“UMA METRALHADORA A SERVIÇO DO PROFESSORADO” NA
GRANDE IMPRENSA: A COLUNA DE ELISIÁRIO RODRIGUES DE
SOUSA NO DIÁRIO DE S. PAULO (1943-1963)
Paula Perin Vicentini
Universidade de São Paulo
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Palavras-chave: campo educacional, grande imprensa, profissão docente
Busca-se aqui discutir as relações entre o campo educacional e o campo jornalístico
mediante o exame do conteúdo veiculado pela coluna Educação e Ensino, de Elisiário
Rodrigues de Sousa, no Diário de S. Paulo entre os anos 1940 e 1960, tendo como
referência a teoria de Pierre Bourdieu (1980, 1983). Publicada diariamente na sexta página
do primeiro caderno do matutino da empresa de Assis Chateaubriand (os Diários
Associados), a coluna iniciava com um comentário sobre questões relativas ao exercício do
magistério e o funcionamento do sistema educacional paulista, apresentando, em seguida,
pequenas notas sobre eventos promovidos por escolas do Estado e medidas ligadas à
carreira docente. Formado pela Escola Normal Municipal de Itapeva, localizada no interior
de São Paulo, Souza atuou junto às associações de professores estaduais e ganhou
notoriedade com sua coluna, cuja repercussão era bastante expressiva. A manutenção desse
espaço por mais de vinte anos num órgão da grande imprensa permite questionar tanto a
natureza do interesse do jornal pelas questões educacionais quanto o significado de um
professor integrar o seu corpo de redatores tendo, portanto, a possibilidade de se expressar
como porta-voz da categoria acerca dos problemas que a afetavam numa mídia de ampla
circulação e procurando interferir nas representações veiculadas a respeito do exercício da
profissão. Ao se voltar para a grande imprensa, é importante considerar que, pelo fato de
circular diariamente e atingir leitores de diversos segmentos sociais, os jornais permitem
apreender as discussões empreendidas acerca da carreira docente de forma bastante
dinâmica, de vez que evidencia os embates travados num curto espaço de tempo com
relação a uma determinada questão, dando indícios sobre a repercussão de uma notícia ou
de uma opinião expressa nas colunas sobre educação, no editorial ou ainda na seção
destinada às cartas dos leitores.
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O jornal Diário de S. Paulo começou a publicar, em 1943, a coluna Educação e
Ensino, sob a responsabilidade de Elisiário Rodrigues de Sousa que, até 1952, assinava
apenas “Professor”. A coluna somente começou a dar mostras de declínio em 1961,
quando após uma interrupção de três dias, Nilton Nascimento assinou-a em 14 de outubro.
Embora Elisiário Rodrigues de Sousa tenha voltado a assiná-la no dia seguinte, a coluna
deixou de circular diariamente nos anos subseqüentes. Sempre situada na sexta página do
primeiro caderno até 1955, Educação e Ensino trazia sempre um “artigo de fundo”, no qual
o colunista opinava acerca das mais diversas temáticas relativas à carreira docente (em
seus vários níveis), aos atos governamentais concernentes ao sistema de ensino paulista e
às atividades desenvolvidas pelas entidades representativas do professorado, tendo sido um
dos principais responsáveis pela divulgação da criação, em São Carlos, da APESNOESP
(Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São
Paulo) que, a partir de 1971, passou a ser denominada APEOESP (Associação de
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e, desde 1988, tornou-se sindicato.
Além disso, a coluna continha notícias sobre o campo educacional e pequenas notas sobre
pesquisas, visitas de professores de outros estados, inauguração de prédios escolares,
cursos de férias, aniversários de escolas etc. Ao que tudo indica, Educação e Ensino tinha
grande repercussão junto ao magistério, como deixou entrever a carta de Máximo de
Moura Santos – professor que ocupou inúmeros cargos nos órgãos técnicos do ensino
paulista e autor do livro Em defesa do professorado (São Paulo: Livraria Francisco Alves,
1950), entre outros – publicada em 10/10/1956, no qual ele se referiu à pena de Elisiário
Rodrigues de Sousa como “uma metralhadora a serviço do professorado”. Situado entre o
campo educacional e o campo jornalístico, o colunista formou-se na Escola Normal
Municipal de Itapeva em 1933, onde lecionou em 1945 e atuou junto às entidades
representativas do magistério, tendo pertencido ao Conselho Superior do CPP (Centro do
Professorado Paulista) entre 1952 e 1967 e à diretoria da APESNOESP entre 1945 e 1946,
mas se notabilizou pelo seu trabalho no Diário.
O já desaparecido Diário de S. Paulo, segundo Fernando de Morais, era o “jornal
sério” que Assis Chateaubriand havia preparado em sigilo para os paulistas e que foi
lançado em 1929 com a distribuição gratuita por um mês de aproximadamente 30.000
exemplares “a uma lista de pessoas residentes em todo o estado”, obtida por ele próprio a
partir dos “mailings de clientes de seus amigos industriais e empresários, associados de
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entidades de classes, pequenos e médios comerciantes que faziam parte dos cadastros das
grandes indústrias paulistas”. No dia seguinte ao seu lançamento, mais 30.000 nomes
foram incluídos nessa promoção a “assinantes potenciais”, totalizando, com as vendas
avulsas, uma tiragem inicial de 90.000 exemplares (Morais, 1994, p. 191-192). Segundo
Nelson Werneck Sodré, o jornal conquistou o público valendo-se de uma estratégia “nova
que, assegurada e prolongada com a força já adquirida pela cadeia encabeçada pelo O
Jornal, proporcionou sucesso ao novo matutino paulista, dirigido por Rubens Amaral”
(Sodré, 1966, p. 424). Ao ser criado, o periódico apoiou a candidatura de Getúlio Vargas à
Presidência da República pela Aliança Liberal que havia congregado as forças de oposição
à República Velha e que contou com o apoio da maioria dos órgãos da imprensa. Logo
após o seu lançamento, o jornal passou a publicar aos domingos a Revista de antropofagia
- Segunda dentição, contrariando os projetos iniciais de Chateaubriand de imprimir-lhe um
tom sisudo e causando uma forte reação em seus leitores do interior do estado, os quais
solicitaram “o cancelamento de suas assinaturas, inconformados com o escárnio produzido
semanalmente pelos modernistas em um diário que se pretendia sério”, entretanto o
empresário optou pela permanência desse tipo de contribuição (Morais, 1994, p. 193).
Ainda no ano de seu surgimento, o periódico enfrentou uma grave crise financeira
ocasionada pelo crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque que repercutiu sobre a
economia paulista, pois os seus alicerces estavam “plantados na indústria e na cafeicultura
de São Paulo. (...) Não fossem as mãos estendidas por Roberto Simonsen e o conde Sílvio
Penteado, e o socorro emprestado pela fartura em que viviam as empresas irmãs de outros
estados, e o Diário teria fechado suas portas em 1929” (Morais, 1994, p. 264).
Cabe observar aqui que a empresa que ficou conhecida como Diários Associados,
do qual fez parte inúmeros jornais, revistas e a TV Tupi, inaugurada em 1950, começou a
ser estruturada por Assis Chateaubriand em 1924, com a aquisição d’O Jornal no Rio de
Janeiro e do Diário da Noite em São Paulo e, em 1928, lançou a revista semanal O
Cruzeiro que teve grande repercussão na imprensa brasileira, circulando em todo o
território nacional. A revista, imprensa em papel especial, contava com equipamentos
modernos e a colaboração de intelectuais renomados, trazendo artigos amplamente
ilustrados por fotografias sobre temas bastante diversificados. Com a vitória da Revolução
de 30, Chateaubriand passou a receber inúmeros favores, sobretudo “a concessão de
vultuosos empréstimos” através da Caixa Econômica Federal, fundando em 1947 o Museu
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de Arte de São Paulo (MASP) (Ferreira e Benjamim, 1984, p. 782). Personalidade
controvertida, Chateaubriand que era conhecido pelo seu anticomunismo, apoiou a
instauração do Estado Novo e notabilizou-se nos anos 1950 pela defesa do capital
estrangeiro na exploração petrolífera brasileira, combatendo duramente as teses
nacionalistas, tachadas de “coisas de comunistas” (Ferreira e Benjamim, 1984, p. 782-783).
Para Nelson Werneck Sodré, os Diários Associados constituíram o primeiro exemplo da
tendência à concentração que passou a caracterizar a imprensa brasileira mediante a
formação de “corporações complexas, reunindo jornais e revistas, emissoras de rádio e
televisão (...) que exploram a informação instantânea e têm extraordinária força de
penetração, pelo uso do som, ou deste e da imagem, superando a barreira, ainda muito
grande, do público analfabeto” (Sodré, 1966, p. 446-447). Com isso, “a empresa
jornalísticas, mesmo tomada isoladamente” adquire grandes dimensões, tornando
altamente complexa e exigindo investimentos de grande vulto, o que acabou por eliminar a
pequena imprensa. Todavia, a grande imprensa brasileira, ao ingressar nessa “etapa
empresarial de enormes dimensões”, devido ao “nível de desenvolvimento do país”,
tornou-se extremamente vulnerável devido à importação do papel - que ocasionou graves
crises em 58 e 63 – e à dependência das agências de notícia e de publicidade (Sodré, 1966,
p. 447-448). No Brasil, a importação também era necessária para a aquisição de máquinas
cada vez mais complexas que produziam “grandes tiragens em tempo muito curto para
atender à instantaneidade das comunicações, a unidade do mundo, o crescimento do
número de leitores e, conseqüentemente, o aperfeiçoamento das técnicas de impressão e
multiplicação” (Sodré, 1966, p. 451).
Além da coluna de Elisiário Rodrigues de Sousa, veiculada pelo Diário de S.
Paulo, outros jornais paulistas mantinham seções voltadas para temáticas ligadas ao ensino
e o magistério entre os anos 1940 e 1960. Dentre elas, convém destacar a da Folha da
Manhã, denominada inicialmente Educação que, em 1945, contava com um artigo sobre
questões educacionais, cuja autoria era identificada pelas iniciais R. de M., mas que foi
substituído por pequenas notas em 1948. Neste ano, a Folha anunciou, em 14 de outubro, o
surgimento da seção Administração e Ensino,
destinada a responder consultas sobre problemas de administração
pessoal, questões de ensino. Os servidores públicos, professores
secundários e primários e os militares em geral poderão dirigir-se a essa
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seção, sempre que encontrarem dificuldades na interpretação das leis que
dizem respeito à sua vida funcional ou quando sentirem embaraçados na
solução dos pequenos casos de matéria administrativa.
Contudo, somente em 1950, a referida seção passou a ser publicada diariamente
com artigos de fundo, assinados por Paulo Lencastre e notícias relativas ao campo
educacional e ao funcionalismo público em geral. Em 1954, o jornal transformou-a em
Administração e Funcionalismo, criando uma seção totalmente voltada para o professorado
e os temas educacionais – Ensino e Magistério – que permaneceu até 1958, apresentando
um formato bastante semelhante à coluna de Elisiário Rodrigues de Sousa no Diário. Em
1961, a Folha de S. Paulo reeditou Educação, com pequenas notas sobre a criação de
escolas, concursos, exposições pedagógicas, cursos etc., instituindo uma “bifurcação” entre
o conteúdo desta seção e as notícias sobre o professorado publicadas no noticiário geral e
nem sempre na mesma página. i Num estilo completamente distinto, O Estado de S. Paulo
manteve duas seções educacionais – Departamento de Educação em 1945 e Instrução
Pública e Educação entre 1953 e 1956 – nas quais apenas se veiculava matérias sobre
eventos ligados ao ensino e ao magistério, sem haver qualquer tipo de comentário, como os
que caracterizaram a Folha até os anos 1950 e o Diário ao longo do período estudado,
embora a partir da década seguinte este tipo de produção tenha perdido espaço.
Tendo em vista a existência de colunas educacionais nos principais jornais
paulistas, cujo principal exemplo era a do Diário de S. Paulo que foi mantida por mais de
vinte anos, sob a responsabilidade do professor Elisiário Rodrigues de Sousa, cabe
interrogar aqui qual a natureza do interesse do jornal pelas questões educacionais e, em
particular, pelo magistério que, certamente, constituía em termos numéricos uma parcela
bastante expressiva de leitores a serem cultivados, sem desconsiderar – como observa
Gisela Taschner (1992) – que a transformação de leitores em potencial em leitores efetivos
dependia não só do conteúdo do periódico, mas também do poder aquisitivo da população.
Além disso, convém questionar se o espaço atribuído nos jornais ao magistério pode ser
considerado como indicativo do seu prestígio e qual o significado da presença de um
professor na redação de um jornal de grande circulação, buscando, ainda, examinar o
interesse da categoria por este tipo de mídia. A esse respeito, cabe assinalar que, no X
Congresso organizado pela APESNOESP em 1961, a entidade decidiu reivindicar junto
aos jornais a manutenção de seções educacionais, sob a responsabilidade de docentes,
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alegando que “a ausência de informação das entidades de classe do magistério tem dado
lugar a falsas idéias do público sobre a realidade da Escola Pública” e que era necessário
denunciar “manobras escusas contra a Escola Pública”, articuladas muitas vezes por “seus
inimigos guindados a elevadas posições de mando dentro do setor educacional oficial”.ii
Tal reivindicação deve ser compreendida no âmbito das lutas empreendidas pelas
entidades representativas do magistério para legitimar as suas posições em busca de
reconhecimento no interior do campo educacional (e também fora dele), nas quais ganhar
voz e visibilidade nos órgãos de imprensa tinha grande importância para mobilizar a
opinião pública para os problemas enfrentados pelos professores. Entretanto, a
possibilidade de intervenção das entidades representativas da categoria nas imagens
veiculadas a seu respeito pela mídia era limitada e dependia das relações existentes entre o
campo educacional e o jornalístico, condicionadas pela posição dos agentes na hierarquia
do sistema de ensino ou nas esferas de representação do movimento docente, mas também
da orientação política e ideológica dos jornais. No caso paulista, pode-se constatar que o
CPP – que teve uma posição de liderança no movimento de organização do magistério
paulista até os anos 1970 e cujos dirigentes ocupavam postos de comando no sistema de
ensino – tinha amplo destaque nos jornais diários, gerando, após a primeira greve do
magistério paulista, ocorrida em 1963, a crítica de alguns leitores da Folha de S. Paulo que
se dirigiram à sua seção de cartas para reclamar da predileção da grande imprensa pelo
professorado primário, setor ao qual a entidade era vinculada (Vicentini, 2002). Esta
situação, entretanto, inverteu-se a partir do final dos anos 1970, quando a configuração do
movimento docente alterou-se com a ascensão da APEOESP após as greves de 1978 e
1979, fazendo com que o CPP reclamasse da sua exclusão do noticiário da Folha de S.
Paulo (Lugli, 1997).
Ao utilizar a noção de campo educacional na perspectiva da teoria de Pierre
Bourdieu (1980, 1983), considero – tal como evidencia Denice Barbara Catani (1989) –
que a sua estruturação, no Brasil, ocorreu durante as primeiras décadas republicanas e teve
como marcos a organização do sistema de ensino – que se deu em nível estadual – e a
delimitação do espaço profissional dos professores envolvendo, também, a criação de
instituições para a formação docente, a produção e a circulação de conhecimentos
específicos para a área. As entidades representativas do magistério inseriram-se nesse
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processo disputando a posição de porta-voz da categoria, numa tentativa de interferir nos
rumos adotados pelas políticas educacionais e conquistar melhores condições para o
exercício da profissão e maior prestígio social. Com a expansão dos diferentes níveis de
ensino – sobretudo do médio – a partir dos anos 1950, os segmentos que integravam o
magistério tornaram-se mais numerosos e criaram associações próprias, voltadas para a
defesa de interesses específicos, o que ampliou as disputas travadas no interior do
movimento docente e desenvolveu as chamadas lutas de representações. Para Bourdieu,
estas correspondem a diferentes princípios de classificação e de di-visão do mundo social,
tanto “no sentido de imagens mentais” quanto de “manifestações sociais” para manipulálas e até modificá-las e por meio das quais se estabelece “o sentido e o consenso sobre o
sentido, em particular sobre a identidade e a unidade do grupo, que está na raiz da
realidade da unidade e da identidade do grupo” (Bourdieu, 1996, p. 108).
O papel das seções educacionais na definição das questões relativas ao ensino
paulista que deveriam ganhar destaque na grande imprensa, bem como na constituição das
representações sobre as instituições que integravam o campo educacional – como por
exemplo, as associações representativas do magistério – pode ser discutido a partir dos
conflitos de Elisiário Rodrigues de Sousa com alguns membros da diretoria do CPP, da
qual fez parte também. O colunista entrou em confronto com os dirigentes da entidade em
1946 e 1949 devido às críticas que lhe havia dirigido através da coluna. Em 1946, as atas
das reuniões da diretoria da associação registraram o protesto contra a forma pela qual o
colunista explorara, com “má fé evidente, visando indispor o magistério e os associados
contra o Centro”, o fato de a entidade ter alugado o seu salão a um partido político.
Embora a diretoria tenha resolvido propor ao Conselho Superior “a exclusão do sócio
rebelde”, tal processo não foi levado adiante, pois em 1949 a diretoria do CPP convocou
uma sessão extraordinária para tomar as providências necessárias no que dizia respeito à
“insistência com que determinado indivíduo, prevalecendo-se de sua posição de redator de
uma seção educativa de um diário da Capital, procura visar o CPP com o intuito evidente
de desprestigiá-lo”. Também se registrou que “Elisiário Rodrigues de Sousa insiste em
desprestigiar não só o CPP, como a própria diretoria, toda ela formada por pessoas de
moral ilibada”. Após a posse da diretoria eleita em 1949, Sousa prosseguiu, criticando a
atuação daqueles que deixavam o órgão, conforme atesta o comentário feito por Vicente
Peixoto na reunião de 31/08/1949 sobre o artigo publicado em 05/08/1949:
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Como membro, porém, que fui da última diretoria e testemunha dos
trabalhos também ativos e produtivos das Diretorias anteriores, não posso
deixar de refutar as palavras de Professor, quando diz (...) “do propósito
seguro em que se acham os novos diretores de reerguer o CPP,
colocando-o inteiramente a serviço dos superiores interesses do
magistério”. A essas palavras é que eu oponho a mais formal refutação,
porque jamais (...) o CPP esteve caído ou afastado dos superiores
interesses do magistério, precisando que esta Diretoria venha reerguê-lo.
Tendo em vista a possibilidade que a coluna Educação e Ensino tinha de dar
visibilidade às iniciativas voltadas para a mobilização dos diferentes segmentos do
magistério paulista, optou-se por privilegiar aqui as produções referentes à criação de uma
entidade representativa do professorado secundário, nas quais Elisiário Rodrigues de Sousa
aproveitou para expressar a sua posição quanto ao papel deste tipo de instituição para a
melhoria do estatuto sócio-profissional da categoria. O colunista não só anunciou a
realização do Congresso de Professores Secundários, promovido pelos docentes da Escola
Normal e Colégio Estadual de São Carlos em 13 e 14 de janeiro de 1945, que resultou na
criação da APESNOESP, como também se tornou presidente de honra do evento e membro
da primeira diretoria da entidade. Ao anunciá-lo em dezembro do ano anterior em
Educação e Ensino, Sousa elogiou a iniciativa dos professores de S. Carlos, definindo-a
como uma
Idéia magnífica e oportuna. Magnífica, porque está a indicar os bons
propósitos de união de uma classe que viveu sempre espalhada, sem
coordenação de esforços e sem diretriz de orientação. Oportuna porque
estamos atravessando uma das fases mais angustiosas do mundo. Já se
delineiam os contornos imprecisos do período a que se deu o nome de
'após-guerra'. (...) A congregação dos professores do ensino secundário e
normal representa, por assim dizer, a antecipação promissora do
estabelecimento de um firme ponto de apoio a qualquer trabalho
educativo que se queira realizar entre a juventude. E são os ginásios,
colégios e escolas normais que formam a cultura média dos povos e
preparam os elementos que se destinam às elites culturais.iii
Na véspera da abertura do Congresso de Professores Secundários, Elisiário
Rodrigues de Sousa renovou as suas esperanças no evento, louvando a iniciativa como
símbolo de uma “nova fase” para a categoria, pois, ao seu ver, o certame de professores
secundários favoreceria a organização de um segmento que até então se caracterizava pelo
“comodismo” e a desunião. Nesse sentido, o colunista lembrou que os docentes de escolas
particulares já tinham o seu sindicato e atribuiu à alta do custo de vida a mudança de
atitude dos profissionais da rede pública. Em suas palavras,
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Parece ter sido necessário essa elevação estonteante do nível de vida para
que os professores deixassem aquele comodismo inexplicável em que se
colocaram à espera de que os outros, possivelmente mais aflitos,
tomassem a si o encargo de resolver os seus problemas, cujas soluções
lhes seriam benéficas por extensão. (...) O magistério vem de entrar numa
nova fase. Por todos os lados, a mesma louvável preocupação pelos
problemas comuns e o mesmo anseio pelo despertar do espírito de
solidariedade, em quantos estejam integrados na classe do professorado.
E, dentro dele, dois grupos permaneciam meio indiferentes aos seus
próprios destinos: os docentes dos ginásios, colégios e escolas normais
oficiais e o pessoal das escolas industriais ou profissionais. (...) O
Congresso de S. Carlos, por isso tudo, constitui uma grande promessa,
uma fonte de esperanças e uma afirmação de fé.iv
Nos dias que precederam ao Congresso, o colunista divulgou as cidades que
enviariam representantes ao congresso e o programa do evento que contaria com a
presença do prof. Andronico de Melo – assistente técnico do ensino secundário e normal e
representante do Departamento de Educação – e um coquetel oferecido pela Editora
Didática Brasileira. Tais representantes eram provenientes em sua maioria de
estabelecimentos de ensino, localizados no interior do estado. Rodrigues de Sousa também
anunciou os temas previamente definidos para serem discutidos, dentre os quais convém
destacar
a) a união da classe dos professores secundários e normais;
b) a criação de um Conselho Estadual, no qual deverão ser
representados todos os estabelecimentos de ensino secundário,
permitindo ao professor colaborar mais diretamente nos problemas de
ensino;
c) equiparação de vencimentos de modo a atender a um padrão de vida
compatível com o cargo;
d) pagamento com regularidade dos professores interinos, contratados e
assistentes, seja qual for a forma de nomeação ou de contrato;
e) pagamento com regularidade dos professores que tomem parte em
bancas examinadoras, ou concursos;
f) inclusão em folha (...) de pagamento, para recebimento mensal das
aulas extraordinárias;
g) regularizar o pagamento por saldos e verba, evitando atrasos
constantes;
h) efetivação de todos os professores que foram aprovados nos últimos
concursos de títulos e provas;
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i) abono de faltas por motivo de moléstia aos professores interinos,
contratados ou substitutos;
j) aproveitamento de todos os professores secundários que perderam
suas cadeiras em conseqüência do último concurso;
l) cessar a distinção entre professores de aula e de cadeira, a fim de
que haja igualdade entre todos os professores secundários.v
Ao divulgar as iniciativas que resultaram na criação da APESNOESP, Sousa, além
de chamar a atenção para a precaridade que caracterizava a vida profissional do magistério
secundário e normal em meados dos anos 1940, defendeu a pretensão de interferir na
política educacional do estado de São Paulo mediante a criação do Conselho Estadual de
Educação que, em seu entender, juntamente com “a união da classe” deveriam constituir as
principais metas do movimento de organização dos professores secundários. Nesse sentido,
o colunista defendeu a criação de uma Associação de Educação nos moldes das entidades
americanas mediante as quais os docentes podiam opinar sobre os rumos do ensino paulista
e contribuir para a elevação moral e cultural da categoria.vi
Embora Rodrigues de Sousa não tenha destacado as questões relativas à
remuneração do magistério secundário, parece ter sido justamente o atraso no pagamento
das aulas extraordinárias que assegurou o êxito do Congresso. Segundo o depoimento de
Alberto Mesquita de Carvalho (um dos seus organizadores), os professores que
participaram do certame de janeiro de 1945, apesar do receio de serem punidos, decidiram
solicitar o pagamento, atrasado há quase um ano, das aulas extraordinárias cujo número era
variável “e, às vezes, ultrapassava em valor a parte fixa que não era grande”, mas que eles
recebiam todos os meses. O próprio Elisiário havia tratado desse problema em sua coluna
no Diário de S. Paulo, esclarecendo que o pagamento das aulas extraordinárias era um
direito do professor, pois seus vencimentos correspondiam às aulas ordinárias que, no caso
dos lentes dos ginásios, colégios ou escolas normais, eram 50 por mês ou 12 por semana e,
no caso dos professores de aula e assistentes, eram 75 por mês ou 18 por semana.
Entretanto, quando os professores excediam este quantum - o que havia se tornado bastante
comum em razão do aumento das matrículas nas escolas secundárias - deveriam receber
por esse trabalho extraordinário, contanto que os lentes não ultrapassassem 30 aulas por
semana e tivessem 2 horas de almoço. O colunista também observou que a diferença
existente entre lentes e assistentes era um absurdo pois, apesar de sujeitos às mesmas
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formas de concurso e de ganhar um ordenado fixo menor, os assistentes tinham mais
encargos.vii
Em fevereiro de 1945, os organizadores do Congresso encaminharam ao
Interventor Fernando Costa e a Sud Mennucci – à época Diretor de Ensino e presidente do
CPP – as reivindicações dos professores secundários e obtiveram do Interventor a
promessa de uma melhor remuneração. De acordo com Elisiário Rodrigues de Sousa, este
segmento do magistério passaria receber de acordo com o “padrão J” no quadro do
funcionalismo, ou seja, vencimentos fixos de Cr$ 1.300,00 – o que, em seu dizer, fez a
alegria de “quase 1000 colegas” -, sem a extinção das aulas extraordinárias, apesar das
mesmas não serem reajustadas proporcionalmente. viii No mês seguinte, foi convocada uma
reunião no auditório da Escola Normal Caetano de Campos para fundar a Associação dos
Professores do Ensino Secundário e Normal – o que também foi amplamente divulgado
pela coluna Educação e Ensino. Aliás, Rodrigues de Sousa voltou a defender a criação de
uma associação de educação que se tornasse um órgão consultivo no tocante às questões
educacionais, condenando as entidades de professores voltadas para atividades recreativas,
deixando entrever uma crítica às diretrizes que norteavam a atuação do CPP desde 1930
(ano de sua fundação). Na reunião de 12 de março de 1945, comandada por Luiz Augusto
de Oliveira – à qual, segundo o Diário de S. Paulo, compareceu “grande número de
professores procedentes do interior”, além dos residentes na capital – foram discutidos os
estatutos elaborados por Vicente Checchia. Após ter sido empossada, a nova diretoria
visitou o Secretário da Educação e o Diretor do Departamento de Educação –
respectivamente Sebastião Nogueira de Lima e Sud Mennucci – para reiterar a
reivindicação de vencimentos iniciais de Cr$ 1.300,00 e solicitar a incorporação da
gratificação de magistério para os professores secundários.ix
Os momentos iniciais da APESNOESP não se caracterizaram por iniciativas
assistencialistas com relação aos professores, embora se reconhecessem as dificuldades de
sua vida cotidiana, num claro movimento de diferenciação da associação dos professores
primários, o CPP, que se dedicava essencialmente a atividades recreativas e à prestação de
serviços aos associados. Os Estatutos aprovados em 1946 visavam conquistar um “nível de
vida compatível com a dignidade humana” e da possibilidade de interferir na política
educacional, mediante a promoção de “uma aproximação mais eficiente, com os
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responsáveis pelo ensino no Brasil e no Estado de São Paulo, de modo a serem os
professores ouvidos por intermédio desta Associação no estudo da legislação e métodos
que visem a melhor aplicação e difusão das atividades pedagógicas”. Além de organizar
“departamentos especializados para estudo de todas as questões referentes ao ensino e
legislação, de modo a, facilitando as consultas, poupar tempo e suavizar a difícil tarefa do
professor”, a entidade propunha-se a colaborar para o aperfeiçoamento cultural do
magistério secundário por meio de diversas atividades, tais como “o intercâmbio entre os
alunos dos Ginásios, Colégios e Escolas Normais de diferentes localidades, facilitando-lhes
condução e estadia, intercâmbio que visará maior cultura e educação do aluno e leal
camaradagem com os professores; palestras, conferências, reuniões, comemorações
cívicas, congressos e tudo quanto possa estimular o maior interesse pelo estudo, pelo
ensino, e pelos grandes vultos que engrandeceram a nossa Pátria” e a criação de “um
centro de reuniões onde os associados possam debater e cultivar os grandes ideais de
solidariedade humana e profissional” (Estatutos aprovados em 1946, Capítulo I, art. 2º, p.
1-2).
Diante dessa iniciativa de organização de um segmento da categoria docente, a
coluna Educação e Ensino – sob a responsabilidade de Eliziário Rodrigues de Sousa –
atuou no sentido de divulgá-la e de legitimar as posições do grupo que estava à frente desse
empreendimento. Ao fazê-lo, os problemas que afligiam os professores secundários
ganharam expressão numa mídia de ampla circulação – o que podia tanto contribuir para
que esse grupo se mantivesse como leitor do Diário quanto para obter o apoio de outros
setores sociais para a luta empreendida pela melhoria do estatuto sócio-profissional do
magistério. Tendo apresentado até o momento uma análise ainda preliminar sobre uma
parte do conteúdo da referida coluna, ficam indagações quanto aos significados de um
professor transitar entre o campo educacional e o jornalístico ao ocupar a posição de
colunista num órgão da grande imprensa que, por um período expressivo, manteve
diariamente uma seção destinada a tratar de temáticas que diziam respeito ao exercício da
profissão docente no estado de São Paulo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre A Economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São
Paulo: EDUSP, 1996.
BOURDIEU, Pierre “O campo científico”. ORTIZ, Renato (org.) Pierre Bourdieu Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 122-155.
CATANI, Denice Barbara Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino
da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (1902-1919). São Paulo:
USP, 1989, doutoramento.
FERREIRA, Marieta de Moraes & BENJAMIM, Cid “Assis Chateaubriand (verbete)”.
ABREU, Alzira Alves de & BELOCH, Israel (coord.) Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro (1930-1983), Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1984, p. 781-783.
JOIA, Orlando & KRUPPA, Sonia (org.) APEOESP 10 Anos (1978-1979): memória do
movimento dos professores do ensino público estadual paulista. São Paulo: CEDI, 1993.
LUGLI, Rosario S. Genta Um estudo sobre o CPP (Centro do Professorado Paulista) e o
movimento de organização dos professores (1964-1990). São Paulo: FEUSP, 1997,
mestrado.
MORAIS, Fernando Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.
SODRÉ, Nelson Werneck História da Imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 1966.
VICENTINI, Paula Perin Imagens e Representações de Professores na História da
Profissão Docente no Brasil (1933-1963). São Paulo: FEUSP, 2002, doutorado.
TASCHNER, Gisela Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico no Brasil.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
i
É importante informar que a Folha de S. Paulo não dispõe de informações sobre os responsáveis pelas
seções citadas.
ii
“Moções e Propostas” (X Congresso de Professores Secundários). Revista APESNOESP, Ano I, nº 1, p. 15-17.
iii
SOUSA, E. R. de “Congresso de Professores Secundário”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino,
12/12/1944, p. 6.
iv
SOUSA, E. R. de “O Congresso de S. Carlos”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 12/01/1945, p. 6.
v
“Congresso de Professores Secundários”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 13/12/1944, p. 6. Com o
intuito de divulgar as atividades do evento, a referida coluna publicou, ainda, “Instala-se sábado o Congresso
de Professores do Ensino Secundário de São Paulo”. 11/01/1945, p. 6; “Instala-se amanhã em S. Carlos o
Congresso de Professores do Ensino Secundário. 12/01/1945, p. 6; “Congresso de Professores do Ensino
Secundário”. 13/01/1945, p. 6 (grifos meus).
vi
SOUSA, E. R. de “Mensagem ao Congresso”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 13/01/1945, p. 6.
vii
Depoimento de Alberto Mesquita de Camargo, professor da Escola Normal de São Carlos, a Terezinha
Lisieux Vasconcelos em 1987 (JOIA & Kruppa, 1993, p. 142). SOUSA, E. R. de “Aulas Extraordinárias”.
Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 02/12/1944, p. 6. “Pagamentos atrasados”. Diário de S. Paulo,
Educação e Ensino, 12/10/1944, p. 6.
13
14
viii
“As conclusões do Congresso de S. Carlos”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 04/02/1945, p. 6.
“Aumento de vencimentos dos professores secundários”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino,
10/02/1945, p. 6. “A audiência dos Campos Elíseos”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 16/02/1945, p.
6. “Em torno do projeto”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino, 03/03/1945, p. 6.
ix
SOUSA, E. R. de “Associação dos Professores Secundários”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino,
06/03/1945, p. 6. “Associação dos Professores Secundários”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino,
09/03/1945, p. 6. “Vai ser instalada a Associação dos Professores Secundários”. Diário de S. Paulo,
Educação e Ensino, 10/03/1945, p. 6. “Associação de Professores”. Diário de S. Paulo, Educação e Ensino,
11/03/1945, p. 6. “Congregam-se professores do ensino secundário e normal”. Diário de S. Paulo, Educação
e Ensino, 11/03/1945,p. 6. “Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal”. Diário de S.
Paulo, Educação e Ensino, 13/03/1945, p. 6. “Foi fundada ontem à tarde a Associação dos Professores do
Ensino Secundário e Normal”. Diário de S. Paulo, 18/03/1945, p. 9.
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