Fazer cinema como prática educativa Making movies as educational practice Joana Peixoto. Doutora em Ciências da Educação (Paris 8) PUC GOIÁS / [email protected] Júlio César dos Santos. Doutorando em Poéticas e Culturas Visuais (UFG) Instituto Federal de Goiás / [email protected] Resumo: O audiovisual – notadamente o cinema - neste artigo é visto como linguagem, tecnologia e manifestação cultural que demanda uma atenção mais profunda da parte dos educadores. Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam a integração da linguagem audiovisual sob os seguintes aspectos: produzir (fazer), apreciar e interpretar. No entanto, dentre os estudos e as práticas que relacionam Cinema e Educação, encontra-se uma ênfase significativa nos dois últimos aspectos, deixando o fazer num plano secundário. O presente artigo, sustentando-se por esta premissa e buscando preencher a lacuna percebida em relação ao fazer cinema na escola, propõe-se a debater questões que podem servir de base para a compreensão desta relação. Para isto, recorre aos conceitos de artefato, instrumento, signo e mediação, a partir da abordagem histórico-cultural (VIGOTSKI, 2005, 2007). Ele toma como base os estudos teóricos que fundamentaram duas pesquisas já concluídas: uma que tratou da prática de fazer vídeos por um grupo de alunos de uma escola pública, com o objetivo de encontrar evidências das implicações de tal prática como construção simbólica e outra que visou verificar em que medida os cursos superiores a distância adotam os procedimentos didático-pedagógicos de apoio ao desenvolvimento da autonomia de seus alunos. Palavras-chave: cinema e educação; tecnologia; mediação. Abstract: The audiovisual - notably the cinema - in this article is seen as a language, technology and cultural event that demands a deeper attention from educators. The “National Curriculum Parameters” indicate the integration of audiovisual language in the following: produce (do), enjoy and interpret. However, among the studies and practices that relate Cinema and Education, is a significant emphasis in the last two aspects, lets to produce a secondary level. This article argues that this assumption and seeking to fill a perceived gap in relation to filmmaking in school, proposes to discuss issues that can serve as a basis for understanding this relationship. For this, it draws on concepts of artifact, instrument, sign and mediation, from the historical-cultural approach (VIGOTSKI, 2001, 2007). It builds on the theoretical studies that supported two research already completed: one which dealt with the practice of making videos for a group of students in public schools, in order to find evidence of the implications of such practice as a symbolic construction and one that aimed to verify the extent to which higher education distance teaching adopt didactic and pedagogical procedures to support the development of the autonomy of their students. Keywords: cinema and education; technology; mediation. Introdução O cinema – considerado como um artefato cultural e uma linguagem – percorre uma trajetória iniciada pela fotografia e continuada pela televisão e vídeo, até que se chegue a sua hibridização pelas mídias digitais. Neste trajeto, se pensarmos apenas nos suportes tecnológicos, nos deparamos com: filmadoras, câmeras, webcams, projetores, videocassetes, monitores, computadores, e por fim, aparelhos celulares, e, certamente, muitas variações que ainda serão produzidas, numa tendência crescente de convergência digital. Além dos suportes, encontramos, também, artistas, técnicos e criadores de toda sorte, e, ainda, todos os objetos e obras produzidas por eles utilizando tais tecnologias e linguagens. Tudo isso: suportes, pessoas e produtos audiovisuais, se tornaram presença cotidiana nos mais diversos âmbitos de nossas vidas. No âmbito educacional - onde o cinema, a televisão e o vídeo, são fundidos no termo audiovisual – os meios audiovisuais têm sido considerados como recurso didático fundamental, apontado como um dos “modernos” métodos contemporâneos para transmitir conteúdos programáticos de forma criativa e também suscitar processos críticos. Um exemplo desta proposição pode ser evidenciado pela reforma proposta pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), por meio da qual foi configurada uma nova divisão do conhecimento em três áreas. Dentre estas, a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, onde o audiovisual aparece posto, além de um recurso didático, como todo um complexo sistema simbólico a ser apreendido pelos estudantes. Projetos como a “TV Escola”1 têm sido utilizados há bastante tempo, sendo que as escolas públicas de ensino fundamental, médio e técnico contam com diversos equipamentos tecnológicos – aparelhos de televisão, vídeo-cassete e DVD player, bem como, fitas e mídias digitais com conteúdos didáticos pertinentes às mais diversas disciplinas, que vem sendo utilizados como um recurso didático extra, além dos livros, cadernos e lousa. Tem sido recomendado aos docentes que tais recursos não sejam utilizados simplesmente como mídias substitutivas ou forma de passatempo, mas que sejam exploradas suas potencialidades criativas que vão muito além da apreciação reflexiva (BRASIL, 1999). 1 Canal de televisão do Ministério da Educação, criado em 1996, com o objetivo de veicular material de apoio didático sob a forma de audiovisuais: filmes, desenhos animados, vídeo-aulas etc. 2 Apesar das orientações curriculares do Ministério da Educação para o Ensino Fundamental, Médio e Técnico (BRASIL, 1999), o audiovisual se encontra diluído entre as muitas possibilidades de linguagens, em que se privilegia a fala (oralidade), a leitura e a escrita da língua, nacional e estrangeira. Considerando-se a pouca ênfase dada à formação profissional do professor no que se refere à linguagem audiovisual propriamente dita, observa-se que, muitas vezes, o cinema, a televisão ou o vídeo são utilizados como um meio didático apenas complementar ou substitutivo. No audiovisual, via de regra, encontram-se presentes todas as formas de manifestação artística, em suas múltiplas linguagens. Podendo, portanto, ser classificado tanto como híbrido quanto como interdisciplinar, uma vez que sua produção compreende a interação e interpenetração de materiais, suportes, sujeitos e meios, construindo o que se poderia chamar de objeto transdisciplinar, seja ele um filme, vídeo ou animação (SANTOS, 2008). Encontram-se diversos estudos sobre a implementação das proposições expressas nas diretrizes curriculares oficiais nas escolas, os quais consideram, dentre outros: a) a realidade das condições e aplicações práticas encontradas; b) a conjunção (ou não) entre os conteúdos e as práticas culturais locais; e ainda, c) a falta de uma devida formação acadêmica necessária à efetivação destas orientações nas escolas. Dentre as possibilidades exploradas nestes trabalhos, apresenta-se a necessidade de que os professores tenham conhecimento teórico e prático sobre o audiovisual, como um meio didático. Os estudos indicam também que as práticas mais correntes repousam na exibição de filmes de ficção, documentários, animações e palestras gravadas, da mesma forma como se utiliza de livros ou outros materiais impressos. Geralmente, os professores procedem como se os filmes fossem meios de transmitir conhecimentos com um pouco mais de sofisticação. Assim como na utilização de outras mídias, poucos são os que se arriscam a acompanhar seus alunos na produção de algum tipo de objeto audiovisual que venha a lhes servir de pretexto provocativo a uma discussão aprofundada sobre suas condições e experiência de vida, sobre si mesmos, seus cotidianos ou suas culturas. As orientações oficiais consideram que as linguagens, os códigos e suas tecnologias são instrumentos e meios de situar-se criticamente no espaço e no tempo, construindo identidades, levando-se em conta o caráter histórico, sociológico e antropológico que isso representa. Entretanto, isto não é o que se percebe em algumas práticas no cotidiano de escolas ainda estruturadas como lugares onde se “transmite” 3 o conhecimento, o que se evidencia quando algumas disciplinas deixam de explorar suas articulações e interfaces interativas para se limitarem a suas especificidades de conteúdo. Mas, o projeto oficial para a educação indica que é possível estruturar um currículo escolar que ultrapasse a simples listagem de competências e habilidades, e que se pode ir além da perspectiva dos conteúdos ao explorar, positivamente, a bagagem cultural trazida pelos envolvidos no processo educativo. Conhecer a complexidade das linguagens, por exemplo, é essencial para que os alunos participem do mundo no qual estão inseridos, uma vez que, assim, podem compreender, e até mesmo transformar, a si e à realidade em que vivem e constroem. Apesar do número expressivo de iniciativas nas quais o cinema é apresentado como um elemento fundamental na aprendizagem2, em reforço aos projetos didáticopedagógicos das escolas em geral, na prática ele é tratado como um acessório da língua-linguagem classificada em verbal e não-verbal, ou, na perspectiva de que se trata de uma manifestação variante das artes visuais e da cultura em geral. O deslocamento entre diretivas e situações se evidencia ainda mais quando se considera a importância dada ao cinema como uma mercadoria da indústria cultural contemporânea, ou ainda, quando nos atemos ao fato de que grande parte da população tem acesso a televisão como seu principal entretenimento. Assim, infere-se que o audiovisual, notadamente o cinema, que neste trabalho será visto na forma de filmes ou vídeos, com suas linguagens, códigos e tecnologias pertinentes, é uma manifestação cultural que demanda uma atenção mais profunda da parte dos educadores, pois faz parte do cotidiano da maioria das pessoas. Fazer cinema, seja sob a forma de filmes ou vídeos, é, de fato, uma prática que alguém minimamente aparelhado (técnica e tecnologicamente), pode realizar. É preciso considerar, entretanto, as implicações geradas em função de seus realizadores e sujeitos envolvidos, da tecnologia e técnica, da situação e momento no qual se processa. Integrado aos processos educativos, o cinema - tomado como tecnologia e como linguagem - não pode ser considerado como mero coadjuvante e nem como 2 “Minha vila filmo eu”, do Projeto Olho Vivo (Curitiba, PR); “Luz, Câmera... Paz! na Escola”, do projeto Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Curitiba, PR); Núcleo de Audiovisual do projeto Central Única da Favelas (Rio de Janeiro e outras localidades); Instituto Casa Brasil de Cultura (ICBC)2 e muitos outros espalhados por todo Brasil; em que a relação cinemacomunidade fomenta projetos de cineclubismo, comunidades virtuais, produções artesanais e pesquisas dos usos paradidáticos de vídeos e afins. 4 substituição a práticas pedagógicas já em uso. O que propomos aqui é sua utilização em experiências que proporcionem aos alunos a possibilidade de fazer cinema. Para isto, ele será encarado, sobretudo como objeto de estudo na prática e não apenas como meio didático-pedagógico. Ou seja, em vez de colocar o foco nas prioridades didáticas do cinema, enfatizar a maneira como os sujeitos dele se apropriam. Neste sentido, tomaremos como referência a abordagem histórico-cultural, especialmente em seus conceitos de artefato, instrumento, signo e mediação. Cinema como tecnologia e mediação como relação Seja para produzir vídeos, objetos de consumo ou alguma forma de conhecimento, a tecnologia não possui um valor absoluto em si mesmo. É necessário que tenha sido construída e utilizada em função de algum objetivo, tendo, portanto, um valor relativo, associado ao papel que desempenha na concretização desses objetivos. Pode, apesar disso, suscitar um sentido inerente quando considerada, por exemplo, em sua apropriação como meio e modo deprodução, conferindo-lhe, assim, significação nas relações de poder entre o proprietário e o operário (operador da tecnologia), como valor pela posse. Porém, no mais das vezes, a tecnologia, como um artefato, não se justifica por si mesma. O cinema compreende um conjunto de elementos a que se denomina tecnologia, que pode ser conceituada, como o estado de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Tal conceito se baseia em Pinto (2005), que se propõe a colocar em questão uma postura mistificada das inovações tecnológicas, destacando o seu caráter histórico e social. No caso do cinema, a tecnologia, é bem mais que instrumento tecnológico. Corresponde, também, às implicações geradas pela mediação que realiza na ação social em que se constitui como prática, por alguém e para alguém, num determinado contexto, em função de alguma intencionalidade. A mediação é um aspecto primordial da abordagem histórico-cultural, caracterizando o fato de que os seres humanos não agem diretamente sobre o mundo. Pelo contrário, as ações são mediadas por ferramentas sócio-semióticas (tais como a linguagem ou a matemática), bem como por artefatos materiais e tecnologias. A esse aspecto, soma-se o entendimento de que a mediação se efetiva no bojo dos processos históricos, institucionais e discursivos, constituindo-se também pela atividade prática 5 e simbólica de um sujeito. Assim como as ferramentas físicas podem servir como meios auxiliares para aumentar a capacidade de controlar e mudar o mundo físico, as ferramentas simbólicas podem servir como meios auxiliares de controle e de reorganização de nossos processos psicológicos (VIGOTSKI, 2007). Do ponto de vista histórico-cultural, a mediação centra-se na dinâmica dos indivíduos em suas relações sociais. Por esta razão, não pode ser tomada como ato em alguma coisa se interpõe. Ou seja, ela não se dá entre dois termos que estabelecem uma relação. A mediação é a própria relação (PEIXOTO, 2011). Então, é preciso demarcar a distinção entre as dimensões material e simbólica do artefato, sobretudo para alertar que o artefato não se reduz ao objeto técnico ou à máquina. Ao mesmo tempo, os instrumentos psicológicos destacam-se na função de permitir ao homem o controle e a orientação de seu próprio comportamento. Ou seja, o signo é considerado como uma classe de artefatos fundamental ao estabelecimento das funções psíquicas superiores. Se tomarmos a abordagem histórico-cultural como referência para o estabelecimento de categorias de análise das relações educativas permeadas pelo audiovisual, não é prudente limitarmo-nos a um tipo particular de artefatos, sejam os instrumentos técnicos, sejam os psicológicos. Trata-se de buscar apreender num movimento dialético todos os artefatos qualquer que seja sua natureza: material ou simbólica, interna ou externa ao sujeito, individual ou coletiva. Ao mesmo tempo, é importante levar em conta a direção da ação do sujeito, que pode ser para a realidade externa, para os outros ou para si mesmo. Coloca-se também a importância de dar conta da maneira como os instrumentos se constituem para o sujeito numa íntima relação com os artefatos inscritos na história e na cultura da sociedade na qual ele vive e como, em retorno, os instrumentos dos sujeitos coletivos contribuem para as dinâmicas sociais, culturais e históricas. É importante ainda apreender as formas de organização da atividade, dos processos e das funções psíquicas que são por eles influenciadas. Assim, o cinema - compreendido num contexto de mediação - engloba tanto a tecnologia que demanda uma série de conhecimentos técnicos específicos e a sua compreensão como uma mídia que interfere tanto naquilo que comunica quanto nas atitudes e comportamentos de seu fazedor, ou seja, todo o complexo contexto histórico-cultural que o construiu e que ele ao mesmo tempo constrói. O fazedor é 6 também uma extensão da tecnologia que utiliza. Ele está nela colocado e, só assim, ela pode se tornar eficiente em sua função de produzir signos. Ao fazer cinema, se adquire mais que habilidades e competências técnicas no uso da tecnologia ou da linguagem. Ao mesmo tempo, adquire-se compreensões intrínsecas à construção de um enunciado em que se fundem múltiplas compreensões de mundo, do individual ao coletivo, do subjetivo ao social; em que aparecem representadas não apenas as idéias de um indivíduo em particular, mas de todo o contexto com o qual interage, e do qual participa passiva ou ativamente. Fazer cinema trata-se, assim, além de uma ação operativa, de uma relação mediada e complexa, em que a tecnologia tem o papel preponderante de tornar possível a concretização material do que antes era idéia. Sem ela (a tecnologia), não se produz cinema; entretanto, reconhecendo-a, também, como artefato, tem-se claro que não se pode produzir um filme independentemente de um operador-fazedor-criador. Assim, a tecnologia pode ser concebida como artefato, técnica, modo de produção e linguagem, mas, além disso, como sendo também um mediador de relações sociais que se constituem necessariamente como um campo de tensões, digase, entre o desejo e o ato de fazer cinema. O que significa dizer que a tecnologia se confunde com a própria prática. Pensar o cinema como mídia, é ir além das teorias mecanicistas que concebem a tecnologia como uma ferramenta, um meio de produção, da qual bastaria se apropriar para produzir um objeto. É, de fato, algo bem mais complexo, mesmo porque este pensamento reduz o indivíduo a um simples operador do ferramental, e neste caso seria a ferramenta a responsável pelo fazer filmes e não um sujeito. O que é imponderável, no sentido de que o artefato não age per si. Há sempre um sujeito que utiliza a tecnologia para produzir a linguagem. Cinema como linguagem Ao considerar a prática de fazer filmes como um processo de composição de signos, se é levado a deduzir que o que se produz é um objeto lingüístico e, conseqüentemente, que o cinema é uma linguagem audiovisual em que a tecnologia compreende o conjunto de todos os meios necessários a sua produção. E que há, também, um conjunto de demandas internas e externas ao fazedor que coagem esta modalidade de linguagem de modo a torná-la distinta de outras possíveis; que 7 produzem um recorte, que de certa forma, determina uma espécie de gênero, estilo ou mercadoria (indústria). A linguagem do cinema é audiovisual e abrange e se compõe de elementos de diversas outras manifestações lingüísticas, entre os quais se incluem a escrita gráfica, a imagem, o som, e, notadamente, o movimento. De modo geral, pode-se conceber a linguagem como sendo, por definição, todo e qualquer sistema estruturado de signos de que se utiliza como meio de comunicação de pensamentos, idéias, sentimentos ou sensações, sejam sob a forma de gestos, sons, símbolos gráficos etc. É percebida pelos órgãos dos sentidos, distinguindo-se, a partir deste fato, em visual, auditiva, tátil, gustativa, olfativa, ou, em suas complexas combinações de significado. Vigotski (2001), ao estudar a construção do pensamento e da linguagem associa-os como processos inter-relacionados, concomitantes e propõe o significado como uma unidade de análise em que se encontram tanto um quanto o outro. O autor destaca o papel que a linguagem exerce no desenvolvimento do que ele designa como funções psicológicas superiores, ou seja, da percepção, da memória e do pensamento humano. Esta concepção de linguagem a torna essencialmente relacional, dialógica, sustentada pelo uso e produção de símbolos. “A função da linguagem é comunicativa. A linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação social, de enunciação e compreensão”. (VIGOTSKI, 2001, p. 11). A linguagem é assim vista como ato inerentemente cultural, simbólico, que produz significados utilizando-se de signos que arbitrados sob formas sistêmicas constituem sistemas de códigos que permitem, por convenção, estabelecer relações comunicativas entre falantes. Portanto, sendo o cinema uma linguagem, constitui-se de um sistema estruturado de símbolos e códigos próprios que funciona como um mediador cultural em que os falantes podem ser representados pelos fazedores e receptores, não necessariamente diferenciados. Operadores, fazedores, criadores de cinema As abordagens da atividade mediada pelos artefatos centram-se no uso humano das ferramentas culturais. Como já foi referido, a mediação da atividade humana pelos artefatos é considerada como o fato central que transforma as relações 8 do sujeito com o mundo, as funções psicológicas, e condiciona o seu desenvolvimento. As ferramentas oriundas da cultura são os artefatos, mediadores da ação e da atividade finalizada dos sujeitos que transformam as tarefas e as atividades. Elas são objeto de diferentes formas de transmissão e de apropriação no seio das comunidades em geral, assim como nas relações educativas. Na integração das tecnologias aos processos educativos, estas não são consideradas apenas em sua dimensão técnica, mas como campo de tensões sociais, fundados nas diferentes formas de acesso e de apropriação. Por esta razão, além de se considerar as maneiras como os sujeitos se relacionam com os objetos técnicos, devem também ser levadas em conta as particularidades decorrentes das diferentes formas de inserção social, econômica e cultural destes sujeitos. Ou seja, observamos o que as tecnologias provocam no comportamento dos sujeitos e também o que os sujeitos fazem com as tecnologias. É ainda importante destacar que, segundo a abordagem aqui adotada, a análise da integração das tecnologias aos processos educativos precisa realizar as distinções entre os sujeitos destas relações. Dessa forma, a análise considera também as peculiaridades histórico-culturais destes sujeitos. É preciso, por exemplo, distinguir a atividade mediada conforme a quem ela se refira, ao professor ou ao aluno. Esta distinção também deve ser feita em relação ao processo de apropriação. Enfim, torna-se evidente que a apropriação criativa do cinema por professores e estudantes na prática de produzirem cinema cria possibilidades significativas para compreenderem e projetarem significações simbólicas a partir de tais práticas, em que o aprendizado se dá pela organicidade da experiência, em que os participantes atuam como sujeitos realizadores e criadores, superando o ato operativo, no processo de construção coletiva do conhecimento. Significações culturais podem ser compreendidas tanto no processo prático da realização, através das mediações sociais que a tecnologia possibilita ao desempenhar o papel de instrumento, desde o contexto no qual ocorre tal prática às relações intersubjetivas que emergem na ação coletiva da produção poética e estética do cinema. Ou seja, fazer cinema faz com que se ultrapasse os limites da absorção passiva de produções de outrem para imergir na realização ativa de um objeto cultural que projeta modos de ser e de viver próprios e que, a partir desta exteriorização, pode ser analisado e compreendido de forma consciente, alterando assim o estado de 9 consciência que resulta de processos de aprendizagem mais complexos, em que tanto professores quanto estudantes se beneficiam. Nada substitui a vivência, e neste caso ela assume um papel pedagógico evidente, mas também político, pois coloca os realizadores diante de si mesmos, na perspectiva de se verem como sujeitos. Conceitos como criação, liberdade, condicionamentos sociais e culturais, existência histórica, posição de sujeitos ativos na construção do conhecimento são alguns dos elementos que, pensamos, evidenciam a prática (fazer) como eixo fundamental na formação de indivíduos como sujeitos e cidadãos, o que leva a um rompimento com a continuidade, com o pré estabelecido, levando a um estado de comprometimento que coloca professores e estudantes em situação de dialogo, local privilegiado para o aprendizado. A prática de fazer filmes altera suas histórias e os confronta com seus modos de ser e objetivos de vida, ou seja, é plena de significação. Referências BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em 07 jun 2011. BRASIL. Decreto n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 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