[realidade virtual]
mundo
online
Quando a diversão dos jogos de
RPG se transforma em um vício
[texto: Gilberto
O
Dutra]
s computadores estão
cada dia mais presentes em nossas vidas.
Cresce pela cidade o número
de cyber-cafés e lan houses,
locais onde se pode acessar a
internet. Para quem quer comodidade, os preços dos computadores estão mais acessíveis. Junto com a diversão de
poder participar de jogos online, existe o fascínio do “mundo virtual”. Na Tailândia e Co-
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[arte de Diego
Senger sobre foto de Daniela Villar]
réia do Sul, jovens morreram
após ficarem mais de 30 horas
em frente ao computador. No
Brasil, ocorreu outro caso sério, um garoto de 16 anos matou seu amigo após uma briga
por causa de um jogo de RPG
online.
Quando Andreia Vilela percebeu que o filho Iago passava muito tempo na frente do
computador, procurou saber o
que estava fazendo. Ele brin-
cava em um jogo de RPG online, um mundo virtual na internet. Parecia um passatempo
ingênuo, mas o garoto que na
época tinha 14 anos começou
a trocar as noites de sono pelo
computador. “Eu começava e
não conseguia parar”, lembra
Iago. Preocupada, após uma
conversa com o filho, Andreia
começou a colocar limites.
“Ele podia jogar no máximo
duas horas”, explica a mãe.
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Os amigos também participavam do jogo. Um deles chegava a matar a aula para ficar
em uma lan house perto da escola. Acabou perdendo o ano letivo. Quando eles se reuniam, a
conversa era sobre o RPG online. Passavam o fim de semana no computador. Após dois
anos, alguns amigos ainda continuam jogando. Agora, com 16
anos, Iago prefere namorar e
praticar esportes.
Andréia acredita que existem fases na vida, mas que os
pais devem ter o controle das
atividades dos filhos. As conversas e os limites impostos
por ela fizeram o filho voltar à
vida real. Mas Iago acrescenta
um fator importante para sua
decisão de parar. Ele se considerava “muito ruim”, não sabia
jogar direito e isso o ajudou a
desistir.
Senhor de Balera
Jonatan Santos da Silva, com
apenas 21 anos, era conhecido
por “Jack Walker”, um Knight,
guerreiro com um excelente
escudo e hábil no manuseio da
espada. Era o mais forte e, com
isso, senhor da cidade de Balera, onde mantinha a paz com
ajuda da sua Guild, grupo de
amigos e pessoas de sua confiança. Essa realidade é possível no mundo de Tíbia, um
jogo estilo RPG, onde pessoas
de todo mundo participam com
seu Char, personagens criados
pelos jogadores para aventurarse nesse mundo virtual.
Jonatan jogou Tíbia por
três anos. Nesse tempo, explica que chegou a deixar de sair
e se afastou dos amigos. “Era
só o computador direto!”, diz.
Mudou toda sua rotina para
se adaptar ao jogo. Começou a
dormir a meia-noite e acordava
às 6h para ser um dos primei-
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ros a se conectar ao servidor
de Tibia e assim ter privilégios
no mundo virtual. O que ele
considerava um “jogo ridículo,
com gráficos péssimos”, depois
que aprendeu a jogar, se tornou
um vício. Chegou a ficar 24 horas direto no computador, sem
dormir.
Durante um tempo, ele e
seu irmão, Márcio, jogaram
com seu personagem para torná-lo o mais forte do servidor.
Para conseguir esse objetivo,
se revezavam em turnos de
12 horas cada, mantendo o jogador sempre online. Jonatan
costumava ficar com o turno da
noite. Esse processo era proibi-
do no Tíbia, mas como outros
usuários faziam, tornou-se uma
questão de sobrevivência para
os irmãos no mundo virtual.
Na realidade de Tíbia, existia um grupo de pessoas que
dominavam a cidade por serem
os mais fortes. Os melhores locais para caçar e treinar eram
proibidos para outros jogadores.
Era a lei do mais forte retratada no mundo virtual. Quem
ousasse ultrapassar esses limites, poderia até ser morto por
eles. Essa ação é conhecida por
PA (Abuso de Poder).
Quando Márcio e Jonatan
começaram a jogar, tiveram diversas vezes seus personagens
assassinados e seus pertences
roubados. Decidiram, então,
ser o mais forte da cidade.
Márcio vendeu seu char por R$
400 e continuaram apenas com
o personagem do Jonatan. Em
um ano, dominaram o servidor
e tinham uma cidade só para
eles. “Sendo um jogador forte,
ninguém iria querer desafiar,
mas sim juntar-se a nós”, explica Marcio.
Ordem na cidade
No tempo em que “Jack
Walker”, personagem que os irmãos jogavam, era o mais forte
do servidor, a cidade de Balera
tornou-se um lugar tranqüilo
para outros jogadores. Marcio
e Jonatan criaram uma guild
só com amigos e pessoas de
confiança. Eles proibiram PA
com outras pessoas, mantendo a ordem e a paz na cidade.
Tratavam com diplomacia cada
caso de desobediência de suas
leis, mas, se fosse preciso, utilizavam a força para manter a
calma no local.
Márcio parou de jogar Tíbia
antes de seu irmão, em razão
de ter começado a trabalhar e
por causa do jogo, que sofreu
alterações, o que o desanimou.
Jonatan continuou jogando
por mais um tempo e, quando
resolveu parar, também quis
vender seu char, que na época
era o mais forte da cidade. Era
proibida a venda no jogo, então
anunciou em sua página pessoal na Internet. Após o contato
de alguns interessados, acabou
vendendo o personagem para
um paulista pelo preço de R$
5.000, depositados em sua
conta no mesmo dia.
Mesmo depois de parar de
jogar, continuou lucrando com
o jogo, vendendo o material
adquirido nos três anos que
jogou. Jonatan não acredita ser
um precursor da venda de char
de Tíbia, mas tem a consciência de que o comércio na rede
ficou mais intenso.
Por mais que tenha aprendido inglês, feito novos amigos
e comprado um computador
com o dinheiro da venda de seu
personagem, Jonatan confessa
que o jogo foi perda de tempo.
“Poderia ter aproveitado minha
vida com meus amigos na rua e
em festas!”, afirma. Depois de
toda sua experiência no mundo virtual, avisa que, se tivesse um filho, não deixaria jogar
Tíbia. Hoje Jonatan apenas se
diverte no computador e evita
jogos tipo RPG, que ele considera “viciantes”.
É o que pensava Carlos Alberto da Silva, pai dos irmãos
Márcio e Jonatan. Ele explica
que não adiantava falar, que
chegou a deixar cortar a Internet. Considerava semelhante à
dependência de drogas. Lembra que tinha dias que Jonatan
não comia, porque não dava
tempo. Passava 24 horas no
computador. Carlos concorda
com todas as declarações de
seu filho e tem consciência de
que, infelizmente, ele perdeu
de viver. “É um tipo de jogo
que eu não aconselharia pai
nenhum a deixar seu filho jogar!”, resume Carlos Alberto.
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