36 Diário Económico Sexta-feira 28 Maio 2010
CONFERÊNCIA O VALOR ECONÓMICO DO GRÁTIS
Empresários debatem
o modelo de negócio
“grátis” na economia
A Economia ‘Free’ é viável uma vez que a infra-estrutura digital está disponível
de graça. Existem muitas empresas que tem lucros com produtos gratuitos.
Sara Piteira Mota
[email protected]
“Free”. A noção de gratuito é
uma das regras mais básicas da
economia, mas é preciso saber
usá-la. A palavra ‘free’ move
hoje multidões, principalmente, no mundo digital. Para Chris
Anderson, a economia ‘Free’ é
viável uma vez que a infra-estrutura digital está disponível
de graça. O e-mail de empresas
como a Google e a Yahoo! são a
prova “viva” desse mundo digital ‘free’. “Os consumidores
amam coisas grátis e o mercado
criado pelo grátis pode gerar
muito dinheiro”, defendeu o director da Wired Magazine, Chris
Anderson, na conferência ‘Building Business Value with Technology’ realizada ontem, em
Lisboa, pela Novabase em parceria com o Diário Económico.
Hoje são muitas as empresas
– tais como o Facebook, Google,
YouTube – que oferecem os seus
produtos/serviços e que na verdade estão a ganhar muito dinheiro. “A Google e a Nokia disponibilizam GPS (serviço de
navegação grátis) nos seus telemóveis. Nestas aplicações podem não ganhar dinheiro, mas
fazem-no porque é uma forma
de atrair mais clientes para os
seus verdadeiros negócios”,
acrescenta Chris Anderson. Já o
Facebook conta hoje com 400
milhões de utilizadores e nenhum paga para aceder ao ‘site’. Os modelos de negócios
que surgiram a preço zero, nos
últimos anos, são uma realidade impossível de ignorar. “O
grátis irá revolucionar a economia, o marketing e a sociedade.
Agora, a questão central é saber
que uso lhe dar?”, alerta Chris
Anderson.
É preciso tentar compreender este modelo de negócio e
adaptá-lo ao mundo físico. José
Ferreira Machado, director da
Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa
adianta que “o grátis liberta-nos para utilizar outras coisas.
A beleza do gratuito revela-se
no modo como nos permite
multiplicar os nossos serviços.”
Na verdade uma das grandes
conclusões a que se chegou foi
que “não existem almoços grá-
“Os consumidores
amam coisas grátis
e o mercado criado
pelo grátis pode gerar
muito dinheiro”,
defendeu o director
da Wired Magazine,
Chris Anderson.
REGRAS DE CHRIS ANDERSON
● Se é digital, mais cedo ou mais
tarde será gratuito.
● Os ‘atoms’ também querem ser
gratuitos, mas não totalmente.
● Não é possível parar
a revolução “grátis”.
● É possível fazer dinheiro
a partir do “grátis”.
● Redefina seu negócio.
● Se o negócio vai ser grátis,
seja o primeiro a oferecê-lo.
● Mais cedo ou mais tarde vai ter
de competir contra o “grátis”.
● Saiba como tirar partido
daquilo que é desperdiçado.
● Toda a abundância cria uma
nova escassez. Encontre-a.
● Administre a abundância,
não a escassez de recursos.
tis”, alguém há-de pagar a
conta. Paulo Azevedo defende
que este modelo de negócio já
existia no mundo físico, mas
que é mais difícil aplicá-lo. Porém, o presidente executivo da
Sonae SGPS realça que “de facto, o mundo digital massificou
o gratuito. E a perspectiva será
para que cada vez haja mais
negócios e cada vez mais inovadores.” A Sonae constrói
centros comerciais que podem
custar 400 milhões de euros e
também aí oferece alguns serviços, tais como bons acessos,
parque de estacionamento grátis, espaços de lazer e outros.
Paulo Azevedo destacou que na
sua actividade o gratuito também está presente, mas que
“este tipo de negócio exige que
sejamos mais criativos e que
saibamos como utilizar a tecnologia aliando-a àquilo que é
a nossa área de negócio.”
Também a administração
pública tem a lucrar com a utilização de meios tecnológicos.
Pedro Silva Pereira, ministro
da Presidência, defende que “a
tecnologia suscita novas oportunidades. E a economia portuguesa tem que encontrar
forma de as potencializar internacionalmente. Esta atitude
é decisiva.”
O Plano Tecnológico trouxe
uma verdadeira evolução a Portugal. Em poucos anos “Portugal passou da 16ª posição para a
1ª em termos de sofisticação e
disponibilidade dos serviços
on-line”, acrescentou o ministro. É hoje significativo o contributo que o Plano Tecnológico
trouxe para a reforma da Administração Pública portuguesa.
Aliás, o ministro realçou que,
com as medidas tecnológicas
que já implementou, “Portugal
conseguiu poupar 80 milhões
de euros (contabilizando apenas
quatro ou cinco medidas).” Por
exemplo, actualmente o serviço
‘Empresa na Hora’ permite criar
uma empresa em 36 minutos e
já foram criadas 11 mil empresas
através deste serviço. O desafio
futuro, quer para as empresas
quer para os governos, é saber
como aproveitar todas as ferramentas que têm disponíveis e
qual a melhor forma de as potenciar. ■
Pedro Silva Pereira,
ministro da Presidência
“A tecnologia suscita novas
oportunidades. E a economia
portuguesa tem que encontrar
forma de as potencializar
internacionalmente.”
Carlos Zorrinho, secretário
de Estado da Energia e Inovação
“Vivemos tempos de reinvenção.
O conhecimento e a tecnologia
são a base das empresas.
A mudança de atitude não
custa dinheiro.”
A conferência, promovida pela
Novabase e pelo Diário Económico,
contou com uma assistência
de cerca de 200 pessoas.
Os almoços
É preciso saber distinguir até
que ponto um produto é gratuito.
Sara Piteira Mota
[email protected]
“A verdadeira lição da nova economia é que 98% dos almoços
são grátis, e 2% são bem pagos”.
Foi assim que Carlos Zorrinho,
secretário de Estado da Energia
e da Inovação, começou a sua
intervenção na conferência
‘Building Business Value with
Technology’.
Carlos Zorrinho garante que
para sair da crise económica é
tudo “uma questão de atitude”. “Vivem-se tempos de
reinvenção. O conhecimento e
a tecnologia são a base das empresas, mas é preciso saber tirar o melhor partido deles”,
diz o secretário de Estado da
Sexta-feira 28 Maio 2010 Diário Económico 37
PONTOS-CHAVE
Empresas como o
Facebook ou a Google
criaram modelos de negócio
gratuitos mas estão a ganhar
muito dinheiro com o que
disponibilizam.
Há regras económicas
para redefinir os modelos
de negócio tendo em conta
a crescente massificação do
grátis, defende Chris Anderson,
autor do livro “Free”.
A infra-estrutura digital
está disponível de graça mas,
eventualmente, alguma coisa vai
custar dinheiro ao consumidor.
Os produtos ou serviços assentes
nessa plataforma
Paula Nunes
Chris Anderson,
director da revista Wired
“Ésta é a altura certa para
pensarmos num novo modelo
económico. Existem novas
empresas com modelos on-line que
estão a ser muito bem sucedidas.”
Luís Mira amaral,
CEO do Banco BIC Português
“O ’free’ é um termo perigoso,
pois podemos pensar que
estamos a pagar um determinado
produto e na verdade estamos
a pagar outro.”
José Ferreira Machado,
director da Faculdade de
Economia da Universidade
Nova de Lisboa
“O grátis liberta-nos para utilizar
outras coisas. A beleza do grátis
está no modo como é possível
multiplicarmos os serviços.
não são grátis. Há sempre alguém que paga
Energia e da Inovação.
Luís Mira Amaral, presidente
executivo do Banco BIC Português, alerta para o facto de o
“‘free’ ser um termo perigoso,
pois podemos pensar que estamos a pagar uma coisa e na verdade estamos a pagar outra”. No
entanto, o presidente executivo
do Banco BIC Português diz não
ter dúvidas de que a era digital
permite-nos ser mais imaginativos e criar mais negócios.
Actualmente, é possível ver
imensas empresas a registarem
lucros astronómicos através de
‘software’ grátis, música grátis,
notícias grátis, educação grátis,
telemóveis grátis, passagens aéreas grátis, etc. “Casos como
Wikipedia, Linux, blogues e outras comunidades e redes sociais, onde milhares prestam
serviços sem ganhar dinheiro
Actualmente é
possível ver imensas
empresas a
registarem lucros
astronómicos com
software grátis,
música grátis,
notícias grátis,
educação grátis,
telemóveis grátis,
passagens aéreas
grátis, etc.
em troca... não seriam indícios
de grandes mudanças?”, refere
Chris Anderson, director da Wired Magazine.
Chris Anderson cita no seu
livro - “Free - The Future of a
Radical Price”- 50 modelos de
negócios gratuito, que se enquadram em seis categorias.
“No Freemium os produtos/serviços simples são grátis,
mas paga-se pela versão ‘premium’ com recursos adicionais. Tais como software e serviços de Internet, e alguns tipos de conteúdos. Pode ser limitada por tempo de utilização, por menos recursos, por
número de licenças ou por tipo
de utilizadores”, explica o director da Wired Magazine. Os
principais argumentos que Anderson utiliza é que os custos
de armazenamento, distribui-
ção e divulgação no mundo digital estão a caminhar rapidamente para o “zero”.
Porém, às vezes o cliente
pode sentir-se defraudado com
um produto/serviço que compra, pois nem sempre aquilo que
parece ser o é realmente. Chris
Anderson diz que “sempre que
vejam a palavra grátis sugiro que
tenham atenção se conseguem
perceber onde a empresa está a
fazer dinheiro. Se não perceberem vão ver que, afinal, a empresa está a fazer dinheiro convosco.” Um exemplo clássico é do
Flickr que oferece até 200 fotos
gratuitamente e, para os utilizadores mais avançados, disponibiliza a versão ‘premium’ paga.
Paulo Azevedo defende que “a
tecnologia por si só não chega.
Vamos ter que ser mais criativos.
É um desafio complexo.” ■
Paulo Azevedo,
CEO da Sonae SGPS
“A tecnologia por si só não chega.
Vamos ter que ser mais criativos.
É um desafio complexo. O mundo
digital massificou o gratuito. E a
perspectiva aponta para que cada
vez haja mais negócios.”
Rogério Carapuça,
presidente da Novabase
“Há muitas experiências a
acontecer em muitos sectores.
Mas é preciso repensar os
negócios que temos hoje e
encontrar novas oportunidades.”
38 Diário Económico Sexta-feira 28 Maio 2010
CONFERÊNCIA O VALOR ECONÓMICO DO GRÁTIS
ENTREVISTA CHRIS ANDERSON Director da Wired Magazine e especialista em tecnologia
“As comunicações móveis ainda
podem desenvolver-se muito”
Especialista em tecnologia diz que a próxima revolução vai ter como foco a Medicina.
Paula Nunes
Cátia Simões
[email protected]
Perdeu o voo de ligação para Lisboa e só aterrou perto das 8h da
manhã, uma hora antes do início
da conferência do Diário Económico. Chris Anderson, director
da revista tecnológica “Wired”,
autor de dois livros – “The Long
Tail” e “Free: The Future of a Radical Price” –, passou a noite sem
dormir mas, depois da sua intervenção sobre a teoria do valor
económico do ‘free’ – gratuiro
(ver página anterior) –, o especialista ainda teve energia para
conversar com o Diário Económico sobre a evolução no mercadas telecomunicações móveis e o
ter-se tornado natural estar sempre ligado à Internet.
Chris Anderson, autor de
“Free: o Futuro é Grátis”,
é fã de sistemas operativos
abertos: o seu telemóvel
é o Nexus One, da Google.
Qual será a próxima grande evolução tecnológica?
As comunicações móveis. Primeiro tivemos o telemóvel, agora
temos ‘smartphone’, que é uma
plataforma muito poderosa, com
GPS, sensores, câmaras… Acho
que as comunicações móveis ainda podem desenvolver-se muito.
A outra vertente é a Medicina. A
Medicina pode usufruir muito da
tecnologia e com a troca de informações, apesar de isso ainda ser
muito caro.
Como é que o conceito do seu livro se adapta à realidade e aos
dias de hoje, em que vivemos
uma crise económica?
Esta tendência do grátis tem-se
verificado nos últimos anos. O
que está na internet tem preço
zero. Esta ideia já está provada.
Num contexto de crise, “zero” é
um preço muito bom para os
consumidores, mas é preciso
tentar perceber como é que se
pode ganhar dinheiro com isso.
Antes era através da publicidade
mas, actualmente, não há muitos anunciantes. A resposta é o
“freemium”, ou seja, ter 5% a
10% dos consumidores a pagar
um determinado produto, porque o usam de forma muito intensiva e os restantes 90% a
95%, que acedem pontualmente, poderem tê-lo de graça. Tem
é de se tratar os consumidores
de forma diferenciada. E o preço
pode variar.
Alguns oradores defenderam a
necessidade de alterar os modelos de negócio para esta realidade. Concorda?
Não acho que as empresas tenham de deitar fora os actuais
modelos. As empresas já começaram a aderir ao gratuito, seja
nas amostras ou no ‘pague um
leve dois’. Há oportunidades para
todas participarem. Quando se
transformam produtos em
software então pode ter-se acesso gratuito. As agências de viagens, por exemplo, apoiavam-se
sobretudo em equipas de pessoas. Agora usam software, tornando-se grátis. Acho que todas
as empresas têm de pensar no
que podem fazer, sem custos,
através do software.
Vivemos numa realidade onde
estamos sempre ‘online’, na in-
também físicos, porque gosta de
os ter nas estantes, de os ler em
papel ou de os oferecer e, por fim,
os que não lêem de todo. Acho
que a combinação do digital e do
físico é o ideal. Os livros digitais
vão passar a fazer parte do modelo de negócio mas os livros físicos
não vão desaparecer. Podem tornar-se mais raros mas vão continuar connosco por muito tempo.
No caso dos ‘smartphone’ temos empresas como a Google e
a Microsoft, ou até a Apple, a
apostar neste mercado. Estão a
tentar apanhar a onda da mobilidade?
A Microsoft está neste mercado
há cerca de uma década. A Google… eu tenho um telemóvel
Google, um Nexus One (mostra
o telefone). Acho que a Google, a
Apple e outras empresas que não
são naturalmente de telemóveis
vão ter a possibilidade de redefinir o que um telemóvel pode ser.
Actualmente, são poderosos
computadores que estão ligados
à Internet. E há a vantagem da
plataforma. Todos podem desenvolver aplicações para este
equipamento e usá-lo como se
fosse um computador.
“
Para as pessoas
com menos de
30 anos é natural
estarem sempre
ligadas à Internet.
Temos de saber
encontrar o equilíbrio
na utilização.
Etv
Veja a entrevista
na integra no
canal 200 da ZON
ternet, no telemóvel, nas redes
sociais. As pessoas estão preparadas para esta transformação?
Há uma diferença de gerações.
Para as pessoas com menos de 30
anos parece perfeitamente natural estar sempre ligado à Internet.
Acho que cada um de nós tem de
saber encontrar o equilíbrio de
utilização, por exemplo, não levando o telemóvel nas férias. Por
outro lado, pode-se trabalhar a
partir de casa. Está-se sempre
contactável e a mobilidade é
muito maior.
Estamos dependentes de tecnologia?
A resposta teria de ser… sim. Mas
isso não é, necessariamente, uma
coisa má.
Com esta moda em torno do
iPad da Apple e dos ‘tablet’ e ‘e-
reader’ os media tenderão a desaparecer do meio físico para o
digital?
Acho que alguns media tradicionais vão desaparecer, mas a
maioria vai adaptar-se. No iPad
podemos comprar os conteúdos
que queremos e aceder a alguns
outros grátis, ou seja, aplica-se o
‘freemium’. E podemos ter, além
da publicidade, aplicações que
pagamos. Vejo, nas receitas, uma
divisão de 60% na publicidade e
40% nas aplicações.
E as editoras, como é que se podem adaptar-se a estes novos
dispositivos criados para ler livros e jornais? Vamos deixar de
ter livros físicos?
Não há provas disso. Há três tipos
diferentes de consumidores: um
que consome livros digitais, outro
que compra livros digitais mas
Então acredita em sistemas operativos abertos?
A história do mundo mostra-nos
que esse é o caminho. Porque nós
não conseguimos prever o que é o
futuro. E ter uma plataforma que
suporte todo o tipo de aplicações
e mudanças e onde todos possam
colaborar é o ideal.
Qual é o elemento mais revolucionário na web neste momento?
Temos apostado pouco na questão
da localização, como os sistemas
de GPS. Estou à espera de ver
como se desenvolverá esse mercado. Mas acho que neste momento não há nada de muito novo
na internet. Estou mais interessado no lado do equipamento.
Hardware em vez de software?
Hardware que promova o desenvolvimento do software. ■
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