A complexidade do Ser Humano no Trânsito A violência no trânsito é responsável pela terceira maior causa de mortes no Brasil, ficando atrás apenas das mortes causadas por doença do coração e doenças como o câncer. A cada ano, o número de mortes aumenta, colocando o país entre os que mais registram mortes em acidentes de trânsito no mundo. Os dados estatísticos mostram que, aproximadamente, 40 mil brasileiros são mortos por ano no trânsito e esses dados não são precisos tendo em vista que para os dados estatísticos consideramse apenas as mortes ocorridas no local do acidente, ou seja, aquelas vítimas que são hospitalizadas e que posteriormente venham a falecer não estão incluídas, o que nos leva a crer que, infelizmente, o número de mortes é ainda maior. Os questionamentos que pairam são: Por que o mundo não consegue diminuir a violência no Trânsito? Por que as medidas adotadas pelo poder público não repercutem em resultados positivos? Muito bem, sabemos que, conforme as estatísticas brasileiras, 95% das causas dos acidentes de trânsito são atribuídas à falha humana devido às imperícias, imprudências e negligências de todos os usuários das vias. A falta de um bom convívio social no Trânsito nos leva a entender que o comportamento humano é extremamente complexo e imprevisível, pois muitos são os fatores que colaboram para atitudes e respostas inesperadas, as quais, no trânsito, têm gerado tragédias e custos materiais e psicológicos altíssimos e danos familiares irreparáveis. Um acidente de trânsito com vítima fatal no Brasil custa para o poder público e para 4 Foto: Divulgação Por Sérgio Carvalho a sociedade em torno de R$ 470.000,00. Neste montante inclui: Danos materiais (veículos, objetos, equipamentos); Custos médico-hospitalares; Operação de sistemas de atendimento; Custos de congestionamento; Despesas de funerais; Administração de seguros; Custo administrativo de processos judiciais; Perda de rendimentos futuros e outros. A neurociência, desde a década de 90, tem desvendado quais os mecanismos cerebrais que favorecem a agressividade humana. São fenômenos em âmbito molecular; biologia celular; pesquisa neurológica; pesquisa psicológica e psiquiátrica. Quando apresentados e discutidos com os Condutores, tais mecanismos têm se demonstrado como poderosas ferramentas de autocontrole e autodesenvolvimento. A neurociência classifica as atitudes comportamentais como bolhas emocionais positivas ou negativas. Se positivas: reforçam a socialização, valorizam as relações sociais, geram satisfação e ajudam na autoestima, no autocontrole e ajuda no autodesenvolvimento. Se negativas: estressam, geram agressividades, comportamentos antissociais e semeiam a discórdia. É necessário tratar. Para tratar as bolhas emocionais negativas temos que compreender o perfil psicossomático do condutor que, na sua composição, nos surpreende ao analisarmos que para conduzir um veículo da forma mais assertiva e segura possível, o motorista tem que conduzi-lo em 70% com atitudes comportamentais e técnicas oriundas do subconsciente, ou seja, 70% da condução de um veículo é feita pelo automatismo (ação executada sem reflexão ou intuito consciente) e apenas 30% pela concentração e/ou atenção difusa do ambiente viário. A construção dos nossos automatismos está relacionada aos fatores exógenos que interferem nos nossos comportamentos tais como: disputa do espaço público, a impunidade, estresse, má administração do tempo, má formação do condutor, costumes sociais e outros. Estes automatismos dependem Naturale fevereiro/março - 2014 intrinsicamente das bolhas emocionais que constroem nossas atitudes comportamentais refletindo diretamente na condução do veículo de forma espontânea. Para exemplificarmos, vale a pena dizer que vários pesquisadores do trânsito catalogaram o evento como “piloto automático”, aquela situação em que, na condução do veículo, não nos lembramos de termos passado em um determinado lugar. Isso já aconteceu com todos os condutores, onde cito como exemplo: Estou chegando em Itajubá e não me lembro de ter passado em Santa Rita do Sapucaí. Este fenômeno acontece por variáveis importantes tanto do ponto de vista emocional, como físico e/ou psíquico. Muito bem, desconsiderando as condições adversas naturais do veículo, da via ou do tempo, fica a seguinte pergunta: no momento em que estávamos dirigindo com o estado de “piloto automático”, dirigimos com risco ou sem risco? Depende. Se construímos o nosso perfil de condutor com “automatismos corretos” como, respeitar a sinalização de trânsito, transitar com velocidade compatível com a via, respeitar a distância de segmento e outros, nós automaticamente dirigimos sem risco. Mas se nossos automatismos forem incorretos como, dirigir em alta velocidade, não respeitar a sinalização de advertência e outros, automaticamente dirigimos com risco. Vale a pena reforçar que neste contexto estamos desconsiderando os riscos naturais (condições adversas do tempo, do veículo, da via e do motorista). Nossa Convivência social aflora do subconsciente em forma de atitudes comportamentais construídas através dos automatismos adquiridos com o ambiente familiar, com a personalidade e com a formação correta como condutor. Numa análise de como precisamos mudar nossos automatismos, vale a pena refletirmos que, quando falamos do perfil dos condutores de nossa cidade, logo vem as características de que os mesmos são imprudentes, agressivos, donos da rua, não respeitam as leis, etc. Nesta mesma ótica, quando falamos dos pedestres de nossa cidade, também atribuímos características idênticas às dos condutores e assim vale para os outros usuários da vias. Pois bem, quem são os condutores da nossa cidade? Quem são os pedestres de nossa cidade? É claro que, quando falamos mal dos condutores estávamos nos vendo na situação de pedestre e, quando falamos do pedestre estávamos na situação de condutor. É isso! O problema do trânsito somos nós mesmos, pois não conseguimos mais perceber nossos automatismos, até porque eles são automáticos. O mais agravante de toda esta situação é que o cérebro está bloqueando os riscos através do nosso perfil psicossomático defeituoso, potencializado pelos fatores exógenos presentes no nosso dia a dia. Esta situação está fazendo com que deixemos de respeitar o sinal vermelho, estamos parando em lugar proibido, excedendo a velocidade de segurança SEM PERCEBERMOS, pois nossas atitudes são reflexos automáticos de todo um complexo que é o ser humano. Mãos à obra, vamos policiar nossos automatismos e corrigi-los para continuarmos fora das estatísticas de trânsito. Sérgio Carvalho, Advogado; Professor de Pósgraduação em Gestação, Sinalização, Educação no Trânsito e de Segurança no Trânsito e no Trabalho; Coordenador geral da Controladoria Regional de Trânsito de Pouso Alegre/MG.