XII CONGRESSO DE ECOLOGIA DO BRASIL RELAÇÕES INTERESPECÍFICAS DE LOBOS-GUARÁ (Chrysocyon brachyurus) COM SERES HUMANOS NA RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL DO CARAÇA Pedro da Costa Fernandes – Universidade Federal de Juiz de Fora, Programa de Pós-Graduação em Ecologia – PGECOL/UFJF, Juiz de Fora, MG. Pedro Henrique Nobre – Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Ciências Naturais, Juiz de Fora, MG. Artur Andriolo – Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Zoologia, Juiz de Fora, MG INTRODUÇÃO É seguro afirmar que parte da estrutura comportamental observável em Canidae deriva da ecologia social das espécies (Bekoff, 1972; Brady, 1981; Kleiman, 1967; Kleiman, 1972). Comportamentos de comunicação conspecífica como vocalizações e demarcação de território ilustram essa afirmação. (Brady, 1981; Kleiman, 1967; Sillero-Zubiri et al., 2004). O lobo-guará ( Chrysocyon brachyurus ) é uma espécie ilustrativa do comportamento solitário dos canídeos, tratando-se de um animal territorialista restrito, que só forma pares durante o período reprodutivo (Dietz, 1984; Rodrigues, 2004; Sillero-Zubiri et al., 2004). Dietz (1984) evidencia, por meio de cinco comportamentos, a sensibilidade do C. brachyurus à presença humana. A ausência desses cinco comportamentos típicos, quando próximos de seres humanos podem, juntamente à baixa reatividade à atividade humana, servir de indicadores a uma habituação comportamental. Na Reserva Particular do Patrimônio Natural do Caraça os lobos são alimentados todas as noites há cerca de 30 anos com carne de frango, ossos e, ocasionalmente, carne bovina e frutos. A área onde ocorre a alimentação é intensamente frequentada por turistas que se posicionam a uma distância aproximada de 4 a 5 metros dos lobos para observação. A ceva feita no local propiciou uma situação de fácil observação do comportamento dos lobos, possibilitando registro contínuo de seus comportamentos em vídeo. OBJETIVO Identificar e descrever os comportamentos indicativos de habituação à presença humana apresentados por C. brachyurus na Reserva Particular do Patrimônio Natural do Caraça. METODOLOGIA O estudo foi realizado na Reserva Particular do Patrimônio Natural do Caraça, município de Santa Bárbara, Minas Gerais. Trata-se de uma área dominada por biomas de transição entre Mata Atlântica e Cerrado, com altitude superior a 1300 m. O local de estudo foi o adro da igreja, onde os lobos recebem alimentação artificial diariamente. Foram realizadas quatro campanhas entre junho de 2014 e abril de 2015, cada uma com a duração aproximada de uma semana. O observador se posicionava onde os lobos eram alimentados, durante seis horas, alternando entre 18 horas à 0 hora e 0 hora às 6 horas. Quando os animais estavam presentes no local foram filmados com uma câmera Nikon D5200 para registro dos comportamentos. O número de pessoas no local era calculado pelo observador e 1 XII CONGRESSO DE ECOLOGIA DO BRASIL registrado no momento em que os vídeos eram feitos. Entre as características utilizadas na individualização estão o tamanho, tamanho e padrão das manchas negras nas patas traseiras, padrão e tamanho da mancha negra no dorso, tamanho e formato das orelhas. O tempo de permanência na área de alimentação foi calculado para machos e fêmeas. Após a identificação dos comportamentos, estes foram categorizados e realizadas análises estatísticas. As análises utilizadas foram regressão linear simples e ANOVA para estabelecer causalidade significativa entre variáveis independentes e dependentes. RESULTADOS Três lobos utilizaram a área observada: um macho e duas fêmeas. Houve disputa territorial entre as fêmeas em Janeiro de 2015, em que a mais velha foi substituída por uma mais nova. Foram registradas 5 horas 36 minutos e 6 segundos de vídeo. O tempo de permanência das fêmeas foi menor quanto maior o número de pessoas no local (p < 0,05). A mesma relação não foi encontrada quando se analisou o comportamento do macho (p > 0,05). O menor tempo de permanência no local de observação foi de 21 segundos, enquanto o maior foi de 43 minutos e 30 segundos. Foram registradas 14 categorias comportamentais, sendo duas delas relevantes à mensuração da habituação à presença humana: alerta e correr, emitidos na presença de estímulos ambientais como movimentação brusca de pessoas e sons (garrafa plástica caindo, passos no corredor de madeira próximo ao adro, tosses e espirros). Também foi observado que os espécimes se posicionavam frequentemente entre 4 e 5 metros das pessoas no local, menos frequentemente entre 2 e 3 metros, sendo relevante quando o espaço entre o lobo e a pessoa era igual ou menor que 3 metros, como proposto por Dietz (1984). DISCUSSÃO Os lobos demonstravam-se alertas à movimentação humana, não reagindo, no entanto, à voz, conversas e movimentos suaves. Nenhum dos comportamentos levantados por Dietz (1984), associados à presença humana próxima, foram apresentados pelos espécimes, mesmo que estes estivessem posicionados a menos de três metros de distância de alguma pessoa, distância considerada limítrofe pelo autor. Os padrões comportamentais encontrados por Silva e Azevedo (2013) indicam personalidades para os lobos, como tímido ou corajoso, sendo que esses padrões podem explicar as diferenças encontradas entre os espécimes. Outra explicação possível é a diferença comportamental por sexo dos animais, visto que o macho foi o único espécime a não ter seu tempo de permanência no local influenciado pela presença humana. Há também que se considerar variáveis da história comportamental dos animais observados que não puderam ser controladas nesse estudo. Todos os espécimes, no entanto, demonstram habituação situacional à presença humana na ceva, sendo que já há indicações de alterações tanto na dieta quanto na área de vida dos espécimes locais, como indica o trabalho de Silva e Talamoni (2003, 2004). CONCLUSÃO Os lobos demonstram habituação situacional à presença humana, com nuances de reação que podem estar associadas tanto a padrões de comportamento (“personalidade”) quanto ao sexo dos espécimes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEKOFF, M. 1972. The development of social interaction, play, and metacommunication in mammals: an ethological perspective. Quarterly Review of Biology: 412-434. 2 XII CONGRESSO DE ECOLOGIA DO BRASIL BRADY, C. A. 1981. The vocal repertoires of the bush dog (Speothos venaticus), crab-eating fox (Cerdocyon thous), and maned wolf (Chrysocyon brachyurus). Animal Behaviour, 29(3), 649-669. DIETZ, J.M. 1984. Ecology and Social Organization of the Maned Wolf. Smithsonian Contributions to Zoology 392(392): 1–51. KLEIMAN, D. G. 1967. Some aspects of social behavior in the Canidae. American Zoologist, 7(2), 365-372. KLEIMAN, D. G. 1972. Social behavior of the maned wolf (Chrysocyon brachyurus) and bush dog (Speothos venaticus): a study in contrast. Journal of Mammalogy, 791-806. RODRIGUES, F.H.G. 2004, Conservação do Lobo-Guará: Avaliação dos Problemas e Perspectiva, Belo Horizonte, MG, Universidade Federal de Minas Gerais, recuperado em 30 abril, 2014, de http://www.icb.ufmg.br/~beds/arquivos/loboguara.doc SILLERO-ZUBIRI, C.; HOFFMANN, M. & MACDONALD, D.W. 2004. Canids: Foxes, Wolves, Jackals and Dogs. Cambridge: IUCN. SILVA, V.S.; AZEVEDO, C.S. 2013. Evaluating personality traits of captive maned wolves, Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815) (Mammalia: Canidae), for conservation purposes. Belo Horizonte, Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais, recuperado em 20 fevereiro, 2015. 3