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PAULA DELGADO
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O que você vê quando me vê?
Por Enrique Aguerre
Quase desde seu início, o vídeo como linguagem – e também como suporte – se preocupou muito
em tentar definir sua especificidade em relação aos outros meios de criação artística, buscando a sonhada
maioridade. Essa operação, que envolveu a maioria dos nomes do santuário videoartístico, terminou em
um estrepitoso fracasso, coroado, por um lado, pela rápida assimilação do rebelde novo meio por parte
das instituições, com direito a “musealização”, e, por outro, pela chegada do vídeo a um estado de máxima
espetacularização, entre os orçamentos milionários e as tecnologias de ponta. De sua natureza antiarte, já
não restaria praticamente quase nenhum postulado de pé.
Esse diagnóstico, que poderia ser visto, a priori, como uma espécie de reflexão desencantada,
tem seu lado positivo e nos permite, por sua vez, novas leituras a respeito das relações do vídeo com os
meios massivos de comunicação, desde a tradicional televisão até a internet. Ele libera, de tacada, os
artistas que elegem o vídeo como ferramenta de criação contemporânea para se concentrar nos usos da
imagem a partir de uma posição claramente crítica.
A artista visual Paula Delgado é um exemplo evidente da nova geração de criadores que tomam
posição frente ao sedutor imaginário que nos incutem os meios de comunicação, questionando, em seu
caso, as estruturas impostas sobre o feminino e seus múltiplos estereótipos. O primeiro trabalho de Paula em vídeo foi feito no ano 2000, com o fim de ser exibido na mostra
de artistas jovens (todos menores de 25 anos) chamada Invisible :) (2000), realizada no Centro Cultural de
España em Montevidéu, com curadoria de Fernando López Lage.
Entre os criadores selecionados para essa mostra, se encontravam junto a Paula Delgado os
artistas Julia Castagno, Daniel Umpiérrez e Martín Sastre que, posteriormente, com Federico Aguirre, formariam o coletivo artístico Movimiento Sexy – de “cura cultural”, como costumavam se autodenominar –,
debutando formalmente no Centro Cultural Recoleta de Buenos Aires com a performance Todo por Natalia
(2001).
Como denominador comum, vale ressaltar que todos os integrantes do coletivo utilizaram a fer-
ramenta vídeo para diversas produções monocanal que realizaram entre 2001 e 2003, contribuindo cada
um com seus saberes individuais, assim como para o registro de suas incisivas performances, que tinham
o humor e a ironia como condimentos indispensáveis. O Movimiento Sexy sacudiu o mundinho artístico
vernáculo com sua desafiadora atitude iconoclasta e o contagiou, ao mesmo tempo, com um bem-vindo
comportamento pop.
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Ayer (2000) era o título do vídeo de Paula exibido em Invisible :), parte de uma instalação apresen-
tada na sala de exposições. Na obra, víamos seu alter ego, a artista Mariana, prostrada em uma cadeira
de rodas, a sós em seu quarto, evocando, através de uma fotografia, o ser amado – talvez simplesmente
desejado. A fotografia caía ao chão, saída de seu regaço, e o objeto do desejo se materializava para fundir-se em seus braços, acompanhado de carícias. Finalmente voltava a desaparecer, e a solidão se abatia
sobre Mariana de forma definitiva.
Como em uma espécie de videoclipe disforme, Mariana canta em modalidade de karaokê sobre o
tema homônimo do mexicano Luis Miguel, explorando, dessa maneira, certas estruturas impostas sobre o
papel feminino. Mariana é um ser passivo que espera o homem amado – a imobilidade sublinhada pela cadeira de rodas – e que somente pode continuar a esperar, sem tomar iniciativa alguma para que o encontro se torne realidade.
Após incursionar, nesse mesmo ano, em um vídeo com Daniel Umpiérrez para a instalação Sala
de espera (2000), desse autor, Paula produz Feliz aunque no libre (2000), que também questiona determinados ritos sociais. Como o aniversário de quinze anos das mulheres, que motiva celebrações as mais
diversas e absolutamente estereotipadas nessa altura do campeonato, do vestido e a valsa às centenas
de fotografias e – como não? – o respectivo vídeo.
O vídeo, do mesmo modo que em Ayer, surge de uma performance que Paula realiza no centro
comercial Montevideo Shopping Center. Os clientes habituais se convertem em surpresos espectadores
ao vê-la descer a escada rolante principal trajando um elegante vestido salmão e luvas brancas, e levando
um ramalhete nas mãos, para ser recebida por seu acompanhante, todo de azul, e dançar com ele a valsa
de praxe. A seu lado, uma tela de vídeo exibe a célebre tirinha Amar é…, que por meio de frases-clichês,
explicitava em que consistia, realmente, o ato de amar. Depois de terminada a valsa, o casal se retira pela
mesma escada rolante, em meio a beijos e abraços. Ao registro, Paula incorpora, nas legendas, frases de
Amar é…: “Amar é… sonhar com sinos de casamento e com bebês”, “Amar é… lavar os pratos sozinha”,
“Amar é… manter-se em forma para ele”, entre outras.
No ano seguinte, e para uma exposição individual no Subte Municipal de Montevidéu, com cura-
doria de Adriana Broadway (um projeto de Daniel Umpiérrez), realiza o vídeo Candy. Queen of Karaoke
(2001), que foi exposto com fotografias de Candy – a mesmíssima Paula Delgado utilizando novamente
um alter ego – e de sua agitada vida social: na piscina, no cabeleireiro etc.
Candy é algo como uma Jennifer Beals terceiro-mundista e oitentosa, decidida a triunfar no mara-
vilhoso mundo do espetáculo. O vídeo, gravado no edifício abandonado do Palácio de Justiça de Montevidéu, se prestava a outro karaokê, e dessa vez com coreografia incluída. O trabalho tem seu embrião em
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Candy Is among Us, apresentado na exposição BIG. Quisiera ser grande (2000), no espaço nova-iorquino
Momenta Art, com curadoria de Santiago Tavella e Fernando López Lage. A obra lhe valeria uma menção,
nada menos, no The New York Times, em dezembro de 2000.
Em 2004 e com Julia Castagno, obtém um prêmio para artistas jovens no concurso Paul Cézanne,
organizado pela Embaixada da França em Montevidéu, com a intervenção urbana Expansiva. Juntas, levarão a cabo o vídeo Karina (2006), que estréia na coletiva Soberbia y pasión (2006), no Subte Municipal.
Segundo Paula, Karina é uma obra intermediária entre suas primeiras produções e trabalhos pos-
teriores: “Sempre trabalhei sobre o tema de gênero, mas fui mudando o foco”. Karina é uma mulher que,
como tantas, enfrenta a violência cotidiana de ver seus direitos mais básicos restringidos ao ter que suportar ser hostilizada em plena via pública por alguns homens que utilizam a palavra como forma de assédio,
chegando ao contato físico. Nesse caso, há uma variante fundamental: Karina é boxeadora. E, se Mariana
esperava, Karina passa à ação.
Cómo sos tan lindo (2005) é um vídeo realizado por Paula em que a artista coloca um anúncio em
publicações solicitando homens que se considerem lindos para um casting. Catorze homens uruguaios
são selecionados para atuar e responder perguntas sobre o tema da beleza masculina. Paula define Cómo
sos tan lindo como um projeto itinerante sobre a autopercepção masculina da beleza e suas imagens
resultantes.
O vídeo esteve na exposição 13 x 13 - trece curadores / trece artistas (2005), realizada no Centro
Cultural de España de Montevidéu. O curador-geral, Manuel Neves, convidou Paula Delgado e Adriana
Broadway/Daniel Umpiérrez (que já havia feito a curadoria de Candy no Subte Municipal) para trabalhar
juntos. No catálogo da exposição, há um diálogo extremamente revelador entre Paula e Daniel, escrito ao
modo de um texto curatorial:
˗ Paula: (…) O que quero é que não dê para escapar disso.
˗ Adriana: Do que você não quer que dê para escapar?
˗ P: Da imagem de um rapaz nu como objeto erótico. É importante que a imagem seja grande
porque não é algo muito comum, cotidiano. Tampouco é muito comum permitir-se ver uma imagem assim.
˗ A: Quando você se deu conta de que isso não era tão comum?
˗ P: Sempre. Não encontro imagens que explorem o homem a partir de uma visão feminina. O que
existe costuma ser feito dentro de uma ótica homoerótica. O mais difícil é quando essa ausência é
encarada como algo normal.
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E é então que Paula decide em Cómo sos tan lindo deixar de lado os alter egos para passar a
dirigir seus retratados, a se perguntar, com eles, mais do que sobre a beleza masculina, sobre a produção
das imagens que são portadoras dessa beleza. O porquê dessa relação desigual entre corpos nus femininos e corpos nus masculinos.
A partir do vídeo gravado no Uruguai, o projeto Cómo sos tan lindo teve uma segunda parte, dessa
vez com rapazes argentinos, produzido inteiramente na Argentina – é uma característica fundamental do
trabalho elaborar a obra integralmente em seu próprio contexto – e que pôde ser visto no ano passado
na Galería Belleza y Felicidad. Com os resultados visíveis, Paula decide aumentar a aposta e gravar em
Santiago, no Chile, um terceiro vídeo.
A obra de Paula está em pleno desenvolvimento. Em cada novo vídeo que nos apresenta, ela
afina a pontaria e se torna mais incisiva ao enfrentar criticamente um estado de coisas que devem ser
revisadas e transformadas sem mais demora. As imagens produzidas por Paula Delgado nessa série de
vídeos são as imagens que faltam, as que nos são escamoteadas, as que desejaríamos que existissem...
As necessárias.
Um dos fundadores do NUVA - Núcleo Uruguayo de Videoarte, em 1988, Enrique Aguerre (Montevidéu,
1964) é referência na cena uruguaia de videoarte. Crítico, curador e professor, seu primeiro vídeo é de
1986. A partir daí, expôs em seu país e em países como Chile, Suécia, Itália, Grécia, México e Argentina.
Em 1990 e 1991, seus trabalhos integraram a seleção de vídeos apresentados na Arco de Madri. Em
1993, participou da mostra Video Views, no MoMA de Nova York, e seu vídeo San Agustín passou a integrar a coleção permanente do museu. Teve obras selecionadas nas 10ª e 11ª edições do Videobrasil, em
1994 e 1996. Esteve no 3º Festival Internacional de Vídeo do Mercosul, organizado pelo Museu da Imagem e do Som, e das 3ª e 5ª bienais do Mercosul. Organizou um dos primeiros eventos de arte eletrônica
no Uruguai, a 2ª Muestra de Videoarte Uruguayo, no Instituto Goethe, em 1988. Em 2001, selecionou
obras para Elogio del video, exposição organizada por Graciela Taquini para o Museo de Arte Moderno de
Buenos Aires, e foi curador da seleção uruguaia da 52ª Bienal de Veneza. Desde 1997, coordena o Departamento de Meios Audiovisuais do Museo Nacional de Artes Visuales.
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