FORMAR OU RECICLAR: REFLEXÕES SOBRE O CURSO DE RECICLAGEM PARA CONDUTOR INFRATOR NO ESTADO DO PARANÁ, SOB A ÓTICA DOS ALUNOS BATAGINI∗, Marli Marlene de Souza - PUCPR [email protected] VIEIRA**, Alboni Marisa Dudeque Pianovski - PUCPR [email protected] Resumo Discute-se o Curso de Reciclagem para Condutor Infrator, imposto como penalidade a ser cumprida pelos condutores infratores de trânsito, à luz do Código de Trânsito Brasileiro e, em especial, das Resoluções nº 58, de 21 de maio de 1998, e 168, de 14 de dezembro de 2004 CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), comparando dispositivos expressos por ambas e respectivas implicações pedagógicas. Entende-se que, ao se analisar o contexto em que se encontra a atual sociedade e a circunstância da insubmissão de muitas pessoas, faz-se providencial repensar se o curso de reciclagem proporciona ao cidadão um processo educativo ou tão só de reciclagem propriamente dita. O objetivo do trabalho é, assim, investigar se os mencionados cursos têm condições de formar os condutores infratores para que adotem uma nova atitude perante a sociedade em que vivem ou se, a partir de pressupostos teóricos do passado, promovem tão somente uma reciclagem desses mesmos condutores. Além da pesquisa legislativa e bibliográfica, buscaram-se elementos de análise junto aos alunos do curso. Os dados foram coletados no decorrer da realização do Curso de Reciclagem para Condutor Infrator na cidade de Curitiba, no Departamento Estadual de Trânsito do Paraná em espaços físicos distintos, ou seja, em salas de aula no Posto Central e no bairro do Tarumã, envolvendo as quatro primeiras turmas abertas para o posto central, e as cinco primeiras deste, totalizando 301 alunos inscritos. Os resultados obtidos demonstram que há necessidade de se redefinir os objetivos do curso e o papel dos alunos e do professor na construção do conhecimento. Palavras-chave: Formação; Reciclagem; Condutor infrator. Introdução Este trabalho tem por objetivo suscitar uma reflexão sobre o Curso de Reciclagem para Condutor Infrator, imposto como penalidade a ser cumprido pelos condutores infratores de trânsito. Visa-se a analisar se o curso de reciclagem para condutor infrator comporta um ∗ Especialista em Formação do Professor para o Ensino Superior pela PUCPR, Funcionária do Departamento Estadual de Trânsito do Paraná. ** Professora da PUCPR, Mestre em Educação pela PUCPR e em Gestão de Instituições de Educação Superior pela UTP. Pesquisadora da Linha de Pesquisa em História e Políticas da Educação do PPGE da PUCPR. 1497 trabalho de formação no processo ensino aprendizagem ou se se limita a uma reciclagem, como expresso na legislação. Ao analisar-se o contexto em que se encontra a atual sociedade e a circunstância da insubmissão de muitas pessoas, faz-se providencial repensar a questão formação x reciclagem em relação aos cursos ministrados para condutores infratores. Estes aspectos visualizados em termos de educação modificam o foco da questão, dado que envolvem o trabalho com pessoas, seres únicos e valiosos, complexos e, enquanto grupo, totalmente diversificado. Nesse sentido, foram comparados os dispositivos expressos nas Resoluções nº 58, de 21 de maio de 1998 e 168, de 14 de dezembro de 2004 - CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), que entrou em vigor no Estado do Paraná no ano de 2006, além da base legal contida no Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de setembro de 1997. O curso tem por finalidade reciclar, identificando e corrigindo falhas para condução de veículo automotor, e atualizar no que diz respeito à legislação, às atitudes psicossociais, à direção preventiva, ao respeito ao meio ambiente e a noções de primeiros socorros. Reciclagem é um termo que está sendo utilizado há mais de trinta anos e que por definição agrega o significado de “reciclar”, ou seja, pode ser entendido como sendo o ato pelo qual, através de vários processos, um determinado material retorne ao seu ciclo de produção, após ter sido utilizado e descartado, para que novamente possa ser transformado em um bem de consumo. Já a educação é um processo que envolve o ser humano em todas as suas dimensões. Sendo assim, quer-se saber se o curso de reciclagem, na perspectiva atual, desenvolve nos condutores a competência de estarem aptos a conduzir um veículo e, mais que isso, a de conduzirem a si próprios, ou se promovem tão somente uma reciclagem desses condutores, Além da pesquisa bibliográfica e documental, para um retrato efetivo da investigação, foram feitas entrevistas com alunos de cursos de reciclagem em Curitiba. Dos resultados obtidos, podem-se inferir aspectos em relação ao atendimento, pelo curso, das necessidades dos alunos ou não. Trânsito e educação Lançar-se no trânsito é um grande desafio, implicado na complexidade da atividade humana e de suas relações individuais e coletivas. É um retrato da organização do homem diante de um espaço que também lhe pertence, fruto de ações sociais, políticas e econômicas. Quanto mais sofisticado o veículo, mais seu condutor se vale de freadas e fechadas como 1498 verdadeiras armas de fogo para delimitar o habitat móvel. A velocidade de deslocamento dessas máquinas relativiza, para ele, o tempo e a distância. O veículo automotor, cada vez mais sofisticado, passa a idéia de que é imprescindível e causa impacto entre as pessoas por ser um índice de status. Torna-se um símbolo de valor social, uma demonstração de superioridade, em uma sociedade que valoriza muito a aparência e muito pouco a essência da pessoa. Estar motorizado pode causar a sensação de que se é dono do universo, com a onipotência dominadora que pode extrapolar limites. A propósito, Rozestraten e Dotta (1996, p.79) afirmam que: O veículo dá condições para que a pessoa revele como ela é ou como vive verdadeiramente; na condução de um veículo a pessoa mostra suas qualidades e suas virtudes, como educação, inteligência, sensibilidade, altruísmo, mas expressa também os seus defeitos e fraquezas: diabólica, desumana e sem alma. Através do que o veículo faz pode-se, com relativa facilidade, deduzir se ele está sendo dirigido por uma pessoa sensata ou insensata. Se o corpo humano não estivesse envolvido nessa equação energia/velocidade, nela representando o elemento frágil, o automóvel geraria exclusivamente prazer. Contudo, o envolvimento do homem não se relaciona apenas ao prazer, mas também a acidentes que têm, em cerca de 90% deles, o fator humano como responsável (ROZENSTRATEN; DOTTA, 1996, p. 7). Não se pode pensar que os acidentes são inevitáveis, banais, normais, convivendo contemplativamente com eles. No Brasil, embora não se disponha de um estudo concreto que permita traçar um perfil do condutor brasileiro, percebe-se que a maioria acredita na impunidade, na invulnerabilidade, dirigindo em estado de embriaguez, sendo agressiva, muito competitiva e despreparada em termos de conhecimento sobre leis do trânsito. O passageiro, por sua vez, com a crença na impunidade, interfere através de suas atitudes no condutor do veículo. O pedestre desconhece as leis de trânsito e é o usuário da via pública mais frágil, sendo que muitas vezes procede com imprudência, atraindo o acidente em conseqüência da sua postura. De acordo com o artigo 29 do Código de Trânsito Brasileiro, Lei n.º 9503/97: Os veículos motorizados são responsáveis pela segurança dos não motorizados; Os veículos de maior porte são responsáveis pelos de menor porte; Todos os veículos são responsáveis pela segurança dos pedestres. Os veículos motorizados são responsáveis pela segurança dos não motorizados. 1499 Dirigir exige uma postura de responsabilidade, em que cada um desempenhe um papel definido e em que a atitude individual reflita na coletiva. Para dirigir, é necessário possuir uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação), que não é considerada um direito, mas sim uma licença. Aos dezoito anos, por ser penalmente imputável no Brasil, o cidadão, sabendo ler e escrever, possuindo documento de identidade e Cadastro de Pessoa Física (art. 2º. da Resolução 168/2004), pode procurar um CFC (Centro de Formação de Condutores) e preparar-se para obter a CNH. Ali, deve passar por trinta horas de aulas teóricas e quinze horas de aulas práticas. O Órgão Executivo de Trânsito Estadual (DETRAN - Departamento Estadual de Trânsito), através de uma bateria de exames, sendo eles testes de sanidade física e mental, uma prova objetiva com os mesmos assuntos abordados na reciclagem, e por fim o exame prático de direção avaliará se o candidato está apto ou não a obter a licença. No Brasil, entende-se em princípio que, quando uma pessoa confessa que sabe dirigir, ela sabe ligar o motor, trocar as marchas e frear, tendo em vista que foi avaliada através de uma pequena volta em via pública e de um único estacionamento. O aprendizado prático está limitado ao treinamento de manobras elementares do veículo em situações normais de trânsito. A própria lei possibilita que o ensino aplicado nas auto-escolas (CFC) seja precário e não ajude a evitar acidentes. O aprender simplifica-se na realização de voltas pela cidade. No caso do condutor infrator, o Código de Trânsito Brasileiro prevê a possibilidade de imposição, em razão de infrações disciplinares de trânsito, de penalidades (ato administrativo punitivo) e medidas administrativas. A freqüência obrigatória no curso de reciclagem se constitui em uma das sete penalidades previstas (inciso VII, do art. 256) que, de acordo com o artigo 268, enseja a aplicação de tal medida nas seguintes situações: I. quando, sendo contumaz, for necessária a sua reeducação; II. quando suspenso o direito de dirigir; III. quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independente de processo judicial; IV. quando condenado por delito de trânsito; V. a qualquer tempo, se for constatado que o condutor está colocando em risco a segurança do trânsito; VI. em outras situações a serem definidas pelo CONTRAN. De acordo com o inciso primeiro, pode-se entender que a punição não acontece em razão da prática de uma determinada inobservância de qualquer preceito desse código (infração), mas em função da reiteração de condutas violadoras da legislação de trânsito. 1500 Observa-se que as infrações de trânsito podem ser classificadas quanto à sua natureza em gravíssima, grave, média e leve, sendo que, para cada uma delas está atribuída a pontuação que se segue respectivamente: sete, cinco, quatro e três pontos. A somatória resultante das infrações estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro culminará na suspensão do direito de dirigir. Ao atingir a contagem igual ou maior que vinte pontos ou cometer apenas uma infração de natureza gravíssima que condicione a suspensão direta, propiciará que o condutor seja privado temporariamente de conduzir qualquer veículo automotor. No inciso III, vê-se que o condutor, ao contribuir, de alguma forma, para a ocorrência de um acidente automobilístico grave, desobedeceu a uma ou mais regras disciplinadoras do trânsito terrestre e, independente de processo judicial, lhe é imposta a penalidade. Verifica-se, no inciso IV, que o condutor que praticar um delito de trânsito terá cometido, também, uma infração disciplinar de trânsito e por esta será penalizado. Além das sanções penais, sofrerá as penalidades administrativas. Colocar em risco a segurança no trânsito, conforme o inciso V corresponde a um tipo infracional e existem inúmeras hipóteses em que a conduta do motorista seja prejudicial à coletividade. O Curso de Reciclagem para Condutor Infrator tem suas finalidades expressas no anexo da Resolução n.º 58/98 em seu item 1: 1.1. Este curso terá por finalidade reciclar condutores infratores. 1.2. Para consecução de suas finalidades cabe a este curso dar condições ao condutor para; 1.2.1 Identificar e corrigir falhas na sua forma de conduzir veículos. 1.2.2 Atualizar-se com a legislação vigente e os avanços tecnológicos. 1.2.3 Desenvolver atitudes psico-sociais positivas, especificamente quando estiverem no trânsito. 1.2.4 Recriar no condutor a mentalidade da direção preventiva. 1.2.5 Conscientizar o condutor da importância do respeito ao meio ambiente. 1.2.6 propiciar noções mais acuradas de primeiros socorros. A carga horária e as disciplinas abordadas, pela Resolução, determinam a metodologia em que o instrutor deve trabalhar os conteúdos com os alunos. Há décadas professores e educadores em geral procuram superar a fragmentação do conhecimento provocada pelo olhar acadêmico disciplinar. Superar essa fragmentação, tornando a aprendizagem um processo significativo para as pessoas, é um grande desafio. O método baseia-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração. A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização, visa a disciplinar a mente 1501 e a formar hábitos. Conceber a educação como um treinamento e, mais precisamente nesse caso como penalidade, é considerar que todos os seres humanos devem ser condicionados a fazer alguma coisa, partindo do princípio de que todos são iguais. É preciso considerar que são todos adultos e que esta fase é estável e sem transformações psicológicas, mas de continuidade de desenvolvimento psicológico. Cada um traz uma bagagem de vida e uma concepção diante do sistema. Portanto, o conhecimento deve ser tratado como resultado de processos de interação em diferentes contextos sociais e não de diferentes potenciais cognitivos. Deve-se considerar que o homem é um ser que gera, transmite e transforma a cultura. Não só um produto do seu meio, mas um criador e transformador desse meio. Freire (1987) considera que é dever do educador respeitar os saberes dos educandos, principalmente das classes populares. Aproveitar a experiência de cada um e discutir a realidade concreta, associando-as ao conteúdo programado. Será que com a lei em vigor e o processo educacional proposto os educandos sairão do curso de reciclagem aptos aos desafios do trânsito? O CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), como órgão máximo legislativo de trânsito, buscando adequar-se à realidade contemporânea do trânsito brasileiro, editou a Resolução n.º 168 de 14 de dezembro de 2004 que estabelece normas e procedimentos para a formação de condutores de veículos automotores e elétricos, a realização dos exames, a expedição de documentos de habilitação, os cursos de formação, especializados, de reciclagem e dá outras providências. (grifo nosso). Do ponto de vista metodológico, aumenta o leque de opções para o educador trabalhar em sala de aula os conteúdos propostos, verbis; - Por se tratar de condutores, que estão cumprindo penalidade por infrações de trânsito, os conteúdos devem ser tratados de forma dinâmica, participativa, buscando análise e reflexão sobre responsabilidade de cada um para um trânsito seguro; - Todos os conteúdos devem ser desenvolvidos em aulas dinâmicas, procurando o instrutor fazer sempre a relação com o contexto do trânsito, permitindo a reflexão e o desenvolvimento de valores de respeito ao outro, ao ambiente e à vida, de solidariedade e de controle das emoções; - A ênfase deve ser de revisão de conhecimentos e atitudes. (grifo nosso) Esta sustentação permite sublinhar a assertiva de Freire (1996), no sentido de que há uma inconclusão do ser humano e que formar é muito mais do que treinar o educando no desempenho de suas destrezas. Possibilitar ao educando a reflexão é permitir que ele deixe de ser um sujeito passivo, que recebe os conhecimentos acumulados, mas se assuma como sujeito da produção do saber. 1502 Uma das premissas dessa abordagem didático-pedagógica é tornar o aluno participativo, estabelecendo uma intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles possuem como indivíduos. Esse tributo de respeito aos alunos acontecerá quando o professor desconstruir o seu pragmatismo e tornar sua aula um processo dinâmico, dialógico, tornando a essência da função do professor de assegurar oportunidades para o aluno, de apropriação do seu sentimento de identidade. E para isso é imprescindível a habilidade no manuseio com a diversidade humana. De acordo com Sócrates, (469 ou 470-399 a.C. apud ABRÃO, 2004, p.44) o pensamento deve experimentar possibilidades antes de entrar na rota certa. O diálogo cumpre essa função de experimentação. O pensamento precisa de um interlocutor, com quem possa sempre discutir. O professor não pode se limitar a ser um instrutor de trânsito, mas deve, sim, exercer um papel que propicie vínculo com os educandos, dirigindo o seu olhar e sua atenção a implicação de cada um. No entanto, a ênfase deve ser de revisão (reciclagem) de conhecimentos. Neste aspecto, o curso, em ambas as Resoluções, parte do pressuposto de que o condutor possui conhecimento sobre trânsito quando se encontra penalizado, mas isso não necessariamente corresponde à realidade. A Resolução nº 168/04 aumenta a carga horária para trinta horas, sendo a hora-aula de cinqüenta minutos. A inserção da disciplina Relacionamento Interpessoal é positiva, por propiciar ao aluno um contato mais dinâmico com a teoria. Contudo, não é suficiente para a mudança efetiva de comportamento, visto que o condutor não tem uma formação continuada em relação ao assunto em questão - o trânsito. Ainda de acordo com a nova Resolução, os cursos de reciclagem poderão ser presenciais ou não presenciais. A pesquisa de campo No ano de 2004, o DETRAN-PR, ainda sob o amparo da Resolução nº 58/1998, formulou pesquisa sócio-econômica no Estado do Paraná visando estabelecer o perfil do condutor infrator que participou do curso de reciclagem naquele ano. Os dados foram coletados no decorrer da realização do Curso de Reciclagem para Condutor Infrator na cidade de Curitiba, no Departamento Estadual de Trânsito do Paraná em espaços físicos distintos, ou seja, em salas de aula no Posto Central e no bairro do Tarumã, com fundamento na Resolução n.º58/98 do CONTRAN. O curso de reciclagem aconteceu simultaneamente em 21 municípios do Estado, totalizando 1.503 participantes. 1503 A pesquisa foi aplicada em Curitiba, dado ser o município que disponibilizou o maior número de turmas. Foram abertas 15 turmas e disponibilizadas 720 vagas. Desse universo foram pesquisadas as quatro primeiras turmas abertas para o posto central, e as cinco primeiras do bairro do Tarumã, totalizando 301 alunos inscritos. No que tange à idade, a pesquisa demonstrou, ao contrário do que se propaga empiricamente, que a idade do condutor infrator é bem diversificada. Assim sendo, não são apenas os “jovens” que cometem infrações. O universo de condutores cadastrados no Estado do Paraná no ano de 2004 segundo o DETRAN-PR (2004, p.92) era de 3.062.731, sendo 2.232.281 do sexo masculino e 830.450 do sexo feminino. A maioria dos condutores que participou do Curso de Reciclagem para Condutores Infratores, adquiriu a habilitação pelas regras vigentes no antigo Codigo Nacional de Trãnsito que vigorou entre 1966 e 1997. Dos 301 alunos que responderam à pesquisa, verificou-se que 59% deles passaram por Centro de Formação de Condutores e 41% não tiveram acesso às Auto-Escolas quando pleitearam a primeira habilitação. Outro aspecto levantado evidencia que a maioria dos educandos, ou seja, 69% se habilitou antes do ano de 1998, atendendo às exigências do Código Nacional de Trânsito, Lei n.º 5.108 de 21 de setembro de 1966, enquanto que 31% deles se habilitou posteriormente ao ano de 1998, quando as responsabilidades foram alteradas, conforme Resolução nº 58/98. Essas variações possibilitam a percepção de que esses dados alteram a concepção implícita na Resolução n.º 58/98 do CONTRAN, de que o curso de reciclagem recicla conhecimento, já que alguns infratores nunca tiveram acesso sistemático ao assunto trânsito. Outro dado que pode ser verificado na pesquisa sócio-econômica realizada pelo DETRAN-PR mostra que mais da metade dos participantes do curso de reciclagem é habilitada há mais de 8 anos (51% dos entrevistados), o que teoricamente deveria indicar que tivessem tido maior contato com a legislação de trânsito. Porém, na prática, esses representam a maioria dos que freqüentam os cursos de reciclagem. Além disso, ter assistido a aulas sobre trânsito atendendo às exigências de ambos os Códigos não garante um processo significativo da relação ensino-aprendizagem, devido à estrutura educacional e ao paradigma que o fundamenta. É importante ressaltar que ao se tornar um condutor infrator e ter que cumprir a penalidade da suspensão do direito de dirigir e automaticamente assistir ao curso de reciclagem, o cidadão nem sempre está satisfeito com a situação, uma vez que entende participar do curso só como punição e não como produção de conhecimento. 1504 Quando questionados sobre o maior objetivo enquanto participantes do curso, 25% dos entrevistados disseram ser resgatar a habilitação, pois se sentem lesados pelo Estado em razão da obrigação de estarem, naquele momento, sem a Carteira Nacional de Habilitação e discutindo sobre aspectos do trânsito em um curso. Muitos comentaram que não deveriam estar participando do curso, pois consideram que não há justiça suficiente para os bons e maus motoristas e simplesmente querem ter novamente a licença em mãos. Já 17% têm como objetivo reciclar conhecimentos. Este termo foi manifestado como atualização dos saberes relacionados aos aspectos do trânsito. Representando outros 17% dos pesquisados, aparecem condutores que gostariam de aprender mais com o curso de reciclagem e contribuir com o trânsito de diversas formas. Estes estão mais abertos a mudanças e se manifestam independentemente de sua posição na sociedade. Outro saber imprescindível para alguns alunos seria obter conhecimentos sobre legislação de trânsito para saber como se defender em recursos de multas e “lutar” pelos seus direitos para não serem enganados. Percebe-se que as pessoas que são relutantes num primeiro momento, quando se deparam com os assuntos de trânsito, que envolvem a lei, acreditam que precisam aprender muito e acabam se tornando mais flexíveis quanto às suas resistências. Outros 10% dos participantes gostariam de aprender mais sobre direção defensiva. Mudar a direção ofensiva para a direção defensiva configura-se uma das questões. Também gostariam de dirigir preventivamente com o objetivo de evitar acidentes de trânsito e sobrepujar desafios. Outro item abordado na pesquisa de campo foi descobrir qual o assunto mais interessante na visão dos alunos. Com 30% de respostas o assunto mais referenciado pelos condutores foi legislação de trânsito, por vivenciarem muitas situações em sala de aula que possibilitaram exercer seus direitos e deveres. Essa questão abordada na pesquisa mostrou a contradição da Resolução que estabelece as normas para o curso de reciclagem. Segundo a Resolução, teoricamente os condutores que passam pela reciclagem já possuem conhecimento sobre trânsito, principalmente sobre legislação, já que estes para se habilitarem devem passar por provas teóricas sobre o tema. Porém, de acordo com os elementos coletados, por meio de respostas dissertativas, verificou-se que nem todos possuem essa bagagem. Com as mudanças do Código Nacional de Trânsito para o Código de Trânsito Brasileiro, as normas para se habilitar mudaram, e como já 1505 foi mencionado anteriormente, muitas pessoas que participaram do curso, se habilitaram antes da entrada do novo Código. Um dos entrevistados, ao ser questionado sobre o assunto abordado na reciclagem que mais o interessou, respondeu que foi a legislação de trânsito: “foi importante rever as questões de legislação de trânsito, uma vez que fui habilitado a (sic) trinta anos e muita coisa você acaba esquecendo”. Mesmo aqueles que se habilitaram depois de 1998, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, sentem dificuldades em relação ao conhecimento da legislação de trânsito, conforme explicou um dos entrevistados que disse que o assunto mais interessante também foi a legislação, pois: “quando fazemos a carteira, somos ensinados apenas como passar nos testes e aqui (no curso de reciclagem) estamos realmente para aprender e ser educados”. (grifo nosso) Primeiros Socorros também apareceu como um dos temas que mais atraíram a atenção dos alunos. Dentre o total de pesquisados, 16%, acredita que ter noções básicas de primeiros socorros é importante, já que a maioria das pessoas não sabe o que fazer no momento de um acidente. Esses motoristas consideram que, possuindo essas noções, podem ajudar a salvar vidas, e que depois do curso terão um conhecimento suficiente para saber se portar no local de um acidente. Uma das questões abordadas na pesquisa disse respeito ao comportamento do motorista. A principal intenção do curso de reciclagem não é apenas servir de penalidade, mas é a de fazer com que os motoristas infratores mudem seus comportamentos no trânsito, para que não cometam mais infrações e nem tenham mais atitudes que possam por em risco vidas. Ao serem questionados se, após o curso, eles mudariam a forma de agir no trânsito, 90% respondeu que sim. A maioria acredita que o curso de reciclagem fez com que eles mudassem a forma de pensar, e que a partir do curso serão mais cuidadosos no trânsito. “Com certeza vou mudar. A partir do curso vou ser mais consciente de meus atos e respeitar mais os pedestres e outros condutores”, é o que afirma um dos alunos que participou da pesquisa. Porém algumas pessoas (4%) acreditam que apesar do curso abordar temas que envolvam o trânsito, e que de certa forma incentivam essa mudança de comportamento, não vão mudar suas atitudes no trânsito. Dentre os entrevistados, 6% acredita que talvez mude, mas ainda não tem certeza se o curso vai influenciar efetivamente em seu comportamento no trânsito. Um dos alunos acredita que talvez mude seu comportamento “não em decorrência do curso, mas em decorrência da 1506 punição sofrida”. Para ele: “o curso provavelmente dará noções que não conheço, alterando e aumentando minha experiência”. Ao serem questionados sobre o grau de interesse que possuem com relação ao tema trânsito, 67% disseram que possuem interesse pelo assunto, e que vão procurar se aprimorar em alguns temas que foram discutidos no curso e que geraram maior interesse. Do restante dos entrevistados, 21% disse que não se interessa pelo tema e 12% não respondeu à questão. Foi possível verificar, por último, que existe uma grande diversidade entre os participantes do curso. Ao analisar as pesquisas dirigidas aos alunos do curso pôde-se perceber que algumas pessoas não conseguem escrever de acordo com a norma culta, mas possuem conhecimento de suas responsabilidades. Outras, além de não conseguirem se comunicar pela escrita, não sabem o que devem fazer. Essa diversidade cultural entre os participantes dificulta o trabalho de avaliação. Por este motivo, é necessário buscar formas que facilitem a avaliação, nelas incluídas apresentação oral, dinâmicas de grupo, disciplina em sala de aula, relações interpessoais, desenvolvimento de atividades, criatividade, motivação, possibilitando uma análise do comportamento geral dos participantes em sala, e não apenas a prova teórica. Considerações finais No decorrer da realização deste trabalho percebeu-se, num primeiro momento, que o curso de reciclagem é de suma importância para o cidadão brasileiro, principalmente porque as pessoas, por mais que se manifestem dizendo ter interesse pelo tema, não possuem acesso sistematizado sobre o assunto. O tema trânsito, como multidisciplinar, é o principal expoente para que as pessoas tomem consciência de seus erros e contribuam com o sistema de mobilidade urbana, possibilitando, através de suas contribuições, a melhoria da qualidade de vida e a preservação de um bem maior: a vida. Pela pesquisa foi possível perceber que o curso de reciclagem não atende a todas as necessidades do cidadão, por ser pontual e pressupor resolver todos os problemas de um sistema complexo. Pode-se dizer que o curso de reciclagem não recicla conhecimento, pois nem todas as pessoas tiveram formação ao obter a Carteira Nacional de Habilitação, logo, não podem reciclar algo que não aprenderam. Através dos dados estatísticos descritos verificouse que mesmo algumas pessoas que passaram por Centros de Formação de Condutores, ao obterem a licença para dirigir não possuíam a garantia de formação educacional, porque o processo ensino-aprendizagem nas auto-escolas é questionável. 1507 Outras contradições entre a teoria e a prática, à luz das respostas aos questionários, podem ser percebidas. Por último, entende-se que é imprescindível a redefinição dos objetivos do curso e do papel dos alunos e do professor na construção do conhecimento; a ampliação da sala de aula para a dimensão virtual; a melhoria na qualidade da comunicação entre alunos condutores e professores e a facilidade para a disponibilização de materiais de estudo e pesquisa de forma autônoma e responsável. REFERÊNCIAS ABRÃO, Bernadete. A história da filosofia. São Paulo: Nova Cultura, 2004. BRASIL. Resolução n.º 168, de 14 de dezembro de 2004. Estabelece normas gerais do curso de reciclagem para infratores do Código de Trânsito Brasileiro, de acordo com o art. 268. Diário Oficial da União, n.º 245, Secção I, p.73 de 22 de dezembro de 2004. Brasília: Imprensa Oficial, 2004. DETRAN, Departamento Estadual de Trânsito. Anuário 2004 DETRAN PR. Curitiba, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PAULO, Antonio de. Código de Trânsito Brasileiro. São Paulo: DP&A, 2006. ROZENSTRATEN, Reinier J. A.; DOTTA, Ático J. Os sinais de trânsito e o comportamento seguro. Porto Alegre: Sagra - D.C. Luzzatto, 1996.