REPORTAGEM
Vida de compositor
Autores da MPB vivem entre a criação e o garimpo, na luta para entrar nos
discos dos grandes cantores
Luís Pimentel
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O
compositor e instrumentista carioca Geraldo Babão (Geraldo Soares de Carvalho, 1926-1988), um dos maiores
vencedores de sambas-enredo do Salgueiro e da Vila Isabel, procurou o cantor Roberto Ribeiro oferecendo uma música
para o disco que o intérprete começaria a gravar. “Me manda
uma fita”, disse Roberto. Babão (apelido adquirido por conta do
ofício de flautista) gravou a música, mas na hora de enviar se
equivocou e mandou uma fita virgem. Dias depois, encontrouse com o grande cantor e fez a cobrança:
– E então, Roberto, gostou de minha música? Vai entrar no disco?
Ribeiro não fez por menos:
– Nesse, não, porque não cabe. Mas ouvi a música, achei
maravilhosa, e está guardadinha para o próximo.
A história é contada por Toninho Geraes, compositor da MPB
com mais de duas décadas de estrada e que tem canções gravadas por grandes nomes de nossa música, como Zeca Pagodinho,
Seu balancê (“Quando o canto da sereia/Reluziu no seu olhar/
Acertou na minha veia/Conseguiu me enfeitiçar), Agepê, grupo
Exalta Samba, Beth Carvalho e Martinho da Vila, intérprete do
maior hit da carreira de Toninho, Mulheres (“Já tive mulheres de
todas as cores/De várias idades, de muitos amores”), responsável
pela fatia mais gorda no bolo de sua receita como autor. Ele faz
parte de um time que está sempre pronto para entrar em campo,
criando suas músicas e acumulando em fitas (hoje, em CDs) à
espera do cantor que vai gravá-las. O garimpo é difícil. As editoras
musicais e o boca-a-boca do meio artístico fazem circular que este
ou aquele cantor está ouvindo músicas para montar novo CD.
“A concorrência é grande, porque
temos muitos compositores de
altíssimo nível disputando o mercado.
Não faço a música pensando neste ou
naquele intérprete” (Wanderley)
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Então, é a hora de correr atrás. Segundo Toninho Geraes, os compositores já pisaram em terreno mais fértil.
– Nós, compositores, nos sentimos um pouco órfãos de grandes intérpretes. Há alguns anos ainda tínhamos Roberto Ribeiro,
João Nogueira, Agepê, entre outros, que funcionavam como a
mola-mestra dos autores que produziam. Na área do samba, por
exemplo, dependemos hoje dos discos de Zeca Pagodinho, Beth
Carvalho, Fundo de quintal ou Jorge Aragão”, cita ele.
Para o compositor de mais de 150 músicas gravadas, a receita
do bolo cada vez mais disputado é não desanimar:
– Temos que continuar compondo e oferecendo. Mesmo que
o Zeca não grave um samba meu, só a possibilidade de ele gravar
já funciona como um incentivo. Vamos trabalhar, abrir frentes,
tentar forçar também uma carreira de intérprete através do disco independente, fazer shows onde for chamado e não deixar a
peteca cair”, diz Toninho, que acabou de gravar um CD independente cantando com suas próprias músicas.
Os homens predominam nesse mercado. Mas pelo menos
uma mulher ouvida pela reportagem não tem do que se queixar,
pois é amiga do Rei. Isolda Bourdot é uma das compositoras preferidas de Roberto Carlos, que já levou muitas canções suas para
o disco, entre elas pelo menos um enorme sucesso, Outra vez
(“Você foi o maior dos meus casos/De todos os abraços, o que nunca
esqueci”), regravado recentemente por Gal Costa. Isolda, que
mora em São Paulo, vive um momento de acompanhar diversas
regravações de sua obra, por vários intérpretes, e festeja a inclusão
de um tema recente na trilha sonora da novela Cobras e lagartos, da
TV Globo. Pelo menos com relação à sobrevivência, a compositora,
que tem mais de 300 canções no repertório e já brilhou também nas
vozes de Nelson Gonçalves, Alcione, Pepino di Capri e Richard
Clayderman, não tem do que se queixar:
– Sobrevivo razoavelmente bem dos meus direitos, sobretudo
graças aos discos do Roberto Carlos, que nunca saem de catálogo. Até da publicidade, vem o dinheirinho, pois Outra vez volta
e meia é usada em anúncios.
Um dos maiores nomes da MPB, especialmente do samba, o
Fotos: Divulgação
REPORTAGEM
Efson: parceria com Nei Lopes
Zé Luiz do Império: músicas gravadas por Mart´nália
Toninho Geraes gravou um CD independente
veterano Monarco já lançou dois discossolo como cantor e participou de três outros ao lado de sua Velha Guarda da
Portela. Como inúmeros compositores
brasileiros, ele também depende de outros
artistas, bons vendedores por excelência,
para colocar sua obra no mercado. E reforça a tese da orfandade, defendida por
Toninho Geraes:
– Infelizmente, poucos cantores estão
gravando a nossa turma de sambistas.
Nos últimos anos, tivemos perdas importantes, como Clara Nunes, Elizeth Cardoso, Roberto Ribeiro, João Nogueira,
Jovelina Pérola Negra e Agepê, que se
valiam bastante do nosso repertório.
Gravado por Beth Carvalho, o samba
Vida de compositor, de Álvaro Maciel e
Wanderley Monteiro – compositor jovem
em quem experts no assunto têm apostado
muitas fichas – fala da luta diária do compositor no garimpo da gravação ou nas disputas das escolas, tendo que levantar a
cabeça e “consolar o parceiro” diante dos
resultados negativos. Wanderley, que
complementa o orçamento de compositor
com um salário recebido como bancário,
acha que o funil para se chegar à gravação é cada vez mais estreito, mas que não
há lugar para o desânimo:
– A concorrência é grande, porque
temos muitos compositores de altíssimo
nível disputando o mercado. Não faço
a música pensando neste ou naquele
intérprete, mas depois de pronta eu
vejo a cara que ela tem e corro atrás.
Todo compositor tem muita música
inédita, à espera de um cantor. Mandamos para todos os que vão gravar e
ficamos na espera, porque quanto mais
se grava, mais se fica conhecido. Essa é
a vida do compositor.
Autor de versos certeiros e melodias
que pegam de primeira, como na canção
Todo menino é um rei (“Todo menino é um
rei/Eu também já fui rei), talvez o maior
sucesso da carreira do cantor Roberto Ribeiro, Zé Luiz do Império tem algumas
dezenas de composições gravadas, entre
outros, por Nei Lopes, Dorina, Mart’nália
e conjunto MPB-4. Gravou como intérprete um CD autoral e teve participações
especiais em discos de outros artistas. Diante da pergunta se consegue sobreviver
de direito autoral, a reação:
– De jeito nenhum! O tipo de música
que eu faço não traz resultados financeiros
para as empresas do mercado fonográfico.
Parceiro, entre outros, do superpoeta da
MPB Nei Lopes (“Aproveita hoje que essa
vida é uma só/O amanhã quem sabe se é
melhor ou se é pior” – Firme e forte, gravação histórica de Beth Carvalho), o compositor Efson tem mais de 30 anos dedicados a fazer músicas e a correr atrás de intérpretes. Teve músicas gravadas também
por Elza Soares, Bezerra da Silva, Bartô
Galeno, Jorge Aragão, Roberto Ribeiro,
Agepê, Marçal, Sandra de Sá, Alcione,
Grupo Molejo (o enorme sucesso Caçam-
ba) e quatro vezes por Zeca Pagodinho
(entre elas, a singela Sonho infantil e a imbatível Hoje é dia de festa, que deu nome
ao disco do cantor). Com seu sorriso
contagiante e altíssimo astral, Efson é mais
um na balança dos acertos e desacertos:
– Tem também as decepções, mas
que não devem nos abater. Às vezes, vamos atrás do cantor, que escuta a música, aprova, diz que vai gravar, e só
quando o CD dele chega às lojas a gente percebe que ficou de fora. Volta e
meia, até já gastamos por conta, mandamos a mulher jogar a panela velha fora,
e quando vai ver não é nada do combinado. É uma luta – declara o compositor, sorrindo das dificuldades.
Marinheiro de primeira viagem, o jornalista e compositor Pecê Ribeiro tem mais de
200 músicas inéditas, gravou um CD independente em 2003, cantando algumas delas, e não tinha o hábito de correr atrás dos
cantores. Por intermédio de amigos, um
samba de sua autoria, Pra São Jorge, chegou a Zeca Pagodinho no momento certo
de escolha de repertório. Acertou em
cheio e a música está no CD mais recente
do intérprete, À vera.
– Já que tomei o gostinho, ultimamente tenho mandado composições para alguns cantores, pelo menos para aqueles
que não fogem ao meu perfil. Como não
sou um compositor em tempo integral,
posso me dar a esse luxo. Não abro mão de
uma atitude puramente artística.
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