1 Caso Clínico página 9 Curso: Especialização em Gestalt Grupo: 24 – Módulos mensais Profª Marisete Malaguth Mendonça [email protected] Período da Disciplina: Outubro de 2013 a Maio de 2014 O DIAGNÓSTICO CLÍNICO NA GESTALT TERAPIA “Nada de esplêndido jamais foi realizado, exceto por aqueles que ousaram acreditar que algo dentro deles era superior às circunstâncias." Bruce Barton (escritor americano – 1886-1967) A Tese do Holismo e Diagnóstico Clínico Holismo é a doutrina cuja afirmação é a de que nada acontece por acaso. Este conceito traz uma visão de mundo integrado, como um organismo. Trata-se de uma visão que se baseia na inter-relação e interdependência entre todos os fenômenos, sejam eles físicos, biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. A proposta holística é ver a realidade como uma rede eventos interligados. É o fundamento da ciência médica e das ciências humanas que consideram e abordam os fenômenos biológicos e psicológicos como totalidades irredutíveis à simples soma de suas partes. Este entendimento holístico dos eventos está em contraposição ao modelo mecanicista e reducionista ainda presente nas ciências naturais e humanas, em que seus componentes são tomados isoladamente. O corolário Organísmico Corolário desse princípio, isto é, a proposição que considero derivada dela, é a afirmação de que tudo o que produz o Organismo individual serve à uma necessidade, isto é, resulta das exigências da Totalidade desse mesmo Organismo A Tese do Diagnóstico neste ensaio: A pessoa faz o que precisa fazer, mesmo aquilo que é considerado doença ou patologia, para se ajustar à situação presente de modo a atender às suas necessidades tanto emergentes como as não resolvidas. Objetivo do Diagnóstico O diagnóstico em Gestalt-terapia objetiva, pois, definir fenomenologicamente este processo: como a pessoa está funcionando no momento e para quê funciona deste modo, a que necessidades atende. Para que ela precisa daqueles Sintomas. Está subentendido a esses questionamentos a crença de que o homem é um ser voltado ao futuro. As categorias nosográficas embora possam ser úteis, não são fundamentais para o trabalho terapêutico. Elas apenas lançam luz sobre o quanto o indivíduo está afastado do mundo comum, da intersubjetividade. Mas o que fazer exige adentrar no processo! Essa é a meta do DIAGNÓSTICO: É essencial perceber como a pessoa está funcionando! Qual o seu modo de ser atual. E para quê: a que servem esse os seus sintomas! (Não me refiro à consagrada e verdadeira descoberta de que os sintomas trazem vantagens secundárias ao cliente). Quero dar m passo além: refiro-me a uma teleologia: o sintoma como busca da evolução via a descoberta do sentido ou da significação! Considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações de todos os seres da realidade. 2 Caso Clínico página 9 Questões norteadoras O que pessoa está buscando com o seu sintoma? Ou com a sua crise? Ou com o seu comportamento desastroso, infelicitante, frustrado e repetitivo? A que serve o processo - para que aquilo está acontecendo? Para responder a isso é preciso olhar em que situação o fenômeno experiencial está acontecendo. Porque nem a própria pessoa sabe a que serve o seu Sintoma! Exemplo de sofrimento sintomático Querer emagrecer sem conseguir, o medo irrazoável e persistente, as manias de compras ou diversas outras, ou o excesso de irritabilidade ou agressividade, a insônia, a ansiedade paralisante ante situações que precisam ser enfrentadas, os conflitos interpessoais duradouros, repetitivos em várias situações com diferentes pessoas, ou intermináveis, com as mesmas pessoas, as angústias ou depressões explicáveis ou inexplicáveis que não são superadas, os sintomas psicossomáticos recorrentes, a insistência num relacionamento aparentemente insatisfatório ou mesmo destrutivo etc. Não estão ali por acaso... Por mais estranho que pareça a nossa racionalidade, são comportamentos e experiências necessárias para a pessoa no momento e no nível existencial em que ela está. Mas como não são agradáveis, pelo contrário, provocam profundo desconforto ou sofrimento, a pessoa quer eliminá-los o mais rápido possível! Os sintomas não são elementos externos e estranhos agregados arbitrariamente ao organismo como seres intrusos. Eles têm uma função aí São eles mesmos originados pelas estratégias de ajustamento criativo do próprio organismo à situação de conflito. Um possível entendimento, visando conciliar o impulso para a mudança com o impulso à conservação do status quo (da situação presente)...e como nada nesse mundo permanece o mesmo...aí começa a luta! Como se dá a interrupção dos Ajustamentos Criativos do homem ao mundo? O CICLO DO CONTATO: uma referência útil para O DIAGNÓSTICO NA PERSPECTIVA GESTÁLTICA: O ciclo do Contato ou da Experiência O enunciado deste importante pressuposto da Gestalt-terapia é que cada experiência se dá perfazendo naturalmente um Ciclo ou um Episódio de Contato completo. Este Ciclo, quando completo, se fecha, dando passagem ao nascimento ou à emergência da nova experiência (ou à nova figura) Interrupções: gestalten inacabadas Perls (1988) atribui a neurose ao acúmulo de “gestalten inacabadas”- necessidades interrompidas ou não satisfeitas, Isto é, sucessivas interrupções no fluxo natural de alternância entre figura e fundo. O convívio interpessoal A complexa índole de interdependência das interações humanas impede que o Ciclo de Contato se realize sempre de forma completa. É inevitável haver perturbações que provocam interrupções no seu curso, obstruindo o ajustamento criativo do individuo ao meio. É assim que surgem os Mecanismos de Interrupção. As energias dos complexos emocionais interrompidos são mantidas como fundo e estão sob o risco de serem revividas, de virem à tona a todo momento semelhante ao original. Porque tudo o que nasce e não morre precisa se desenvolver...Alguma experiências existem que são como flores passageiras cuja duração não passa de vinte e quatro horas e, mesmo interrompidas, não nos atribulam. Elas simplesmente “morrem”, isto é, sua energia se integra ao organismo. Mas existem aquelas potentes que 3 Caso Clínico página 9 são interrompidas. Em outras palavras, aquela experiência potente interrompida precisa passar à ação para finalizar seu Ciclo e nesse movimento então, vai se transformando em energia disponível para o crescimento da pessoa . Funcionamos como a natureza, porque somos a natureza. Não se trata de materialismo, mas do mesmo princípio espiritual das coisas. A misteriosa Dama da Noite que, como diz o nome, abre à noite e tem curta duração, murchando antes do amanhecer! A energia do Sintoma é a mesma energia da Cura! Os Sintomas não são a doença. Os Sintomas revelam a manifestação da energia interrompida! A Teleologia: o fim buscado Assim, o Terapeuta deve ver a queixa ou sintoma: como algo que tem uma função ali. E, essa função é a de conscientizar a pessoa sobre si mesma e sobre a sua relação com o meio. Conscientizá-la daquilo que precisa ser transformado no seu Ser. Visando o futuro... Na nossa perspectiva, o homem é dirigido ao futuro, como já dissemos. Tudo o que ele faz visa o seu autodesenvolvimento, ou a resolução daquilo que está impedindo este auto- desenvolvimento, a sua autorealização como ser único. E a auto-realização se dá pela ampliação da consciência! E o caminho é o experiencial –a awarenessO sintoma está dentro desse mesmo princípio funcional Ele está em relação com a totalidade, tem um sentido específico dentro dessa totalidade e é resultante da organização funcional de forças organísmicas, que é o princípio gerador do seu aparecimento fenomênico. A sabedoria Organísmica Essa tese vê o ser humano como sendo, no fundo, um ser detentor de profunda sabedoria organísmica (como todo ser vivo) Essa sabedoria é acessada na psicoterapia ou em qualquer situação de vida em que haja ampliação da auto-consciência Assim, o Diagnóstico entende o SINTOMA como o meio usado pelo Todo Organísmico para avisar que existem obstáculos na trajetória da sua transformação, que existe interrupção na energia necessária ao crescimento da pessoa em direção à sua maturidade. Função da Terapia Na terapia, nossa função é facilitar ao cliente que ele deixe ser o que está querendo ser, para que se feche a gestalt e enriqueça a sua totalidade com a nova experiência. Só sendo “o que É, pode haver mudança! Ninguém muda “o que Deveria Ser”. A gente só muda “o que É”. Exemplo elementar: “vamos mudar essa cadeira de lugar? Temos primeiro que lidar com a forma como o objeto está se apresentando! 4 Caso Clínico página 9 Assim, o mais importante que podemos fazer na terapia é criar um espaço de confiança-isto é, não acusatório - para que o cliente deixe ser aquilo que pressiona para ser. Um obstáculo: a imagem idealizada do Eu Um grande obstáculo à completação da experiencia é que com frequência tem-se que se passar pela dor do feio e do indigno para se alcançar o belo e o digno. E o homem se recusa a passar pelo feio e indigno, negando a sua existência, recusando a reconhecê-lo como parte inevitável das suas limitações humanas. O olhar atentivo Consequentemente, a Gestalt-terapia procura, antes de qualquer formulação diagnóstica, manter um olhar cuidadoso e concentrado nas experiências da pessoa do cliente. Não só CLIENTE precisa fazer contato! Mas igualmente o TERAPEUTA, não basta apenas saber, mas fazer contato com o vivido pelo cliente! Um longo, às vezes muito longo, e atento contato até “ouvir” o que os sintomas estão dizendo ... Porque a fala está impedida de dizer! Por que o ajustamento é interrompido? Por medo da reação do Outro ou por medo da própria energia destrutiva. A Abordagem Gestáltica, como vimos, não é uma clínica centrada na eliminação do sintoma, não visa a sua supressão. A tentativa do gestaltista é atingir o sintoma mediante a investigação e a compreensão do seu sentido no projeto organísmico O que é, se transforma quando pode ser. Ao ser atingido, o objetivo do qual o Sintoma é portador se transforma numa nova gestalt, mais adaptada aos interesses de crescimento da totalidade organísmica. A meta humana é a evolução, mas ela passa por várias etapas: reconhecer sua raiva, sua culpa ou sua inveja, seu medo ou a excentricidade do seu desejo, seu ressentimento ou sua vingança, sua dissimulação, seu egoísmo, sua falsidade ou sua covardia Toda a energia corporalmente retida precisa ser reconhecida pela consciência experiencial ou awareness da pessoa, para que ela possa passar ao patamar seguinte da evolução da seu singular destino humano A Cura passa pelo admitir nossos limites, pela nossa dificuldade de perdoar e de nos perdoar, pelo chorar nossa culpa, nosso medo ou nosso auto-centramento, desvencilhando-nos das ideologias aprisionadoras do movimento em direção à nossa Totalidade. Totalidade que jamais cansaremos de perseguir! É a lei da vida: o caminhar para a evolução de si mesmo. O Diagnóstico Processual (expressão cunhada por Lilian Meyer Frazão) Pergunta norteadora: O que essa pessoa está interrompendo a ponto de seu corpo precisar gritar com os seus sintomas? E como interrompe sua Gestalt? Eu priorizo “o que” pois a própria interrupção está sendo necessária naquele estágio onde se situa a pessoa. Podemos acessar até em pouco tempo: a interrupção, a figura energizada mais evidente. Mas o diagnóstico vai mudando de acordo com o processo atual do cliente.O que ele precisa fazer numa etapa da vida ou mesmo do trajeto terapêutico não é mais o que precisa noutra etapa. Á medida que o sujeito vai evoluindo (no dialeto terapêutico, vai processando as experiências), as exigências organísmicas também mudam. Mas sempre haverá um certo conflito, uma resistência ao impulso de mudança pelo impulso para a permanência, porque o novo é desconhecido e ansiogênico. Ainda não dominamos as estratégias comportamentais, nem atitudinais para lidar com o novo modo de estar no mundo. Por isso é preciso, como decretou Paul Tillich, “A Coragem de Ser” 5 Caso Clínico página 9 Suspensão dos aprioris Por isso, o terapeuta gestáltico deve ser treinado para seguir rigorosamente a prescrição fenomenológica de suspender qualquer apriori (conceitos prévios, conhecimento anterior ao que se apresenta agora à sua consciência), mesmo os aprioris clínicos (cunhei essa expressão quando descobri que eu mesma e meus supervisionados muitas vezes lidávamos com aprioris clínicos, oriundos das próprias informações trazidas pelo cliente e do seu próprio modo padrão de se apresentar na sessão). Ele, o terapeuta, deve aprender a atitude de observação com respeito quase sagrado à experiência do cliente, não apenas observação da sua fala e do seu comportamento. Uma escuta MEDITATIVA, isenta do tom acusatório. Só assim, e só assim, seu diagnóstico será processual e só assim este diagnóstico poderá refletir o sentido e a direção do modo- de-ser presente do seu cliente. A suspensão dos aprioris teóricos e clínicos Mesmo sem renunciar à teorização, essa prescrição é a atitude de respeito à inesgotável diversidade da realidade humana e de recusa a admitir que esta possa ser submetida e reduzida inteiramente à lógica do conceito. Esta é, sem sombra de dúvida, a razão por excelência do espírito da abordagem fenomenológica em psicoterapia. Estar atento à existência concreta e ao fato de as vivências extrapolarem todas as categorias que sobre ela lançam nossas Pesquisas, nossa Ciência e suas proposições ou nossas teses. Um alerta para ser ouvido! Não se está prescrevendo que devemos suportar estoicamente as dores intoleráveis e às vezes dilacerantes dos nossos sintomas mensageiros. O alerta é para que os ouçamos, mesmo que eventualmente tenhamos que abaixar o volume ensurdecedor com que às vezes tentam nos acordar! (abaixar via medicação, por exemplo) Seus gritos são um sinal de que não os ouvimos! Quando os escutarmos, eles não precisarão fazer tanto barulho! Obervação: “A questão da investigação do Ser (em Heidegger) leva em consideração a máxima da fenomenologia, do "ir às coisas elas mesmas quanto a máxima da "interpretação no horizonte da compreensão", proposta pela hermenêutica. Na terapia gestáltica a investigação da “coisa mesma” leva necessariamente à hermenêutica, isto é, à interpretação no “horizonte da compreensão”, que é o nosso diagnóstico (MM, 12 de Maio de 2014) Exemplificando com um Caso Clínico Rubens está há três meses em terapia. Tem 45 anos, é técnico em Enfermagem. Mora ainda com os pais. Nunca se casou, mas tem um filho de 8 anos com uma ex-namorada. Ainda sente raiva dessa namorada, pois ela o enganou, parando de tomar anti-concepcional e ficando grávida, sem o conhecimento dele. Ele insistiu que ela abortasse, mas a moça se recusou. Ele ficou muitos anos sem ver o filho e, só de três nos para cá começou a visitá-lo. E só o faz sob pressão do seu próprio pai, avô da criança, que lhe ameaçou assumir o neto se o filho se recusasse. Ante essa pressão, ele se sentiu injustiçado, queixando-se de que os pais não vêem o lado dele nessa história. Estava namorando outra moça há um ano, mas separou-se desta há pouco tempo, pois a mesma é separada, tem três filhos, dois deles adolescentes e ele não se sentia à vontade para opinar sobre a vida da mulher com os enteados. QUEIXA: A própria violência descontrolada 6 Caso Clínico página 9 Na 1ª sessão falou frequenta um psiquiatra, está medicado, pois fica muito descontrolado e agressivo no dia a dia. Deu como exemplo seu impulso no trânsito de bater nas pessoas. Há poucos dias quase bateu num senhor de idade, irritado com a má direção do homem. “Eu perco o controle! Se eu começasse a bater nele ia continuar até matá-lo!” Está muito nervoso com a mãe também, até chegou a quebrar o armário da casa. Conta que há uns dois anos, discutiu com um peão da fazenda vizinha, que fez uma cerca muito mal feita separando as duas propriedades e, este peão o destratou, insinuando que ele era um moleque. Quando ele deu conta de si, estava em cima do homem, com seu pai e o vizinho tentando segurá-lo e o homem ensanguentado, com o nariz quebrado, tendo que ser hospitalizado. MM: O que você percebeu quando ele narrava a cena? Terapeuta (T): “Tive a impressão de que ele estava arrependido do que fez”. Nas últimas sessões O cliente lamentou-se: “Sabe, T? Eu só faço coisa errada! Tudo que eu toco, se perde! Eu estrago tudo!” MM: A que situação ele se referia? T: Ele falou na sessão da semana passada. Ele chegou chorando muito! E continuou dizendo: “Não dá para viver! Não vale a pena! Só não morro porque dizem que a minha vida não é minha! Pertence à Deus!” MM: O que aconteceu que ele chegou assim? O Terapeuta não conseguiu identificar. E apresentou três eventos narrados pelo cliente: 1. Teve desavença com o pai. 2. Terminou o namoro 3. Não está achando emprego: O Terapeuta continua narrando o caso na Supervisão: “ Ele conta que os vizinhos abusam do seu pai. A questão foi, de novo, uma outra cerca. O seu pai deu a madeira; o vizinho deveria dar o arame e a mão de obra. Como este demorou muito a fazer a cerca, Rubens começou a ficar muito irritado, e foi conversar com ele. Começaram a se alterar e ele saiu do local, entrou no carro foi embora, nem ouviu o que o homem falava, para não começar a brigar. O pai não aprovou atitude dele. Disse que seria melhor deixar a madeira no vizinho do que brigar: “Meu filho, isso pode ser aqui a muitas semanas! Não me importo! Eu não tenho pressa!” Eles terminaram brigando e o pai chegou a mandá-lo calar boca de merda! O que lhe aliviou foi a mãe concordar com ele de que o vizinho estava abusando do pai 2. Outra coisa foi o término do seu namoro (quando?) Há mais de um mês, mas só falou na semana passada 3. O terceiro motivo é que há seis meses manda currículo para hospitais e não arranja emprego. Continua o Terapeuta: Estava cuidando de um senhor que teve derrame, até dezembro de 2013. E já chegou dando bronca porque o cuidador anterior fazia tudo errado! As costas do homem estava cheia de escaras; o sol nunca entrava no quarto, o enfermeiro usava o jaleco de forma inadequada, etc. Então o Rubens gripou e deixou o serviço provisoriamente para não contaminar o seu cliente. Quando telefonou para retornar, a família o dispensou. Não sabe porquê; acha que nada fez de errado. Segundo o Terapeuta: “ele não percebe o que provoca nos outros” O Terapeuta acha que ele fez alguma coisa lá sem perceber que desagradava as pessoas. Segundo este, dois eventos narrados pelo Rubens mostram que ele não percebe o que provoca nos outros: o primeiro, foi o cliente dizer que uma vez brincava com uma amiga da namorada e esta lhe chamou a atenção, dizendo que a moça não estava gostando da brincadeira de mau gosto. 7 Caso Clínico página 9 “Mas a moça ria, e quando eu rio é porque estou gostando”, justificou-se o cliente. O outro evento, foi quando uma colega do Curso Técnico de Enfermagem lhe disse: ”Rubens, você faz umas perguntas que ofendem a gente!” Então, ele começou a prestar atenção no que falava, acrescentou o Terapeuta. E continuou, o profissional: “Ele sente-se mal amado, meio aversivo para as pessoas O cliente conclui que ninguém gosta dele! (as duas moças, um colega de Curso que ele encontrou na rua e se aproximou para conversar quando então percebeu que o mesmo estava querendo se despedir rápido...) Uma outra colega que ele considera muito inteligente e que conseguiu um bom emprego Então ele começou a telefonar de dois em dois meses para ela perguntando se havia vaga para ele no lugar onde a mesma trabalhava.. No final, a moça não atendia, mas sim o seu marido. “Eu entendi que ela não gosta da minha pessoa”, O Terapeuta diz que lhe sugeriu se não seria ciúmes do marido, ante um homem que ligava com frequência para sua esposa. Na última sessão, nessa semana, ele entrou na história dele com o pai: “Eu era muito custoso! Era muito arteiro, como dizia minha avó”. T: Que arte era essa eu você fazia? Cl: Eu tinha 6 anos e fazia coisas no colégio: levantava a saia das meninas, ia ao banheiro delas, conversava demais na sala, etc... E então ficava na sala da Diretora. Essa diretora não aceitava a mãe ir buscá-lo, mas só o pai. E se fosse o pai, ele sabia que ia apanhar. No caminho de volta para casa, o pai veio batendo nele, “batendo de murro!” , realça. Ele entrou debaixo do banco, mas a cabeça ficou de fora. E o pai foi esmurrando, até que seu olho ficou roxo! “Morri de vergonha de ir à escola!” Mas foi obrigado a ir (o cliente começa a chorar). “Eu tenho rancor! Eu até merecia ser corrigido. Mas ele fez muito mais do que precisava!” MM (Quanto à atitude do pai): Ele não tinha ódio! Ele tem ódio até hoje! Ele espancou o peão! Vejam como a energia vai para outro objeto! T: Ele repete muito essa frase: “Eu não posso julgar ele! (referindo-se ao pai) Aos 12 anos ele foi internado até os 18 anos! Ele não aprendeu como educar um filho!” O cliente repete isso várias vezes! T. (falando para a Supervisora): “Meu pai foi internado muito mais tempo... e não ficou violento assim! Acho que ele fica violento como o pai, como uma forma de aceitar o pai!” MM: OK!, R, essa hipótese parece correta! Mas ela é um entendimento possível, uma leitura possível. Mas...o que vemos aí? A energia atual interrompida pelo conflito. No inicio, aos 6 anos, a energia foi interrompida pelo medo. Com o passar o tempo, e a educação recebida, a energia foi sendo interrompida pelo conflito: “não posso ter raiva! Devo compreender meu pai!” Isso foi construído no decorrer o crescimento, quando ele foi tendo informação da história do pai e foi entendendo que essas informações eram prescrições de que o filho tinha que compreender a violência do pai, porque este foi também violentado. E isso é verdade? SIM!!! ... E isso é o desejável???? SIM!!! Mas primeiro a Gestalt tem que ser liberada! Mas a Gestalt vivencial está sendo interrompida. Por que? Porque ele não pode admitir o ódio violento que sente pelo pai sem sentir a culpa de ser um mau filho! É isso o que ele diz quando repete a prescrição, conservando o seu comportamento rancoroso e violento Primeiro a Gestalt tem que ser liberada! Depois vem a compreensão! “Eu tenho que perdoar o meu pai!” Várias vezes ele tem que repetir isso! Então se trata de um perdão compulsório. 8 Caso Clínico página 9 Não é um perdão genuíno! Se ele não passar pelo filho mau ele não chega ao filho bom. O filho mau está lhe impedindo de ser o filho bom. Por que? Porque o filho mau não está podendo ser. E tudo que nasce quer se desenvolver! E o pai fez nascer o filho mau naquele momento. T: E o que fazer? Eu entraria deixando ele falar? É muita divisão para ele enfrentar! MM: Não! Porque ele não vai falar! Quero juntar com o que você suspeitou, que ele fica violento igual o pai para poder perdoar o pai: os eventos humanos não têm um só sentido! A violência dele é uma estratégia que cumpre algumas funções. No mínimo, cumpre duplamente: A)Sendo violento protegendo o pai, ele justifica a violência! Aí ele se livra da culpa de ser mau e vingativo. A violência passa, então, a fazer um sentido legítimo...porque ele é violento inclusive em situações em que protege o pai! B) Mas ao ser violento, justificando a própria violência está ao mesmo tempo se assemelhando ao pai e o justificando, pois ao justificar o uso da violência para com o Outro, está justificando a violência usada pelo seu pai contra ele. Então, não precisa condenar nem se vingar do pai. Mas vem a sensação pré-reflexiva de “falsidade” do Ser. Ele sente que as estratégias que usa não o protegem dessa consciência de estar sendo “falso” para com suas verdadeiras experiências organísmicas: porque a ansiedade interna persiste....a insatisfação consigo mesmo...a auto-imagem intensamente pejorativa...o incômodo com a sua posição no mundo... A sensação de não estar certo... De não ter achado seu lugar, de estar sempre errado, de destruir tudo ao seu redor, de não merecer viver... “Eu só faço coisas erradas! Eu estrago tudo o que eu toco!” “Não vale a pena viver! Às vezes penso em me matar” O mundo se tornou um lugar inóspito para ele! Que mundo? O seu mundo vivido. A gestalt interrompida: o Vingador Mas ele “sabe” que toda a sua dor e toda a dor dos seus sintomas é, na realidade, um disfarce do “filho vingador”. Ele tem que passar pelo Vingador. O Vingador até então nunca pôde falar! O Terapeuta tem que dar voz ao Vingador! Este está amordaçado pela estratégias usadas para não assumir o ressentimento e a vingança, transformando o ódio em proteção, pseudo proteção, muito mais uma ocasião de legitimar, em outro, sua fúria vingadora. E de, forma enganosa, conquistar o agressor Assim, a culpa de ser um mau filho se acusar o pai tanto quanto sua revolta e seu ódio lhe exigem, encontra um disfarce e ao mesmo tempo uma denúncia na depressão, na ansiedade cotidiana, na angústia noturna que não o deixa dormir em paz. A conivência materna com o marido aparece numa mãe que nunca o socorria da violência paterna e ainda lhe amordaçava as queixas infantis com os ditames da compreensão para com o agressor, exigindo uma postura empática e altruísta muito além das possibilidades do seu psiquismo infantil. Postura que, assim, se torna falsa, ilegítima e inautêntica. Essa energia também sendo cotidianamente interrompida esclarece o entendimento da sua descarga emocional ab--reativa nas paredes e nos armários da casa paterna. O Terapeuta, percebendo o seu funcionamento, o sentido dos seus sintomas, pode visar e lhe possibilitar a forma autêntica de ser. 9 Caso Clínico página 9 Aquela cobrança de ser respeitoso, bondoso e compreensivo com quem o violentava física e moralmente, carregada como um falso self até os 45 anos, emergia de forma brutal nas suas relações com o mundo, com as coisas do mundo e com sua própria pessoa. O “Vingador” tem que achar continência no Terapeuta para aparecer como figura, podendo completar seu ciclo, usando a energia que está retida. Essa gestalt precisa cumprir seu ciclo, antes de dar passagem à NOVA FIGURA! E ela cumpre seu ciclo quando é reconhecida pela Consciência ou pela Awareness. Consciência possibilitada pelo olhar suportivo do Terapeuta. Talvez essa Nova Figura seja a da Indiferença.... talvez seja a do Desprezo... talvez a do Desencanto com a imagem paterna culturalmente introjetada...talvez seja a Visão do pai real e de suas limitações...talvez seja o Projeto de ser um pai diferente... ... talvez seja a do Perdão do próprio pai...Ou, mais propriamente, por todo esse trajeto chegar nessa libertação final. Pois só de poder existir ante um Outro que lhe reconhece como tal, o Eu Vingador já cumpre o seu destino: o ciclo evolutivo , a sua completação, para a qual toda entidade viva, física ou psíquica está direcionada. Por isso, dar voz ao Vingador! Porque quando se pode aceitar a si mesmo, na passagem pelo seu Eu Recusado, este vai se transformando... Porque nada neste mundo está parado! Nada!!! Tudo está em movimento...tudo se transforma cumprindo seu ciclo... E ao cumprir seu ciclo de existência, se transforma em outra existência ...em outra configuração. A mesma energia dá vida a varias formas de ser e atuar no mundo. Por isso ela deve ser liberada no clima de segurança que existe no encontro terapêutico empático, cuja metodologia fenomenológica propicia a agudeza da percepção e prescreve como instrumental de cura a relação dialógica, que somente é dialógica quando sustentada pelo sentimento amoroso do terapeuta. FIM DO CASO CLÍNICO