Cuidados Paliativos: perspetivas e necessidades em Saúde Pública 19 novembro 2015 10:39 Manuel Luís Vila Capelas, Enfermeiro, Doutor em Ciências da Saúde-Cuidados Paliativos, Professor no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos Tanto os cuidados paliativos como os Direitos Humanos são baseados nos princípios da dignidade da pessoa, da universalidade e não-descriminação, em que na Carta dos Direitos Humanos está claramente referenciado que se deve respeitar o direito aos cuidados de saúde. Mais tarde, o Conselho da Europa reconheceu esse mesmo direito como inalienável com a comunidade internacional a desenvolver um conjunto de importantes documentos (Cape Town Declaration, Korea Declaration, Budapest Commitments, Lisbon Challenge, Carta de Praga, Clinical Practice Guidelines for Quality Palliative Care e “Strengthening of palliative care as a component of comprehensive care throughout the life course”), nos quais se chama a atenção para a necessidade de desenvolvimento e implementação de adequadas políticas de cuidados paliativos. Constituem um problema e necessidade de saúde pública pelo número de pessoas envolvidas afetadas e necessidade dos peritos para lidar com estas situações, pela universalidade da morte, sendo a mesma associada a sofrimento normalmente evitável, pelo impacto nos sobreviventes e pelo impacto económico nos familiares e estado. Estes cuidados, só por si, têm impacto positivo na qualidade de vida dos doentes e família, na equipa, nos outros profissionais de saúde das instituições, na forma como se abordam as doenças crónicas, na formação de outros profissionais, na promoção da prestação de cuidados compreensivos, na redução da mortalidade hospitalar, se envolvimento precoce no processo terapêutico do doente. Estes impactos positivos são atenuados ou mesmo contrariados se forem prestados assentes em desadequadas políticas de saúde e com baixa qualidade. A transposição para Portugal de todas estas recomendações leva-nos a refletir profundamente sobre o caminho percorrido até agora. Não podemos dizer que em Portugal não tem havido evolução. Se compararmos os recursos atuais com os existentes em 2007 vemos que se passou de 16 serviços para 88 (22 equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos [ECSCP], 35 equipas intrahospitalares de suporte em cuidados paliativos [EIHSCP] e 31 unidades de internamento em cuidados paliativos [UCP]). Transformando em taxas de cobertura (%), vemos que a das ECSCP passou de 4,7 para 21,2, a das EIHSCP de 3,1 para 35,7 e a das UCP de 11,1 para 43,8. Observados assim parece que o caminho percorrido é muito positivo. Eu diria apenas positivo, pois estes números não mostram a desigualdade em termos de acessibilidade de respeito pelas diversas diretivas internacionais para um planeamento estratégico adequado. Temos um distrito (Leiria), que não tem um único recurso de cuidados paliativos. Além de Leiria, temos mais oito (Braga, Castelo Branco, Évora, Guarda, Portalegre, Santarém, V. Real e Viseu) que não têm nenhuma ECSCP, assim como quatro (Castelo Branco, Guarda, Santarém e Viseu) não possuem nenhuma EIHSCP e Viana do Castelo que não tem uma única cama de internamento nesta área. Se associarmos o facto de apenas existirem em ambiente de hospital de agudos 80 camas públicas (quando deveriam existir pelo menos 252) e que estas estão localizadas em três hospitais (IPO Porto e Coimbra, e no CH Trás-os-Montes e Alto Douro), vemos que não existem respostas suficientes para o doente paliativo complexo e, principalmente, não oncológico. Associando tudo, vemos uma rede (desarticulada) assente, sobretudo no internamento, em detrimento do domicílio, e essencialmente na perspetiva de não complexidade dos doentes e num processo de referenciação muito burocratizado, onde o critério primordial de acesso é a ordem de entrada no sistema e não a complexidade dos doentes, a que se juntarmos tardias e inadequadas referenciações, temos o conjunto de ingredientes necessários para que este direito não seja garantido atempadamente, como o deveria ser, a todos os nossos cidadãos. É verdade que temos legislação, e importante, mas acontece que do papel à prática ainda falta muito. Não temos a regulamentação da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos (há mais de 2,5 anos que o Grupo de Trabalho a deu como concluída); foram retirados na RNCCI mas não se formou a RNCP, sendo que o mesmo documento abre a porta a duas redes de ECSCP, uma no âmbito da futura RNCP e a outra na RNCCI. Precisamos, como aliás vários documentos apontam, nomeadamente o “Um Futuro para a Saúde” de alterar a filosofia subjacente aos cuidados de saúde e formação prégraduada dos profissionais de saúde, pois a grande maioria dos “consumidores de cuidados de saúde” são os doentes crónicos e dependentes, com diferentes e especificas necessidades comparativamente aos doentes agudos. São estes passos, novos modelos de formação e de prestação de cuidados, com ênfase na formação pré-graduada, numa articulação clara entre os diversos níveis de diferenciação de cuidados paliativos e dos recursos em saúde, com uma intervenção precoce e integrativa, onde o doente não tenha que escolher ou ser enviado para uma das “portas” mas antes as tenha simultaneamente integradas no seu processo terapêutico, assim, como a operacionalização o mais urgentemente possível das especializações, nomeadamente na área de enfermagem, que podem ajudar a que os doentes possam usufruir destes cuidados independentemente do seu poder económico, área de residência ou tipologia de doença.