[realidade virtual] mundo online Quando a diversão dos jogos de RPG se transforma em um vício [texto: Gilberto O Dutra] s computadores estão cada dia mais presentes em nossas vidas. Cresce pela cidade o número de cyber-cafés e lan houses, locais onde se pode acessar a internet. Para quem quer comodidade, os preços dos computadores estão mais acessíveis. Junto com a diversão de poder participar de jogos online, existe o fascínio do “mundo virtual”. Na Tailândia e Co- 102 | novembro/2008 | primeira impressão| [arte de Diego Senger sobre foto de Daniela Villar] réia do Sul, jovens morreram após ficarem mais de 30 horas em frente ao computador. No Brasil, ocorreu outro caso sério, um garoto de 16 anos matou seu amigo após uma briga por causa de um jogo de RPG online. Quando Andreia Vilela percebeu que o filho Iago passava muito tempo na frente do computador, procurou saber o que estava fazendo. Ele brin- cava em um jogo de RPG online, um mundo virtual na internet. Parecia um passatempo ingênuo, mas o garoto que na época tinha 14 anos começou a trocar as noites de sono pelo computador. “Eu começava e não conseguia parar”, lembra Iago. Preocupada, após uma conversa com o filho, Andreia começou a colocar limites. “Ele podia jogar no máximo duas horas”, explica a mãe. | novembro/2008 | primeira impressão| 103 [realidade virtual] Os amigos também participavam do jogo. Um deles chegava a matar a aula para ficar em uma lan house perto da escola. Acabou perdendo o ano letivo. Quando eles se reuniam, a conversa era sobre o RPG online. Passavam o fim de semana no computador. Após dois anos, alguns amigos ainda continuam jogando. Agora, com 16 anos, Iago prefere namorar e praticar esportes. Andréia acredita que existem fases na vida, mas que os pais devem ter o controle das atividades dos filhos. As conversas e os limites impostos por ela fizeram o filho voltar à vida real. Mas Iago acrescenta um fator importante para sua decisão de parar. Ele se considerava “muito ruim”, não sabia jogar direito e isso o ajudou a desistir. Senhor de Balera Jonatan Santos da Silva, com apenas 21 anos, era conhecido por “Jack Walker”, um Knight, guerreiro com um excelente escudo e hábil no manuseio da espada. Era o mais forte e, com isso, senhor da cidade de Balera, onde mantinha a paz com ajuda da sua Guild, grupo de amigos e pessoas de sua confiança. Essa realidade é possível no mundo de Tíbia, um jogo estilo RPG, onde pessoas de todo mundo participam com seu Char, personagens criados pelos jogadores para aventurarse nesse mundo virtual. Jonatan jogou Tíbia por três anos. Nesse tempo, explica que chegou a deixar de sair e se afastou dos amigos. “Era só o computador direto!”, diz. Mudou toda sua rotina para se adaptar ao jogo. Começou a dormir a meia-noite e acordava às 6h para ser um dos primei- 104 | novembro/2008 | primeira impressão| ros a se conectar ao servidor de Tibia e assim ter privilégios no mundo virtual. O que ele considerava um “jogo ridículo, com gráficos péssimos”, depois que aprendeu a jogar, se tornou um vício. Chegou a ficar 24 horas direto no computador, sem dormir. Durante um tempo, ele e seu irmão, Márcio, jogaram com seu personagem para torná-lo o mais forte do servidor. Para conseguir esse objetivo, se revezavam em turnos de 12 horas cada, mantendo o jogador sempre online. Jonatan costumava ficar com o turno da noite. Esse processo era proibi- do no Tíbia, mas como outros usuários faziam, tornou-se uma questão de sobrevivência para os irmãos no mundo virtual. Na realidade de Tíbia, existia um grupo de pessoas que dominavam a cidade por serem os mais fortes. Os melhores locais para caçar e treinar eram proibidos para outros jogadores. Era a lei do mais forte retratada no mundo virtual. Quem ousasse ultrapassar esses limites, poderia até ser morto por eles. Essa ação é conhecida por PA (Abuso de Poder). Quando Márcio e Jonatan começaram a jogar, tiveram diversas vezes seus personagens assassinados e seus pertences roubados. Decidiram, então, ser o mais forte da cidade. Márcio vendeu seu char por R$ 400 e continuaram apenas com o personagem do Jonatan. Em um ano, dominaram o servidor e tinham uma cidade só para eles. “Sendo um jogador forte, ninguém iria querer desafiar, mas sim juntar-se a nós”, explica Marcio. Ordem na cidade No tempo em que “Jack Walker”, personagem que os irmãos jogavam, era o mais forte do servidor, a cidade de Balera tornou-se um lugar tranqüilo para outros jogadores. Marcio e Jonatan criaram uma guild só com amigos e pessoas de confiança. Eles proibiram PA com outras pessoas, mantendo a ordem e a paz na cidade. Tratavam com diplomacia cada caso de desobediência de suas leis, mas, se fosse preciso, utilizavam a força para manter a calma no local. Márcio parou de jogar Tíbia antes de seu irmão, em razão de ter começado a trabalhar e por causa do jogo, que sofreu alterações, o que o desanimou. Jonatan continuou jogando por mais um tempo e, quando resolveu parar, também quis vender seu char, que na época era o mais forte da cidade. Era proibida a venda no jogo, então anunciou em sua página pessoal na Internet. Após o contato de alguns interessados, acabou vendendo o personagem para um paulista pelo preço de R$ 5.000, depositados em sua conta no mesmo dia. Mesmo depois de parar de jogar, continuou lucrando com o jogo, vendendo o material adquirido nos três anos que jogou. Jonatan não acredita ser um precursor da venda de char de Tíbia, mas tem a consciência de que o comércio na rede ficou mais intenso. Por mais que tenha aprendido inglês, feito novos amigos e comprado um computador com o dinheiro da venda de seu personagem, Jonatan confessa que o jogo foi perda de tempo. “Poderia ter aproveitado minha vida com meus amigos na rua e em festas!”, afirma. Depois de toda sua experiência no mundo virtual, avisa que, se tivesse um filho, não deixaria jogar Tíbia. Hoje Jonatan apenas se diverte no computador e evita jogos tipo RPG, que ele considera “viciantes”. É o que pensava Carlos Alberto da Silva, pai dos irmãos Márcio e Jonatan. Ele explica que não adiantava falar, que chegou a deixar cortar a Internet. Considerava semelhante à dependência de drogas. Lembra que tinha dias que Jonatan não comia, porque não dava tempo. Passava 24 horas no computador. Carlos concorda com todas as declarações de seu filho e tem consciência de que, infelizmente, ele perdeu de viver. “É um tipo de jogo que eu não aconselharia pai nenhum a deixar seu filho jogar!”, resume Carlos Alberto. | novembro/2008 | primeira impressão| 105