpreendeu o Ministério da
Educação (MEC), que já desconfiava que os
dados dos censos escolares anteriores
estivessem inflados”. Dos 2,9 milhões de
alunos a menos, aproximadamente 2 milhões
eram da rede pública. O governo desconfia
que prefeituras ou secretarias estaduais
informavam um número maior de alunos para
receber mais verbas federais, principalmente
a do Fundeb.
Para o Ministério da Educação (2008)
“o principal indício de problemas no
antigo censo eram as discrepâncias em
relação à Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
Porque em 2006 a Pnad estimou em 36
milhões o número de estudantes de
ensino fundamental e médio em
escolas públicas, enquanto o censo
escolar apontou a existência de 37,6
milhões de matrículas nos mesmos
níveis. Uma diferença, portanto de
aproximadamente 4,4%”.
O governo enfatiza que o aumento da
taxa de escolarização identificado pela Pnad
e a redução das matriculas indicadas pelo
educacenso,
mostram
um
impacto
proveniente da implantação do Fundeb, que
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
obrigou o governo federal a fazer uma
melhor fiscalização dos recursos financeiros
repassados aos estados e municípios
referentes a quantidade de matrículas para
uma
melhor
fidelidade
dos
dados
educacionais nacionais.
O crescimento do valor aluno/ano
O Brasil é um dos países com menor
gasto por aluno/ano, segundo relatório da
OCDE (2007). O valor investido em cada
estudante do ensino básico público ainda
está muito abaixo do estipulado pelo Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE).
Para o Inep/MEC (2007) “a evolução desses
gastos com educação deve levar em conta
todo o dinheiro investido pela União, estados
e municípios considerando o crescimento da
matrícula e a melhoria dos investimentos
para cada nível e modalidade de ensino da
educação básica nos próximos anos”.
Para o ministro da educação
Fernando Haddad em uma nota divulgada no
site do ministério da educação (MEC 2007)
“o PDE e o Fundeb vão aumentar em 0,4
ponto do PIB os investimentos em educação
até 2010”. Disse ainda que “os investimentos
com a educação vão depender muito dos
esforços dos estados e municípios brasileiros
para que até 2021 o país atinja a meta de 6%
do PIB estipulada pela OCDE”.
Segundo dados do ministério da
educação (MEC 2008) os estados e
municípios estão cumprindo com a obrigação
prevista na constituição federal de aplicarem
na educação um mínimo de 25% do total de
receitas provenientes de tributos, já incluídas
as transferências de impostos.
A tabela 04 seguinte mostra o valor
aluno/ano repassado para cada região do
Brasil com recursos do Fundeb no período de
2005 a 2009.
Tabela 4 - Valor anual médio em R$ por aluno com recursos do FUNDEB repassado para cada
Região brasileira, no período de 2005 a 2009
Brasil / Regiões
Ufs
2005*
2006
2007
2008
2009
Brasil
1.110,10
1.411,53
1.495,55
1.699,86
1.686,89
Norte
1.223,86
1.500,10
1.604,40
1.908,41
1.848,57
Nordeste
7.40,35
892,13
1.094,84
1.280,71
1.332,75
Sudeste
1.292,59
1.485,58
1.706,13
1.822,80
1.769,41
Sul
1073,29
1.429,69
1.532,33
1.742,86
1.801,11
Centro-Oeste
1.220,38
1.413,75
Fonte: MEC/INEP Elaborado pelo autor
1.540,08
1.744,54
1.682,63
Os resultados apresentados na tabela
04 nos mostram grande crescimento no valor
aluno/ano com recursos do Fundeb
repassado para cada região.
Segundo IBGE no final de 2005 a
inflação fechou em 5,69% (IPCA), em 2006
fechou com 3,14% (IPCA), em 2007 fechou
com 4,93% (IPCA), em 2008 fechou com
5,90% (IPCA) e em 2009 fechou com 4,31%
(IPCA). Fazendo uma comparação entre o
crescimento dos recursos do Fundeb e os
índices de inflação pode-se observar que os
crescimentos do fundo estiveram acima dos
índices de inflação nos períodos de
2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008, ficando
abaixo somente no período 2008/2009.
De acordo com MEC (2008) um
segundo indicador importante da análise do
financiamento da educação refere-se ao
impacto redistributivo do valor aluno/ano
destinado aos Estados e o Distrito Federal
proporcionado pelo Fundeb. O Ministério da
Educação (2008) ainda afirma que o valor
por aluno/ano antes e depois da implantação
do Fundeb, principalmente nas regiões mais
carentes do país, não deixa dúvidas quanto a
sua relevância como política pública.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
A evolução do índice de desenvolvimento
da educação básica (IDEB)
Segundo dados do Inep/MEC (2008)
a maioria dos estados estão atingindo as
metas fixadas pelo governo federal, e esses
resultados devem ser comemorados pelo
fato, de não só o índice ter aumentado, mas
sim pelo motivo do país ter agora um
indicador quantitativo aceito em todos os
segmentos da sociedade (inclusive por
educadores), que pode ser utilizado para
monitorar a evolução da qualidade da
educação no Brasil e cobrar resultados dos
responsáveis pelas políticas educacionais do
país.
A tabela 05 seguinte mostra o
crescimento das notas médias do Ideb em
todas as regiões do Brasil, com destaque
para a região Nordeste que apresentou um
expressivo crescimento de 2005 para 2009,
se aproximando da média nacional. Essa
aproximação mostra que o Brasil está
conseguindo corrigir as desigualdades
regionais educacionais existentes no Plano
Nacional da Educação, que busca ofertar
ensino de qualidade em todas as regiões do
território nacional.
A tabela 05 seguinte mostra as notas
médias do índice de desenvolvimento da
educação básica por região e nacional nos
anos de 2005, 2007 e 2009.
Tabela 5 – Nota média do IDEB da educação básica pública brasileira por Região, no período de
2005, 2007e 2009
Brasil / Regiões
Ufs
Brasil
2005
3,567
2007
3,797
2009
4,071
Norte
3,033
3,228
3,708
Nordeste
2,933
3,217
3,520
Sudeste
4,033
4,196
4,372
Sul
3,967
4,247
4,510
Centro-Oeste
3,567
Fonte: MEC/INEP Elaborado pelo autor
3,889
4,247
Para o Ministério da Educação (2008),
um dos fatores que pode estar por trás do
crescimento do Ideb em quase todo o país é
o aumento recente dos recursos financeiros
do Fundeb, que destina um fundo de
investimento na educação básica, que deve
ser
convertido
em
índices
de
desenvolvimento de qualidade da educação
pública.
O Fundeb se tornou um fator de
grande influência na obtenção de melhores
índices educacionais, proporcionando um
grande crescimento no valor médio aluno/ano
e aumentos significativos no Ideb que pode
ser considerado mais um impacto do fundo,
comprovando a importância de investimentos
na educação básica nacional.
Mas um ponto importante que deve
ser lembrado, é que só aumento de dinheiro
na educação básica não resolve, porque o
Brasil gasta pouco com educação em relação
aos países da OCDE. Mas independente do
valor gasto esses recursos devem ser bem
investidos a fim de melhorar a qualidade do
ensino e atingir toda a educação básica
nacional e também todas as regiões do país
e por isso deve ter uma maior visualização
sobre a real situação da educação básica
brasileira.
A evolução do gasto com educação
básica pública em relação ao PIB
Segundo o Inep/MEC (2007) “a
evolução de gastos com educação leva em
conta todo o dinheiro investido pela união,
estados e municípios, considerando o
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
crescimento da matrícula e a melhoria dos
investimentos para cada nível e modalidade
de ensino da educação básica”.
Para o Inep/MEC (2008),
“os investimentos dos recursos na área
educacional compreendem os valores
financeiros brutos aplicados pelo setor
público no atendimento de demandas
educacionais, como no custo de bens e
serviços - inclusive bens de capital - e
nas transferências, excetuando-se a
depreciação e a amortização dos
investimentos em estoque. O conceito
utilizado para a agregação corresponde
à finalidade dos recursos alocados por
área de atuação”.
De acordo com o Inep/MEC (2008) a
cobertura dos investimentos públicos em
educação compreende a formulação de
política, manutenção e desenvolvimento do
ensino, a expansão e melhoria das escolas
de diversos níveis e modalidades de ensino,
dos estabelecimentos de educação, dos
programas de assistência ao estudante, entre
outros.
O gráfico 01 seguinte apresenta o
comportamento do gasto em educação
básica em relação ao PIB, no período de
1997 até 2009.
Gráfico 1 – Gasto em educação básica
publica em relação ao PIB 1997 – 2007.
Fonte: MEC/INEP Elaborado pelo autor
Os resultados no gráfico 01 mostram
um bom crescimento no gasto com educação
básica pública no ano de 1998, quando
ocorreu a implantação do Fundef e somente
depois após a introdução do Fundeb em
2007 que novamente ocorreu um novo
expressivo aumento.
Após a introdução do Fundeb o Brasil
tem mostrado um bom crescimento no gasto
público com educação básica, destacando a
importância da elevação de recursos neste
setor. Já para o Inep/MEC (2008), o
crescimento do gasto com educação em
relação ao PIB foi obtido devido à
implantação de um novo fundo de
financiamento da educação, o Fundeb, se
tornando o principal agente financiador da
educação básica pública nacional, e
configurando
em
mais
um
impacto
proveniente da implantação do fundo.
O Fundeb se mostra muita eficiente
em garantir recursos específicos para a
educação
básica
pública
brasileira,
combinando transparência no número de
matriculas, crescimento no valor aluno/ano,
melhores
índices
educacionais
e
proporcionando evolução nos gastos públicos
com educação básica.
CONCLUSÃO
Com objetivo de analisar os efeitos e
impactos do Fundeb no financiamento da
educação básica brasileira no período de
2005 a 2009, o presente estudo verificou que
o número de matriculas na educação básica
pública, o crescimento do valor aluno/ano, a
evolução do Ideb e a evolução do gasto com
educação básica pública em relação ao PIB
foram impactos provenientes da implantação
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação básica e de Valorização do
Magistério (Fundeb), verificando que o
Fundeb estabelece uma política de correção
das desigualdades educacionais regionais no
Brasil.
Para Vasquez (2005, p.63),
“as desigualdades regionais no
financiamento da educação nacional
têm origem no comportamento dos
impostos e das transferências que
compõem os fundos estaduais, a partir
das receitas vinculadas disponíveis em
cada unidade federativa. Tendo em
vista essas diferentes capacidades de
financiamento dos fundos estaduais no
plano nacional, o mecanismo do fundo
estabelece uma política de correção
dessas desigualdades por meio da
participação da união no financiamento
do programa”.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 39-52, agosto-dezembro, 2011.
Frinhani (2011).
Para o ministério da educação (2007)
“a política de correção das desigualdades
regionais proposta pelo Fundeb é realizada
por meio da complementação de recursos
federais aos fundos estaduais, em que o
volume de recursos vinculados ao Fundeb
não seja suficiente para garantir um valor
médio por aluno superior ao valor mínimo
estabelecido nacionalmente”. O Fundeb não
tem o objetivo de garantir um valor anual
médio por aluno igual para todos os estados
e regiões do Brasil, porque os custos são
diferenciados de região para região, mas sim
garantir recursos mínimos suficientes que
conduzam a uma educação de qualidade em
todas as regiões do território nacional, a fim
de garantir um crescimento estipulado pela
Organização
para a
Cooperação
e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Assim pode-se concluir que o Fundeb
busca promover um equilíbrio federativo no
financiamento da educação básica pública
brasileira deixando visível a trajetória de
todos os recursos financeiros educacionais
aplicado a cada estado e região do Brasil.
Destaca-se ainda a continuidade deste
estudo e a importância da continuidade do
Fundeb e o Ideb, porque os mesmos têm
objetivos a serem atingidos até 2022 com o
intuito de ampliar o debate sobre o
financiamento e a gestão da educação
brasileira, visando garantir um ensino público
de qualidade destinada a todos os cidadãos.
Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do magistério e das
outras providências. Brasília, DF, 1996.
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Hot e Campos (2011).
EDUCAÇÃO E NOVOS SABERES: A NECESSIDADE DE UMA NOVA VISÃO SOBRE A
ÁFRICA E OS AFRICANOS
Área Temática: História
Amanda Dutra Hot1, Germano Moreira Campos1
1
Mestre em História pela UFOP e professor da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG).
RESUMO: Nos últimos anos, toda a comunidade acadêmica e a sociedade brasileira tem se
deparado com a exigência estabelecida pelo Governo Federal, através da Lei 10.639/2003, de se
trabalhar com o ensino da cultura afro-brasileira e africana em diferentes níveis educacionais. Tal
determinação torna-se muito válida na busca de um ensino mais humanista e humanitário, que
compreenda as diversidades e valorize a questão da multiculturalidade. Por outro lado, deparamonos com sérias barreiras estabelecidas por uma visão essencialmente eurocêntrica a respeito dos
africanos, visão esta que contaminou excessivamente os materiais didáticos e mesmo pesquisas
acadêmicas concernentes aos africanos. Diante desta situação, o presente artigo objetiva
relacionar as possibilidades de se estudar, entender e também de se fazer uma história da África
de forma menos enviesada e que tenha os africanos como atores, e não apenas como
expectadores ou vítimas do processo colonizador europeu. Tal proposta se torna pertinente, uma
vez destacada a atualidade e a importância do assunto em nosso cotidiano e sua necessidade
cada vez maior nos currículos acadêmicos e escolares.
Palavras chaves: educação, eurocentrismo, história da áfrica.
ABSTRACT: In recent years, the entire academic community and Brazilian society has been faced
with the requirement established by the Federal Government, through the Law 10.639/2003, to
work with the teaching of culture african-Brazilian and African in different educational levels. Such
a determination becomes very valuable in the search for a more humanistic and humanitarian
education, he understands and values the diversity issue of multiculturalism. On the other hand,
we face serious barriers established by an essentially Eurocentric view about the Africans, a view
that excessively contaminated materials, and even academic research pertaining to Africans. In
this situation, this article seeks to relate the possibilities of studying, understanding and also to
make a story of Africa in a less biased and has the Africans as actors, not only as spectators or
victims of European colonization process. This proposal becomes irrelevant, since highlighted the
timeliness and importance of the matter in our daily life and its increasing need in academic
curricula and school.
Keywords: education, eurocentrism, african history.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a educação
brasileira, no âmbito de suas escolas
públicas e privadas, além do ensino de nível
superior, vem adotando medidas, tardias é
verdade, a respeito da valorização da cultura
Afro-Brasileira e Africana no ambiente
escolar; tanto em nível de ensino
propriamente dito, como também no campo
da pesquisa em geral e, por extensão, na
produção dos materiais didáticos a serem
trabalhados nas escolas. Ao fazer isto, o
Ministério da Educação de nosso país
possibilita que se inicie um processo para
que se salde uma dívida histórica com os
povos que tanto se mostraram importantes
para a formação do Brasil que conhecemos.
A omissão da abordagem da temática
racial, que engloba preconceito, racismo e
discriminação, vem à tona como um
elemento que colabora para a inferiorização
daqueles que tanto se doaram para a
construção do país em que vivem. Esta
situação em muito colabora para as práticas
de preconceito e discriminação contra os
negros, o que se manifesta em todos os
campos da sociedade e, também e
infelizmente, no ambiente escolar.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Hot e Campos (2011).
Práticas de violência física e a
utilização de apelidos de tom pejorativo para
se identificar alunos negros consistem num
grande
problema
enfrentado
pelas
instituições de ensino brasileiras. Esta
situação demonstra que as crianças e os
jovens negros ainda estão sob o jugo de
práticas racistas e discriminatórias, algumas
vezes claras e outras mitigadas e
disfarçadas, mas todas herdadas de uma
imagem de dominação e de superioridade
lançada sobre os negros.
Os profissionais da educação, muitas
vezes sem a devida consciência e
orientação,
acabam,
mesmo
que
inconscientemente, por colaborar para a
ocorrência e o estabelecimento de práticas
de discriminação racial. Pode-se dizer que tal
fato se deva à formação acadêmica desses
profissionais e ainda aos materiais de que
dispõem para realizar seu trabalho.
O longo silêncio da escola e da
academia sobre as dinâmicas das relações
étnico-raciais acabou por permitir, e até
mesmo por legitimar, que fosse transmitida
aos alunos a ideia de uma suposta
“superioridade branca”, repetida e presente
nos materiais didáticos, na organização e
escolha das turmas e nas próprias
abordagens dos conteúdos escolares, com
destaque para as disciplinas de História,
Sociologia, Geografia, Antropologia e para o
campos das Artes, onde incluímos a
Literatura.
Nesse sentido, pensamos que a
atitude de silenciar-se diante do problema
não apaga magicamente as diferenças e, ao
contrário, permite que cada um construa, a
seu modo, um entendimento muitas vezes
estereotipado acerca do outro que lhe é
diferente.
No campo da educação, para se
promover uma atitude ética, voltada para o
respeito e para o convívio harmônico com a
diversidade, deve-se partir de temáticas
significativas do ponto de vista ético,
propiciando condições desde a mais tenra
idade – e que seja também um processo
contínuo durante a formação de nível
superior – para que professores e alunos
desenvolvam a capacidade de diálogo e para
que tomem consciência das próprias raízes
históricas a que pertencem, que ajudaram e
ajudam a constituir a cultura e formar a
nação brasileira, pois o preconceito e o
racismo correspondem a formas da violência
mais vil.
Diante disso, pode-se perguntar quais
as situações que temos possibilidade de
mudar em nosso ambiente escolar? Qual
seria a nossa contribuição concreta para
viabilizar a conscientização acerca dessa
temática em sala de aula? Como desenvolver
pesquisas acadêmicas, de mercado e
políticas públicas que tenham o negro como
protagonista e não apenas como coadjuvante
ou mesmo com objeto passivo dos processos
históricos? Obviamente, em termos da
educação de nível superior, estas são sérias
lacunas existentes na pesquisa, no ensino e,
pode-se ainda inferir, na própria cultura
educacional brasileira, fruto de interpretações
importadas de outros centros, como a
Europa.
Diante
destas
questões
e
apontamentos,
identifica-se
na
Lei
10.639/2003 e na Lei 9.131/1995 iniciativas
no sentido de se valorizar a importância das
relações étnico-raciais no ensino escolar e na
pesquisa acadêmica das Instituições de
Ensino Superior. Para a promoção da real
democracia racial é necessária a promoção
do respeito mútuo, do reconhecimento das
diferenças, da possibilidade de se falar sobre
as diversidades sem medo, receio e sem
preconceito.
Sabe-se que o Brasil é um país
absolutamente rico em diversidade étnica e
cultural, e, portanto, plural e multicultural em
sua identidade. No entanto, mesmo a
diversidade marcando a gênese da vida
social brasileira17, é comum observarmos
historicamente a existência de estereótipos
que alimentam preconceitos, relações de
discriminação e exclusão social, que
impedem muitos brasileiros de terem uma
vivência plena de sua cidadania.
Atualmente, vivemos um momento
marcado pela busca por políticas públicas
voltadas para a igualdade e para o
desenvolvimento de oportunidades da
população negra18. Esta ação tem seus
17
Conforme podemos ver em autores como
Gilberto Freyre e Roberto da Matta, além de
outros.
18
A este respeito vale que se diga sobre os
muitos esforços da UNESCO em parceria com
muitas universidades brasileiras para desenvolver
programas e cursos que valorizem o olhar e as
políticas de igualdade diante da diversidade
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Hot e Campos (2011).
pontos reservados por lei, na Constituição
Federal de 1988, e vivemos com a esperança
de que somente através da educação
conseguiremos diminuir o nível de exclusão
vivenciado pelos alunos que sofrem com o
mal do preconceito e da discriminação racial
na escola em seus mais diferentes níveis, do
ensino básico à educação superior.
Nesse contexto, acreditamos que a
escola (aqui considerada como locus
educacional e de formação, que vai da
educação básica à superior), por ser um
espaço
privilegiado
de
formação,
desempenha um importante papel no
processo de superação da discriminação e
de construção de uma sociedade mais justa,
onde as diferenças sociais, culturais e
individuais sejam utilizadas para enriquecer
as interações e a aprendizagem entre os
seres humanos.
O educador que se preze não pode
estar disposto a entrar em sala somente para
explicação teórica das matérias constantes
no currículo escolar, mas deve se dedicar
ainda a entender as diferenças, os
problemas, as dificuldades que possam
decorrer da não valorização das culturas
afro-brasileiras.
As linhas deste artigo visam
oportunizar aos que ensinam e aprendem o
conhecimento das histórias de dignidade, de
conquista e criação de culturas e povos que
constituem a sociedade brasileira, e propõe,
sobretudo, contribuir para a formação de
novas mentalidades, pois a diversidade
valoriza a singularidade de cada um e de
todos. A compreensão da diversidade cultural
é, antes de qualquer coisa, um exercício de
alteridade, de compreensão e convivência
com o outro.
étnica e racial. Uma dessas iniciativas é o grupo
AMDE – Cátedra UNESCO, criado pela
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que
oferece vários cursos nesse sentido, tais como
Gênero e Diversidade na Escola (GDE),
Educação para a Diversidade e Cidadania (EDC)
e Gestão de Políticas Públicas com ênfase em
Gênero e Raça (GPP GeR).Vale, também,
destacar a iniciativa de algumas instituições
privadas nesse sentido, como a Faculdade de
Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG), que
criou uma disciplina comum a todos os cursos,
Relações Étnicas e Raciais, onde profissionais
especializados na área têm a oportunidade de
debater esta questão junto aos alunos.
Para tanto, se fará um histórico
acerca de autores e trabalhos muito
respeitados nos meios acadêmicos brasileiro
e
mundial,
apontando
aqueles que
colaboraram para uma visão distorcida e
mesmo preconceituosa sobre os africanos,
assim também como aqueles que vem se
esforçando por superar essas chagas
históricas, trabalhando pela valorização de
uma história escrita a partir e pelos africanos,
não apenas sobre eles. Isto torna-se
importante de ser dito, uma vez que os níveis
iniciais e básicos da educação consomem e
compram os argumentos produzidos pela
academia, ou seja, a história que se escreve
na sala da universidade será aquela lida e
estudada em sala de aula nas escolas
brasileiras.
O que se escreve sobre a África
Para identificar como as visões
estereotipadas
sobre
os
africanos
contaminaram os espaços escolares, tornase necessário, inicialmente, fazer um
apanhado de autores e livros acadêmicos
que marcaram época e tornaram-se clássicos
em termos das diferentes caracterizações
que realizaram.
Através dos textos de John Thornton
(2004) e Alberto da Costa e Silva (2003)
podemos notar inicialmente as preocupações
desses dois estudiosos em torno da forma de
como se fazer uma história da África. De
início, logo nos deparamos com os
problemas das abordagens eurocêntricas
onde, na ânsia de se fazer uma história dos
vencedores (dos chamados “homens de
iniciativa”), autores como o britânico H.
Trevor-Hopper (TREVOR-HOPPER, op. cit.
SILVA 2003), não consideram possível a
existência de uma história da África
subsaariana apenas com atores (ou agentes)
propriamente africanos.
Também o renomado nome dos
Annales F. Braudel, em seu celebrado
Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo à
Época de Felipe II, como afirma Jonh
Thornton (THORNTON, 2004), destaca
excessivamente
os
empreendimentos
europeus, excluindo ou marginalizando as
sociedades atlânticas das movimentações
político-econômicas em terra e mar. A visão
de uma África passiva e indefesa é
apresentada ainda por Pierre Chaunu
(THORNTON, 2004) e, mais tarde, as
elaborações em que se misturava a teoria
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Hot e Campos (2011).
dos Annales somada a enfoques marxistas
de André Gunder Frank e Walter Rodney
(THORNTON, 2004) que, por exemplo,
ajudaram a estereotipar essa ideia sobre o
continente africano e seu povo.
Não raramente americanistas que
lançaram olhos sobre a África o fizeram
através de uma brutal homogeneização dos
diversos povos e culturas locais e se
nortearam
pela
ausência
de
uma
compreensão da dinâmica das sociedades
africanas (PRIORE & VENÂNCIO, 2004) précoloniais: é como se considerassem que os
grandes descobrimentos marítimos e o tráfico
internacional de escravos fossem os marcos
iniciais do “nascimento da África”. Conforme
disse Thornton: “Historiadores radicais
buscaram explicar a cultura e a religião dos
escravos em termos da instituição da
escravidão, reduzindo desse modo a
identidade africana dos escravos” (PRIORE
& VENÂNCIO, 2004).
Mas para não pecar em apontar
apenas aqueles que vitimizaram os
conhecimentos sobre o continente africano,
somos alertados, também, para não
perdermos de vista as complicações que
uma história africana de teor altamente
nacionalista, desenvolvida principalmente no
pós Segunda Guerra e nas décadas de
1960/70. Alguns enfoques até certo ponto
radicais e bastante forçados (ou mesmo
tendenciosos) podem prejudicar uma visão
da complexidade africana da mesma forma
que os problemas já apontados.
De acordo com os dizeres do
diplomata brasileiro – que por muitos anos
trabalhou em terras Africanas, sendo
profundo conhecedor dos idiomas e
documentos locais – Alberto da Costa e
Silva: “Sendo antiga e ampla a bibliografia
sobre a África, a história da África é, contudo,
uma disciplina nova” (SILVA, 2003, p. 234).
Temos entre as fontes possíveis – e
prováveis – vários relatos de viajantes
europeus e especialmente árabes que
comercializavam no continente, pinturas
diversas e muitas marcas da oralidade de
muitas etnias, onde o trabalho do historiador
não pode se excluir das contribuições da
arqueologia e da etnografia em suas
abordagens. Ao mesmo tempo em que as
fontes se apresentam tão várias, suas
especificidades se tornam, também, uma
dificuldade, haja vista que a forte marca da
tradição oral – apenas para citar um exemplo
– das diversas etnias africanas não foram
muitas vezes preservadas ou sofreram
alterações de interpretação por aqueles que
se dedicaram a essa árdua e sensível
atividade.
Analisando a expansão marítima
ibérica, Serge Gruzinski (GRUZINSKI, 2004)
trabalha a mundialização das relações
político-econômicas e sociais e considera o
vasto fluxo de ideias, bens e pessoas como
uma grande troca de experiências e valores
culturais. Embora o tamanho do mundo tenha
se estendido, nunca os contatos entre pontos
e povos diferentes foram tão intensos: o
distante parecia algo familiar enquanto
distâncias inconcebíveis eram descobertas.
Através dessa “mobilização” (o autor prefere
esse termo) os símbolos e os referenciais
dos povos envolvidos nessa transação
sofrem profundas alterações: o global se
confunde com o local, mas o certo é que
“novos indivíduos se formam e novos
cenários também” (GRUZINSKI, 2004, p. 65).
Gruzinski nota que assim como os europeus
modificaram os africanos, estes também
fizeram dos europeus novos homens.
Dessa forma, podemos mesmo inferir
que uma complementaridade se tece entre
as histórias da Europa, do Brasil e da África a
partir desse momento em que o mundo se
integra cada vez mais do século XVI em
diante. Mais importante que avaliar a história
dos africanos a partir do tráfico de escravos é
pensarmos que a história da África ajuda em
muito a explicar a própria história do Brasil; o
continente mãe da humanidade se apresenta
como uma espécie de irmão mais velho da
história brasileira.
Este artigo se propõe a abordar
temas recorrentes em muitos livros didáticos
brasileiros, lançando vistas a uma certa
possibilidade e, até mesmo uma necessidade
de renovação dos saberes trabalhados nos
livros destinados à educação básica. Dessa
forma, e dotados desse interesse, os temas
que mais nos chamaram a atenção e que
pensamos
serem,
talvez,
os
mais
problemáticos constituem na história da
África e a forma como a mesma é trabalhada
no Ensino Médio e a situação, não menos
problemática, dos assuntos ligados à
participação feminina na história. Temos,
então, dois temas problemáticos em questão:
a África e as mulheres africanas.
Com relação à história da África, e
dos africanos, tradicionalmente temos a
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Hot e Campos (2011).
impressão de que seu processo histórico só
tem início com o tráfico atlântico para o
Brasil, ou seja, a partir do momento em que
os africanos passam a servir aos interesses
coloniais europeus. Essa apresentação
eurocêntrica se enraizou de tal modo no
mercado de livros didáticos que, prezando
pela simplificação, acabou por contribuir não
para um melhor ou mais correto aprendizado
escolar das relações entre África, Portugal e
Brasil, mas sim no estabelecimento de
preconceitos hoje difíceis de serem
contornados.
Deste modo, embora o conhecimento
que temos a respeito dos africanos seja
fundamentalmente oriundo da presença
deles no Brasil, onde ora servindo como
escravos no nordeste açucareiro, ora nas
terras de Minas Gerais, sempre o que fica – e
vale observar que muitos foram os esforços
para isso – é a presença do negro enquanto
escravo (FREIRE, 1977, p. 315) como uma
ferramenta disposta aos interesses do
dominador branco. Isso se deve porque era
apenas como escravo, e não como ser
humano, que o negro servia para os
interesses fundamentais da empresa colonial
portuguesa.
Podemos observar nessa situação
uma questão duplamente problemática:
primeiramente o “esquecimento” das origens
e da vivência africana dos negros que
chegaram ao Brasil, e, também, o fato que
aos africanos só é atribuído valor e atenção
historiográfica enquanto estes servem como
escravos e motores para os interesses
metropolitanos.
A esta negligência da historiografia
tradicional de matriz europeia, junta-se um
outro esquecimento: a questão das mulheres
– e dentre essas especialmente as negras,
mas não apenas – enquanto agentes sociais
e parte imprescindível na formação na
sociedade em que se insere, seja ela
africana, brasileira ou mesmo portuguesa.
Estes serão alguns dos apontamentos sobre
os quais discutiremos na sequência deste
texto.
Por outra história da África: as diferenças
entre o que é produzido e o que é
ensinado
Esta
situação
duplamente
problemática de que falamos acima
reproduziu-se de forma espetacular no meio
editorial didático escolar.
Com relação às origens africanas dos
negros, observamos, no contato com
variados livros e materiais didáticos
trabalhados na educação básica brasileira,
que aquilo que procuram apresentar ao
professor, e que este repassa a seus alunos,
é a existência de uma história marcadamente
atlântica e europeia dos africanos. O tráfico
negreiro não raramente pode ser identificado
como um marco de origem para a entrada
dos negros na história. A todo o momento
estes são apresentados de forma passiva,
muito mais sofrendo com os cursos do
desenvolvimento de uma história portuguesa
e, por extensão brasileira, do que
propriamente agindo nela. Isso nos força – a
professores e alunos – a identificar o
elemento africano pelo viés da pena ou
também da indiferença.
Acostumados que estamos com a dita
“história dos vencedores”, a “passividade” e o
sofrimento africano desinteressa os olhares
analíticos de professores e alunos, que
acabam por reproduzir a temática abordada
pelos livros que utilizam. O escopo
documental de que muitos historiadores se
valeram, assim como seus objetivos e
interesses colaboraram por produzir um
conhecimento altamente desqualificador a
respeito da história da África. Vale lembrar a
capacidade do poder de dominação que
possuem aqueles que dominam a arte da
escrita da história: eles transmitem uma visão
“oficial” dos fatos, de acordo com interesses
os mais diversos.
De outra forma, o interesse na visão
dos africanos como escravos, haja vista a
sua utilidade como tal, encobriu aquilo que
pode se chamar de uma história da vida
privada, dos aspectos da intimidade e da
subjetividade dessas pessoas. Tanto na
África, como em Portugal e no Brasil, os
escravos além de incorporarem as funções a
eles destinadas pelo poder metropolitano,
também, e não podemos esquecer disso,
atuaram seguindo seus próprios desígnios e
vontades.
Eles
não
foram
apenas
massacrados – embora a presença da
violência fosse forte – pelo sistema colonial,
mas agiram numa situação de mão dupla: se
por um lado eram vistos como “as mão e os
pés de seus senhores” (ANTONIL,1982), por
outro as fugas, os muitos quilombos
formados, a constituição de família, a cultura
e até mesmo os interesses comerciais
marcariam um limite entre o que é submissão
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
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Hot e Campos (2011).
e aquilo que se constitui como ação,
interesse e livre arbítrio dos africanos nos
três continentes citados.
Frente a esta situação uma das
grandes dificuldades que, se solucionada,
poderia contribuir de forma interessante para
uma visão mais detalhada e menos
preconceituosa sobre a história da África
seria a aproximação entre os saberes
produzidos na academia e a produção de
novos materiais didáticos. Atualmente ainda
é difícil essa aproximação, uma vez que
mesmo padecendo de seus problemas a
história
produzida
no
interior
das
universidades brasileiras tem se dotado de
uma grande dinâmica, sempre abrindo novas
possibilidades de compreensão da história.
Embora a história da África seja ainda
recente19, a historiografia brasileira vem
conseguindo consideráveis avanços neste
campo,
deixando
de
lado
visões
anteriormente cristalizadas.
Dessa
forma
pululam
novas
considerações acerca da escravidão e
também das vivências dos negros no Brasil,
mas também na África. Mas infelizmente os
materiais disponíveis aos professores não
incorporaram – pelo menos não com a
velocidade e o comprometimento desejados
– as novas abordagens de que falamos.
Pensamos ser o debate entre academia e
escola um dos pontos chaves para a
necessária reformulação das considerações
sobre a história da África.
Nesse sentido, alguns assuntos
esquecidos
pelos
materiais
didáticos
tradicionais, mas necessários para uma visão
menos segregadora da África e dos africanos
podem ser identificados na produção
historiográfica brasileira e de brasilianistas20
em especial.
19
A este respeito destacam-se as iniciativas da
USP e da UFMG, que possuem centros de
pesquisa específicos no trato com a história
africana.
20
Para citarmos apenas alguns temas e autores,
a título de exemplo: trabalhando com a família
escrava, temos SLENES, Robert. Na senzala,
uma flor: esperanças e recordações na formação
da família escrava. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.; a influência cultural africana na
formação da família brasileira em FREIRE,
Gilberto. Casa Grande e Senzala. 18 ed. Rio de
Janeiro: José Olympio Editora, 1977; as
estratégias de vivência entre senhores e escravos
em GRAHAM, Sandra Lauderdale. Caetana diz
As africanas que vemos e as que
conhecemos:
seriam
as
mesmas
mulheres?
É relativamente recente a aparição
das mulheres na historiografia brasileira.
Apenas a partir da década de 1930 (FREIRE,
1977) estudos historiográficos apontam as
mulheres, mesmo que discretamente, como
integrantes da história. Já os livros didáticos
quando mostram uma mulher, é sempre
como algo exótico e curioso, nunca
revelando verdadeiramente suas vivências e
experiências.
As mulheres escravas ou negras
foram ainda mais negligenciadas, já que
eram quase sempre vistas como parte
passiva e subjugada da história, o que motiva
historiadores contemporâneos da área a
provar o contrário.
Essas africanas e afro descendentes
foram parte imprescindível de nossa história.
Na África, principalmente na região da Costa
Ocidental, essas mulheres desempenharam
um
dos
principais
papeis:
o
do
abastecimento, já que muitas delas
trabalhavam como vendeiras ambulantes.
Até mesmo em Portugal podemos perceber a
atuação de quitandeiras, indispensáveis para
o comércio de gêneros alimentícios. Junto
com o tráfico atlântico, e muitos se esquecem
disso, vieram também as tradições, vivências
e habilidades desses escravos. Isso pode ser
percebido através da atuação de minas-nagô
(provenientes da Costa da Mina) no comércio
não. História de mulheres da sociedade
escravista brasileira. São Paulo: Cia das Letras,
2005; a atuação de escravas e forras no comércio
ambulante em FIGUEIREDO, Luciano R. O
avesso da memória: cotidiano e trabalho da
mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 1993, DIAS, Maria Odila
Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo
no século XIX. 2ª Edição. São Paulo: Brasiliense,
1995 e SOARES, Carlos Eugênio Líbano.
Comércio, Nação e Gênero: as negras minas
quitandeiras no Rio de Janeiro (1835- 1900). In:
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS,
Hebe Maria & FRAGOSO, João (orgs.). Escritos
sobre história e educação. Homenagem a Maria
Yedda leite Linhares. Rio de Janeiro:
Maud/FAPERJ; história da África em SILVA,
Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África
antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1992 e SILVA, Alberto da Costa e. A
manilha e o libambo: a África e a escravidão, de
1500 a 1700. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 2002.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Hot e Campos (2011).
em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais21 nos séculos XVIII e XIX. É
interessante ressaltar que neste último local,
as mulheres negras comerciantes eram ao
mesmo tempo fundamentais para o
abastecimento de alimentos da região das
minas – e por isso bem vistas pela Metrópole
portuguesa – e representantes da tensão que
pairava nas áreas mineradoras, por serem
responsáveis pelo desvio de ouro e pedras
preciosas, pela embriaguez dos escravos
garimpeiros, pela ajuda na fuga de escravos
e pelo abastecimento de quilombos – e por
isso combatidas e controladas pela Coroa.
Também é bem pouco conhecida a
influência da mulher escrava no que tange à
educação e na formação da família brasileira.
No nordeste açucareiro eram as mães pretas
que criavam os filhos do senhor de engenho.
Eram elas que educavam, contavam
histórias, cantavam e lhes ensinavam as
primeiras letras.
No continente africano a importância
das mulheres toma dimensões ainda
maiores, mas infelizmente desconhecidas por
grande parte do público escolar, já que este
assunto não faz parte (pelo menos da forma
como deveriam) dos materiais utilizados na
educação básica brasileira. Nos conflitos
internos africanos, onde duas tribos inimigas
disputavam terras e recursos, as mulheres da
tribo derrotada eram incorporadas pela
sociedade dos vencedores. Por isso as
mulheres na África eram mais valiosas do
que os homens, uma vez que esses, quando
derrotados eram mortos pelos vencedores ou
aprisionados de modo a fomentar o comércio
de escravos com os portugueses, pois os
prisioneiros
sempre
representavam
o
elemento de perigo de subversão para os
vencedores.
21
Ver: para São Paulo, DIAS, Maria Odila Leite
da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no
século XIX. 2ª Edição. São Paulo: Brasiliense,
1995; Rio de Janeiro, SOARES, Carlos Eugênio
Líbano. Comércio, Nação e Gênero: as negras
minas quitandeiras no Rio de Janeiro (18351900). In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da;
MATTOS, Hebe Maria & FRAGOSO, João (orgs.).
Escritos sobre história e educação. Homenagem
a Maria Yedda leite Linhares. Rio de Janeiro:
Maud/FAPERJ,
2001;
Minas
Gerais,
FIGUEIREDO, Luciano R. O avesso da memória:
cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais
no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olímpio,
1993.
Outra
grande
importância
das
mulheres africanas é no que diz respeito à
sucessão dos reinos locais. Como a
poligamia prevalecia na África, no momento
do falecimento de um rei local ficava difícil
identificar o seu primogênito, já que tinha
várias mulheres e muitos filhos ocorriam de
nascer em datas próximas. A importância
dessas mulheres dá-se à medida que a
relação de sociabilidade entre as várias
esposas de um rei decidia de forma
consensual aquele filho que viria a ser
sucessor do rei.
De todos os pontos abordados até o
momento fica a clara discrepância da história
produzida na academia, que busca ressaltar
a importância das mulheres para a história, e
a história efetivamente ensinada, que
mascara muitas vezes estas outras
abordagens da história que não a
eurocêntrica e tradicional.
CONCLUSÃO
Alguns motivos nos levam a pensar
que esta realidade de inadequação
academia-escola-livros didáticos está em
vias de encontrar algumas saídas, tendo em
vista os esforços que vem sendo realizados
por algumas instituições de ensino superior,
tanto pública como privadas, visando
promover o debate e o estudo de uma
história que lance uma visão mais plural
sobre os povos de origem africana.
Estes trabalhos a que nos referimos
consistem em atividades nas quais os alunos
são incentivados a mudar esta realidade que
se mostra segregacionista. Como exemplo
de tal prática podemos citar os eventos
realizados nas dependências da Faculdade
de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
(FACIG) – a já mencionada disciplina
específica na área e os eventos sobre cultura
africana em parceria com o Colégio América
– nos quais a comunidade local e escolar é
convidada a debater sobre as apropriações
da cultura afro-brasileira e africana e a
importância das mesmas para a formação do
povo brasileiro.
Se estes trabalhos, que buscam pôr
fim à ditadura segregacionista de muitos
livros didáticos serão postos em prática em
outros locais ou, ainda, se isto se tornará
uma constante no Brasil, é cedo para
afirmarmos, mas o caminho percorrido neste
sentido nos dá esperanças de que uma nova
etapa da educação brasileira está sendo
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Hot e Campos (2011).
construída, uma vez que a grande função da
academia é repassar conhecimentos à
sociedade, e não trancafiá-lo em seus muros
internos. À sociedade e ao poder público, por
sua vez, cabem a tarefa de receber este
conhecimento novo – porque fruto de novas
técnicas e de novas abordagens – não
através da desconfiança, mas como novas
luzes e compreensões lançados sobre uma
história antes considerada oficial, única e
verdadeira. A história, antes de tudo, é
uma ciência da interpretação e da
compreensão, e novas abordagens são
sempre muito bem vindas.
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 53-62, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
A QUESTÃO HABITACIONAL EM MANHUAÇU E A GARANTIA DE DIREITOS DE
CIDADANIA: UMA EQUAÇÃO POSSÍVEL?
Luciana Bosco e Silva1, Ruteléia Cândida de Souza Silva2, Roberto Vicente Silva de Abreu3
1
Doutora em Artes Plásticas (EBA/UFMG) e Coordenadora dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo,
Construções e História da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu.
2
Mestre em Política Social (UFES) e Coordenadora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências
Gerenciais de Manhuaçu.
3
Graduando em Engenharia Civil, aluno de Iniciação Científica da Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu.
RESUMO: Ao longo da história, as mazelas e precariedades habitacionais sempre acometeram
milhões de pessoas no Brasil. Essa realidade também se materializa em Manhuaçu-MG, cidade
marcada por uma herança coronelista, num contexto de resignação e “naturalização” da pobreza,
sobretudo, a partir da desorganização política dos segmentos mais vulnerabilizados. As
discussões propostas neste artigo têm como objetivo justamente traçar algumas considerações
em torno da qualidade das habitações e as localidades de maior incidência de carências
habitacionais no município. Procura estabelecer conexões entre a crise habitacional e o processo
de crescimento e urbanização da cidade, sobretudo, num contexto em que as ações e iniciativas
adotadas têm assumido, em geral, um caráter meramente pontual ou sem bases sustentáveis
necessárias à resolução deste problema. O que se observa é que tal situação requer a adoção de
políticas públicas viabilizadoras de direitos sociais e de cidadania, promotoras de desenvolvimento
social, econômico e ambiental da região.
Palavras chave:
sustentável.
déficit
habitacional,
política
habitacional,
cidadania,
desenvolvimento
INTRODUÇÃO
“– Pai, por que a gente veio morar aqui no mangue?”.
Mas, por que aqui no mangue,
por que não fomos morar na cidade, do outro lado do mangue?
Lá é tão bonito, tão diferente, é como fosse um outro mundo."
(Josué de Castro. Homens e caranguejos)
O deslocamento de populações da
zona rural para o meio urbano tem se
constituído num dos mais importantes
movimentos populacionais da atualidade e
está diretamente vinculado a um conjunto de
mudanças estruturais na economia e na
sociedade. Diante da adoção de novas
técnicas agrícolas, da mecanização do
campo e, consequentemente, do aumento do
desemprego, estabelece-se um movimento
em que um expressivo número de
trabalhadores – atraídos pela possibilidade
de conquistar melhores condições de vida –
vêem-se compelidos a buscar, no espaço da
cidade, alternativas de enfrentamento das
desigualdades sociais que se multiplicam no
espaço rural.
No entanto, acompanhado da adoção
de novos padrões de sociabilidade e cultura,
esse movimento se depara com um quadro
socioespacial desigual e excludente que se
expressa, principalmente, na segregação
espacial
dos
territórios
da
cidade.
Circunscrito numa totalidade dialética,
resultante das leis tendenciais que regem o
capitalismo
em
seu
movimento
de
reprodução ampliada – cuja unidade se
forma na diversidade –, todo esse processo
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
vem reforçar o quadro de depreciação da
qualidade de vida, traduzida, sobretudo, pelo
agravamento dos níveis de degradação
ambiental e pela afirmação de um quadro de
exclusão socioespacial em patamares jamais
vistos.
Para agravar ainda mais essa
situação, a ocorrência das chamadas
“disfunções urbanas” – com ênfase em seus
aspectos meramente físicos – aliada a
ineficiência dos dispositivos de controle
urbanístico de uso e ocupação do solo,
reforçam a dinâmica excludente que sempre
esteve presente no processo de formação
socio-histórica brasileira.
Num contexto em que o modelo de
planejamento praticado não corresponde ao
movimento da sociedade na construção do
meio urbano, o resultado é um agravamento
das múltiplas expressões da questão social,
de modo especial, àquelas ligadas à questão
ambiental e habitacional, particularmente,
quando articuladas, aos conflitos espaciais
deles decorrentes.
Numa simples incursão pelo cenário
urbano brasileiro, é possível identificar essa
realidade, especialmente, a partir da
concentração de populações com nível de
pobreza social muito acentuado – marcado
pelos baixos salários ou até mesmo pelo
desemprego – em determinadas áreas sem
infraestrutura adequada, resultante de um
desenvolvimento seletivo e excludente que
privilegia alguns espaços e negligenciam
outros.
Neste sentido, se por algum tempo
as favelas e cortiços se constituíram numa
possível
solução
para
o
problema
habitacional, com o passar do tempo se
tornaram um grave problema que reforça um
quadro de disparidade socioespacial e de
discriminação de diversos segmentos
marginalizados na sociedade.
Embora esse processo remonte, o
Brasil, do final do século XIX e início do
século XX, é no último quartel deste último
século que essa temática se torna objeto
recorrente de análise e debate por parte de
diversos estudiosos dos mais variados
campos das ciências humanas e sociais e,
até mesmo de alguns governantes, que
buscam, ainda que de modo incipiente,
reduzir essa disparidade.
A partir desse momento, tem-se a
adoção de novas atitudes, de modo especial,
com as contribuições de movimentos
socioambientalistas ligados a vertentes
populares, sindicais e ambientais e do
Movimento Nacional pela Reforma Urbana –
MNRU, que ganham força no período pré e
pós-constituinte e, recentemente, a partir dos
anos de 1990, com o crescimento do debate
em torno do desenvolvimento sustentável e
sua apropriação pela comunidade técnicocientífica.
Desde então, tem-se observado
importantes avanços na condução política
das ações de planejamento urbano e
ambiental, sendo visíveis os esforços da
sociedade
para
consolidar
marcos
institucionais capazes de contemplar um
novo
modelo
de
gestão
e
de
desenvolvimento sustentável, que alia
demandas já apresentadas às práticas
sociais contemporâneas.
Esse
direcionamento
tem
se
constituído no fio condutor das diretrizes para
a política urbana inseridas na Constituição
Federal Brasileira de 1988 – capítulos da
Política Urbana e do Meio Ambiente –
(BRASIL, 2000), nas Leis Orgânicas
Municipais (LOMs), nos novos Planos
Diretores e no Estatuto da Cidade, de 10 de
julho de 2001 (BRASIL, 2001).
No entanto, ainda que novas
possibilidades de ação política tenham se
efetivado na sociedade brasileira, poucos
avanços
têm
sido
identificados
na
consolidação
desses
novos
marcos
normativos. Inclusive, poucos municípios
brasileiros
conseguiram
avançar
na
regulamentação desses instrumentos legais
que servem de diretrizes para a formulação
de uma nova política urbana, cujo objetivo
centra-se na reversão da lógica excludente
de produção e apropriação do espaço urbano
e
no
reconhecimento
dos
conflitos
socioambientais.
O artigo 6º da Carta Constitucional de
1988 prescreve que "são direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados [...]” (BRASIL,
2000). Assim, positivado pela Constituição
Brasileira, o direito a moradia torna-se um
Direito Fundamental, cabendo ao Estado
protegê-lo e implementá-lo por meio de leis e
políticas públicas.
No entanto, embora exista previsão
legal, é visível, em todo perímetro urbano
brasileiro, a inexistência de moradias dignas
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
para uma parcela expressiva da população.
Além do mais, não se trata apenas da
moradia em si, mas da garantia mínima de
infraestrutura básica – como água, esgoto,
energia elétrica, saneamento – e de acesso
aos equipamentos sociais, como saúde,
educação, segurança, lazer e cultura. Muito
mais do que a presença de um abrigo ou
teto, o direito a moradia diz respeito ao
acesso a uma habitação adequada, capaz de
oferecer, aos moradores, uma possibilidade
de melhoria contínua de suas condições de
vida.
O
RETRATO
DA
QUESTÃO
HABITACIONAL
EM
MANHUAÇU:
PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
Com base no histórico da qualidade
de moradia no Brasil, constata-se que a
questão da habitação é um problema atual e
que acontece, principalmente, em grandes e
médios centros urbanos. A questão da
moradia no Brasil é preocupante, uma vez
que “amontoados de casas” são construídos
em lugares inadequados e sem qualquer
infraestrutura básica, colocando em riscos
muitas vidas.
Hodiernamente, as cidades mais
desenvolvidas economicamente sofrem os
impactos desse processo, fato que pode ser
constatado na cidade de Manhuaçu-MG,
onde se constata um quadro de ocupação
desordenada
em
alguns
bairros,
caracterizados pelo inchaço populacional e
pelo pouco espaço disponível para novas
construções, sendo que uma parcela
significativa das já existentes não possuem
condições mínimas de habitabilidade.
O município de Manhuaçu situa-se na
porção leste do Estado de Minas Gerais,
próximo à divisa com o estado do Espírito
Santo. No contexto da divisão da
macrorregião mineira, Manhuaçu insere-se
na Região 11, correspondente à Zona da
Mata, na microrregião que recebe seu nome
e sob sua respectiva influência, sendo
constituída por 16 municípios vizinhos.
Ele conta com uma extensão
territorial de 628,43 (seiscentos e vinte e oito
vírgula quarenta e três) quilômetros
quadrados, constituindo-se numa cidade polo
da região. Esta polarização socioeconômica
é em função de sua localização privilegiada,
com acesso a duas rodovias federais (BR262 e BR-116); da intensa comercialização
de café; dos serviços prestados no setor de
saúde, comércio e serviços públicos.
O município conta com diversas
instituições públicas, o que tem contribuído
ainda mais para o desenvolvimento da
região, tais como: Superintendência Regional
de Ensino; Agência Regional do Instituto
Nacional de Seguro Social – INSS; Décimo
Primeiro Batalhão da Polícia Militar do
Estado de Minas Gerais; Agência Regional
da Receita Federal; Agência Fazendária
Regional Estadual; Agência Regional do
Instituto de Previdência dos Servidores do
Estado de Minas Gerais – IPSEMG; Agência
Regional do Instituto Estadual de Florestas –
IEF; Agência Regional do Instituto Mineiro
Agropecuária – IMA; Junta de Conciliação e
Julgamento – Justiça do Trabalho; Fórum da
Justiça de Primeira Instância; Ministério
Público do Estado de Minas Gerais; Justiça
Federal; Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural – Emater; Delegacia de
Alistamento Militar e Batalhão do Corpo de
Bombeiro.
O perfil industrial de Manhuaçu voltase para indústrias do segmento de café,
visando o aproveitamento da matéria prima
abundante. Ainda neste segmento, existe um
grande
mercado
para
máquinas
e
implementos agrícolas. Conforme registro do
Sindicato Rural Patronal, o Município produz
cerca 4,1 milhões de sacas de café por ano,
em suas, cerca de 5.893 propriedades
agrícolas.
O município também conta 54
(cinquenta e quatro) entidades da sociedade
civil registradas no âmbito do Conselho
Municipal de Assistência Social, dentre
associações e movimentos sociais de
segmentos específicos como moradores de
determinados bairros, negros, mulheres,
idosos, pacientes oncológicos e de
insuficiência renal, pessoas com deficiência e
instituições de atendimento a crianças e
adolescentes privados do convívio familiar,
dentre outras.
Atualmente,
o
município
de
Manhuaçu concentra uma população de
79.574 habitantes (IBGE, 2011), sendo que
os índices que medem o desenvolvimento
humano mostram uma realidade que requer
ações capazes de reverter o quadro de
exclusão social. O Atlas da Exclusão Social
no Brasil (AMORIM; POCHMANN, 2003), por
exemplo, apresenta alguns indicadores
sociais que caracterizam o município quanto
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
ao índice de pobreza que, no ano 2000,
apresentava o equivalente a 0,565 de
alfabetização, 0,833 de escolaridade, 0,484
de exclusão social, 0,505 de emprego formal,
0,165 de desigualdade, 0,129; de violência,
0,974.
A
realidade
do
município,
indubitavelmente, reflete a herança histórica
do “coronelismo” que marcou e ainda marca
as sociedades rurais brasileiras. A vivência
neste contexto possibilitou verificar a
ausência de consciência política, a
resignação e a “naturalização” da pobreza,
sobretudo, a partir da desorganização política
dos segmentos vulnerabilizados.
Neste contexto, o desenvolvimento do
município de Manhuaçu ocorre de forma
desordenada, em razão, especialmente, da
inexistência de estudos prévios capazes de
fornecer subsídios que orientem a definição
de prioridades, projetos, programas e obras
públicas, bem como da falta de atuação dos
demais segmentos da sociedade.
Por ser um polo socioeconômico o
município vivencia os impactos do êxodo
rural, recebendo um significativo contingente
de trabalhadores que se desloca do campo
para a cidade em busca de melhores
condições de vida e trabalho. Entretanto,
tais iniciativas, muitas vezes, não alcançam
êxito e acabam agravando os índices de
desigualdade social e de déficit habitacional
do município.
Ademais, a localização do município,
à margem da BR-262, também contribui
para intensificar o crescente fluxo migratório
de trabalhadores que buscam novas
oportunidades de emprego. Todo esse
contexto tem contribuído para agravar ainda
mais o déficit habitacional da cidade, o que
tem tornado cada vez mais latente a
necessidade da formulação de políticas
habitacionais na tentativa de solucionar
graves problemas sociais decorrentes desse
déficit.
Assim, o que se percebe na cidade de
Manhuaçu é que as condições de vida e de
moradia de milhares de pessoas em
determinados bairros são extremamente
precárias, uma vez que certas famílias
apresentam padrões socioeconômicos muito
abaixo dos padrões necessários a sua
subsistência22.
A inexistência de rede de saneamento
básico é um fator a ser considerado nessa
realidade. Ela acarreta o lançamento de
efluentes domésticos nos corpos d’água do
Rio Manhuaçu (figuras 1, 2 e 3) e a medida
que uma parcela significativa do esgoto
urbano local não recebe nenhum tipo de
tratamento, constitui-se numa das principais
fontes poluidoras do ecossistema aquático do
município.
Há, inclusive, muitos casos em que
nos períodos de alta pluviosidade, o esgoto
retorna para dentro das casas, acarretando
sérios transtornos e riscos à qualidade de
vida da população.
Foto 1 - Lançamento de efluentes
domésticos no Rio Manhuaçu – MG.
22
Segundo dados do IBGE (2010), 23% da
população de Manhuaçu vive em condição de
pobreza.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
Foto
2 - Lançamento de efluentes
domésticos no Rio Manhuaçu – MG.
em políticas habitacionais e na melhoria nas
condições socioeconômicas, fazendo com
que a população tenha garantido o direito
constitucional à habitação digna.
Somente assim, a população vai
deixar de lado um cenário que se apresenta
de forma degradante – e até mesmo
assustador, uma vez que pode colocar em
risco a vida de famílias e/ou comunidades
inteiras.
Analisando os tipos de casas e a
condição de moradia em alguns bairros de
Manhuaçu, nota-se que os problemas são
visíveis e que falta uma maior intervenção
governamental em tais áreas. Como
exemplo tem-se o vulgo Bairro Campo de
Avião (figuras 5, 6 e 7), o Bairro Santa Luzia
e o Bairro Santana, locais em que várias
casas estão em condições precárias e se
assemelham às casas de favelas em
grandes cidades. Diariamente, lê-se nas
páginas policiais do jornal da cidade
ocorrências de roubos e crimes cometidos
nesses locais. É por essas e outras razões,
que a melhoria das condições sociais das
pessoas desses bairros se faz mais do que
necessário.
Foto
3 - Lançamento de efluentes
domésticos no Rio Manhuaçu – MG.
A isso se somam os problemas
relacionados a construções irregulares em
áreas de voçoroçamento, desmoronamento
de encostas, leitos de rios, dentre outras. O
que se observa é que não faltam
irregularidades nas diversas formas de
ocupações. Toda essa situação resulta em
um desenvolvimento urbano que ocorre de
forma irregular, implicando em grandes
impactos ambientais, sociais e econômicos
para a cidade de um modo geral.
Logo, nota-se que a questão
habitacional em Manhuaçu é um assunto de
extrema importância, isso porque uma
parcela significativa da população vive em
lugares não habitáveis. A população que
vive em áreas de risco, tanto de estadia
quanto para a saúde, está sujeita a doenças
e catástrofes, o que requer investimentos
Foto 5 – Moradias precárias no Bairro
Campo de Avião, Manhuaçu – MG.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
Foto 6 – Moradia precária no Bairro Campo
de Avião, Manhuaçu – MG.
Foto 7 – Moradia precária no Bairro Campo
de Avião, Manhuaçu – MG.
Foto 8 – Moradia no Bairro Alfa Sul,
Manhuaçu – MG.
Foto 9 – Moradia no Bairro Alfa Sul,
Manhuaçu – MG.
Em
contraposição
à
realidade
apresentada, temos a vivida por um bairro de
classe média alta, como o Bairro Alfa Sul,
conforme demonstram as Figuras 8 e 9.
Diante desse fato, a realização de um estudo mais detalhado sobre as condições de
habitação na cidade permitirá reunir substratos comprobatórios de mais inadequações e
precariedades do que se imagina, como a coabitação familiar, que consiste no convívio de mais
de uma família em uma mesma casa com espaço apenas para uma, de maneira a apresentar
soluções adequadas para problemas específicos.
Dentre os principais fatores que precisam ser analisados estão aqueles relacionados às
condições físicas da moradia e de sua localização, tendo como quesitos centrais de análise: tipo
de localidade; situação do imóvel; tipo de abastecimento de água; tipo de construção; tratamento
de água; tipo de iluminação; destino do lixo no domicílio; revestimento das paredes; revestimento
de piso; tipo de lote em que a casa se situa; escoamento sanitário; material predominante na
cobertura (telhado), conforme demonstrado no quadro a seguir.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
Quadro 1 - Principais quesitos a serem analisados na classificação dos imóveis.
Tipo de localidade Se a localidade do imóvel é de risco social ou não.
Situação do imóvel
Tipo de construção
Material
predominante
na
cobertura (telhado)
Revestimento
piso
de
Revestimento
paredes
das
Tipo
abastecimento
água
de
de
Tratamento
água
de
Escoamento
sanitário
Tipo de iluminação
Tipo de lote em que
a casa se situa
Destino do lixo no
domicílio
É a condição de posse da habitação, se é cedida, alugada, própria,
invadida ou arrendada. Diz respeito à posse do tal imóvel, já que esse é
um fator de extrema importância porque é desse item que se avaliará a
solução para a casa, uma vez que muitas habitações não precisam ser
demolidas e sim reformadas.
Tijolo/alvenaria, adobe, taipa revestida, taipa não revestida, madeira,
material aproveitado, outros. É uma das partes mais importantes de uma
casa, assim dever ser levado em conta para uma análise superficial.
Telha, laje de concreto, madeira aparelhada, zinco, madeira aproveitada,
palha, outro material. Por esse quesito é possível analisar o nível
socioeconômico da família, já que a laje de concreto pesaria muito no
orçamento de uma família pobre.
Cerâmica vitrificada, cimento queimado, cerâmica porosa, cimento
grosseiro, sem revestimento. É outro padrão que serve para análise
comprobatória, já que na maioria dos domicílios localizados em regiões
periféricas não possuem piso cerâmico e sim cimento grosso ou
queimado.
Revestimento cerâmico, reboco com pintura, plástico emulsionável,
reboco e caiação, reboco sem pintura, alvenaria sem revestimento, taipa
sem revestimento.
Rede pública, poço/nascente, carro pipa, rio, outro. Relaciona-se com a
saúde dos moradores, além do mais serve de base para uma análise do
serviço público, assim como nos próximos itens, tratamento de água e
escoamento sanitário.
Filtração, fervura, cloração, sem tratamento, outro. Exprime o grau de
qualidade da água ingerida, uma vez que se a mesma não for de
qualidade pode causar riscos à saúde.
Rede pública, fossa rudimentar, fossa séptica, vala, céu aberto, rio,
outro. Fator de extrema importância já que os dejetos sanitários se não
escoados em locais correto causam doenças graves.
Rede pública, sem relógio, relógio comunitário, lampião, óleo, querosene,
vela, gás de botijão, outro. É um paradigma que deve ser considerado
porque em muitos locais há o hábito de fazer os chamados “gatos”.
Lote comprado já pago, comprado ainda em pagamento, invadido, lote
em área de preservação ambiental. Entra-se agora nas questões de
posse do terreno, sendo que muitas casas são construídas em áreas
irregulares e de preservação ambiental, causando futuras catástrofes.
Coletado, queimado, céu aberto, enterrado, jogado em rio ou lago, outro.
Em muitos lugares não há coleta de lixo, assim os restos são jogados em
qualquer lugar já que há falta de acesso a caminhões e aos profissionais
que recolhem o lixo e isso compromete o meio ambiente e a saúde das
pessoas.
Outro fator de extrema importância é
a análise da quantidade de pessoas por
cômodo e quantos desses compartimentos
são usados como dormitórios, ou seja, o
adensamento familiar. Esse item se faz
necessário já que uma habitação deve
conter mais que paredes fortes e telhado
resistente, precisa apresentar uma boa
distribuição de moradores por cômodo.
Logo, a categorização das condições
dos domicílios em questão dará uma visão
pormenorizada de cada família, fazendo com
que soluções distintas sejam dadas de
acordo com as particularidades de cada
família.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
Tipologia 1:
Tipo de localidade: sem risco social
Situação do imóvel: próprio
Tipo de construção: tijolo/alvenaria
Material
predominante
na
cobertura
(telhado): laje de concreto
Revestimento de piso: cerâmico
Revestimento das paredes: cerâmico ou
reboco com pintura
Tipo de abastecimento de água: rede pública
Tratamento de água: filtração
Escoamento sanitário: rede pública
Tipo de iluminação: rede pública
Tipo de lote em que a casa se situa:
comprado
Destino do lixo no domicílio: coletado
Tipologia 2:
Tipo de localidade: de risco social
Situação do imóvel: invadido
Tipo de construção: taipa não revestida
Material
predominante
na
cobertura
(telhado): palha
Revestimento de piso: sem revestimento
Revestimento
das
paredes:
sem
revestimento
Tipo de abastecimento de água: direto de
lagos e rios
Tratamento de água: sem tratamento
Escoamento sanitário: rio ou a céu aberto
Tipo de iluminação: óleo ou querosene
Tipo de lote em que a casa se situa: invadido
Destino do lixo no domicílio: rio ou lago
Usando os parâmetros adotados no
quadro acima e comparando as diferentes
tipologias é possível validar a seguinte
hipótese: quanto mais um domicílio se
aproximar das classificações da tipologia 1 o
seu risco e a necessidade de melhorias é
menor, porém, quanto mais ele se aproximar
da tipologia 2 as melhorias são urgentes e
ele deve ser tratado como prioridade.
Além do mais, o segundo tipo de
domicílio causa mais danos à natureza, uma
vez que os efluentes domiciliares e demais
resíduos sólidos têm como destino os rios e
áreas
de
disposição
inadequada,
contaminando o meio ambiente e causando
problemas de saúde para a população em
geral.
Cabe
ressaltar
que
um
a
porcentagem da carência habitacional de
cada casa pode ser calculada pela seguinte
equação:
Eq.1:
ICH = SCH X 100/12
Onde ICH é o Índice de Carência
Habitacional e o SCH é o Somatório de
Carência Habitacional. O somatório é
executado da seguinte maneira:
Cada item das tipologias do quadro 01
recebe um valor, sendo que ele vai de zero
(sem risco social, próprio, tijolo/alvenaria,
laje de concreto, cerâmico, cerâmico ou
reboco com pintura, rede pública, filtração,
rede pública, rede pública, coletado,
comprado) até um (de risco social,
invadido, taipa não-revestida, palha, sem
revestimento, sem revestimento, rio ou
lago, sem tratamento, rio ou a céu aberto,
óleo ou querosene, invadido, direto de
lagos e rios).
O valor 0 representa que a situação do
imóvel é boa, entretanto quanto mais o
valor se afasta de zero e se apropinqua de
1 a situação do imóvel se mostra crítica.
Note que as respostas do questionamento
da Tipologia 1 são as ideais, ou seja
quanto mais as respostas em relação a
uma casa se aproximarem dos resultados
da Tipologia 1 menor será a porcentagem
de carência habitacional do domicílio.
Porém quanto mais próximo da Tipologia 2
maior o Índice de Carência Habitacional, já
que o ICH se apropinqua de 1.
Assim, para se obter o valor do SCH
basta somar o valor dado a cada um dos
doze itens das tipologias, sendo que cada
resposta da Tipologia 1 vale zero e cada
resposta da Tipologia 2 vale um. Descoberto
o SCH se faz a aplicação do mesmo na
Eq.01.
Por fim, a questão habitacional se
alia a inexistência de infraestrutura urbana,
ao escasso acesso aos serviços públicos e,
de modo mais preocupante, a ausência de
políticas públicas efetivas no combate ao
tráfico de drogas, à prostituição e o que é
mais grave: a exploração sexual de
adolescentes, fato esse amplamente
divulgado e costumeiro nas páginas policiais
da cidade, principalmente, na região da
Baixada.
Para finalizar, importante, se faz
ressaltar que é ainda grandioso o número de
pessoas em situação de rua que se alojam,
em grande parte, nos bairros mais
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
movimentados, como o Bairro Coqueiro e o
Bairro da Baixada, uma vez que a maior
incidência de pessoas nas calçadas de tais
locais faz com que a probabilidade da
obtenção de “esmolas” aumente e que é nas
redondezas do Terminal Rodoviário de
Manhuaçu que se encontra o Bairro
Santana, localidade com maiores índices de
tráfico de drogas e prostituição.
As estratégias apresentadas para
conter tal situação se limitam a um projeto
de lei que proíba a venda de bebidas
alcoólicas nas mediações da rodoviária
como forma de coibir os pontos de
encontros entre usuários; e a proposta de
alguns vereadores e líderes da cidade de
separar os passageiros que se encontram
na rodoviária das pessoas que estão ali só
para se aproveitar delas, ou seja, criar um
cordão de isolamento na tentativa de inibir
furtos e assédio. Segundo os criadores
dessa proposta, com isso as crianças que
estão naquele lugar apenas esperando seu
horário de saída do ônibus não precisariam
ver cenas absurdas de assédio sexual
explícito e roubo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto questiona-se qual
seria a relação entre os problemas
habitacionais e os problemas sociais em
Manhuaçu. A resposta é simples, já que a
concentração de domicílios em condições
precárias é maior nos bairros onde os
problemas sociais afloram.
Dentre as mazelas sociais a que a
população local está submetida, o déficit
habitacional tem se constituído num grave
problema que tem acarretado impactos
nocivos à saúde, ao meio ambiente, enfim,
ao desenvolvimento local sustentável.
Dessa feita, torna-se fundamental a
ação do poder público na construção de
políticas – urbana e habitacional – efetivas
que ofereçam melhor qualidade de vida à
população, de modo especial, aos seus
extratos mais empobrecidos, devendo ser
articuladas e realizadas a partir de estudos
que viabilizem a atuação das três esferas de
governo: federal, estadual e municipal, com a
efetiva participação da sociedade. Isso
porque o envolvimento de todos os sujeitos
sociais – sociedade civil, poder publico e
áreas técnicas – no enfrentamento da
questão
habitacional,
contribuirá,
sobremaneira,
para
o
respeito
e
fortalecimento da cidadania e dos direitos
garantidos na Lei Maior, como é o caso dos
direitos fundamentais de cada cidadão.
Tal dimensão suplanta o caráter
meramente imediatista de algumas ações
que recorrentemente têm assumido o status
de “solução redentora” de todos os
problemas habitacionais. Nos dias atuais,
quando se fala em déficit habitacional, logo
vem à mente o conhecido discurso em torno
da construção de “casas populares”, como se
elas por si só pudessem dar conta da
complexidade que envolve a temática em
questão. Muito além da construção de
unidades habitacionais, a ação do poder
público, principalmente o municipal, deve
contemplar uma dinâmica que também
envolve a regulamentação do uso da
propriedade urbana, dos espaços urbanos,
da ocupação do solo em benefício de toda a
sociedade, por meio de instrumentos como o
Plano Diretor.
Grande parte das medidas adotadas
são implementadas sem um estudo prévio da
realidade local, deixando de contemplar
variáveis importantes para o alcance efetivo
das ações, como, por exemplo, aspectos
econômicos, sociais, ambientais, dentre
outros. Isso faz com que ocorram equívocos
e a adoção das medidas se torne pouco
eficiente no enfrentamento do déficit
habitacional. Em muitos casos, as casas
providas pelo governo situam-se em áreas
sem qualquer proximidade com o polo
econômico da cidade, dificultando o
deslocamento das famílias realocadas para o
trabalho e escola.
Em várias cidades onde programas
de habitações populares foram implantados
a recorrência de falhas no sistema de
atendimento das famílias tem comprometido
a efetividade das ações, uma vez que
muitas famílias cadastradas nos programas
não são contempladas e, em alguns casos,
sequer são propostas ações que atendam
às demandas inerentes a sua condição de
habitabilidade.
Não se quer com tal assertiva, negar
a importância da construção de casas
populares, mas reforçar a necessidade das
ações serem precedidas de um estudo das
condições iniciais e vivenciais de cada família
e das interfaces do problema habitacional
com as demais expressões da questão
social.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Silva, Silva e Abreu (2011).
Outro grande desafio que se coloca
nos dias atuais refere-se à apropriação de
um referencial técnico-operativo capaz de
garantir às famílias o direito à cidade.
Normalmente, o equacionamento do déficit
habitacional, ao invés de se constituir
enquanto política pública de caráter
permanente do Estado, tem se caracterizado
como programa de ação de um governo
específico.
Embora a sociedade brasileira tenha
vivenciado avanços significativos em torno
dessa problemática – a exemplo, o Estatuto
das Cidades, em 2001, e a Política Nacional
de Habitação, em 2004 – a questão
habitacional – como muitas outras políticas –
tem assumido um caráter efêmero e de
extrema focalização na pobreza, se
constituindo numa “política pobre para os
pobres”.
Ainda que o Estatuto das Cidades
(BRASIL, 2001) e a Política Nacional de
Habitação (BRASIL, 2004) apresentem as
diretrizes necessárias à regulamentação da
utilização do espaço urbano, por si só não
conseguem abarcar a complexidade que
envolve o direito à cidade, como parte
integrante do direito à cidadania e, por
conseguinte, do direito à dignidade da
pessoa humana.
Sendo assim, as ações em torno da
questão habitacional exigem a adequação
das ações desenvolvidas ao princípio da
participação e mobilização comunitária,
geração de emprego e renda, preservação
do meio ambiente, promoção à saúde, dentre
outras,
num
conjunto
articulado
de
proposições capazes de contemplar o maior
número possível de demandas apresentadas
pela população usuária.
No caso específico de Manhuaçu, a
realização de estudos pode contribuir, dentre
outros aspectos, para a formulação de uma
política habitacional que contemple as
múltiplas determinações do real, viabilizadora
de direitos sociais e de cidadania e
promotora de desenvolvimento social,
econômico e ambiental da região.
Muito mais do que atuar diretamente
no enfrentamento das mazelas sociais, o
poder público pode consolidar um modelo de
gestão da cidade que, ao invés de oficializar
a ocupação de lugares impróprios e de risco
–
negligenciando
as
condições
de
habitabilidade local –, prioriza a construção,
não apenas de unidades habitacionais, mas
de vias asfaltadas, escolas, unidades básicas
de saúde e de educação infantil, além da
adoção de medidas preventivas. Enfim, o
poder
público
municipal
assume
definitivamente sua condição de agente
garantidor dos direitos fundamentais de
cidadania.
REFERÊNCIA
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria
Nacional de Habitação. Política Nacional de
Habitação. Brasília, 5 nov. 2004.
______. Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001. Estatuto da Cidade. Brasília: Senado,
2001.
______.
Constituição
da
República
Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de
outubro 1988. 25. ed. São Paulo. Saraiva,
2000.
CASTRO,
Josué
de.
Homens
e
caranguejos. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Censo de 2010. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.h
tm?1. Acesso em: 1 de Agosto de 2011.
POCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo
(Orgs.). Atlas da Exclusão Social no Brasil.
1. ed. São Paulo: Cortez, 2003. v. 1. 221 p.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 63-72, agosto-dezembro, 2011.
Coutinho (2011).
CANTIGA DE TRABALHO: FORÇA E RESISTÊNCIA CONTRA A SEVERIDADE DO
SISTEMA ESCRAVISTA NO BRASIL COLÔNIA
Área temática: História
Luiz Antônio Coutinho1
1
Graduando do 3º Período de História pela Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG.
RESUMO: Este artigo tem como objetivo mostrar a trajetória dos negros africanos,
enquanto escravos no Brasil, de maneira a demonstrar que, mesmo trabalhando nos
engenhos, nas minas ou mesmo nas cidades e sofrendo com a opressão imposta por
seus senhores, estes resistiram de diversas formas: fugas, rebeliões, sabotagens, e
principalmente, através de seus cantos de trabalho que, em certas ocasiões, serviam de
protesto contra o brutal sistema escravista.
Palavra chave: canto de trabalho, escravidão, protesto, religião.
INTRODUÇÃO
A vida na África
Antes da chegada dos portugueses, a
África Atlântica tinha sua estrutura social bem
definida. Vivia-se em uma sociedade tribal,
onde existia a escravidão, mesmo que
doméstica, e o escravo era parte integrante
da família. A vida tinha sua constância no
trabalho, principalmente na agricultura, e a
religião tinha na força da natureza a base da
crença dos nativos africanos que, com seus
tambores, dançavam e cantavam: para
chover; para se ter uma boa colheita; no
nascimento de um filho; na lida diária; para
dar ritmo as ações de trabalho coletivo,
enfim, cantavam para tudo.
É importante notar que o negro
africano tem a musicalidade na alma, o que
não significa que outros povos não a tenha.
O ser humano, até mesmo mais do que os
pássaros, é um cantor extraordinário. A
música provoca uma atenção plena porque
vem de fontes do ser onde a vontade
calculadora, controladora, não detém o
controle. A canção surge simplesmente,
brota de alguma raiz escondida em nosso
ser. A carne torna-se livre na canção e faz
ressoar sua presença. Um sujeito canta,
mas existe algo na canção que vai além de
uma auto educação completa (DESMOND,
1990). Segundo Kátia Mattoso (2003), o
tráfico foi o responsável por quebrar a
estrutura social e política que vigorava na
África, onde homens livres tinham o direito de
possuir escravos.
Nas zona saelo-saariana os escravos
chegaram a representar entre 30 e 50% da
população.
Neste sentido, John Thornton, fornece
uma explicação para a força da escravidão
na África:
A escravidão era difundida na África
Atlântica porque os escravos eram a
única forma de propriedade privada
que
produzia
rendimentos
reconhecidos nas leis africanas. Em
contraste, nos
sistemas legais
europeus a terra era a principal forma
de propriedade privada lucrativa, e a
escravidão ocupava uma posição
relativamente inferior. De fato, a posse
da terra era em geral uma pré–
condição na Europa para a utilização
produtiva dos escravos, ao menos na
agricultura.
Em
razão
de
sua
característica legal, a escravidão era de
muitas
maneiras
o
equivalente
funcional
do relacionamento do
proprietário da terra com seu
arrendatário e talves igualmente
dissiminada.
Neste sentido, foi a ausência de
propriedade privada – ou para ser mais
preciso, foi a propriedade coorporativa
da terra – que levou a escravidão ser
tão
difundida
na
sociedade
africana.(THONTON, 1949 P.125)
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 73-78, agosto-dezembro, 2011.
Coutinho (2011).
Nessa sociedade, a riqueza se
baseava no número de escravos que se tinha
e não na terra, pois esta pertencia a todos,
sendo preciso de alguém que trabalhasse
para fazê-la produzir. Muitos homens e
mulheres se tornaram escravos por causa de
guerras; outros se ofereciam para ser
escravos, pois o clima desfavorável tornava
difícil a sua sobrevivência. Assim, a mão de
obra escrava tornou-se fundamental.
Deste modo, os portugueses se
aproveitaram desta estrutura e entraram
neste comércio comprando e vendendo
escravos, até mesmo dentro da própria
África. Neste contexto, como a riqueza se
baseava em ter escravos, podia-se inclusive
transferir a propriedade adquirida, no caso o
escravo, de pessoa a pessoa e, isto era
moralmente aceito na sociedade africana.
Importante se faz ressaltar que não
existia uma justificativa para a negociação
além mar de escravos, visto que a África não
estava sob qualquer pressão comercial e
ecomômica (THONTON, 1949). No entanto,
a tecnologia militar oferecida pelo colonizador
fez com que a ganância aumentasse entre os
africanos e estes passassem a oferecer cada
vez mais escravos em troca de armas para
garantir sua defesa contra os inimigos. Desta
forma o tráfico tormou-se cada vez mais
cruel.
A bordo dos negreiros
Na longa travessia do Atlântico, os
negros ficavam amontoados nos porões dos
navios, acorrentados e amarrados em
troncos, submetidos a uma condição
bastante insalubre. Ao longo dessa viagem
muitos morriam, o que gerava prejuizo
financeiro para os compradores.
Neste contexto, os comerciantes
tumbeiros descobriam, logo nos primeiros
contatos com a África, que os negros, além
de pendores para todas as artes, têm o ritmo
na alma. Assim, quando traziam suas cargas
para o Brasil, regularmente levavam os
cativos para o convés e os fazia dançar e
cantar de forma a evitar doenças como o
banzo que, acometendo um negro, mata-o de
tristeza (MARTINS, 2008).
Dessa forma, os negros arrancados
de seu convivio social se misturam a outros
tantos na nesma condição. Muitas vezes, até
inimigos de outras tribos eram colocados
juntos, pessoas totalmente estranhas, de
dialetos diferentes passavam a conviver lado
a lado, com a mesma dor e o mesmo
sofrimento (MATTOSO, 2003). Segue-se,
dessa maneira, a jornada dos degredados de
sua terra natal. Sua cultura, sua tradição
religiosa vai ficando cada vez mais distante,
sumindo na linha do horizonte.
Certamente o estupor e o medo, o
abatimento e o pavor , o horror diante
do desconhecido, do estranho e da
coação, são suas primeiras reações.
Mas os cativos vão pouco a pouco,
penosamente, às próprias custas,
aprender a existência de outro mundo,
estranho e diferente (MATTOSO,
2003).
Todo o sofrimento e humilhação
sofridos desde sua partida da África deixava
os cativos atordoados. E, para piorar a
situação, quando eles chegavam ao local de
esembarque ainda pernaneciam alguns dias
no navio, para a inspeção sanitária. Depois
eram levados para uma gaiola coletiva, onde
eram arrematados em leilões por senhores
brancos, que verificavam o porte físico e os
dentes. Se saudáveis, recebiam lances, e o
negro iniciaria uma outra vida, por certo, uma
outra história.
Negros de engenho, das minas e cidades
Com a introdução da economia
açucareira, impostos eram cobrados sobre
todo o tipo de mercadoria que era produzida
e negociada, inclusive escravos. A coroa
recebia uma porcentagem por cada escravo
que era vendido ao senhor de engenho. Mais
tarde, houve também a tributação sobre o
fumo, o couro e o algodão.
Essas cobranças de altas taxas
obrigavam o engenho a aumentar a sua
produção, assim, para se ter lucro no
negócio, era necessário explorar cada vez
mais o trabalho do escravo. Nesse sentido,
ainda é importante ressaltar que os trabalhos
na lavoura e no engenho não representavam
a totalidade do que era exigido dos cativos.
Eles eram obrigados a construir e reparar
cercas, cavar fossos, consertar estradas e
pontes, prover a casa-grande de lenha,
reparar os barcos e os carros de boi e uma
série de outras atividades, além de ter de
providenciar parte de seu próprio alimento,
pescando, caçando ou cuidando da roça.
Diante
dessas
condições,
um
escravo revoltado podia facilmente sabotar a
produção do engenho. Bastava espremer
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 73-78, agosto-dezembro, 2011.
Coutinho (2011).
limão em uma caldeira de melado para
impedir a sua cristalização em açúcar.
Dessa forma, para conseguir a colaboração
dos escravos era preciso recorrer a
incentivos. Os senhores costumavam,
portanto, pagar os escravos com pequenas
quantidades de açúcar, aguardente, melaço,
roupa ou mesmo dinheiro.
Esses descontentes, os resistentes, os
rebeldes ou os fugitivos. Cada um ao
seu modo e de acordo com seus
próprios meios, procurava alterar o
sistema e sua regras. Para alguns, era
um modo de barganhar melhores
condições para si e para o grupo; para
outros era uma maneira de adquirir
poder, liberta-se e determinar seu
próprio destino; e para um outros
grupos, um meio de virar a mesa sobre
seus
senhores
e
governantes
(Thornton, John Kelly, 1940).
Desse modo, mesmo sendo escravo,
a luta contra a tirania fazia com que o negro
buscasse de toda forma coagir os seus
senhores, seja através de sabotagens ou
pequenos furtos e, até mesmo, através da
forma cantada, que por vezes incomodava os
administradores, deixando-os temerosos, por
causa de uma possível rebelião. Trapacear o
senhor é um jogo que tem justificativa na
própria opressão (MATTOSO, 2003).
Dentre as formas de protesto estavam
as músicas em dialeto yorubá ou nagô,
misturadas com palavras em português, que
os negros costumavam cantar enquanto
trabalhavam ou, até mesmo, na senzala. O
Canto23 de trabalho era, muitas vezes, um
protesto contra o brutal sistema escravagista.
23
Cantos de trabalho são cantos que
acompanham
o
trabalho,
entoados
em
coordenação com o movimento do corpo. Ao
enfrentar a dureza de suas tarefas braçais , o
escravo cantava para revigorar-se ao som de
sua própria voz. No transporte de cargas pesadas
, por exemplo, quando um escravo via o
companheiro fraquejar as pernas , punha-se ao
seu lado e cantava, marcando o ritmo da
caminhada. Então o que estava a ponto de cair
respondia primeiro com a voz débil e quando o
companheiro respondia mais forte clareava a voz
. Firmava os passos e os dois seguiam sem mais
demonstrar cansaço. (Lopes,NEI: Enciclopédia
Brasileira da Diáspora Africana, São Paulo: Selo
Negro, 2004)
A insatisfação era manifestada por
símbolos culturais como cantigas de trabalho
e provérbios que desafiavam os mecanismos
próprios do sistema colonial. O protesto se
dava em forma de versos cantados com
raiva: Branco diz que preto furta// Preto furta
com razão: Sinhô branco também furta//
Quando faz escravidão (MATTOSO 2003).
Essa maneira de expressar do negro
enquanto cativo no Brasil era diferente da
maneira com que ele se expressava em
terras africanas, pois sua condição de
escravo nos engenhos, trabalhando até 14
horas a fio e com uma alimentação
insuficiente para matar sua fome em nada
lembrava a de sua terra natal. Normalmente,
os cativos levantavam-se por volta das cinco
horas da manhã e ao toque do sino do feitor
se reuniam no terreiro para receberem as
ordens do dia. Em alguns engenhos,
sobretudo nos pertencentes a ordens
religiosas, os escravos eram obrigados a
fazer uma oração matinal antes de seguir
para o trabalho no canavial. Em geral, eles
trabalhavam em turmas que reuniam entre
dez ou quinze cativos. Às nove horas, os
cativos paravam para uma pequena refeição
e três ou quatro horas depois almoçavam, ali
mesmo
no
campo.
Depois
disso,
continuavam trabalhando até o anoitecer. Já
em sua terra natal ele era livre para viver a
sua crença, conviver com os parentes e o
ambiente era conhecido. Não resta dúvida
que sua alegria era outra.
A canção de trabalho adquiriu suas
próprias qualidades distintas na
América, por uma série de motivos. Em
primeiro lugar, embora o canto para
acompanhar o trabalho do homem
fosse uma coisa de todo comum na
África Ocidental, torna-se óbvio que o
trabalho em terra própria se mostra
bem diferente do trabalho forçado
numa terra alheia e estrangeira. E a
despeito a insistência física necessária
para seguir uma canção de trabalho
ainda se encontrar presente, as
referências acompanhantes do trabalho
haviam se transformado radicalmente.
A maioria dos africanos ocidentais era
composta de lavradores, e tenho a
certeza de que essas canções
agrícolas poderiam ter sido usadas nas
terras do Novo Mundo do mesmo modo
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 73-78, agosto-dezembro, 2011.
Coutinho (2011).
que no Velho. Mas, a letra de uma
canção onde se dizia que ‘Depois de
plantar, se os deuses fizerem chover/
Minha família, meus ancestrais, serão
ricos tanto quanto são belos’ não
poderia aplicar-se nas circunstâncias
horríveis da escravidão (TINHORÃO,
2008)
Cantos como “na fazenda da
Cachoeira,//Tem cabrito, tem boiada,//Tem
carneiro, tem porcada/Urubu tá comendo
foia... ,//(Coro) Lá, lá ri, lá, lá lá ri” eram
utilizados como analogia a situação do negro
cativo, ou seja, o dono da fazenda
Cachoeira, apesar de muito rico (“ Tem
cabrito, tem “boiada”), só dava aos seus
trabalhadores couve para comer. Ora, negro
comendo couve era o urubu comendo folha.
Assim, de norte a sul do Brasil, os
negros contribuíram para o desenvolvimento
do país com os seus braços e, foram, por
muito tempo, o pilar mestre da economia
açucareira, mineradora, dentre outras. Nas
cidades, como os negros faziam todo
trabalho
pesado,
encantavam
muitos
Viajantes com seus cantos animados.
Na descrição do capitão Theodor Von
Leithold é ressaltado, desde logo, o
verdadeiro sentido do canto de trabalho
dos negros, pois ao ouvir-lhes a
cantoria com as cargas à cabeça,
lembrou-se
logo
do
coro
dos
lenhadores da Alemanha: “Esses
escravos são extremamente ágeis e
robustos. Podem carregar pesos
incríveis sobre a cabeça. Quanto mais
pesado parece ser o trabalho, mais
selvagemente se põem a cantar, como
se sua força fosse estimulada pelo
coro, igual dos nosso [alemães]
lenhadores. Seu instrumento consiste
numa gaita prêsa a uma tábua em que
estão esticadas duas cordas, que eles
tocam caminhando ou reunidos à porta
de uma venda para dançar ao som do
mesmo.” “Ao carregar esses fardos
pesadíssimos, através das ruas, os
pretos cantam uma espécie de coro,
que não deixa de ser uma maneira
muito útil de prevenir o transeunte para
que saia da frente, já que, em meio aos
numerosos
ruídos
da
cidade.
(GOMES,1996)
Por fim, não se pode deixar de fazer
referência às negras de tabuleiros, que
vendiam seus quitutes pelas ruas das cidade:
Salvador, Rio de Janeiro, Ouro Preto. Elas,
além de ganhar o seu sustento e o de sua
família, faziam o intercâmbio entre os
faiscadores e os contrabandistas de ouro,
faziam contato com os negros de canto que
organizavam rebeliões para impor respeito
para o seu grupo ou até mesmo organizar
fugas para quilombos. E ainda, no seu vai e
vem sempre entoavam canções .
Afinal, tarde da noite, quando a maioria
das famílias se preparava para dormir,
algumas negras velhas vagueavam
pelas ruas sombrias e, olhando o céu
abaixo, entoavam cantos de melodias
claras e melancólas de origem africana
e de versos, em parte, africanos ,
mercando as guloseimas, comidas e
bebidas que tinham para vender. Esses
cantos pesarosos eram terno ao
ouvido,
embalavam
a
cidade.
(Bernardo, 2003)
CONCLUSÃO
Diante dos fatos apresentados podese concluir que após um longo periodo de
escravidão no Brasil é inegável o papel do
negro na formação cultural desta terra. A
mãe África ficou no horizonte, perdida do
outro lado do Atlântico, mas as raizes deste
frondoso Baobá (árvore símbolo da África )
se espalhou pelo território brasileiro dando
um tempero todo especial a esta nação de
brancos, negros, mulatos, cafusos e
mamelucos.
REFERÊNCIAS
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e mãe: lembranças de Olga de Alaketu /
Teresinha Bernardo. São Paulo: EDUC; Rio
de Janeiro: Pallas, 2003.
GOMES, Flávio dos Santos. org. REIS, João
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quilombos no Brasil. São Paulo. Cia das
Letras 1996.
MARTINS, Tarcísio José. Quilombo do
Campo Grande – A história de Minas que
devolve ao povo, MG: Ed Santa Clara, 2008.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Na África: ser
vendido como escravo. In: Ser escravo no
Brasil, SP .: Brasiliense, 2003.
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TINHORÃO, José Ramos. Os sons dos
negros no Brasil: cantos, danças e
folguedos. Origens. São Paulo: Ed 34, 2008.
THORNTON, John Kelly. A África e os
africanos na formação do mundo
Atlântico: 1400-1800: tradução Marisa
Rocha Mota – RJ, Elsevier, 2004.
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Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 73-78, agosto-dezembro, 2011.
Coutinho (2011).
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Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 73-78, agosto-dezembro, 2011.
Souza (2011).
MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA NO BRASIL COLÔNIA
Área Temática: História
Sara Bruna Lopes de Souza1
1
Graduanda do 3º Período de História pela Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG.
RESUMO: A presente pesquisa se propõe a analisar a estrutura da família brasileira no Brasil
Colonial, sendo a chefia feminina de domicílios o destaque deste. Para desenvolver este trabalho
valemo-nos de dissertações e outros estudos que abordam tal assunto. Assim, buscaremos
entender qual foi o real valor da família patriarcal na sociedade colonial, quem eram as mulheres
que chefiavam lares, destacando o que propiciou a formação de tais fogos e como estas mulheres
viviam, quais eram suas estratégias de sobrevivência. Sabe-se que as atividades exercidas por
essas mulheres variaram em diferentes funções, e foi por meio delas que sustentavam seus lares.
Desta forma, ao analisar a diversidade quanto à organização familiar, destacaremos como a
chefia feminina de domicílios foi um fenômeno comum na família brasileira.
Palavras chave: família, mulher, sociedade colonial.
INTRODUÇÃO
Ao dizer que a família patriarcal é o
modelo predominante no Brasil, cairemos em
um equívoco, pois esta não corresponde à
maior parte das formações, apesar de ser o
modelo mais influente. Nas palavras de
Mariza Corrêa
(...) a família patriarcal pode ter
existido, e seu papel ter sido
extremamente importante, apenas não
existiu sozinha, nem comandou do alto
da varanda da casa grande o processo
total de formação da sociedade
brasileira. (CORRÊA, 1993, p. 27)
O presente trabalho propõe um
estudo da composição da família brasileira
no Brasil Colonial, especificamente, a chefia
feminina nos domicílios. Neste estudo,
analisaremos as estratégias de sobrevivência
dessas mulheres. A família colonial era
marcada pela diversidade no que diz respeito
à organização familiar. Com isso, a chefia
feminina de domicílios foi um fenômeno
comum na história da família brasileira.
QUEDA DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR
PATRIARCAL
No Brasil Colonial, o modelo de
família patriarcal, o casal, depois os filhos, os
agregados, os escravos e, muitas vezes, os
filhos casados, não era o que predominava.
Na verdade, esse modelo era mais incomum
do que se pensa. Em seu estudo dedicado a
sociedade paulista do século XIX, Eni de
Mesquita Samara afirma que
famílias extensas, compostas de casais
com muitos filhos, parentes, escravos e
agregados na forma concebida pela
literatura não foram, portanto, o tipo
predominante, não chegando a 30% do
total de domicílios. (SAMARA, 2003,
p.40)
Ainda no que diz respeito à
organização familiar, é importante ressaltar
que poucos eram os casamentos oficiais,
pois era muito caro e dificultoso/burocrático
se casar. Assim, o casal acabava vivendo
junto. Assim, além de concebidas pela
dificuldade financeira das partes, as uniões
ilícitas podem ser vistas como uma forma de
resistência ao sistema escravista, como
notou a historiadora Romilda de Oliveira
Alves:
Os relacionamentos instáveis podem
ser vistos como uma atitude de
resistência de alguns escravos e
libertos contra a sociedade que os
oprimia; cativos e descendentes
evitavam
seguir
as
normas
estabelecidas
pelas
autoridades
coloniais,
vivendo
em
uniões
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 79-82, agosto-dezembro, 2011.
Souza (2011).
consensuais e passageiras que foram
responsáveis pelo alto índice de
ilegitimidade. (ALVES, 2006, p.49)
Ao longo de muitos anos, a visão que
se tinha da mulher na sociedade colonial era
de um ser frágil, que vivia nos recônditos do
lar, sem participar do sistema produtivo na
sociedade colonial. 24 Entretanto, por meio de
estudos, hoje já se sabe que o papel da
mulher não se restringia ao âmbito
doméstico, sendo que esta deveria muitas
vezes sair para trabalhar para o sustento do
lar, fosse ela da elite ou não.
QUEM ERAM AS MULHERES QUE
CHEFIAVAM FAMÍLIAS?
Segundo Donald Ramos, que estudou
os domicílios chefiados por mulheres em Vila
Rica no período da passagem do predomínio
da atividade mineradora para a agrícola, o
que propiciou a formação de domicílios
24
Certamente contribuíram para a formação
desta imagem da mulher passiva e submissa, os
viajantes que estiveram no Brasil em seu período
colonial e imperial. Muitas vezes estes afirmavam
que as mulheres viviam recolhidas em suas casas
e que não podiam sequer sair sozinhas. Atestam,
ainda, que quando da chegada de algum
estranho em casa, as mulheres se escondiam nos
quartos e de lá saíam apenas quando a visita
fosse embora. Certamente os viajantes usaram
de grande generalização ao fazerem tais
afirmações, considerando, em grande medida, as
mulheres que integravam a elite. Assim, acabam
por desconsiderar grande parte da sociedade, ou
seja, as mulheres pobres e as escravas, as quais
se destacaram por seu trabalho e atuação na
produção colonial e imperial. Para maiores
informações sobre estas discussões Ver: SAINTHILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias do
Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte:
Ed. Itatiaia, 1975, p.96; DIAS, Maria Odila Leite
da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no
século XIX. 2ª Edição. São Paulo: Brasiliense,
1995; SOARES, Carlos Eugênio Líbano.
Comércio, Nação e Gênero: as negras minas
quitandeiras no Rio de Janeiro (1835- 1900). In:
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS,
Hebe Maria & FRAGOSO, João (orgs.). Escritos
sobre história e educação. Homenagem a Maria
Yedda Leite Linhares. Rio de Janeiro:
Maud/FAPERJ, 2001; FIGUEIREDO, Luciano R.
O avesso da memória: cotidiano e trabalho da
mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 1993.
chefiados por mulheres foi a emigração da
população masculina para zonas de
fronteiras agrícola, a alta percentagem da
população feminina e as exigências
burocráticas da Igreja para se casar.
O número de fogos chefiados por
mulheres, com o tempo tornou-se expressivo.
Segundo Eni Mesquita, em 1836, 1/3 dos
domicílios eram chefiados por mulheres em
São Paulo.
Nesse contexto, quem se destaca são
mulheres solteiras, viúvas ou com maridos
ausentes. Em sua pesquisa sobre a chefia de
domicílios em Minas Gerais no século XIX,
Cristiane Viegas de Andrade observou que
nos fogos chefiados por mulheres solteiras
viviam mulheres abandonadas e mesmo
aquelas casadas que tiveram seus maridos
afastados por necessidade econômica.
Segundo ela, enquanto os homens eram em
sua maioria casados (82, 39%), as mulheres
chefes são, em grande número, solteiras
(49,99%) e viúvas (40,72%). Essa diferença
no número de mulheres chefes de domicílio
também se diferencia quanto à cor. Ainda
segundo Viegas:
No total de mulheres chefes de
domicílio,
as
mestiças,
51,75%,
predominavam sobre as brancas,
28,70%. O estudo também mostra
16,78% de crioulas, e 2, 77% de
africanas como chefes (ANDRADE,
2001, p. 75-76)
Ao verificar que as mães solteiras
tinham em média menos filhos que as
casadas, e que viviam em casas menores,
Donald Ramos diz ser uma indicação de que
as solteiras pertenciam a uma classe sócioeconômica mais baixa do que as casadas.
Assim, as mães solteiras chefiavam fogos
menores do que aqueles domicílios de
mulheres que são ou foram casadas.
COMO VIVIAM?
A economia dessa época era
diversificada e dinâmica. Tomando como
exemplo Minas Gerais, especificamente
Mariana, Romilda de Oliveira Alves comenta:
Trata- se, como se vê, de uma
economia dinâmica e centrada nas
atividades agropecuárias coexistindo
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 79-82, agosto-dezembro, 2011.
Souza (2011).
com uma insistente mineração de ouro
e pedras preciosas. Consideram-se,
ainda,
dentre
estas
atividades
diversificadas, os trabalhos artesanais
e produção de ferros nas forjas
domésticas da região de Mariana.
(ALVES, 2006. p.33)
Dentro dessa sociedade de economia
diversificada, mulheres pobres, escravas e
forras muito contribuíram.
A autora Laura de Mello e Souza, ao
observar a região de Minas Gerais no século
XVIII, verificou que quanto as mulheres forras
e escravas e mulheres solteiras chefes de
família, o exercício da prostituição como
renda complementar de seus lares, foi
comum. O alto índice de prostitutas pode ser
associado a pobreza mineira da época. De
fato, a prostituição era exercida por mulheres
solteiras, porém também foi por quem tinha
uma família estruturada. Nas palavras de
Romilda Alves
A prática do meretrício chegou
inclusive a invadir o tecido familiar,
havendo pais que consentiam a
prostituição da prole e mães que
dividiam o mesmo ofício com as filhas.
A concessão de lares para a prática de
delitos sexuais e prostituição às vezes
tornava-se um meio de sobrevivência
de parte da sociedade colonial.
(ALVES, 2006, p.37)
No que diz respeito ao comércio, destacamse as “negras de tabuleiro”. Em sua maioria
eram escravas e libertas que se dedicavam
ao comércio ambulante, sendo que algumas
chegavam a ser proprietárias de venda.
Dentro das minas, os principais produtos
vendidos eram a cachaça, doces, bolo e mel.
Entretanto, muitos foram os alvarás de
tentativa de impedir a presença destas nas
áreas de mineração, lavras, morros ou
aluviões. Para as autoridades, as vendas e
as negras de tabuleiro representavam um
perigo de desvio das normas. “Tais
autoridades, acusavam as mesmas pelos
desvios do ouro, diamantes, dos jornais dos
escravos e por provocarem brigas e conflitos
nas áreas de mineração”(ALVES, 2006, p.
38).
Vale destacar que muitas mulheres
alcançavam mobilidade social e econômica
por meio desse comércio.
Outra atividade utilizada por mulheres para o
sustento do lar foi a produção doméstica de
fios. No Brasil Colônia, a maior parte das
mulheres se ocupava em atividades do setor
têxtil, como fiandeiras, tecelãs, rendeiras e
costureiras. Isso acabou contribuindo para a
construção de uma indústria têxtil em Minas,
por exemplo. Segundo Carla Almeida:
Pela lista nominativa de Catas Altas,
constatamos que 34,4% dos chefes de
domicílio deste distrito se dedicavam a
algum tipo de atividade ligada a
indústria têxtil (de 352 chefes do
domicílio, 74 eram fiandeiras, 13
tecedeiras, 2 rendeiras, 15 costureiras
e 17 alfaiates). Portanto, a “indústria
têxtil” era já neste momento bastante
significativa no contexto da economia
mineira. (ALMEIDA, 1994, p.92)
Nesse contexto, ainda eram encontrado
mulheres livres e escravas desenvolvendo
atividades em teares rudimentares e tecendo
e fiando algodão, tanto para uso familiar,
quanto para fins comerciais. Sendo que,
atividades em sítios e fazendas exercidas por
mulheres não era incomum. Nas palavras de
Francisco Eduardo Andrade
(...), especialmente as mulheres livresesposas, filhas, agregadas-, com suas
escravas ou não, e, sobretudo aquelas
com poucas posses, dividiam a lida
cotidiana doméstica entre cozinhar,
lavar, tecer, cuidar dos pequenos
animais (galinhas e porcos) e da horta,
trabalhar no beneficiamento de gêneros
agrícolas. Mas, certamente, a fiação e
tecelagem se destacavam, devido aos
rendimentos que auferia ao grupo
familiar. (ANDRADE, 1998, p. 125)
CONCLUSÃO
Contudo, com o que foi apresentado,
podemos perceber que ao longo da História,
um grupo sempre foi negligenciado pela
historiografia, mulheres pobres, escravas e
forras. Entretanto, estas tiveram grande
destaque
na
sociedade
colonial,
principalmente na contribuição econômica.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 79-82, agosto-dezembro, 2011.
Souza (2011).
Estas mulheres exerceram variadas
ocupações, como vendedoras, costureiras,
fiandeiras e também prostituição. O que vale
destacar é a situação econômica de tal
época que propiciou a chefia de mulheres de
domicílios, sendo que em períodos de crise
aparece um maior número de chefia
feminina, podendo ser estas mulheres
mulatas, negras e também brancas.
As atividades exercidas por essas
mulheres foram diversificadas, e foi por meio
delas que muitas mulheres obtiveram
recursos para o sustento do seu lar.
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136).
Pensar Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 5, n. 2, p. 79-82, agosto-dezembro, 2011.
Download

Pensar Acadêmico – Ano 3 – Número 2