PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Relações Internacionais O ALCANCE DO PROTOCOLO DE PALERMO NO COMBATE AO TRÁFICO E CONTRABANDO DE SERES HUMANOS APÓS O ANO 2000 Autor: Filipe Alexandre de Souza Fonseca Orientador: Prof. MSc. José Romero Pereira Júnior 2 Universidade Católica de Brasília Pró-Reitoria de Graduação Curso de Relações Internacionais O alcance do Protocolo de Palermo no combate ao tráfico e contrabando de seres humanos após o ano 2000 Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais Universidade Católica de da Brasília como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais Orientador: Prof. MSc. José Romero Pereira Júnior Brasília – DF Novembro/2009 3 TERMO DE APROVAÇÃO Monografia defendida e aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais, em 18 de novembro de 2009, pela banca examinadora constituída por: _______________________________ Prof. MSc. José Romero Pereira Júnior _______________________________ Prof. MSc. Juliano Cortinhas _______________________________ Prof. MSc. Fernanda Fernandes Brasília – DF UCB Novembro de 2009 4 Lista de Figuras Figura 1: Perfil das vítimas de TSH em nível global. .................................................................................... 28 Figura 2: Perfil das vítimas identificadas em 61 países que coletaram dados em 2006 ......................... 30 Figura 3: Definições de Tráfico de Seres Humanos e Contrabando de Imigrantes ................................. 40 Figura 4: Percentagem dos países que adotaram legislação específica em relação ao Tráfico de Seres Humanos ......................................................................................................................................... 42 Figura 5: Criminalização do Tráfico de Seres Humanos – status das legislações nacionais por país em novembro de 2008 .................................................................................................................................... 44 Figura 6: Países que oferecem dados ao UNODC ....................................................................................... 49 Figura 7: Elementos do Tráfico de Seres Humanos ..................................................................................... 51 Figura 8: Casos reportados de TSH: principais países de origem, transito e destino ............................. 53 5 Lista de Tabelas Tabela 1: Casos apurados e condenações por TSH no mundo.................................................................. 50 6 Lista de Abreviações e Siglas Cecria - Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes COT - Crime Organizado Transnacional EUA - Estados Unidos da América INTERPOL - International Criminal Police Organization OI - Organização Internacional OIM - Organização Internacional para as Migrações OIT - Organização Internacional do Trabalho ONG - Organização não Governamental ONU - Organização das Nações Unidas OSCE - Organização para a Segurança e Cooperação na Europa Pestraf - Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual TSH - Tráfico de Seres Humanos UNIAP - United Nations Inter-Agency Project on Human Trafficking UNICRI - Instituto das Nações Unidas de Pesquisa sobre Justiça e Crime Inter-regional UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 7 Sumário 1. Introdução.................................................................................................................................. 10 1.1. O problema e sua importância .............................................................................................. 10 1.2. Hipótese ................................................................................................................................ 15 1.3. Objetivos ................................................................................................................................ 15 1.3.1. Objetivo Geral.................................................................................................................... 15 1.3.2. Objetivos específicos:........................................................................................................ 15 1.4. Metodologia ........................................................................................................................... 16 2. Referencial Teórico ................................................................................................................... 18 3. 4. 5. 6. 7. 8. 2.1. Marco Teórico........................................................................................................................ 18 O Crime Organizado Transnacional e Tráfico de Seres Humanos no pós-Guerra Fria ............... 21 3.1. Características gerais do tráfico e do contrabando de seres humanos .................................... 24 Organizações Internacionais e aplicabilidade do Protocolo de Palermo ..................................... 32 4.1 A Convenção sobre o Crime Organizado e seus Protocolos Adicionais .............................. 37 4.2. A contribuição da INTERPOL ................................................................................................ 45 Atuação dos Estados nacionais no combate ao TSH ................................................................... 48 5.1. Base Jurídica para a criminalização do TSH ........................................................................ 48 Principais dificuldades encontradas pelos Estados no combate ao Tráfico de Seres Humanos . 55 Conclusão...................................................................................................................................... 59 Bibliografia ..................................................................................................................................... 62 8 RESUMO Referência: FONSECA, Filipe. O alcance do Protocolo de Palermo no combate ao tráfico e contrabando de seres humanos após o ano 2000. 2009. Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais. Universidade Católica de Brasília. Brasília, Nov. 2009. O presente estudo busca analisar o alcance dos regimes internacionais, em especial o Protocolo de Palermo, no combate ao tráfico e contrabando de seres humanos em âmbito internacional. No que tange à metodologia utilizada no estudo, relatórios publicados pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) são utilizados como principal fonte de informação, tendo em vista a relevância deste organismo internacional para o tema. Para o desenvolvimento do estudo, apresentase um panorama do Crime Organizado Transnacional no pós-Guerra Fria, elucidando fatos importantes para a articulação contemporânea do tráfico e contrabando de seres humanos. Em seguida, analisam-se os esforços internacionais no combate ao tráfico de pessoas, com ênfase no funcionamento do Protocolo de Palermo. Finalmente, aborda-se o papel dos Estados, argumentando-se que a inexistência de métodos padronizados internacionalmente para a repressão ao tráfico e ao contrabando de pessoas gera dificuldades de mensuração de dados estatísticos dessa modalidade de crime. Conclui-se ao final que o Protocolo de Palermo ainda está em fase de ajustes devido principalmente à sua recente entrada em vigor (2003), no entanto, destaca-se que os Estados vêm demonstrando interesse em combater e reprimir o tráfico e o contrabando de seres humanos, haja vista a quantidade de Estados signatários do Protocolo de Palermo. Palavras-chave: Crime Organizado Transnacional; Regimes Internacionais; Tráfico e Contrabando de Seres Humanos. 9 ABSTRACT This study analyzes the extent of international regimes, in particular the Palermo Protocol, to combat trafficking and smuggling of human beings in the international arena. Regarding the study’s methodology, reports published by the United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) are used as the main source of information, taking into account the relevance of this international organization for the theme. To develop the study is presented an overview of transnational organized crime in postCold War, explaining important facts for the contemporary articulation of trafficking and smuggling of human beings. Next, are examined international efforts to combat trafficking in persons, with emphasis on the functioning of the Palermo Protocol. Finally, is discussed the role of states, arguing that the lack of internationally standardized methods for the suppression of trafficking and smuggling creates difficulties in measuring statistics of this type of crime. Finally, the Palermo Protocol is still undergoing adjustments due mainly to its recent entry into force (2003), however, pointed out that States have shown interest in combating and curbing the trafficking and smuggling of human humans, given the amount of the Palermo Protocol. Keywords: Transnational Organized Crime. International Regimes. Trafficking and Smuggling of human Beings. 10 1. Introdução 1.1. O problema e sua importância Um acontecimento notório que contribuiu substancialmente para a aceleração do fluxo de pessoas ao redor do mundo foi a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991. Com isso, finalizou-se a Guerra Fria, iniciada em 1947, dois anos após o fim da II Grande Guerra. Após 1991, quando os Estados Unidos da América (EUA) se sobressaiam como única superpotência mundial, e com o fim do equilíbrio de poder alimentado durante a Guerra Fria, emerge um fenômeno importante para o entendimento dos crimes transfronteiriços, a globalização. Com o intuito de esclarecer a razão pela qual a decadência da URSS representou uma ruptura e impulsionou uma nova lógica mundial, é preciso retroceder à época da Guerra Fria e apontar características essenciais para entender-se o direcionamento mundial, tão logo esta fora finalizada. A Guerra Fria consistiu em um embate ideológico no qual EUA e URSS transformaram-se em adversários devido ao choque entre seus modelos políticoeconômicos. O liberalismo e o modelo marxista-leninista entraram em conflito e racharam o mundo em dois blocos. Em 1947, o então presidente dos EUA, Harry Truman, lançou um discurso, conhecido como Doutrina Truman, no qual os EUA deveriam: “dar apoio aos povos pobres que estiverem resistindo às tentativas de dominação realizadas por minorias ou pressões externas (...) nesse momento da história, todas as nações precisam escolher entre modos alternativos de vida” (MANDELBAUM, 2003, p. 57). Com isso, a política externa estadunidense à época da Guerra Fria procurava amparar as demais nações no sentido de evitar a disseminação do modelo comunista pelo mundo, fazendo com que estas mesmas nações se posicionassem em favor de um dos dois modelos disponíveis. Com o fim da Guerra Fria, a vitória americana propiciou o advento do modelo democrático-liberal em escala mundial. Entretanto, a política dos EUA de Estado amparador aos países que seguiam seu modelo perdeu força, dada a extinção do modelo adversário. A partir de então, tendo como ponto de partida a universalização do livre comércio, o impulso dado às oportunidades de negócios possíveis nos mais diversos países do mundo, unidos à velocidade da evolução tecnológica, dos meios de 11 transporte e comunicação, pode-se estabelecer que a arena mundial tornou-se um ambiente propício para uma mais acentuada disseminação de produtos, serviços e pessoas, inclusive, daqueles originários de atividades ilícitas. O contexto internacional configurou uma vantagem aos criminosos que cruzam fronteiras a fim de incitar seus empreendimentos, já que a possibilidade de acobertar atividades ilícitas em meio a outras de caráter lícito é bastante aberta. Além disso, as disparidades entre os sistemas normativos dos Estados, visões distintas do problema e os diferentes meios com os quais os países controlam o crime internamente, geram um desequilíbrio de interesses que contribui para a desarticulação de ações conjuntas de combate ao crime organizado entre os Estados (CASTELLS, 2003). A partir do momento em que os Estados instituem leis, automaticamente, em contrapartida, surgem as contravenções jurídicas que o Direito instituído emana. Isso significa que, com o nascimento da lei, o crime surge concomitantemente e, junto a isso, se cria um aparato organizacional a fim de impedir que as regras sejam descumpridas pelos membros daquele determinado grupo de indivíduos que decidiu, democraticamente ou não, pela vigência das normas. Ao se falar de crime organizado transnacional (COT), é preciso deixar claro o que é crime, em seguida, migrar este conceito para a arena internacional e esclarecer quais características o tornam ou não transnacional, depois, buscar pontuar as razões-base para que este tipo de atividade possa ser considerado organizado (BRITO, 2007). Assim, tem-se o ato ilícito como: “ação ou omissão contrária à lei, da qual resulta danos a outrem.” (ACQUAVIVA, 1995, p. 201). Com o conceito de ato ilícito esclarecido, é de fundamental importância apontar o que configura a transnacionalidade dessa ação: “interações e coalizões que cruzam as fronteiras estatais e envolvem diversos atores não-governamentais (tais quais corporações transnacionais, bancos, igrejas, redes terroristas, ONGs).” (VIOTTI; KAUPPI,1999 apud BRITO, 2007, p.14). Com isso, já se tem o conceito de crime que será utilizado no trabalho, e o que pode torná-lo transnacional, resta assinalar sua coordenação. O crime organizado se projeta de acordo com algumas características básicas: “acumulação de rendas; busca pelos lucros; longevidade; estrutura sistematizada; uso da violência; e ligações com o poder público” (CARTER, 1994 apud BRITO, 2007, p.9). 12 O grande desafio para se combater o crime organizado ocorre no momento em que indivíduos, nacionais de um determinado Estado, com direito institucionalizado pelos órgãos estatais legítimos, cruzam as fronteiras do seu país e passam a praticar atos ilícitos em territórios regidos por jurisdições distintas das de sua origem. Em contrapartida, os Estados nacionais buscam articular-se entre si na tentativa de encontrar meios de conter negociantes que visam oportunidades de altos lucros por intermédio da exploração de atividades rentáveis e, ao mesmo tempo, consideradas crime. Um artifício que vem ganhando face dentro da luta contra o crime organizado transnacional é a tentativa de aprovação de tratados multilaterais que instituam normas comuns de direito internacional, com intuito de facilitar a aplicação legítima de sanções aos criminosos, e homogeneizar o combate e a repressão ao crime. Nesse sentido, viabilizar-se-iam possibilidades de garantir punições em qualquer lugar do mundo, ou pelo menos nos territórios de países signatários dos tratados, aos articuladores e beneficiários do crime transnacional. A Organização das Nações Unidas (ONU) desempenha papel fundamental como articuladora de ações para a constituição de aquiescência global ante aos malefícios que o COT acarreta em vários sentidos (morais, sociais, econômicos, etc.). A partir disso, observa-se a linha de conduta em que a ONU, com o reforço dos Estados, busca concretizar protocolos e convenções internacionais a fim de criar práticas de ação e procedimentos padrões para melhor combater o COT. Isso expressa o estabelecimento de regimes internacionais1 destinados a instituir, em um primeiro momento, o entendimento do problema Crime Transfronteiriço Organizado como um fenômeno global, que atua articuladamente e, para ser combatido, requer, minimamente, práticas conjuntas entre os Estados. Após se convencionar o que é COT e entender como ele opera mais frequentemente, faz-se necessário definir métodos de ação para prevenir e punir sua prática. Isso foi feito pela ONU na Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (PALERMO, 2000), que delimitou o modelo de atuação em conjunto com algumas das principais problemáticas ocorrências do COT com 1 De acordo com Stephen Krasner, regimes internacionais são: princípios implícitos ou explícitos, normas, regras, e processos de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma dada área das relações internacionais (KRASNER, 1983, p.1). 13 auxílio dos Protocolos Adicionais, especificamente referentes às Armas, Imigrantes e ao Tráfico de Pessoas. O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças (PALERMO, 2000) internacionaliza um crime inaceitável no contexto atual. Por meio do Protocolo, observam-se interesses comuns entre os Estados no sentido de reprimir o COT. Essa convergência de interesses ocorre, com mais intensidade, principalmente, quando se trata questões que envolvam comoção social ou prejuízos econômicos intensos aos cofres dos governos. No caso do tráfico de seres humanos o interesse perpassa ambos. Assim, a efetivação de acordos para a repressão de crimes tende a ocorrer com mais fluidez. O tráfico e o contrabando de seres humanos são duas modalidades distintas de atividades ilícitas, tanto é que são tratadas em Protocolos Adicionais distintos dentro da Convenção de Palermo, embora caminhem em sentidos bastante próximos no contexto do crime organizado transnacional contemporâneo. Assim, segundo o art. 3º do Protocolo Adicional (Palermo, 2000, p.3): “Trafficking in persons” shall mean the recruitment, transportation, transfer, harbouring or receipt of persons, by means of the threat or use of force or other forms of coercion, of abduction, of fraud, of deception, of the abuse of power or of a position of vulnerability or of the giving or receiving of payments or benefits to achieve the consent of a person having control over another person, for the purpose of exploitation. Exploitation shall include, at a minimum, the exploitation of the prostitution of others or other forms of sexual exploitation, forced labour or services, slavery or practices similar to slavery, servitude or the removal of organs. A grande motivação para essa prática criminosa está inserida no âmago capitalista, a intensa busca pelos recursos econômicos escassos. Negociantes que, em certa medida, têm habilidades em cruzar as fronteiras porosas proporcionadas pela globalização, encontram em indivíduos oprimidos, sem recursos ou expectativas, oportunidades de impulsionar seus negócios. Muitas vezes, o tráfico humano é apenas uma das ramificações do leque de atividades, que também podem ser legais, empreendidas pelos homens de negócios da ilegalidade transnacional. As benesses oriundas do tráfico humano podem alcançar os comerciantes basicamente de duas maneiras: 14 • Utilizar o próprio indivíduo como catalisador de renda, seja pela sua comercialização direta ou pela retirada de órgãos para o mesmo fim, ou pela exploração criminosa de sua força de trabalho, seja ela com características de escravidão, voltadas para o comércio sexual, etc. • Prestar serviços de auxílio ao transporte de indivíduos que desejam migrar para outro país. Isso pode envolver falsificação de documentos, sujeição aos clientes à situações precárias de higiene e saúde, falta de conforto e garantias do que foi acordado será efetivamente cumprido, entre outros aspectos. Devido à falta de capacidade de determinados Estados proverem serviços básicos aos seus cidadãos, estes se sentem motivados a buscar as oportunidades que lhes faltam em outros Estados. E, por sua vez, Estados capazes de prover tais serviços não estão propensos a aquiescer com a entrada indiscriminada de estrangeiros em seu território. Além disso, esses mesmos Estados incapazes de prover serviços básicos homogêneos aos seus cidadãos criam bases, indiretamente, para o surgimento de uma vasta mão-de-obra inclinada a praticar atividades ilegais, porém rentáveis. Isso permite aos mais empreendedores criarem logísticas de exploração que podem transcender fronteiras nacionais. Venda de recém nascidos a pais no exterior, promoção de venda de órgãos a hospitais especializados pelo mundo desenvolvido, abastecimento de redes de prostituição e bordéis que demandam adolescentes estrangeiras, fornecimento de mão-de-obra escrava a fazendeiros ou industriais que desejam frear seus custos de produção, dentre as mais diversas. O tráfico e o contrabando de seres humanos são problemas globais, pois envolvem vários países seja no papel de fornecedor, receptor, ou até mesmo como país utilizado para trânsito de vítimas contrabandeadas. Aos países receptores interessa uma regulação internacional mais concisa dessa categoria de crime porque os prejuízos sociais e econômicos são notáveis devido à inflação de imigrantes ilegais nas ruas, que oneram o Estado. À população mundial interessa, uma vez que é um crime capaz de causar comoção na sociedade, além dos efeitos diretos ou indiretos decorridos do prejuízo estatal como um todo. Aos países que enviam indivíduos ao estrangeiro, em geral, interessa já que estes não desejam uma 15 fuga em massa de seus nacionais para outros países assim como não pretendem (ou ao menos não deveriam pretender) o enriquecimento ilícito de criminosos. É de suma importância salientar que não raro existem países que se encontram nas duas faces da moeda, podendo elevar, assim, a propensão a cooperar no sentido de prevenir e combater o crime e amparar as vítimas no processo de reintegração das mesmas a sociedade. 1.2. Hipótese O Protocolo de Palermo tem conseguido promover a articulação entre os Estados, em âmbito multilateral, no sentido de estabelecer parâmetros mínimos de regulação para reprimir e punir os articuladores do tráfico e do contrabando de seres humanos pós 2000. 1.3. Objetivos 1.3.1. Objetivo Geral Analisar o alcance do Protocolo de Palermo no combate ao tráfico e ao contrabando de seres humanos, observando a sua relevância no que tange a possível quadro de melhorias da situação internacional em relação a este ilícito, desde a assinatura do Protocolo em 2000. 1.3.2. Objetivos específicos: - Estudar a disseminação da prática do tráfico e contrabando de seres humanos e suas principais características no pós-Guerra Fria. - Ressaltar as medidas aplicadas no combate de tal atividade e eventuais impactos do Protocolo de Palermo dentro desse contexto. resultados. Analisar como essa prática tem sido combatida pelos Estados e seus 16 - Apontar as dificuldades encontradas pelos Estados, amparados pelo Protocolo de Palermo, em demonstrar resultados no combate a essa modalidade criminosa. 1.4. Metodologia Para o desenvolvimento da presente monografia serão utilizados na pesquisa fontes primárias de informação como a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, que é instância internacional legítima no combate, prevenção e repressão do crime internacional, em especial seus protocolos adicionais que tratam de tráfico e contrabando de seres humanos. Deste documento serão retirados importantes conceitos, assim como será formulada a base para a análise do alcance do Protocolo no cenário internacional contemporâneo. Além deste, serão levados em consideração acordos regionais que normatizam o tema. O trabalho basear-se-á também em fontes secundárias como informações contidas em livros, revistas especializadas, periódicos nacionais e internacionais, entrevistas concedidas por especialistas em crime organizado, pesquisas complementares via internet, em sites de governos e de Organizações nãogovernamentais (ONGs) que atuam no sentido de divulgar informações sobre o tráfico de seres humanos, como a ONG Victims of trafficking, por exemplo, e a Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual (Pestraf) que foi realizada por um emaranhado de ONGs sob a coordenação do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), da Universidade de Brasília. Além destas, serão empregados estudos elaborados por organizações internacionais especializadas, em especial o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e os estudos desenvolvidos pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, que desde 2001 publica informações referentes ao tráfico internacional de seres humanos. Demais tratados, convenções, anais e documentos em geral que abordem o tema serão utilizados como suporte para fundamentar e substanciar as observações feitas neste trabalho acerca de tráfico e contrabando de pessoas. 17 A pesquisa se baseará em investigação bibliográfica, de modo a constar um levantamento histórico, a partir 1989, da ocorrência do tráfico e contrabando de seres humanos, bem como a articulação dos Estados e as regulações internacionais que visam amenizar os efeitos dessa prática ilegal. Levando sempre em consideração que se trata de dados estatísticos provenientes de atividades ilícitas, portanto mensurações oriundas de diferentes fontes são estabelecidas por meio de metodologias não congruentes e, em consequência disso, tendem a apresentar dados díspares, assim como é lembrado pelo estudo do grupo Davida (2005, p.155): Qualquer tentativa de apresentar estatísticas sobre o tráfico [de seres humanos] exige um cuidado especial. É necessário que o pesquisador avalie de maneira crítica as matérias de jornal e TV, assim como faz com qualquer outra fonte. No universo de dados ditos “referentes ao tráfico”, os fatos e números nunca falam por si. Portanto, de maneira a buscar atenuar tal disparidade, reitera-se que as informações aqui inseridas serão, sempre que possível, relacionadas com as provenientes de outras fontes de forma a se estabelecer prospecções comparativas no sentido de mensurar a magnitude da movimentação transnacional ilegal de seres humanos com a precisão permitida pela subjetividade dos números. É reconhecida a dificuldade de mensuração da efetividade do protocolo, tendo em vista a obscuridade inerente a essa qualificação criminosa, e, mais do que isso, pragmaticamente, o enquadramento de mais casos, não significa que o número de crimes diminuiu ou cresceu, pois os fatos apurados não correspondem ao número real de casos ocorridos. Sendo assim, para efeitos dessa monografia, será avaliada a realização de operações internacionais conjuntas para o combate ao tráfico de seres humanos e a adesão por parte dos Estados ao Protocolo também apontará aumento do alcance do regime. 18 2. Referencial Teórico 2.1. Marco Teórico Diante do problema do crime organizado transnacional, é absolutamente conveniente estabelecer para essa monografia um marco teórico embasado na imagem Pluralista das Relações Internacionais, que se alicerça em quatro princípios básicos (VIOTTI; KAUPPI, 1998): • Atores não estatais são importantes na política mundial; • O Estado não é ator unitário na política internacional (grupos de interesses, empresas multinacionais, organizações multilaterais têm importância nesse contexto); • Os pluralistas desafiam a premissa realista do Estado como ator racional, destacando a falta de unidade no que se aplica como interesse nacional; e • A agenda política internacional é extensiva. Temas como meio ambiente e direitos humanos, crime organizado também estão a ela vinculados. Em contrapartida, a segurança nacional baseada na força militar deixa de ser a maior preocupação estatal, ainda que esta permaneça como tema importante. A partir de tais características, a justificativa para o embasamento teórico nesta corrente elucida-se, pois o combate ao COT está inserido na agenda extensiva dos Estados. Multilateralmente, por meio da celebração de acordos sob auspícios de organizações internacionais, no caso o mais influente o UNODC, os Estados articulam-se para enfrentar as redes de crime que atuam com bastante destreza internacionalmente. A corrente pluralista denota as relações internacionais como uma teia, na qual um sistema mais complexo composto não apenas por Estados, em que atores nãoestatais interagem e influenciam os tomadores de decisão, emergindo uma interdependência entre Estados e sociedades. Na interdependência estão envolvidos efeitos recíprocos entre países e atores ou entre atores em países distintos. Assim, ao passo que a interdependência entra em cena, as forças militares 19 tendem a perder poder na resolução de conflitos. A gerência das relações interdependentes envolve a criação de determinadas normas e padrões de procedimentos, que são regimes internacionais, definidos por Krasner (1983, p. 1) como: “implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making procedures around which actors’ expectations converge in a given area of international relations”. Para se explicar a natureza da formação, evolução e como regimes internacionais afetam o comportamento do Estado e resultados coletivos em áreas temáticas das relações internacionais existem três escolas de pensamento (VIOTTI; KAUPPI, 1998): • Teorias realistas (baseadas no poder): regimes se mantêm quando um Estado possui a preponderância dos recursos de poder. Como por exemplo, ocorrido após a Segunda Guerra Mundial com os EUA. Uma vez que essa preponderância se esvai e o poder é disseminado mais igualmente entre os Estados, os regimes tendem a perder preponderância. • Teorias do interesse (neoliberais): destacam papel dos regimes no auxílio aos Estados na concretização de interesses comuns. O autor que melhor exemplifica a corrente é Robert O. Keohane (1984 apud KRASNER, 1983, p. 2) com o Institucionalismo Neoliberal desenvolvido no livro After Hegemony. Para ele, regimes são mais do que acordos ad hoc, há uma distinção que deve ser considerada ao se tratar o tema. Robert Jervis (1983, apud KRASNER, p. 3) argumenta que o conceito de regime “implies not only norms and expectations that facilitate cooperation, but a form of cooperation that is more than the following of short-run self interest”. • Teorias cognitivas: são críticas das outras duas, devido à dependência daquelas as teorias realistas. Teorias cognitivas argumentam que os interesses dos Estados não são dados, mas sim criados. As crenças dos tomadores de decisão moldam suas preferências na formação do interesse nacional. Regimes internacionais são baseados na mais ampla estrutura normativa da sociedade internacional e, como resultado, os Estados não podem ignorar os acordos sem pagar algum 20 preço por isso. Como argumentam Kratochwil e Jonh Ruggie (1998, apud VIOTTI; KAUPPI, p. 217) os regimes vão além das funções regulatórias, eles criam um mundo social comum que interpreta o significado de comportamento internacional. Teórico pluralista que merece ser levado em consideração é Ernest Haas (1983, apud KRASNER, p. 2), que argumenta: não há interesse nacional engessado assim como não há regime ideal. Importante contribuição, pois permite o entendimento de que os regimes atuam de acordo com a necessidade derivada de mudanças no contexto internacional, ou seja, os regimes adaptam-se para melhor contribuir com a regulação da vida internacional. No sistema internacional atual, regimes são importantes porque estabelecem procedimentos padronizados a serem adotados pelos Estados em torno de determinada questão das relações internacionais. No caso do COT, o Protocolo de Palermo é a iniciativa mais influente no contexto atual no sentido de coibir e punir o COT. É uma padronização de normas e procedimentos a serem praticados pelos Estados signatários no que concerne à investigação, mensuração e punição do crime, atuando como regime internacional com base legal. Diante do exposto, cabe destaque à relevância de regimes internacionais quando se trata de combate ao crime organizado transfronteiriço. O COT é problema reconhecido nas relações internacionais contemporâneas, pois consiste em um poder paralelo capaz de influenciar e moldar políticas públicas atuantes contra as redes criminosas articuladas. Assim, a adequação e o alcance dos regimes internacionais que contra ele atuam são extremamente importantes. Políticas de sucesso devem ser mantidas e aprofundadas, políticas falhas devem ser banidas e cambiadas por outras mais consistentes, pragmáticas e efetivas. É papel deste trabalho verificar a viabilidade do custo benefício em manter-se o regime contra o COT em vigor, ou se melhor seria buscar meios de aperfeiçoamento ou substituição compatíveis e viáveis aos Estados signatários. 21 3. O Crime Organizado Transnacional e Tráfico de Seres Humanos no pós-Guerra Fria O objetivo do primeiro capítulo deste trabalho é contextualizar o leitor sobre as circunstâncias e sob qual intensidade o Crime Organizado Transnacional (COT) e, mais especificamente o Tráfico de Seres Humanos (TSH) vêm ocorrendo no mundo, principalmente após a assinatura do Protocolo de Palermo, em 2000. É válido destacar que, embora a disseminação do TSH tenha ganhado força após o fim da Guerra Fria, informações mais consistentes sobre casos são encontradas com maior uniformidade somente a partir da década de 2000, concomitantemente à celebração realizada em Palermo. Consequentemente, este trabalho será baseado nas referidas informações e apresentará algumas tendências do crime transnacional e mais precisamente do TSH em âmbito mundial. No que concerne ao COT, sua estrutura e aplicação, Castells (1999) escreve sobre o fenômeno que são as redes de crime organizado interconectadas globalmente que efetuam operações ilegais. Para ele, elas possuem remunerações elevadas justamente por serem legalmente proibidas. A lavagem de dinheiro permite que essas práticas sejam perpetuadas e que sejam feitas conexões entre a economia do crime e a economia formal. Os lucros exorbitantes quando são lavados e sua origem ocultada permitem aos criminosos utilizá-los para qualquer fim sem maiores implicações. Os preços pagos pelo bem ou serviço ilegal aumentam ou diminuem à medida que o grau de dificuldade imposto pela ação do organismo repressor para a execução da atividade ilícita oscila. Criminosos geralmente procuram locais em que a remuneração é mais alta e os riscos baixos. O autor aponta ainda algumas características do crime organizado como: violência implacável, pagamento de funcionários para facilitação da atividade e contração de assassinos de aluguel. É importante perceber que a existência de fatores como: instituições nacionais ineficientes, falta de controle eficaz das fronteiras estatais, a chamada Era da Informação, com os avanços dos meios de transporte e comunicação e Estados incapazes de prover bens básicos aos cidadão aceleram a perpetuação da cultura do crime organizado. Nesse sentido, Gomes Lamas (2003), utilizando os argumentos de Putnam e Lupsha (2003, apud GOMES LAMAS) destaca que as mudanças estruturais 22 ocorridas no sistema internacional desde a última metade do século XX condicionaram o agravamento da pobreza nas sociedades. Isso contribuiu com respostas violentas por partes de grupos insatisfeitos com a injustiça social vigorante em Estados nos quais as estruturas administrativas se mostraram inoperantes. Assim, grosso modo, brotou a possibilidade do aparecimento das redes de crime organizado. Meios de transporte e comunicação mais sofisticados contribuem massivamente para a interligação processual de tais redes. A autora referencia Castells e enfatiza que as organizações expandem-se territorialmente e podem migrar de ramo de atividade ou incrementar sua linha de ilícitos, de acordo com a conveniência. A professora Louise Shelley (2006, p. 43), também possui argumentos que corroboram com os autores citados: Grupos criminosos e terroristas têm explorado o grande declínio nas regulamentações, o afrouxamento dos controles de fronteiras e a maior liberdade resultante para ampliar suas atividades nas fronteiras e em novas regiões do mundo. Claire Sterling (1994, p.14) destaca o fim da Guerra Fria como fator importante em relação à evolução do COT: Organized crime was transformed when the Soviet Empire crashed, and with it a world order that had kept mankind more or less in line for the previous half-century. As the old geopolitical frontiers fell away, the big crime syndicates drew together, put an end to wars over turf, and declared a pax mafiosa. Sandroni (2009) reconhece e parte da ideia de Sterling para, nesse sentido, acrescentar que a queda soviética nos anos 90 juntamente com o aumento das guerras regionais e consequentemente a elevação da demanda por armas e mãode-obra, se ligam geralmente ao comércio transnacional ilegal de drogas, diamantes e pessoas. Aspecto ainda não totalmente esclarecido dentro da esfera de crime organizado é a própria definição de crime organizado internacional, pois é algo reconhecidamente complexo. Carter (1994 apud BRITO, 2007, p.9) reconhece algumas feições básicas para a definição de crime organizado: “acumulação de renda; busca pelos lucros; longevidade; estrutura sistematizada; uso da violência; e ligações com o poder público”. 23 Guaracy Mingardi (1996, p.69) vai além dessa base e amplia as características do crime organizando, listando quinze: 1) práticas de atividades ilícitas; 2) atividade clandestina; 3) hierarquia organizacional; 4) previsão de lucros; 5) divisão do trabalho; 6) uso da violência; 7) simbiose com o Estado; 8) mercadorias ilícitas; 9) planejamento empresarial; 10) uso da intimidação; 11) venda de serviços ilícitos; 12) relações clientelistas; 13) presença da lei do silêncio; 14) monopólio da violência; 15) controle territorial. Em complemento, Sandroni (200-) coloca a pedra fundamental da transnacionalidade criminal reconhecendo que a utilização da violência como meio para a proteção da atividade ilícita e do lucro é essencial, além disso, a corrupção e o nexo de internacionalidade, ou seja, as operações além fronteiras, também são traços primordiais. O Ministério da Justiça do Brasil, de acordo com o expresso em sua página da internet, corrobora com complexidade do desafio de se detalhar e combater o tráfico de pessoas e reconhece a multidimensionalidade do fenômeno. Atualmente, esse crime se confunde com outras práticas criminosas de violações aos direitos humanos e não atende somente à exploração de mão-de-obra. Alimenta também redes internacionais de exploração sexual para fins comerciais, muitas vezes ligadas a rotas de turismo sexual, e quadrilhas transnacionais especializadas em remoção e tráfico de órgãos. Nesse contexto, Castells (2003) evidencia a ocorrência de comércio de órgãos promovidos pelos governos, como o Chinês que vende órgãos de pessoas ainda vivas. A alta tecnologia na área de medicina minimiza extremamente os riscos de rejeição de órgãos transplantados, cria bases e impulsiona o tráfico mundial de órgãos. Tarefa importante a ser executada é esclarecer a motivação pessoal dos indivíduos que aspiram migrar para obter melhores condições de vida. O modelo econômico liberal permite e instiga os indivíduos a buscarem condições de vida mais favoráveis. Dessa maneira, é possível correlacionar noções sobre o funcionamento dos mercados globalizados para trazer a tona importantes aspectos sobre o crime. Álvaro de Vita (1999, p. 49) destaca a existência de assimetrias na distribuição de renda e riqueza e no acesso dos cidadãos a oportunidades. Isso pode ser mais bem esclarecido pela não observância do Princípio da Igualdade Liberal de Oportunidades, tendo em vista que as oportunidades de partida para os 24 indivíduos não são equivalentes, há uma assimetria quando a riqueza é distribuída de acordo com o mérito. A preocupação fundamental, quando o que está em questão são as bases institucionais para uma convivência em termos mutuamente aceitáveis, não é quanto cada um possui — de renda, riqueza e bens materiais. O que importa é avaliar se o quinhão de recursos que cabe a cada um é suficiente para que cada pessoa possa se empenhar na realização de seu próprio plano de vida e concepção do bem e, dessa forma, desenvolver um sentido de auto-respeito. Desde que as diferenças relativas de renda e riqueza não sejam excessivas, não constitui uma objeção razoável ao princípio de diferença dizer que ele não satisfaz as expectativas que são geradas por sentimentos de rancor e de inveja pela parcela distributiva mais favorável que coube a outros. Com base no exposto, é possível observar que, principalmente em grande parte dos países em desenvolvimento, as diferenças relativas de renda e riqueza são excessivas e as instituições políticas desses países são incapazes de garantir acesso a oportunidades pleno a todos os indivíduos, isso gera insatisfação e rejeição a estrutura institucional imposta e incentiva a busca por recursos fora da esfera meritocrática. Dessa possibilidade encontra-se a fenda que estimula a prestação de serviços remunerados pelo risco, dentre os quais pode-se destacar o crime. 3.1. Características gerais do tráfico e do contrabando de seres humanos A vertente de COT que será explorada mais profundamente a partir desse momento são os crimes internacionais relacionados ao tráfico e ao contrabando de seres humanos. A respeito da prática do contrabando de seres humanos, Naím (2006) evidencia intermediários, conhecidos como coyotes, envolvidos no processo de contrabando humano. Os coyotes recebem seu pagamento por cabeça traficada e utilizam meios para intimidação, como a coerção associada à violência física, mental e sexual, também incentivam o consumo e o tráfico de drogas aos indivíduos que estão conduzindo a cruzar as fronteiras. Essa relação entre tráfico de seres humanos e tráfico de drogas pode ser intimamente próxima, e frequentemente o é, dado os contrabandistas utilizarem os indivíduos contrabandeados como veículos 25 humanos para o transporte de entorpecentes, conhecidos como “mulas”. Interligada à atividade criminosa, Naím ainda destaca que a corrupção dos agentes que deveriam fazer a fiscalização e punição dos criminosos é elemento fundamental para a manutenção da atividade ilícita. Para Castells (2003), o contrabando de imigrantes ilegais também remete a figura do coyote em escala global, tendo em vista o desejo de indivíduos penetrarem em outros países, principalmente nos mais afluentes e as dificuldades impostas pelo controle das fronteiras dessas nações. Os contrabandistas lucram pelo serviço de facilitação de entrada criminosa e muitas vezes perpetuam seus lucros por meio da exploração contínua dessas pessoas em regimes de trabalho com características similares a escravidão. Esse fluxo cada vez mais intenso de imigrantes indesejados para países desenvolvidos influencia no desencadeamento de reações xenófobas e mitiga a tolerância cultural. De fato, a intolerância e, sobretudo o preconceito auferido às vítimas de TSH, que são em geral, mulheres entre 13 e 30 anos, afro-descendentes e vulneráveis socialmente (ILO, 2008). O tráfico de pessoas é objeto de preconceito porque atinge, em grande medida, mulheres, negros, pobres, crianças e a população segregada socialmente. Para Adriana Maia, assistente do projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas do UNODC, o fato de grande parte das vítimas do tráfico serem prostitutas é utilizado como justificativa para o preconceito. De acordo com a assistente: "Com frequência ouvimos as pessoas falando sobre as vítimas: 'Ah ela sabia que iria se prostituir'. Sim, mas ela sabia em que condições? Ela sabia que teria a vida ameaçada, que acumularia dívidas, seria explorada, que teria os direitos violados?" (BALZA; SCARELLI, 2009). Ainda nesse direcionamento, Shelley (2008) destaca que o tráfico humano emergiu recentemente como um dos principais temas da política internacional. Suas consequências são diversas e afetam a vida social, política e econômica nos países. Segundo a autora, alguns sugerem que é terceira forma mais lucrativa do crime organizado depois apenas do tráfico de drogas do comércio de armas. Entretanto, o tráfico de seres humanos tem uma distinção importante, muitas vezes os seres humanos podem ser explorados repetidas vezes, gerando assim altos lucros e por longo período para os aliciadores. 26 O número de indivíduos vulneráveis ao tráfico aumentou dramaticamente desde o colapso da União Soviética, com o aumento de conflitos regionais após o fim da Guerra Fria. O aumento da quantidade de refugiados resultantes de conflitos armados e catástrofes naturais, falta de emprego e globalização econômica, que tem marginalizado muitas comunidades rurais, contribuem para a ampliação do tráfico. Ineficientes Estatutos nacionais de Prevenção à discriminação da mulher colaboraram com o do tráfico sexual. Outro fator que instiga indivíduos a buscarem a migração é a falta de trabalho e qualidade de emprego, que pode ser considerada como fator potencializador do tráfico e contrabando de seres humanos. Bolzon e Vasconcelos (2008) destacam o aumento do desemprego mundial evidenciado desde a década de 90. Ao se tratar de pessoas empregadas, cerca de 65% destas encontra-se em situação de pobreza ou extrema pobreza segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A busca por melhores condições de vida leva muitas pessoas a procurar outros locais para trabalhar e viver, que pode ser em outros países, esse trânsito é feito por vezes de maneira ilícita, com a participação de criminosos especializados. De acordo com o Relatório elaborado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos intitulado Trafficking in Persons Report (2009), o tráfico de seres humanos é um crime desumano. No que podem ser atribuídas como principais causas do TSH encontram-se a elevada oferta mundial de mão-de-obra desocupada, a interconexão de redes criminosas internacionais, corrupção, sistemas educacionais insatisfatórios, pobreza e desinformação sobre oportunidades arriscadas de trabalho no exterior que tornam as pessoas vulneráveis ao tráfico. Isto é válido tanto para o tráfico sexual, quanto para o trabalho forçado. É absolutamente apropriado o entendimento que as pessoas almejam melhores condições financeiras. A partir disso, a medida que crescem as desigualdades sociais e de renda, surgem mais pessoas suscetíveis tanto ao trabalho forçado, quanto ao tráfico sexual, pois, há aumento da oferta disponível de potenciais vítimas de TSH em todo o mundo. Pode-se entender como exemplo bastante pontual a crise econômica desencadeada no segundo semestre de 2008, que provocou queda no emprego e renda em diversos países devido, entre outros fatores, à redução significativa dos rendimentos reais de empresas e pessoas, desaceleração de investimentos, queda da atividade econômica etc. A falta da realização pessoal das necessidades de sobrevivência provoca uma procura por 27 algum tipo de atividade rentável, que pode ser desempenhada no exterior, correspondendo, sobretudo, à elevação do risco de tráfico. Mais pessoas estão desempregadas, mais pessoas estão sujeitas à situação de pobreza crônica, mais pessoas estão vulneráveis às promessas sedutoras de uma vida melhor em outro lugar – onde poderão ser sequestradas, escravizadas e violadas. Esse é o funcionamento clássico da indústria do tráfico humano, que ganhou fôlego renovado com o agravamento da crise financeira mundial (UNITED STATES DEPARTMENT OF STATE, 2009). Segundo a secretária de Estado norte-americano, Hillary Clinton, no relatório "Trafficking in Persons Report" (2009, p.2): As the ongoing financial crisis takes an increasing toll on many of the world’s migrants – who often risk everything for the slim hope of a better future for their families – too often they are ensnared by traffickers who exploit their desperation. O jornalista Moisés Naím (2006) dialoga bastante com essa perspectiva ao evidenciar que o motor do tráfico de seres humanos é movido, entre outras peças também relevantes, por dois principais atores: os indivíduos que aspiram migrar para locais onde as condições para viver são melhores e os traficantes ou coyotes que utilizam suas capacidades de driblar barreiras impostas pelos Estados contra a entrada indesejada de estrangeiros. Os traficantes fazem disso um mercado lucrativo, no qual atravessam indivíduos de um país para outro. Com objetivo de elucidar a dimensão do TSH na atualidade, a Organização Internacional do Trabalho, de acordo com relatório intitulado “Forced Labour” (2009), estima que atualmente: • 12,3 milhões de adultos e crianças desempenham trabalho forçado e/ou servidão sexual; • Existem 1,39 milhões vítimas de tráfico sexual, a nível nacional e transnacional. Destas, 56% das vítimas de trabalho forçado são mulheres e crianças do sexo feminino. Em nível mundial, o tráfico de seres humanos para exploração sexual é mais comumente apurado do que o tráfico para fins de trabalho forçado. Observa-se que a exploração de pessoas do sexo masculino tende a relacionar-se ao trabalho forçado, enquanto a exploração sexual é relatada com maior frequência entre 28 indivíduos do sexo feminino. Atenção especial a estes relatórios deve ser prestada, pois apuração maior de casos relacionados à exploração sexual de pessoas do sexo feminino, não são, por si só, informações suficientes para concluir-se que esta é a modalidade-fim de TSH mais frequente no mundo. No que tange ao tráfico para fins sexuais, Shelley (2008) destaca que a demanda por mão-de-obra prestadora de serviços sexuais no mundo desenvolvido e nos petrostates ampliou os mercados de destino para pessoas traficadas. No entanto, esta divisão entre os países (demandadores e fornecedores) não é simples de se observar. Os países podem simultaneamente enviar e receber indivíduos. Mulheres russas são traficadas para exploração sexual na Ásia Central e em outros locais no exterior, ao passo que homens são enviados à Rússia para exploração trabalhista. Muitos chineses são vítimas do tráfico e obrigados a trabalhar em outro país, enquanto mulheres russas e tailandesas são traficadas para fins sexuais nas grandes cidades chinesas. A figura 1 demonstra as estimativas tanto do sexo das vítimas de TSH quanto da modalidade de exploração desempenhada. Percebe-se que, de fato, as mulheres são as maiores vítimas do TSH e a exploração sexual é a finalidade mais comumente apurada. Figura 1: Perfil das vítimas de TSH em nível global.2 Fonte: UNODC (2006a, p.33). 2 The figures in the graph refer to the percentage of sources in the Trafficking Database that refer to cases involving the particular feature of human trafficking practice. Note that the sum of percentages is over 100 because one source can indicate more than one victim profile or form of exploitation (UNODC, 2006a). 29 O tráfico para exploração sexual domina as discussões sobre o desígnio do tráfico de seres humanos. O tráfico de pessoas para fins de trabalho forçado não é visto como problema significativo em muitos países, ao passo que a identificação das vítimas tem sido ainda menos bem sucedida, se comparada aos casos enquadrados como exploração sexual. Grande parte dos países identificou que as vítimas do tráfico humano são, em sua maioria, mulheres e crianças, aparentemente, vulneráveis à exploração sexual. Muito menos comum é encontrar relatórios que contenham identificação de vítimas do sexo masculino ou vítimas que tenham sido submetidas a trabalho forçado. Com isso, atenção bastante especial é dada à identificação de casos de tráfico de seres humanos com fins de exploração sexual. O relatório do UNODC intitulado Global Report on Trafficking in persons (2009), permite que se tenha ideia preliminar do perfil das vítimas de TSH na segunda metade da década de 2000. As vítimas de tráfico de seres humanos, geralmente, são identificadas através de processo penal instalado e/ou por meio de organizações de assistência às vítimas. Mais de 21.400 vítimas foram identificadas em 2006 entre os 111 países que forneceram dados sobre vítimas no ano. Tal como acontece com os criminosos, o perfil das vítimas é altamente influenciado pelas leis e prioridades locais, que muitas vezes são concentradas em crianças ou mulheres vítimas de exploração sexual. Com essa advertência em mente, em 61 países, nos quais o sexo e a idade da vítima foram especificados, dois terços eram mulheres e 13% meninas, como se pode observar na figura abaixo. 30 Homens 12% Mulheres 66% Garotas 13% Garotos 9% Figura 2: Perfil das vítimas identificadas em 61 países que coletaram dados em 2006 Fonte: UNODC (2009c, p.11). Elaboração própria. Destes 61 países, em 52 deles nos quais a forma de exploração foi especificada, 79% das vítimas foram submetidas à exploração sexual. Isso comprova que a exploração laboral e as vítimas do sexo masculino são relativamente menos detectadas. De acordo com o Global Report on Trafficking in persons (2009), a quantidade de casos de mulheres exploradas sexualmente é elevada em todas as regiões do mundo, mesmo em países onde outras formas de tráfico são rotineiramente detectadas. É evidente que a exploração do tráfico de seres humanos foi impulsionada principalmente pelas redes de crime organizado atuantes tanto em países de origem de indivíduos traficados, quanto em países de destino. Com base nos dados recolhidos pelo referido relatório, se observa que a maioria dos traficantes são cidadãos do país onde foram presos. Isto sugere que as redes criminosas locais recrutam as vítimas e vendem-nas a redes criminosas sediadas nos países de destino. A atuação dos criminosos apresenta similaridades: propostas de melhores condições de vida auxiliam na aquisição de confiança das vítimas e concretização do tráfico propriamente dito. No momento em que a exploração ocorre de fato, tática bastante percebida é a ameaça feita aos traficados de que seus familiares serão retaliados caso a vítima apresente atitudes hostis ou arrisque fugas. Assim, os recrutadores do país de origem, colaboram nesta etapa de forma incisiva, tendo em vista estarem em melhores condições para conceder informações aos exploradores das vítimas no exterior. 31 Shelley (2008) ainda coloca que neste negócio, não estão incluídos apenas os novos e antigos grupos do crime organizado, estão também grupos terroristas e guerrilheiros, bem como aqueles comumente identificados como criminosos de colarinho branco, indivíduos com elevado status social, por exemplo, vários traficantes da Eurásia são indivíduos com formação superior. Grupos de traficantes chineses seguem um modelo similar ao adotado pelos traficantes russos após a queda da URSS. De acordo com este modelo, as vítimas do tráfico são controladas pelos traficantes do ponto de recrutamento até o seu destino final. Isso ocorre devido à pressa em se recuperar o capital investido e maximizar lucros, já que não há a ação de grupos intermediários. Michael Cory Davis (2007) relaciona o tráfico de seres humanos à corrupção e explica que, geralmente, os países fornecedores de imigrantes são pobres e corrompidos, isso facilita o trabalho dos traficantes já que várias pessoas desejam migrar. Na América Central, grupos de tráfico estão fortemente envolvidos com o tráfico sexual e transporte das vítimas para os EUA através de uma rede consolidada. Reputação de violência e faro por assassinato são traços comuns aos traficantes de seres humanos e, como consequência, as vítimas são tomadas pelo medo e não costumam denunciá-los. Os altos lucros desse ilícito são mais do que suficientes para subornar funcionários públicos, policiais e juízes. A aplicação das leis é muitas vezes problemática. A figura do traficante é para Davis (2007), assim como para Shelley (2008), muitas vezes falaciosa, pois algumas vezes é representada por atores aparentemente respeitáveis dentro da sociedade como policiais, médicos, amigos, familiares, dentre outros. Ademais, de acordo com Global Report (2009), o número de condenações por TSH está aumentando no mundo, porém não proporcionalmente ao crescimento do problema e da crescente percepção sobre o assunto. Ainda se observa informações desencontradas e inconsistentes sobre o TSH. É verdadeira a afirmativa de que, como se trata de um ilícito cuja difusão internacional é relativamente recente, e dadas várias distorções jurídicas entre os países no tocante ao tema, é consideravelmente complexa a apuração e a consequente repressão ao TSH. 32 4. Organizações Internacionais e aplicabilidade do Protocolo de Palermo O presente capítulo tem o objetivo de destacar medidas aplicadas por Organizações Internacionais (OIs) com objetivo de combater o TSH. Especial atenção será direcionada ao UNODC, entidade internacional que atua junto da ONU no combate às redes internacionais de crime organizado, a International Criminal Police Organization (INTERPOL), que atua internacionalmente no sentido de reprimir e coibir o crime transnacional, bem como ao Protocolo de Palermo assinado em 2000, que é o instrumento jurídico de abrangência internacional que trata de crime organizado transnacional. É de suma importância para o combate ao TSH a atuação das OIs, pois é a partir das ações por elas coordenadas que o combate ao COT ganha padronização internacional e pode ser combatido e analisado de maneira mais consistente. Nesse sentido, será explicitado o importante papel exercido pelo UNODC. O UNODC foi criado em 1997, com o objetivo de dar uma resposta coordenada global às questões ligadas a crimes internacionais como tráfico de drogas, terrorismo, corrupção e tráfico de seres humanos. Para a consecução desses objetivos, o UNODC atua por meio de três frentes principais: pesquisa, que inclui coleta e análise de dados; orientação e apoio aos governos na criminalização de ilícitos por meio de convenções, tratados e protocolos relacionados ao amparo institucional; e oferecendo assistência técnico-financeira aos governos para enfrentar as respectivas situações e desafios nestes domínios. A agência tem aproximadamente 500 funcionários no mundo e grande parte do orçamento do escritório (90%) vem de contribuições voluntárias de países. O UNODC é guardião do Protocolo da ONU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, suplementar à Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, em vigor internacionalmente desde 2003 (ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA DROGAS E CRIME, 2009). Ademais, o UNODC é a agência das Nações Unidas que, em âmbito mundial, trata de tráfico e contrabando de seres humanos. É a instância responsável por captar informações, analisá-las e publicar estudos focados nesta modalidade de ilícito ao redor do mundo no sentido de tornar a prática criminosa conhecida e buscar uniformizar o combate ao TSH nos diferentes países. Com base nos estudos 33 elaborados pela entidade desde sua fundação, estabeleceu-se internacionalmente um padrão metodológico mínimo, devido às discrepâncias nas metodologias de organismos que apuram dados relativos ao TSH. O escritório elabora manuais que indicam linhas de pesquisa e atuação para a apuração de dados mais consistentes e passíveis de análise fundamentada sobre o TSH. Além disso, recomenda um método unificado de atendimento às vítimas, que consiste em tratamento humanizado com o objetivo de minimizar futuros traumas pessoais, que impeçam a reintegração da vítima à sociedade. A agência coleta informações sobre as legislações dos países, estatísticas criminais e dados sobre traficantes e vítimas identificadas pelas autoridades estatais e outras instituições, como, por exemplo, ONGs dos 155 países-membros (UNODC, 2009c). O Programa contra o Tráfico de Seres Humanos foi planejado pelo UNODC em colaboração com o Instituto das Nações Unidas de Pesquisa sobre Justiça e Crime Inter-regional (UNICRI) e lançado em março de 1999. O Programa atua de maneira cooperativa com os Estados-membro envidando esforços para combater o tráfico de seres humanos e, de maneira mais ampla, visualizando o problema dentro da esfera do crime organizado, promovendo, assim, medidas para reprimir ações relativas ao tráfico humano e ao crime organizado transnacional (ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA DROGAS E CRIME, 2009). De fato, há longo caminho a ser percorrido no que concerne ao combate ao TSH, dadas principalmente as restrições orçamentárias de grande parte das nações, a precariedade de informações em alguns países, a dificuldade de acesso a dados ou ainda a não colaboração das autoridades competentes dos Estados em compartilhá-los e, até mesmo, a não existência de informações. Para que se estabeleça melhor articulação internacional em relação ao combate ao TSH, em grande medida, as restrições mencionadas precisam ser vencidas ou ao menos minimizadas. É nesse sentido que o UNODC, por meio de cooperação, busca auxiliar os Estados na mensuração de dados e, consequentemente no combate ao TSH. Os resultados apresentados pelo UNODC são reconhecidamente insuficientes, embora oriundos de compilação de dados disponibilizados por 155 países. Isso ocorre basicamente, como já abordado, devido à dificuldade em se apurar atos ilícitos internacionais. Por recomendação do UNODC, que visa a 34 padronizar os métodos das investigações realizados tanto por governos nacionais quanto por organizações não-governamentais, há busca de dados em três áreas (UNODC, 2009b): − Informações sobre os quadros legislativos e administrativos dos Estadosmembro do UNODC, incluindo leis contra o tráfico; criação de programas governamentais de apoio e proteção às vítimas; criação de unidades especiais contra o tráfico de pessoas e; elaboração de planos de ação nacionais para lidar com o problema do tráfico humano. − Dados da justiça criminal, incluindo o número de investigações, prisões e perseguições; e − Informações sobre os serviços às vítimas, incluindo o número de vítimas identificadas pelas autoridades públicas e protegidas por prestadores de serviços, e o número de vítimas estrangeiras que retornam para seus países de origem. As informações disponíveis para os 155 países são heterogêneas, algumas mais consistentes, outras insuficientes ou inexistentes. Ainda assim, esta é uma taxa de cobertura notável dada à complexidade do tema, escassez de recursos e o não fornecimento de dados de alguns países para o UNODC. Para elucidar essa heterogeneidade das ações dos diversos Estados no combate ao TSH serão relatados exemplos da atuação de dois países bastante atingidos pelo TSH: Espanha e Índia. A Espanha é um país de destino e trânsito para indivíduos traficados para fins de exploração sexual e trabalho forçado. É, muitas vezes, utilizada como porta de entrada para a Europa, tendo em vista sua localização estratégica: vizinha à África e banhada pelo Oceano Atlântico e pelo Mar Mediterrâneo. Os países de origem das vítimas localizadas na Espanha são principalmente: Romênia, Rússia, Ucrânia, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Paraguai, Venezuela, Nigéria e outros países da América Latina, Europa Oriental e África. A maioria das vítimas identificadas são mulheres entre 18 e 25 anos, traficadas para fins de exploração sexual (UNITED STATES DEPARTMENT OF STATE, 2009). Por conseguinte, a Espanha demonstra bastante interesse no combate internacional do TSH, tendo em vista que o problema encontra-se dentro de suas 35 fronteiras. O governo espanhol aprovou um plano de ação nacional contra o tráfico em dezembro de 2008, que destina cerca de US$ 57 milhões ao longo dos próximos quatro anos ao combate ao tráfico. As cidades de Madri, Barcelona e Sevilha financiam campanhas de sensibilização públicas contra o TSH, por meio de cartazes e denúncias em páginas na internet. Ainda em concordância com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, a legislação espanhola abarca todas as modalidades de tráfico de seres humanos e está em conformidade com os padrões internacionais estabelecidos pelo UNODC. O governo reconheceu deficiências na área de proteção às vítimas e tomou medidas formais para reforçar as políticas e garantir proteção integral às vítimas nos termos da lei. Por sua vez, a articulação indiana no combate ao TSH encontra-se em situação bastante diferente se comparada à espanhola. A Índia é uma fonte, destino e país de trânsito de indivíduos traficados para fins de trabalho forçado e exploração sexual. A questão do trabalho forçado internamente pode ser colocada como o maior problema relacionado ao tráfico de seres humanos na Índia. No país há muitos indivíduos vulneráveis ao tráfico devido ao alto nível de pobreza. O trabalho forçado, realizado por homens, mulheres e crianças, é comum em vários segmentos da economia indiana. Mulheres e meninas são vítimas de tráfico dentro do país para fins de exploração sexual e casamentos forçados. O país também recebe mulheres e meninas de Nepal e Bangladesh traficadas para fins de exploração sexual. Há também milhares de indianos que migram voluntariamente todos os anos para o Oriente Médio, Europa e Estados Unidos para realizar serviços que exigem baixa qualificação. O Governo da Índia não atende inteiramente os padrões mínimos para a eliminação do TSH. Apesar de haver esforços, a Índia não tem demonstrado progresso na aplicação de leis contra o tráfico humano, especialmente em relação ao trabalho forçado. O Governo central da Índia enfrenta vários desafios para a consolidação de um esforço anti-tráfico mais vigoroso: a organização política do país aufere aos Estados indianos à responsabilidade de legislar e fazer com que as leis sejam cumpridas. O grande problema é que os estados indianos não conseguem coordenar-se de maneira homogenia, deixando vários vazios legais relacionados ao crime, além disso, as autoridades competentes demonstram capacidade bastante limitada para combater o TSH (UNITED STATES DEPARTMENT OF STATE, 2009). 36 Assim sendo, por meio das observações descritas acima, pode-se compreender mais claramente que diversos aspectos contribuem para uma desarticulação internacional no combate ao TSH. As legislações dos países exemplificados são altamente dessemelhantes devido, entre outros fatores, ao diferente grau de desenvolvimento dos países, cultura e organização interna diferentes. Isso nos permite apontar que a harmonização de uma política internacional contrária ao TSH ainda não ocorre, principalmente pela dificuldade dos países de menor desenvolvimento em combater o TSH, por razões várias, a saber: falta de recursos disponíveis, priorização de assuntos de primeira necessidade na pauta dos governos, desarticulação interna e externa no combate ao TSH, etc. Portanto, apesar das dificuldades em relação à apuração de estatísticas referentes ao tráfico humano, é importante destacar a contribuição assertiva do UNODC em realizar compilação de dados sobre o TSH ocorrido em diversos países. Embora ainda insuficiente e com carências metodológicas, há de se fazer essa importante menção sobre o pioneirismo da agência na tentativa de apresentar dados mais consistentes. No sentido de tentar suprir essa falha de obtenção de informações em alguns países, os dados da justiça penal são reforçados pela apuração de um conjunto de instituições (geralmente ONGs que se dedicam à prestação de serviços às vítimas) capazes de manter sua própria base de dados e pesquisa. Estes grupos buscam reunir informações detalhadas sobre os indivíduos por eles amparados, sob auspícios dos manuais elaborados pelo UNODC. Assim, os relatórios elaborados por essas entidades podem ser contrastados com os oriundos da justiça criminal, atribuindo mais consistência a informação e possibilitando, com isso, a identificação de inconsistências e possíveis correções em futuras apurações (UNODC, 2009b). Em complemento, é de suma importância registrar que foi sob os auspícios do UNODC que se criou bases para a assinatura do protocolo de Palermo em 2000, fator esse que remete singular importância da entidade nesta seara e o próximo assunto a ser tratado. 37 4.1 A Convenção sobre o Crime Organizado e seus Protocolos Adicionais Durante a década de 1990 e, mais intensamente, após a entrada em vigor do Protocolo das Nações Unidas contra o Crime Organizado, a consciência e a comoção social internacional em relação aos casos de tráfico de seres humanos vêm aumentando significativamente. Isso se deve, em grande medida, ao aumento da abordagem midiática da questão, refletida no crescente número de relatórios, documentos e estudos publicados por governos, como o estadunidense, e organizações internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho, sobre o tema. Tendo em vista o aumento dos casos conhecidos de TSH no pós-Guerra Fria com a disseminação da globalização, a ONU identificou essa problemática internacional junto com seus Estados-membro e elaborou o Protocolo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Seres Humanos, Especialmente Mulheres e Crianças, que foi aprovado pela Resolução 55/25, de 14 de novembro de 2000, pela Assembléia Geral da ONU (UNITED NATIONS GLOBAL INITIATIVE TO FIGHT HUMAN TRAFFICKING, 2008). A Convenção sobre o Crime Organizado, para fins desta monografia também será chamada de Protocolo de Palermo (como é conhecida internacionalmente). O Protocolo de Palermo é a resposta internacional frente à necessidade de uma abordagem verdadeiramente global sobre esse problema que assola a sociedade mundial. Sua finalidade é promover a cooperação para prevenir e combater o crime organizado transnacional, de forma mais eficaz (art. 1). Pretende-se aumentar o número de Estados que tomem medidas eficazes contra o crime organizado transnacional e construir e fortalecer a cooperação internacional nessa seara. A Convenção respeita as diferenças e especificidades de diversas tradições e culturas jurídicas, ao mesmo tempo em que promove uma linguagem comum, ajudando a extrair alguns obstáculos inerentes à cooperação internacional no combate ao TSH. Além disso, o Protocolo de Palermo é importante porque estabelece medidas gerais contra a criminalidade organizada transnacional, enquanto os protocolos adicionais lidam com problemas criminais específicos. Os Protocolos Adicionais devem ser interpretados e aplicados em sintonia com o estabelecido na Convenção. 38 Estabelecem normas mínimas para o combate ao COT, sendo os Estados-membro obrigados a aderir estas normas mínimas, embora medidas mais rigorosas sejam encorajadas (PALERMO, 2000). A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (2000), trata em seu artigo 37 da relação com os Protocolos Adicionais, destacando que aos Estados e organizações regionais de integração econômica não é permitido a aderência somente aos Protocolos Adicionais, entretanto é permitido aderir-se à Convenção e não fazê-lo em relação ao Protocolos Adicionais. Os Protocolos Adicionais tratam de duas vertentes do Tráfico de Seres Humanos: tráfico de migrantes e tráfico de pessoas. O Protocolo Adicional ao Protocolo de Palermo relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por via Terrestre, Marítima e Aérea, a partir deste momento, para efeitos desse trabalho, será tratado como Protocolo dos Migrantes. Por sua vez, o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, será tratado como Protocolo do Tráfico. Primeiramente, antes de se abordar as especificidades do Protocolo do Tráfico é preciso diferenciar os objetos de atuação de cada um dos referidos Protocolo em particular, esclarecendo, sob auspícios da bibliografia elaborada pelo UNODC e com auxílio do texto do jornalista Moíses Naím, o que se define como tráfico de seres humanos e o que o diferencia de migração ilegal. Naím (2006) faz importante distinção entre essas duas modalidades de ilícito. De maneira sucinta, no caso do TSH o imigrante é coagido de alguma maneira e não deseja aquela migração, já no contrabando, o imigrante oferece algum tipo de compensação ao traficante por auxiliá-lo na entrada ao local desejado. No entanto, ainda de acordo com o autor, essa distinção frequentemente não é clara. Imigrantes contrabandeados muitas vezes contraem dívidas exorbitantes com os contrabandistas e são obrigados a se sujeitar a situações indignas de trabalho, o que configura uma situação mais próxima ao tráfico humano para fins de trabalho forçado. Isso é convenientemente arranjado e planejado pelos atravessadores, que se envolvem simultaneamente em contrabando e tráfico de pessoas. Indo além da diferenciação aplicada por Naím (2006) e buscando esclarecer essa zona cinzenta que envolve o TSH, o UNODC, em seu relatório Trata de 39 Personas (200-, p.4), distingue tráfico e o contrabando de seres humanos por três diferentes perspectivas: • Consentimento: no caso do contrabando de imigrantes, realizado muitas vezes em condições perigosas ou degradantes, há a autorização e o consentimento do mesmo em relação ao trânsito. Já as vítimas do tráfico, pelo contrário, não consentem e se o fizeram, ocorreu por meio de coação, abuso ou engano por parte dos traficantes. • Exploração: a relação entre contrabandista e contrabandeado se finda com a chegada ao destino final, ao passo que o tráfico implica exploração persistente das vítimas com a finalidade da geração de lucros para o traficante. • Transnacionalidade: o contrabando é sempre transnacional, enquanto o tráfico pode se dar tanto na transferência para outro Estado quanto em deslocamentos internos. Para melhor esclarecer essa questão, a figura 3 mostra um quadro comparativo que auxilia os Estados, funcionando como um guia para a identificação legal e distinção entre as modalidades tráfico e contrabando de seres humanos. Percebe-se que, quando se trata de contrabando de imigrantes é preciso haver transnacionalidade do ato e consentimento da vítima para que se configure o crime, por sua vez, para que seja estabelecido o TSH, é preciso se identificar alguma forma de exploração. 40 Figura 3: Definições de Tráfico de Seres Humanos e Contrabando de Imigrantes Fonte: UNODC (2009a, p.2). Destarte, para este trabalho o Protocolo do Tráfico será abordado mais profundamente tendo em vista estar amplamente correlacionado à abordagem proposta para essa monografia. Tendo em vista a relação entre o Protocolo do Tráfico e Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional existe margem jurídica para os Estados enfrentarem o TSH de forma mais abrangente, amparados, de igual forma, pela Convenção. Graças a isso, há bases legais para enquadrar crimes de TSH e outras atividades ilícitas correlacionadas às redes criminosas internacionais, que atuam em diversas frentes criminosas, como destaca Castells (2003): contrabando de migrantes, tráfico de drogas, armas ou outros produtos ilícitos, prática de corrupção e lavagem de dinheiro. O Protocolo do Tráfico entrou em vigor em 25 de dezembro de 2003 e tem como finalidades (art. 2): impedir e combater o tráfico; proteger e ajudar as vítimas; e promover a cooperação entre os Estados participantes. Quanto ao escopo de atuação, o Protocolo presume a prevenção, investigação e o processo das ocorrências de tráfico com as seguintes características: de natureza transnacional e que envolvam um grupo criminal organizado. Segundo o UNODC, no Global Report on Trafficking in Persons (2009, p. 22): The fact that the offence of trafficking in persons criminalizes at least trafficking in persons for the purposes of sexual exploitation and forced labour and has no restriction regarding the age or gender of the victim does not imply that the legislation is in line with the Protocol. The compliance of each country Section legislation to the UN Trafficking 41 Protocol can only be assessed through an in-depth legal analysis. This type of legal analysis is out of the scope of the present research. A Convenção facilita a investigação e repressão das práticas criminosas que cruzam fronteiras. Por exemplo, pode ser possível em algumas instâncias estabelecer um processo contra um indivíduo envolvido em tráfico de seres humanos, no mínimo, por participação em atividades de crime organizado, ainda que não haja evidências suficientes para processar essa pessoa pelo crime de TSH. Embora investigações neste padrão não sejam ideais para o combate ao TSH, pois causam um viés investigativo e impedem a condenação do criminoso por tráfico humano, de toda forma, conseguem acusar e enquadrar indivíduos que deixarão de participar da economia do crime, ao menos enquanto estiverem detidos. Além de definir os requisitos específicos para a extradição, assistência jurídica mútua e outras formas de cooperação internacional, a Convenção e os Protocolos Adicionais estabelecem padrões para a lei substantiva e processual, a fim de ajudar os Estados Partes a harmonizar suas diferenças jurídicas e realizar ajustes legislativos nas matérias que possam dificultar a rápida e eficaz cooperação internacional (UNODC, 2009c). O Protocolo do Tráfico, tão logo entrou em vigor, inspirou resposta legislativa generalizada nos países signatários. Já em novembro de 2008, 63% dos 155 países e territórios membros haviam implantado leis contra o tráfico de pessoas, com referência às principais formas TSH (essas leis criminalizam, no mínimo, a exploração sexual e trabalho forçado e não têm nenhuma restrição quanto à idade ou sexo da vítima). Outros 16% estabeleceram leis anti-tráfico, que cobrem apenas alguns elementos das definições do Protocolo (por exemplo, as leis que estão limitadas a exploração sexual ou se aplicam somente às mulheres ou crianças) (UNODC, 2009c). Os números apresentados anteriormente são de grande valia para identificarse a evolução legislativa e o engajamento de grande parte dos Estados contra o TSH. Em 2003, apenas um terço dos países abrangidos pelo UNODC tinha legislação contra o tráfico de seres humanos e, ao final de 2008, quatro quintos já apresentavam. O número de países com legislação anti-tráfico mais do que duplicou entre 2003 e 2008, em resposta à entrada em vigor do Protocolo do Tráfico. Além disso, 54% dos países estabeleceram uma unidade policial especial anti-tráfico de 42 seres humanos, e mais de metade tem desenvolvido um plano de ação nacional para lidar com este problema (UNODC, 2009c). Com auxílio da figura 4, é possível visualizar o alcance da implantação de leis específicas contra o TSH por parte de grande número de países a partir da entrada em vigor do Protocolo do Tráfico, em 2003. Note-se que em 2008, 80% dos países signatários do Protocolo possuíam legislação específica anti-tráfico contra 35% em 2003. 100% 28% 20% 80% 65% 60% 40% 20% 72% 80% 35% 0% 2003 2006 nov/08 Sem legislação específica Legislação especifica relacionada ao TSH Figura 4: Percentagem dos países que adotaram legislação específica em relação ao Tráfico de Seres Humanos Fonte: UNODC (2009c, p.24). Elaboração própria. Dado este quadro legislativo ser relativamente recente, é notável que 91 países (57% dos países que forneceram dados) relataram pelo menos uma medida de repressão ao tráfico humano e 73 países relataram pelo menos uma condenação. Um grupo de 47 países relatou fazer pelo menos 10 condenações por ano, sendo 15 deles com pelo menos 50 condenações anuais (UNODC, 2009c). Nesse sentido, é importante destacar o papel dos regimes internacionais contrários ao TSH, pois encaminham soluções para este problema coletivo. No caso do combate ao COT, os regimes internacionais são, em grande medida, formados por uma convergência de interesses de Estados que articulados promovem uma 43 aproximação de normas e expectativas, isso facilita a formalização de um processo de cooperação fundamentado, que transcende a mera busca restrita ao interesse imediato (JERVIS, 1983). Assim, os regimes internacionais contrários ao TSH promovidos globalmente pelos Estados e OIs representam importante articulação conjunta na busca pela repressão ao crime de tráfico humano. O papel dos regimes enriquece o diálogo conjunto e permite que os Estados articulem programas policiais contrários ao TSH com o auxílio de organismos como a INTERPOL e harmonizem métodos de repressão, julgamento e tratamento de vítimas, como o UNODC realiza por meio de publicação de manuais, que sinalizam as ações a serem estabelecidas pelos Estados. Embora haja globalmente toda essa movimentação contra o tráfico humano por parte dos Estados e OIs, de acordo com o Global Report publicado pelo UNODC (2009), há, entretanto, uma considerável variação regional nos indicadores. Muitas nações africanas ainda não possuem legislação relacionada ao tráfico humano (vide a figura 5), ou as leis existentes criminalizam somente algumas modalidades de TSH, isso demonstra que o processo de harmonização legislativa precisa ser aprimorado. Note-se na figura 5, que grande parte dos países africanos não criminaliza todas as formas de TSH ou não define legalmente o que é o tráfico humano, assim como o Brasil. 44 Figura 5: Criminalização do Tráfico de Seres Humanos – status das legislações nacionais por país em novembro de 2008 Fonte: UNODC (2009c, p.23). No que tange ao Protocolo de Palermo e suas limitações, Adriana Piscitelli (2004, p. 7) identifica alguns pontos não esclarecidos e inadequações em relação ao acordo, destacando que o Protocolo não define “outras formas de coerção”, “abuso de poder ou de uma situação de vulnerabilidade” e, particularmente, “outras formas de exploração sexual”. Além disso, a autora enxerga como grave o fato de as legislações internas das nações que ratificaram o protocolo não necessariamente contemplarem todos os aspectos abordados pelo protocolo. De fato, é importante que se mencione os aspectos não abordados ou não totalmente esclarecidos pelo Protocolo, entretanto não perdendo de vista que é uma iniciativa pioneira e muito importante para o combate mundial ao TSH. O Grupo Davida (2005) exemplifica algumas possíveis situações que a diversidade de definições de tráfico de seres humanos implica na dificuldade para elaboração de pesquisas mais consistentes, que contenham dados numéricos que reflitam a realidade do tráfico humano de forma mais precisa. Em alguns países, prostitutas que imigram para trabalhar, não envolvidas em atividades ilegais, por 45 meio de convites e vistos de trabalho não são consideradas vítimas de tráfico humano, enquanto outros signatários do Protocolo de Palermo definem também trabalhadoras estrangeiras de casas noturnas voltadas para atividades sexuais como vítimas do tráfico, independente de seu estado legal no país, de seu envolvimento com a prostituição ou da sua vontade. De fato, claramente, há diferenças substanciais entre uma mulher adulta que, por vontade própria, imigra para além das fronteiras do seu país, com visto de turista e acaba trabalhando em uma casa noturna de strip-tease ou em um prostíbulo, e o que ocorre no caso vivido por uma criança raptada e transportada ilegalmente a um país terceiro com fins de ser comercializada como trabalhadora escrava. No entanto, dependendo do contexto e do país em referência, ambas as situações são rotuladas como tráfico de seres humanos, desconsiderando as circunstâncias que envolvem o crime, e não é raro encontrar estatísticas fornecidas por agentes políticos específicos de determinados países e regiões que contabilizam essas duas experiências dentro do mesmo ramo de atividade (GRUPO DAVIDA, 2005, p. 166). Obviamente que as duas são situações problemáticas, entretanto, tão importante quanto se mensurar a quantidade de casos de tráfico de seres humanos, é identificar a forma e as características do tráfico, pois para se planejar a política de repressão tal informação é primordial. 4.2. A contribuição da INTERPOL A INTERPOL é a maior organização internacional policial do mundo, com 188 países-membros. Criada em 1923, busca facilitar a cooperação policial transfronteiriça e auxilia organizações, autoridades policiais dos países-membro e serviços cuja missão envolva prevenir ou combater o crime internacional (INTERPOL, 2009a). Entre as frentes de atuação da INTERPOL está o combate ao TSH, mais precisamente com o objetivo de por fim a exploração de seres humanos para obtenção de ganhos financeiros. A entidade reconhece que as mulheres dos países em desenvolvimento e crianças em todo o mundo são especialmente vulneráveis ao tráfico, contrabando e exploração sexual (INTERPOL, 2009b). De acordo com a organização (2008), o tráfico de seres humanos é uma modalidade multibilionária de 46 crime organizado internacional, constituindo a escravidão moderna. As vítimas são recrutadas e traficadas entre países e regiões ao serem induzidas a criarem falsas expectativas sobre uma melhoria em sua condição de vida no exterior ou são coagidas pelos criminosos e obrigadas a migrar. Assim, são retiradas da sua autonomia, privadas de liberdade de circulação e de escolha e enfrentam diversas formas de abuso físico e mental. O tráfico de seres humanos é um crime contra o direito internacional e muitos sistemas jurídicos nacionais. Além da grave violação dos direitos humanos fundamentais, o tráfico também pode violar a legislação de imigração e trabalho, bem como uma variedade de normas penais. Ainda de acordo com a INTERPOL (2009b), o tráfico de seres humanos é um crime sofisticado que exige uma cooperação policial e judiciária internacional para ser reprimido. A INTERPOL organiza encontros regionais e internacionais, oferece assistência técnica e capacitação, facilita o intercâmbio de inteligência, e oferece outros serviços para investigar e processar os criminosos envolvidos em tal atividade. O INTERPOL Expert Working Group on Trafficking in Human Beings se reúne anualmente para aumentar a sensibilização para as questões emergentes, promover programas de prevenção e aplicar treinamento policial especializado. Seu manual de boas práticas para os investigadores policiais inclui informações sobre como investigar o tráfico em diversas modalidades: exploração sexual, tráfico para fins de trabalho forçado e servidão doméstica e o tráfico para a remoção de órgãos. Uma iniciativa recente da INTERPOL, o Project Childhood, aborda a questão do turismo sexual infantil, com o objetivo de desenvolver parcerias com as autoridades policiais e outras partes interessadas a fim de promover a perseguição e condenação dos criminosos e o resgate das vítimas. A INTERPOL também opera em cooperação global com os países-membros no rastreamento de criminosos e suspeitos, bem como na localização de pessoas desaparecidas e coleta de informação que auxiliem no combate ao crime. A INTERPOL desenvolveu ferramentas adicionais que podem facilitar o intercâmbio de informações entre as agências policiais e judiciais nos países membros. Soluções técnicas permitirão às agências que tratam da linha de frente no combate ao tráfico de pessoas, tais como a polícia de fronteira, ou as autoridades de imigração, receber respostas instantâneas sobre consultas de veículos roubados ou extraviados, documentos de viagem roubados e criminosos procurados. Estas bases de dados 47 são acessíveis aos usuários autorizados pela INTERPOL e são úteis na detecção de casos de tráfico de seres humanos na fase de entrada no país destino. Por fim, é possível perceber a cooperação internacional entre os entidades internacionais e Estados envolvidos na tentativa de impedir o TSH. Prova disso é a movimentação da INTERPOL que opera em coordenação internacional e estreita colaboração com outros organismos-chave envolvidos na luta contra o tráfico de seres humanos, incluindo a Organização Internacional para as Migrações, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, bem como com ONGs e Estados que atuam neste domínio. O diálogo íntimo entre as organizações é importantíssimo, pois a INTERPOL tem capacidade de oferecer treinamento policial especializado em TSH, o UNODC é a entidade internacional que atua incisivamente contra o TSH e, além disso, é a guardiã do principal tratado internacional contrário ao TSH, que é o Protocolo do Tráfico. Assim, ações conjuntas envolvendo estes atores abarcam alto grau de conhecimento sobre o assunto e bastante poder de influência na articulação de regimes internacionais contrários ao TSH. 48 5. Atuação dos Estados nacionais no combate ao TSH Este capítulo tem por objetivo descrever a atuação dos Estados no sentido de combater o TSH, levando em consideração o direito internacional em vigor e as principais dificuldades em se identificar as vítimas e os criminosos envolvidos nessa espécie de ilícito internacional. 5.1. Base Jurídica para a criminalização do TSH O UNODC, no relatório intitulado Toolkit to Combat Trafficking in persons (2008, p.2), com base na definição dada no Protocolo do Tráfico de Pessoas (PALERMO, 2000), estabelece que o tráfico de pessoas possui três elementos constitutivos: • O ato (o que é feito): recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas. • O meio (como é feito): ameaça ou uso da força, coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade ou oferecendo pagamentos ou benefícios ao sujeito que coage e controla a vítima. • O objetivo (por que é feito): para fins de exploração, que inclui a exploração da prostituição de outrem, exploração sexual, trabalhos forçados, escravatura ou práticas semelhantes e remoção de órgãos. O Protocolo do Tráfico exige que os países garantam que a prática de TSH seja criminalizada de acordo com a legislação interna. É importante lembrar que as definições contidas no Protocolo do Tráfico destinam-se a fornecer um nível de consistência e consenso ao redor do mundo sobre o que de fato se categoriza como tráfico de pessoas. No entanto, a legislação interna não necessariamente precisa seguir ipsis literis a linguagem do Protocolo. A legislação nacional deve ser adaptada em conformidade com o ordenamento jurídico interno e dar sentido ao significado e aos conceitos contidos no Protocolo do Tráfico (UNODC, 2009a). 49 Ao longo dos últimos anos, o número de países que tomaram medidas para implementar o Protocolo do Tráfico duplicou. No entanto, ainda há muitos países, particularmente na África, que não possuem instrumentos jurídicos mínimos para a criminalização do TSH. O quadro abaixo, retirado do Relatório Global do Tráfico de Pessoas do UNODC (2009), enfoca, em azul, a grande quantidade de países adeptos ao protocolo. Note que grandes desfalques são a China e parte do Oriente Médio. Figura 6: Países que oferecem dados ao UNODC Fonte: UNODC (2009c, p.17). É de suma importância destacar que, segundo o relatório, o número mundial de condenações é crescente, mas não proporcionalmente à crescente conscientização (e, provavelmente, tamanho) do problema. Nos anos de 2007 e 2008, dois de cada cinco países abrangidos pelo relatório global não haviam registrado uma única condenação por TSH. Isso comprova que: ou grande parte dos países não tem interesse em enfrentar o problema, ou está mal equipado para enfrentá-lo. Assim sendo, o relatório norte-americano “Trafficking in Persons Report” (2009) destaca, em âmbito mundial, dados sobre acusações e condenações de traficantes de seres humanos de 2003 a 2008, bem como o número de novas leis criadas nesse sentido em vários países. Percebe-se na tabela 1 que o número de 50 acusações e condenações não oscila demasiadamente, mantendo-se relativamente constante no período analisado. O que de fato vem ocorrendo anualmente é o aumento do número de leis estabelecidas no sentido de combater e reprimir o tráfico de seres humanos no mundo, entretanto, um aumento no número de leis não reflete uma elevação no número de acusações e condenações. Tabela 1: Casos apurados e condenações por TSH no mundo Fonte: UNITED STATES DEPATMENT OF STATE, 2009, p. 47 No que concerne às modalidades de TSH mais apuradas, o UNODC destaca que a exploração sexual é, de longe, a mais comumente identificada forma de tráfico humano (79%), seguida pelo trabalho forçado (18%) (UNODC, 2009c). Este pode ser o resultado de viés estatístico explicado pelo fato de que a exploração de mulheres tende a ser mais facilmente identificada, em centros urbanos ou às margens de rodovias e porque é mais frequentemente relatada, a exploração sexual tornou-se o tipo mais documentado de TSH em estatísticas agregadas, se comparada a outras formas de exploração sub-relatadas: trabalho forçado, servidão doméstica, casamento forçado, remoção de órgãos, exploração de mendicância infantil e exploração para fins de guerra. Embora a tentativa de estabelecimento de padrões para a criminalização de traficantes em qualquer parte do mundo seja válida, ainda há uma grande dificuldade em enquadrar determinados casos como TSH. Alguns casos de tráfico humano podem ser identificados com facilidade: um cenário em que as pessoas são recrutadas, transportadas para outro país, e trabalham em jornadas de absurdas, sem permissão para sair do local de trabalho, claramente se encaixam na definição de tráfico de pessoas e devem ser 51 criminalizados como tal. Da mesma maneira, casos envolvendo mulheres recrutadas e obrigadas a fornecer serviços sexuais inequivocamente se enquadram como tráfico de pessoas. Alguns casos, entretanto, envolvem fatores mais complexos, como o consentimento da vítima, e seu enquadramento como TSH pode se tornar demasiadamente complicado. Nesse sentido, o UNODC elaborou um manual que auxilia na identificação de casos de TSH, para tanto, utilizou a definição contida no Protocolo do Tráfico, que deve ser refletida na legislação doméstica. Segue abaixo um quadro-guia, elaborado pelo UNODC, que traz elementos-chave para identificação e enquadramento do crime de tráfico de seres humanos. Figura 7: Elementos do Tráfico de Seres Humanos Fonte: UNODC (2009a, p. 11). Mesmo que cada caso de tráfico de seres humanos apresente características individuais, a maioria segue um padrão geral: as pessoas são raptadas ou recrutadas no país de origem, transferidas através de regiões de trânsito e exploradas no país de destino. Se, em algum momento, a exploração da vítima é interrompida ou terminada, ela pode ser resgatada como vítima de tráfico humano, assim, é possível que a vítima receba apoio no país de destino. Imediatamente ou em algum momento posterior, as vítimas podem ser repatriadas ao seu país de origem, em alguns casos, mudar-se para um terceiro país, ou, como acontece 52 muitas vezes, são deportadas dos países de destino ou de trânsito como imigrantes ilegais (UNODC, 2006a). O tráfico humano é generalizado, ocorre mundialmente. Dados do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime evidenciam as tendências do TSH: os indivíduos traficados já documentados são nacionais de 127 países, em destino a exploração em 137. Isso comprova que alguns países ocupam ambos os lados do processo, tanto recebem quanto enviam pessoas traficadas. (UNODC, 2006a). Ademais, é importante esclarecer que os fluxos de indivíduos traficados não atendem necessariamente longas distâncias. Grande parte do tráfico transfronteiriço ocorre, em geral, entre países da mesma região, particularmente entre países vizinhos. No que diz respeito ao tráfico intercontinental, as rotas mais observadas envolvem vítimas originárias do leste asiático, que são encontradas em mais de 20 países, localizados na Europa, Américas, Oriente Médio, Ásia Central e África. Outras rotas de tráfico internacional de pessoas de longa distância mais observadas incluem: tráfico de vítimas africanas para a Europa e América do Norte, vítimas da América Latina para a Europa e pessoas traficadas do sul da Ásia para o Oriente Médio (UNITED STATES DEPARTMENT OF STATE, 2009). Na figura 8, retirada do relatório Trafficking in Persons: Global Patterns (2006), é possível visualizar-se com mais precisão o funcionamento logístico TSH. Note-se que grande parte dos países destino de pessoas traficadas, marcados em cinza, estão localizados em regiões das mais desenvolvidas do mundo. Em perspectiva oposta, os países destacados em azul são os grandes fornecedores de seres humanos para o tráfico. Destaca-se que, em geral, esses países são, em sua maioria, dotados de níveis de desenvolvimento mais modestos e dotados de graves problemas sociais. Por último, um menor número de países marcados em vermelho realiza um duplo papel: funcionam tanto como originários quanto como receptores de pessoas traficadas. São representados, praticamente em sua totalidade, por economias emergentes do continente asiático. 53 Figura 8: Casos reportados de TSH: principais países de origem, transito e destino Fonte: UNODC (2006a, p. 17). Pode-se observar a partir da figura 8 que o padrão migratório internacional segue a lógica das forças de mercado, ou seja, os países ricos são os destinos mais procurados pelos migrantes internacionais. Dessa maneira, de acordo o Instituto das Missionárias Seculares Scalabrinianas (2009, p.1), a principal causa do fluxo internacional de pessoas é, de fato, a desigualdade econômica entre países do centro e periferia do mundo. Nota-se, no trecho em destaque abaixo, que o instituto enfatiza também outras razões que estimulam o desejo ou, em certas oportunidades, obrigam os indivíduos a migrar. Na era da globalização, a economia visa cada vez mais transpor as fronteiras de cada país: as forças econômicas agem autonomamente. Ao passo que se difunde uma cultura niveladora, que coloca ao centro o lucro e a lei do mercado. O atual e crescente estímulo a emigrar, portanto, tem como causa: o aumento da desigualdade social e econômica entre o centro e a periferia do mundo; a falta de perspectiva no âmbito da formação e do trabalho para muitos jovens; as catástrofes naturais e ecológicas; o desequilíbrio demográfico entre os diversos continentes; as guerras; a perseguição política, étnica e religiosa; o terrorismo; e a violação dos direitos humanos. 54 Nesse mesmo direcionamento, Marinucci e Milesi (2009, p.1) fazem interessante leitura sobre a correlação entre as forças neoliberais e o padrão migratório internacional: As migrações internacionais, atualmente, constituem um espelho das assimetrias das relações sócio-econômicas vigentes em nível planetário. São termômetros que apontam as contradições das relações internacionais e da globalização neoliberal. No contexto do sistema econômico atual, verifica-se o crescimento econômico sem o aumento da oferta de emprego. O desemprego passa a ser uma característica estrutural do neoliberalismo, e as pessoas, então, migram em busca, fundamentalmente, de trabalho. E isto se verifica tanto no plano interno como no internacional. Sobre a lógica do progresso econômico e do desenvolvimento social impera a lógica do lucro, onde todos os bens, objetos e valores são passíveis de negociação, como as pessoas e até os seus órgãos, a educação, a sexualidade e, inevitavelmente, os migrantes. Tomando por base o referencial demográfico, tem-se que os deslocamentos migratórios fazem parte da natureza humana, mas são estimulados, quando não forçados, nos dias de hoje, pelo advento da tecnologia e pelo impacto da problemática econômica, nesta lógica inversa de sua preponderância em relação ao ser humano. As razões individuais que despertam desejo de migrar nas pessoas são as mais diversas, embora a grande maioria delas apresente um pano de fundo que engloba questões econômicas e busca por melhores condições de vida. A associação entre estes desejos individuais e a atuação de criminosos que recrutam e aliciam tais indivíduos dão face e contribuem diretamente para a disseminação do TSH globalmente. Portanto, ações dos Estados com objetivo de combater o TSH precisam levar em consideração as principais causas da disseminação do fluxo internacional de pessoas. Daí se evoca a importância das organizações internacionais que buscam identificar os principais focos do problema e articular a cooperação entre Estados com a finalidade de impedir e combater o tráfico de pessoas. Entendendo-se as raízes do problema, a materialização de meios de combate e repressão mais eficientes, que consigam de fato deter a ocorrência do TSH, se torna mais precisa e ataca as principais artérias do esquema internacional de tráfico de seres humanos. 55 6. Principais dificuldades encontradas pelos Estados no combate ao Tráfico de Seres Humanos Este capítulo tem como objetivo apresentar mais detalhadamente as ações dos Estados no sentido de combater o TSH, enfatizando as principais dificuldades enfrentadas nesse sentido. Serão estabelecidas ligações entre os regimes internacionais contrários a essa modalidade de ilícito internacional e a evolução por parte dos Estados na conscientização e repressão do TSH. De fato, as principais dificuldades para se apurar e compilar dados referentes ao TSH são as distinções metodológicas apresentadas por Estados e entidades internacionais especializadas. Para se ter uma ideia mais ampla dessa disparidade internacional será relatado um exemplo em relação aos dados apurados no Brasil. O Ministério da Justiça brasileiro, em sua página na internet, aponta que, embora muitos casos referentes ao tráfico de pessoas envolvam vítimas brasileiras, o Brasil também tem sido o destino de muitas mulheres e meninas de países da América do Sul que são traficadas para fins de exploração sexual comercial, bem como pessoas do sexo masculino que são trazidos ao país para a exploração laboral. Ainda há poucos dados disponíveis que permitam uma aproximação real da dimensão do problema no Brasil. Um dos estudos mais importantes para a compreensão desse fenômeno no País foi a Pestraf realizada em 2002. A pesquisa mapeou 241 rotas de tráfico interno e internacional de crianças, adolescentes e mulheres brasileiras, indicando a gravidade do problema no país. A Pestraf permanece ainda como a única pesquisa de abrangência nacional sobre o tema. Em contrapartida, o Grupo Davida (2005, p.161-162) destaca as deficiências do estudo, pois evidencia que boa parte da contagem de rotas de tráfico de mulheres brasileiras para o exterior, assim como casos de brasileiras supostamente extraditadas por via dessas rotas, são baseados em informações obtidas através da mídia, Polícia Federal e ainda ONGs que fornecem notícias relacionadas ao tráfico à pesquisa. A Pestraf, por sua vez, não se ocupa em buscar a real procedência dos dados. Ressalta-se que no sitio do Ministério da Justiça não se encontram informações que façam distinção entre tráfico e contrabando, assim como a Pestraf também não o faz. A partir do exemplo exposto, destaca-se que deficiências nas apurações de informações em alguns países podem comprometer a real consistência de relatórios 56 globais, como o elaborado pelo UNODC, que se baseia nas informações oferecidas pelos Estados. Dessa maneira, tendo em vista as dificuldades encontradas pelo Brasil, é possível se inferir que a dificuldade em se mensurar estatísticas de tráfico de seres humanos em esfera mundial não é tarefa fácil, baseado na perspectiva de que até mesmo internamente os Estados têm dificuldades em dimensionar o TSH. O governo dos Estados Unidos realiza pesquisa anual sobre o TSH no mundo. Há de se fazer menção ao relatório “Trafficking in Persons Report” (2009), pois as informações nele encontradas são bastante relevantes para o entendimento do funcionamento do TSH em escala mundial. O relatório estima um número de pessoas traficadas internacionalmente anualmente entre 600 e 800 mil pessoas. É reconhecido que tais estimativas, especialmente por se tratar de tráfico de seres humanos, carregam elevado grau de imprecisão e podem ser facilmente questionáveis. Nesse sentido, de acordo com o artigo Human trafficking: Better data, strategy, and reporting needed to enhance U.S. antitrafficking efforts abroad (2006, p. 16): The accuracy of the estimates is in doubt because of methodological weaknesses, gaps in data, and numerical discrepancies. For example, the U.S. government's estimate was developed by one person who did not document all of his work, so the estimate may not be replicable, casting doubt on its reliability. Moreover, the quality of existing country level data varies due to limited availability, reliability, and comparability. There is also a considerable discrepancy between the numbers of observed and estimated victims of human trafficking. The U.S. government has not yet established an effective mechanism for estimating the number of victims or for conducting ongoing analysis of trafficking related data that resides within various government agencies. A partir do trecho destacado acima, fica evidente a subjetividade dos dados apurados sobre TSH. A análise feita por um dos atores mais influentes na esfera internacional, os EUA, remete ao fato de o país encarar o problema de maneira unilateral, de encontro ao trabalho do UNODC, que trabalha no sentido de estabelecer padrões internacionais para a apuração de casos de tráfico humano. Ainda no tocante às dificuldades encontradas pelo governo dos EUA em coordenar estratégia de combate ao TSH, pode-se destacar a morosidade em incluir uma abordagem sistemática, na qual cada entidade nacional participante tenha funções e responsabilidades claramente definidas. Além disso, por serem medidas de cunho interno, não há coordenação com as medidas anti-tráfico praticadas por 57 entidades internacionais e outros Estados. A falta de uma estratégia coordenada e um plano de ação consistente impede o governo estadunidense de determinar a eficácia de seus esforços para combater o tráfico internacional de pessoas ou para ajustar esforços no sentido de ampliar os resultados e identificar e punir a maior quantidade possível de criminosos. A United Nations Inter-Agency Project on Human Trafficking (UNIAP) é uma agência internacional que coordena um centro de recursos on-line contrario ao TSH, chamado no-trafficking.org. A UNIAP foi estabelecida em 2000 com objetivo de facilitar uma resposta mais incisiva e coordenada ao tráfico de pessoas especificamente na Greater Mekong Sub-region, onde se localizam países asiáticos com extremos problemas de TSH. A UNIAP atua em seis países: Camboja, China, Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnam. A UNIAP tem um escritório na capital de cada país no qual atua, com sede regional em Bangkok, Tailândia. De acordo com estimativas da UNIAP, em 2008, US$ 31 bilhões foram movimentados com o tráfico de pessoas em todo o mundo. Em contrapartida, 0,5% deste total foram destinados ao combate de tráfico de pessoas pela comunidade internacional. A partir dessas estimativas, pode-se afirmar que outra grande limitação no combate ao TSH são os entraves orçamentários (UNIAP, 2009). Em termos numéricos, a Ásia é o continente de maior ocorrência de trabalho forçado, consistido trabalhadores migrantes, traficados internamente ou através das fronteiras. Segundo a OIT, existem na Ásia e no Pacífico cerca de 9,5 milhões de trabalhadores em regime de trabalho forçado (ILO, 2005). No caso de países como Índia e Paquistão, o tráfico e a exploração são alimentados por sistemas tradicionais de adiantamentos salariais, que mantém o trabalhador em impagável dívida com o empregador, que pode ser caracterizado como trabalho forçado. Antigas formas de coação e trabalho forçado ganham novas facetas, à medida que a economia dos países emergentes encontra vantagens competitivas em baixos custos de mão-deobra, galgada por relações trabalhistas não reguladas, que pouco protegem os trabalhadores. Embora o trabalho forçado tenha suas raízes em serviços relacionados ao campo, muitas vezes, enraizadas em sistemas agrários tradicionais, o problema também vem sendo detectado em outros setores econômicos, como na indústria produtora de bens de baixo valor agregado. O trabalho forçado geralmente ocorre em setores econômicos intensivos em mão-de-obra com um volume elevado 58 de trabalho e contemplados pela sazonalidade, como: agricultura, construção civil, mineração, indústria têxtil e de vestuário e restaurantes (ILO, 2009). Isso remete a outra questão bastante importante a ser esclarecida e fundamental para a ocorrência do TSH de forma disseminada, principalmente para fins de trabalho forçado: as regulações trabalhistas frouxas e não fiscalizadas observadas em alguns países, de maneira mais abundante na Ásia. Abaixo, segue fragmento de relatório elaborado pela OIT chamado “Forced labor: Coercion and exploitation in the private economy” (2009, p. 3), que aborda essa questão e faz importantes argumentações sobre a maneira pela qual os traficantes e empregadores de mão-de-obra escrava são conduzidos: In what economists describe as “efficient” labour markets, workers are always paid their “marginal product” (i.e. what they contribute to the employer’s revenue) on a regular basis and without delay. But in practice, some employers take advantage of poorly regulated labour markets to push down labour costs and increase profits through coercion and non-payment of wages. Through these practices, employers can also shift economic risk onto workers: if sales are low, they simply withhold wages. This clearly represents a departure from the idealized picture of the “free market”, whose superior efficiency is based on the assumption that all actors will act in good faith. The reality of forced labour shows that in the absence of strong labour market regulations, this assumption is flawed. Assim sendo, é válido afirmar que para os Estados combaterem o TSH, é preciso dedicar maior atenção às relações de trabalho não reguladas e não fiscalizadas ocorridas em vários países. É altamente compreensível a relação entre vazios legais e falta de fiscalização nas relações trabalhistas e a disseminação da mão-de-obra escrava, que, por sua vez, desencadeia o tráfico humano. Portanto, uma frente a ser levada em consideração no que concerne ao crime de tráfico de seres humanos está intimamente próxima das regulações trabalhistas em diversos países que agregam, devido baixo preço da mão-de-obra, vantagem competitiva dos seus produtos nos mercados internacional. Por fim, é importante destacar que as bases de dados consolidadas apurados são o alicerce para o estabelecimento de políticas públicas de padrão internacional para combater o TSH. Não havendo informações consistentes, mapeamento de rotas de tráfico, entendimento do padrão e aspectos essenciais do TSH e do crime organizado transnacional, a tarefa de combater o TSH torna-se exponencialmente mais difícil e complexa. 59 7. Conclusão É notável que a evolução dos meios tecnológicos e de transporte, principalmente no período pós-Guerra Fria, alterou drasticamente o cotidiano de uma série de pessoas. A facilidade de acesso e a velocidade dos meios de transporte modernos impulsionaram o trânsito de pessoas, contribuindo de maneira importante com a movimentação de trabalhadores ao redor do mundo. Tendências capitalistas não se alteraram em demasiado. Pessoas continuam buscando melhores condições de vida, quer seja em seu país, quer seja em outro país que ofereça oportunidades de trabalho mais atraentes. A porosidade das fronteiras internacionais permite e dá margem para que indivíduos consigam adentrar em outros países de forma ilegal e, algumas vezes, sem vontade própria, coagidas por algum atravessador. A entrada do fenômeno globalização na esfera internacional fez com que as pessoas pudessem deslocar-se com mais facilidade. Mão-de-obra barata e em abundância cria um amplo alvo para os traficantes de seres humanos atuarem. Articulam a chamada escravidão moderna: oferecem mulheres para exploração sexual, viabilizam órgãos para os necessitados que podem pagar por isso, conseguem indivíduos para trabalhar em jornadas abusivas, bebês para pais que não podem gerá-los, entre outras práticas. Obviamente, isso tudo tem um preço, que é alto, pois envolve riscos para os empreendedores do crime organizado transnacional. O tráfico de seres humanos apresenta-se diante do contexto que envolve várias vertentes, dentre as quais algumas nesta monografia foram abordadas. Acontece na obscuridade, opera de maneira organizada, recruta, exporta e explora pessoas como mercadorias. As vítimas são atraídas por promessas de melhores condições de sobrevivência e de rendimentos elevados e são enganadas por criminosos. Internacionalmente, a celebração do Protocolo do Tráfico foi a primeira medida articulada em conjunto entre países para combater o TSH. Embora reconhecidamente existam lacunas e aspectos não amparados pelo texto do Protocolo, é um importante passo para que se consiga reprimir de fato o crime de tráfico de seres humanos. Observa-se claramente o engajamento da maioria dos Estados em aderir ao Protocolo e aplicar em sua legislação interna medidas em 60 concordância com o texto do Protocolo, como visto no capítulo 5. De fato, nesse aspecto, o Protocolo obteve vasto alcance, no sentido de regular as práticas e conceitos a respeito de TSH, embora atualmente esse processo ainda esteja em andamento. Os Estados procuram articular-se para que seja possível enquadrar e reprimir os traficantes de acordo com os mesmos princípios em qualquer país e para que as punições a eles aplicadas sejam compatíveis à gravidade do crime. A questão das estatísticas relacionadas ao TSH é problemática. Não se sabe ao certo a quantidade de pessoas traficadas no mundo e, devido a isso, a consolidação de políticas públicas internacionais mais precisas no sentido de combater e reprimir o TSH se torna mais complicada. O fato de não se ter estimativas concretas sobre a quantidade de vítimas compromete o planejamento das ações contra o TSH em esfera mundial, possibilitando continuidade ao crime. O que se sabe de fato são as principais tendências do tráfico internacional de pessoas: a exploração sexual é a modalidade-fim de abuso de vítimas de TSH mais observada internacionalmente; a grande maioria das vítimas são mulheres de origem de países pobres; a atuação dos criminosos envolve ameaças, falsificação de documentos, lavagem de dinheiro, corrupção de agentes públicos entre outros aspectos. Assim, de acordo com o objetivo delimitado por este trabalho, pode-se estabelecer que o alcance do Protocolo do Tráfico acarretou uma resposta internacional por parte dos Estados bastante veloz, tendo em vista que o número de países que fizeram alterações em suas legislações internas no sentido de criminalizar o TSH duplicou de 2003 a 2008. Além disso, organismos internacionais, como a INTERPOL e o UNODC, em consonância com os regimes internacionais estabelecidos também buscam atuar no sentido de coibir o crime, em concordância com o Protocolo do Tráfico. Em contrapartida, uma das principais dificuldades consiste na mensuração dos dados estatísticos relacionados ao número de pessoas vítimas do tráfico. No período anterior a assinatura do Protocolo não se sabia a quantidade de vítimas e, no momento, ainda não se sabe. Assim, não é possível se fazer conclusões a respeito do aumento ou diminuição de vítimas em decorrência da assinatura do Protocolo. O que se pode perceber é que há condenações por tráfico humano relatadas ao UNODC baseadas no Protocolo, como exposto no capítulo 4. Isso é altamente positivo no sentido de se conseguir condenações aos criminosos, pois é coerente 61 pensar que: a medida em que a repressão aumenta e as dificuldades são colocadas aos criminosos, a quantidade de crimes tende a diminuir devido ao aumento do risco dos traficantes serem encarcerados. Com a continuidade desse fato, pressupõe-se que, chegará um momento em que os criminosos migrarão para outro tipo de atividade, diminuindo o número de delinquentes dispostos a incorrer em altos riscos. É claro que, para que isso ocorra, os países precisam de fato engajar-se nesta causa, o que ainda não é percebido com vigor nos países menos desenvolvidos, com fortes limitações orçamentárias e uma lista de outras prioridades mais urgentes. Portanto, o que precisa ser mantido, e recomendavelmente ampliado, são políticas harmonizadoras das legislações dos Estados em consonância com o texto do Protocolo do Tráfico, assim como a harmonização dos métodos de identificação de vítimas, julgamento e repressão de criminosos, bem como maior alocação de recursos em prol do combate ao TSH. É obvio que quando se trata desta modalidade de crime, um crescimento na repressão e coordenação internacional tornará cada vez mais oneroso para os traficantes atuarem, afetando diretamente a diminuição dos casos. Maior controle de fronteiras, qualificação de pessoal para lidar com as vítimas, campanhas de conscientização e informativas podem diminuir a quantidade de pessoas propensas a serem enganadas pelas promessas de melhores condições de vida anunciadas pelos traficantes. Ainda existe uma série de dificuldades a serem superadas, como colocado no capítulo 6, mas um importante passo já foi dado e não deve ser desconsiderado. As políticas internacionais até aqui implementadas não devem cair em desuso, mas serem intensificadas, aprimoradas e abrangidas para que concretamente se consiga atingir os articuladores internacionais do tráfico humano e diminuir a quantidade de vítimas dessa modalidade de crime. 62 8. Bibliografia ATO ILÍCITO. In: ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, p. 201, 1995. BALZA, Guilherme; SCARELLI, Thiago. Para especialistas, preconceito incentiva e facilita o tráfico de pessoas. Uol Notícias, São Paulo, 12 jul. 2009. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/12/ult5772u4480.jhtm>. Acesso em: 18 ago. 2009. BRASIL. Ministério da Justiça. O que é tráfico de pessoas. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/main.asp?ViewID={0A9BD4F5-4865-4F59-A13F5E04E456FF73}¶ms=itemID={894216FA-4EA2-427D-987142B31FF7815C};&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26} >. Acesso em: 3 mar. 2009. BRITO, Carlos. 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