A primitiva e desaparecida Igreja da Misericórdia de Lamego 173 Refere ainda que o adro da Igreja se encontrava gradeado com grades de ferro e que junto à Igreja e pegada a ela havia ainda a casa das sessões da Mesa e o celeiro ou tulha. Relativamente aos espaços, D. Joaquim de Azevedo também não faz menção ao coro e à sacristia30. O coro também não é mencionado no códice 547, mas já é referido em 1752, 1758 e 1765. Para o século XX, cingimo-nos a duas datas cruciais: 1911 e 1913. Segundo informação colhida num livro de Actas de Sessões da Mesa31, a Igreja terá sido parcialmente destruída pelas chamas, no incêndio que ocorreu na Rua de Almacave no dia 26 de Junho de 191132 que ficará gravado na história de Lamego como um acontecimento que enlutou esta terra. O templo da Misericórdia […] também foi atingido pelas chamas, e todo se destruiria, e com ele algumas suas riquezas, se não fosse o esforço de muitas pessoas33. A partir desta data e até 1913 são inúmeras as Actas de Sessões da Mesa e da Junta Geral da Irmandade, onde se dá conta da gravidade do incêndio; dos estragos que causou na Igreja; dos ofícios trocados entre a Provedoria e a Companhia de Seguros Garantia do Porto relativamente à indemnização a receber pelos prejuízos causados; da recusa por parte da Santa Casa em aceitar a indemnização por considerar o valor da avaliação injusto; das intenções da Câmara em querer trocar a Igreja da Misericórdia pelo velho templo das Chagas ou da Graça, ambos propriedade da Câmara, alegando que uma vez destruídas completamente as casas do lado poente da Rua de Almacave haveria necessidade de alargar a rua que era estreita e, assim sendo, uma vez que a rua tinha de ser reconstruída, o alargamento impunha-se e a Igreja da Misericórdia teria de ser “sacrificada” e não restaurada. Plano este que consistia em alargar a Rua pelo lado poente, seguindo uma linha recta com início na esquina de uma casa que fica ao lado da Igreja de Almacave, à esquina da frente da Igreja de São Francisco34; do pagamento da indemnização por parte da Companhia; da realização de uma nova apólice referente à Igreja e ao seu espólio35; da aceitação da Igreja das Chagas por 30 COSTA, 1986: 375. O autor também não a menciona. A.S.C.M.L. – Livro n.º 13 (6 B), fls. 110-111. Sessão extraordinaria da Mêsa de 14 de Julho de 1911. 32 CABRAL, 2002: 10-12; LARANJO, 1988: 22; SILVA, 2002: 132. Este último autor corrobora a mesma data baseando-se no livro de Cordeiro Laranjo, p. 22, nota 29. 33 A.S.C.M.L. – Livro n.º 13 (6 B), fl. 111. Sessão extraordinaria da Mêsa de 28 de Julho de 1911. 34 A.S.C.M.L. – Livro n.º 13 (6 B), fls. 111-112. Sessão extraordinaria da Mêsa de 28 de Julho de 1911. Segundo esta sessão, ficámos a saber que a Câmara de Lamego teria enviado um ofício à Mesa da Santa Casa, datado de 30 de Junho de 1911, quatro dias após o incêndio, dizendo que como parte da igreja da Misericórdia terá de ser aproveitada para o alargamento da rua, espera que a Santa Casa não mande restaurar a Igreja dos estragos causados pelo incêndio, oferecendo em troca e à escolha duas igrejas que pertencem ao município: a da Graça e a das Chagas. Perante este ofício a Mesa entendeu que não deveria levantar entraves à Câmara, não só por a julgar justa, mas também por ser vontade do povo lamecense, “apesar do muito respeito que deve haver pelo antigo templo da Misericórdia de secular existência e de nobres tradições”, alegando que não deve, “só pelo respeito do passado, entrincheirarmo-nos nelle, para defendermos a todo o tramo a sua conservação e existência, contra os sopros violentos do progresso e do gosto moderno, que exigem para as cidades e grandes povoações largas ruas e avenidas onde a luz e o ar possam dominar completamente, não se importando que para isso tenham de ser destruídos palacios antigos, templos religiosos e outras relíquias do passado […]. Se o passado nos merece respeito com mais razão deve merecer o futuro. Portanto, se a cidade de Lamego precisa do templo da Misericordia, ou antes, do seu terreno em que este assenta, para um grande melhoramento, a Santa Casa deve entregar-lho”. 35 A.S.C.M.L. – Livro n.º 13 (6 B), fls. 120v-121. Sessao ordinaria da Mesa de 14 de Dezembro de 1911. 31