RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO
ARTESANATO LOCAL E PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS
PARA SUA PRESERVAÇÃO 1
Anette Coeli Neves Maynart
Mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos
Sandra Farto Botelho Trufem
Doutora em Biologia pela USP e professora da Universidade São Marcos
1
Parte da Dissertação de Mestrado da primeira Autora
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
Resumo
O trabalho apresenta a situação atual dos munícipes do município de São Francisco,
MG, no que se refere ao seu rico artesanato em rendas de bilro, madeira, com as
famosas carrancas do São Francisco, artefatos em couro e cerâmica, além da cestaria e
tapeçaria. Discute-se a percepção dos moradores em relação às políticas públicas
destinadas ao incentivo e preservação do rico patrimônio cultural de artesanato da
região.
Palavras chave: artesanato, Cidade de São Francisco, políticas publicas, cultura
popular
Abstract
This paper presents the current situation of the citizens of São Francisco, MG, with
regard to its rich craft of bobbin lace, wood, with the famous gargoyles of San
Francisco, leather and ceramics artifacts, basketry, and tapestry. We discuss the
perception of the residents in relation to public policies designed to encourage and
preserve the rich heritage of handicrafts in the region.
Keywords: handicrafts, City of San Francisco, public policies, popular culture
2
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
Introdução
O rio São Francisco nasce na Serra da Canastra (MG), na Chapada da
Zagaia, no município de São Roque de Minas, na região Sudeste do Estado, a cerca de
mil metros de altura. Percorre 2,7 mil quilômetros, pelos estados da Bahia, Sergipe,
Alagoas e Pernambuco. Em toda a região da bacia vivem do Velho Chico vivem cerca
de 13 milhões de habitantes, o que corresponde a 10% da população brasileira,
beneficiando 503 municípios, 240 dos quais 240 localizados em Minas Gerais.
A cidade de São Francisco, MG, localizada às suas margens é o objeto de
estudo deste trabalho, que focalizou os aspectos relacionados à produção do artesanato
de seus ribeirinhos, guardiões que são da cultura da terra e que procuram desse labor
extrair o seu sustento e o de suas famílias, bem como preservar as tradições de seus
antepassados. Discute-se ainda a possibilidade de se ter nas atividades artesanais uma
alternativa como fonte de renda para as famílias do local, uma vez que o município é
pobre e os artesãos apresentam baixa escolaridade, por conseqüência, baixa qualificação
profissional.
Os procedimentos metodológicos desta pesquisa envolveram, além de
pesquisa bibliográfica sobre o tema, a coleta de dados por meio de entrevistas,
abrangendo como espaço empírico a cidade de São Francisco, utilizando-se
depoimentos pessoais, com entrevistas semi-estruturadas, aplicadas a 40 pessoas,
moradores do município e turistas.
A cidade de São Francisco
A cidade de São Francisco localiza-se ao norte do Estado de Minas Gerais, e
é cortada na direção sudoeste nordeste pelo Rio São Francisco, ficando à sua margem
direita. Tem 3.300 km², com população de 52.985 habitantes (IBGE, 2007) e seu IDH
(índice de desenvolvimento humano) na marca de 0,680 2.
O município de São
Francisco está situado na região Norte de Minas Gerais, a 580 km da capital Belo
Horizonte. A partir de 1702, aproximadamente, data em que se estabeleceu o
bandeirante paulista, Domingos do Prado de Oliveira, fundador do povoamento original,
2
http://www.caminhos.ufms.br/matrizdados/mg/saofrancisco.html acesso em 08/12/2009
3
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
conforme Brasiliano Braz3, terminologias como “Pedras de Cima”, “Pedras dos
Angicos”, São José dos Angicos”, “Cidade Evangelina”, “São Francisco das Pedras”, e
finalmente, “São Francisco”, todas essas denominações faziam referência ao atual
Município de São Francisco, hoje com uma configuração territorial e demográfica
bastante diversa.
O homem do São Francisco é produto da mestiçagem entre o índio e o luso,
com laivos de sangue negro. A população de baixa renda vive basicamente da pesca
artesanal, como forma de subsistência, complementando sua renda com outras
atividades com a produção de artesanato.
Pesquisando a história e características do rio São Francisco, descobre-se
que sua extensão é de aproximadamente 2.700 km, entre sua nascente, localizada na
Serra da Canastra, no município mineiro de São Roque de Minas, e a foz, situada entre
os estados de Alagoas e Sergipe, nas proximidades da cidade de Piaçabuçu - AL. Ao
longo do seu curso, o rio banha municípios de vários estados: Minas Gerais, Bahia,
Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Sua bacia hidrográfica é totalmente brasileira, além
dos estados citados, inclui ainda o estado de Goiás e o Distrito Federal4.
A bacia do rio São Francisco é dividida em: Alto São Francisco: estende-se
da nascente até a cidade mineira de São Francisco; Médio São Francisco: compreende o
trecho entre São Francisco até a cidade baiana de Remanso; Sub-médio São Francisco:
estende-se de Remanso até a cidade baiana de Paulo Afonso e Baixo São Francisco:
situa-se em áreas dos estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, estendendo-se
de Paulo Afonso até a foz.
A morfologia do rio São Francisco apresenta perfil diversificado que,
segundo critérios geomorfológicos de sua calha e da várzea (com diques marginais,
bancos de areias, anais de enchentes com lagoas temporárias e perenes etc.) pode ser
dividida em sete segmentos: 1º de suas nascentes, na cota aproximada dos 1.400 m, até
a cota dos 650 m, na confluência do rio Ajudas numa extensão de 100 km; 2º daí até o
reservatório de Três Marias; 3º.5 da barragem de Três Marias até Pirapora; 4º de
Pirapora até a confluência do rio Carinhanha; 5º daí até o reservatório de Sobradinho; 6º
3
BRAZ, Brasiliano. São Francisco Nos Caminhos da História. São Francisco: Lemes, 1977
4
Fonte : Rio São Francisco: Patrimônio Cultural e Natural – Belo Horizonte : Assembléia Legislativa
de Minas Gerais – 2003.
5
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. 1999.
4
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
da barragem de Sobradinho até Paulo Afonso; 7º daí até a foz.
Ao longo do seu curso, o rio possui 36 afluentes de porte significativo, dos
quais 19 são perenes. Em geral, os afluentes da margem direita, que nascem em terrenos
cristalinos, nos maciços das Serras das Vertentes e do Espinhaço, possuem águas mais
claras, enquanto os da margem esquerda, vindos de terrenos sedimentares, nos altos
chapadões do oeste mineiro, leste goiano e tocantinense, são mais barrentos. Seus
principais afluentes são: Rio Paraopeba; Rio Abaeté; Rio das Velhas; Rio Jequitaí; Rio
Paracatu; Rio Urucuia; Rio Verde Grande; Rio Carinhanha; Rio Corrente; Rio Grande.
De acordo com o IBGE6 a cobertura pedológica da Bacia apresenta os
principais tipos e ordens de solos já mapeados no Brasil. A bacia possui ainda os
seguintes climas: tropical úmido, clima seco com chuvas de verão, clima temperado
chuvoso e clima subtropical de altitude. O rio São Francisco atravessa regiões com
condições naturais das mais diversas. As partes extrema superior e inferior da bacia
apresentam bons índices pluviométricos, enquanto os seus cursos médio e sub-médio
atravessam áreas de clima bastante seco. O alto São Francisco é uma região de muitas
chuvas (de 1.500 a 1.000 mm anuais), que caem de novembro a abril, respondendo por
3/4 do escoamento total do rio. Assim, a maior parte do deflúvio do São Francisco é
gerado em Minas Gerais, cuja área da bacia é de apenas 37% da área total. A vegetação
é definida também pelo IBGE7 em Cerrado, Caatinga e Florestas Tropicais.
Na zona sertaneja semi-árida, apesar da intensa evaporação, da baixa
pluviosidade e dos afluentes temporários da margem direita, o rio tem seu volume
d'água diminuído, mas mantém-se perene, graças ao mecanismo de retroalimentação
proveniente do seu alto curso e dos afluentes no centro de Minas Gerais e oeste da
Bahia. Nesse trecho o período das cheias ocorre de outubro a abril, com altura máxima
em março, no fim da estação chuvosa. As vazantes são observadas de maio a setembro,
condicionadas à estação seca.
Em grande parte do vale do São Francisco as áreas mais propícias ao
aproveitamento agrícola situam-se às margens do mesmo. Por esse motivo a maior
parcela da população do vale se encontra nas proximidades do rio. Nas áreas ribeirinhas
onde há maior crescimento e progresso, como Petrolina (PE) e Juazeiro (BA)
6
7
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. 1999
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. 1999
5
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
predominam a atividade de agricultura irrigada. Esta região apresenta-se atualmente
como a maior produtora de frutas tropicais do país, recebendo atenção especial,
também, a produção de vinho, em uma das poucas regiões do mundo que obtêm duas
safras anuais de uvas.
Desde o seu descobrimento, o rio São Francisco é o principal recurso natural
que impulsiona o desenvolvimento regional. Hoje gera energia elétrica para abastecer
todo o Nordeste e parte do estado de Minas Gerais, com as hidroelétricas de Paulo
Afonso (AL/BA), Moxotó (AL/BA), Xingó (AL/SE), Itaparica (PE/BA), Sobradinho
(PE/BA) e Três Marias (MG).
A colonização do Alto São Francisco iniciou-se a partir da descoberta do
ouro, ao término do século XVII e início do século XVIII. A região antes percorrida por
exploradores, sem qualquer povoamento, onde se localiza atualmente a cidade de Ouro
Preto (MG), desenvolveu-se em conseqüência da prosperidade mineira, que se
expandia. Muitos paulistas fixaram-se no alto São Francisco, fundando cidades que hoje
têm seus nomes, como Matias Cardoso. A descoberta de ouro em Goiás, por volta de
1720, intensificou o povoamento.
No século XVII, os paulistas já haviam chegado à região das minas à
procura de ouro e pedras preciosas. É bastante conhecida a saga dos chamados
bandeirantes, que, antes da descoberta das minas, dedicavam-se sobretudo a prear índios
para servirem como escravos. A história de alguns paulistas que chegaram à sub-região
do Rio das Velhas está relacionada à colonização do Vale do São Francisco. Fernão
Dias Paes lá esteve à procura de esmeraldas. Borba Gato descobriu minas na sub-região
do Alto Rio das Velhas. No princípio do século XVIII, alguns conflitos entre paulistas e
emboabas ocorreram naquele afluente. Mathias e Januário Cardoso, Manuel Francisco
Toledo e Manoel Pires Maciel combateram e escravizaram índios e se estabeleceram no
Médio São Francisco. Mas os paulistas atuaram também na área da construção naval.
8
Desde o início do século XVIII o desbravamento do São Francisco era
completado por gente de Salvador e Recife. Para a fixação, concorreu a descoberta de
ouro em Jacobina, no médio vale, junto da cabeceira de seu o afluente, o rio Salitre, e
pelo povoamento do Piauí, Maranhão e Ceará. Desenvolveram-se as fazendas de criação
de gado.
8
NEVES, Zanoni. Os remeiros do rio São Francisco. São Paulo: Saraiva, 2004.
6
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
A atividade artesanal é tão antiga quanto o homem que fabricava suas
próprias ferramentas nas cavernas. Segundo Martins, o homem de Pequim conhecia já o
uso do fogo e sabia fabricar instrumentos de quartzo e grés, e a tecelagem da lã
comprovadamente já existia nos tempos pré-históricos.9
Na atualidade, a atividade ocupa, na maioria dos ramos, mulheres e crianças
da zona rural e mesmo suburbanas do interior, além de desempregados destas mesmas
áreas. As atividades que se encontram em locais de maior acesso de turistas ou
próximas aos grandes centros produzem o que satisfaz ao mercado, ainda que
descaracterizando em um ou outro aspecto a tradição local. A necessidade do artesão em
comercializar a sua produção é que acaba definindo o tipo de produto que desenvolverá.
Já nas atividades que se desenvolvem em locais distantes dos centros
comerciais ou pouco explorados por turistas, o que se percebe é que os produtos e a
dinâmica da produção ainda possuem muito das características tradicionalmente
mantidas através dos tempos. Nestas localidades pode-se observar a técnica ser
transmitida de geração a geração através do aprender fazendo, próprio deste tipo de
atividade e grande parte da produção artesanal ainda é utilizada para suprir a
comunidade das suas necessidades básicas de utensílios e outros artigos ali
desenvolvidos. Há que se ressaltar, no entanto, que é o artesão quem concebe, produz
com suas mãos e/ou instrumentos simples e vende o resultado do seu trabalho. Desta
maneira, ele executa senão todas, quase todas as etapas produtivas.
Ocorre, porém, que a atividade nem sempre é desenvolvida constantemente
durante o ano, estando sujeita a períodos sazonais devido não só à disponibilidade da
matéria-prima que utiliza, mas, também, à demanda do mercado. Acrescente-se que a
atividade também só é desenvolvida em períodos de entres safra ou decréscimo da
atividade que o ocupa normalmente.
Segundo Martins, 10 o mercado da atividade artesanal está intimamente
relacionado com a atividade turística, quando não possui um caráter de autoconsumo.
Ressalta o autor que este mercado tem sido ampliado com o desenvolvimento de feiras e
exposições em grandes cidades ou, ainda, mostras permanentes de artesanato, seja em
museus regionais, saguões ou galerias de edifícios públicos e locais de grande afluxo de
9
MARTINS, Saul. Contribuição ao Estudo Científico do Artesanato. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1973,.
10
MARTINS, Saul. Panorama Folclórico. Belo Horizonte: SESC-MG, 2004.
7
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
turistas como aeroportos, terminais rodoviários e ferroviários e pontos estratégicos nas
estradas.
A comercialização do produto artesanal enfrenta a forte concorrência do
mercado por parte dos produtos industrializados vendidos a preços relativamente
baixos. Assim, muitas vezes, o artesão se vê obrigado a vender seus produtos a preços
irrisórios para iniciar o processo produtivo ou mesmo para atender a alguma
necessidade familiar no momento.
O Vale do São Francisco é uma das regiões mais ricas deste país, no que se
refere ao artesanato. Pessoas comuns, que utilizam as mãos e algum instrumento como
extensão dos dedos para confeccionar peças de uso decorativo e utilitário, fazem-se
presentes às margens do rio. Oficinas caseiras exibem mestres, oficiais e aprendizes nas
mais diversas atividades: artigos para decoração, produção de mobiliário doméstico,
instrumentos musicais, de trabalho e de transporte, objetos de lazer, etc.
O artesanato está correlacionado com os recursos naturais existentes e
decorre, necessariamente, da relação entre o homem e o meio, reflete o sistema de vida
adotado pelos moradores do lugar ou região.
O homem do São Francisco é produto da entrosagem do índio e do luso, com
laivos de sangue negro, o sertanejo são-franciscano é a perfeita encarnação do tipo
bandeirante rijo, que lutou com a Natureza, devassou os sertões ínvios, dominou os
selvagens, repeliu o elemento estranho. 11 Os pioneiros que se aventuraram pelo sertão,
na conquista de novas terras e em busca de riquezas, firmaram-se às margens do São
Francisco através da formação de currais de gado, economicamente rentáveis, e da
agricultura de subsistência.
Devido às origens da formação étnica do ribeirinho, seu linguajar apresenta
influência de vocábulos indígenas, e muitas localidades tiveram início em aldeias de
nativos. Mas, a maior parte da população ribeirinha teve sua origem nas antigas
fazendas situadas às margens do Rio São Francisco. Grande parte dessas famílias
trabalhou como diaristas ou eram filhos de diaristas daquelas fazendas, que com o
passar dos anos, foram expulsos pelos proprietários, o que obrigou estas famílias a
fixarem residência em ilhas e às margens do rio. O folclorista Melo retrata em sua
poesia “Tipos”, os tipos ribeirinhos:
11
ROCHA, Geraldo. O Rio São Francisco - Fator Precípuo da Existência Do Brasil. 3ª edição.
Companhia Editora Nacional, 1993.
8
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
Pois é o que se vê: cada alma tem seu universo; / Pois é o que se sabe: cada
cabeça tem sua história; / Pois é o que se conta: cada coração tem seu amor;
/ Pois é, o homem não navega na alma do homem. / Cada um leva seu sonho
no seu mundo diverso; / Cada um tem seu rumo para buscar um porto, / E,
no seu viajar, aos outros pode parecer diferente, / Mas, para ele, os outros é
que não viajam. / Um busca um amor; outro apenas espera; / Um conta uma
história; o outro a recolhe; /Um quer uma canção; outro apenas cantar; / São
tolos? São apenas parte de nossa história.12
Essas populações, por viverem praticamente isoladas dos centros urbanos
mais avançados ou pelo menos enfrentando dificuldades para manter com estes um
relacionamento freqüente, desenvolveram hábitos próprios de consumo: elas
centralizaram suas atividades no extrativismo vegetal, agricultura, pesca e caça,
procurando o quanto possível a auto-suficiência, sem objetivos de comercialização. Em
geral, todos os membros das famílias estão envolvidos no processo de trabalhos que são
executados, observando-se inclusive o trabalho de crianças, que muitas vezes deixam de
freqüentar a escola para ajudar os pais na lida. Esta cultura comunitária é ampliada cada
vez mais, na medida em que os filhos crescem e se casam, formando outros núcleos
familiares, e alguns casos, até mesmo novas comunidades. 13
Na maioria das vezes os ribeirinhos acostumaram-se em uma vida de
dificuldades e não reclamam. Mesmo nas áreas onde as chuvas são abundantes, como
no Baixo São Francisco, em plena zona da mata, observa-se pobreza e pouco
desenvolvimento.
História do artesanato
A atividade artesanal é tão antiga quanto o homem que fabricava suas
próprias ferramentas nas cavernas. Segundo Martins, o homem de Pequim conhecia já o
uso do fogo e sabia fabricar instrumentos de quartzo e grés, e a tecelagem da lã
12
13
MELO, João Naves de. Viajando Sete Portos. São Francisco: Gráfica Santo Antônio, 2003.
FRAXE, Terezinha J.P.Homens anfíbios: uma etnografia do campesinato das águas. São
Paulo: Annablume. 2000.
9
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
comprovadamente já existia nos tempos pré-históricos.14
Com certeza, o homem das cavernas era um artífice. Todos os instrumentos
e utensílios de que dispunha eram por ele mesmo fabricados, utilizando a matéria-prima
que mais facilmente encontrava e a partir de sua própria concepção e necessidade.
Com o passar do tempo, tais objetos foram tomando a conotação cultural do
ambiente em que o homem estava cercado, fato que possibilita hoje identificar, em
objetos e conquistas arqueológicas, os costumes e características do povo que viveu em
determinado local. Realmente, somente na Idade Média, com o desenvolvimento dos
mercados, de novas rotas de comércio, das cidades e com o aumento da população,
enfim, com uma nova situação econômica e social é que o artesanato vive sua época de
maior crescimento e relevância na economia. 15
A explicação proposta por Rima, para o processo de surgimento do
artesanato na época Medieval é a seguinte:
O intenso crescimento da população da, Europa e a excelência de seus recursos
naturais combinados com técnicas de produção mais evoluídas aceleraram a
expansão da produção e ampliaram os mercados. Os mercados crescentes
possibilitavam a especialização dos trabalhadores em determinados produtos,
adquirindo eles perícias ocupacionais que os transformavam em artesãos. Esta
especialização e a divisão do trabalho que tende a acompanhá-la resultaram na
produção para o mercado, substituindo a forma mais primitiva de produção
que era para o autoconsumo, típica das unidades familiais do sistema feudal. 16
Conceituar a atividade artesanal, em qualquer momento histórico, ou para
qualquer objetivo, será sempre uma tarefa difícil e ingrata. Assim o é, por não se
conseguir, com um só conceito, abarcar todas as variantes que esta expressão permite,
oferecendo, sempre, uma conceituação, em uma análise mais profunda, pobre.
Weber conceitua o artesanato como sendo “o exercício de um trabalho
industrial aprendido, com uma extensão variável, executando-se à base de preparação
profissional ou de especialização técnica, de maneira independente, para um senhor,
14
MARTINS, Saul. Contribuição ao Estudo Científico do Artesanato. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1973,.
15
CARREIRO, C.H. Porto. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Rio, 1975.
16
RIMA, Ingrid Hahne. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Atlas, 1977.
10
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
para uma comunidade ou por conta própria.”17
Em seu conceito, Weber ao identificar o artesanato com o trabalho industrial
aprendido, considera a atividade como a transformação da matéria-prima característica
da indústria - e como uma escola, onde são repassadas as técnicas de produção e o
oficio aos aprendizes, sob os cuidados do mestre. Para o autor, há uma certa
especialização no artesanato. Não a especialização nos moldes da “divisão do trabalho”,
característica própria da organização industrial moderna, mas uma especialização
técnica, uma separação profissional, a partir da elaboração de um determinado
produto.18
Carreiro, embora não conceitue propriamente a atividade artesanal, comenta
que “a técnica de produção do artesanato baseia-se na indústria sobretudo manual (é a
verdadeira manufatura)”.19
Para outro autor, Canclini, “o artesanato segue designando um modo de
utilizar os instrumentos de trabalho, mas o seu sentido também é construído na
recepção, por intermédio de uma série de traços que são atribuídos aos objetos apesar de
terem sido fabricados com o emprego de tecnologia industrial”.20
Martins, ao delinear o seu conceito, segue o caminho de descrever o que não
é artesanato e, por exclusão, caracterizar o que é, em sua concepção. Para ele, a
atividade artesanal se situa no grupo de atividades de transformação de matéria-prima,
dentro do qual se diferencia da indústria, das artes puras ou desinteressadas, das artes
industriais ou ofícios e das “indústrias populares ou indústrias caseiras ou pequenas
indústrias.
Na luta pela sustentação da atividade na atualidade, o artesão tem buscado
formas alternativas de produção que possam dar agilidade ao processo produtivo
tomando o seu produto capaz de competir no mercado.
A característica de trabalho industrial também é permanente no artesanato,
se considerar-se o industrial, como sendo a transformação da matéria-prima em outro
produto. A atividade artesanal sempre será um processo de elaboração de um produto
diferente a partir de outros produtos ou matéria-prima.
17
WEBER, Max. História Geral da Economia.São Paulo: Mestre Jou, 1968.
Tal especialização também é comentada por RIMA, quando da análise da origem do artesanato.
19
CARREIRO, C. H. Porto. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Rio, 1975.
20
CANCLINI, N.G. apud PARANÁ, Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social do. Op.cit.p.25.
18
11
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
Com a passagem do sistema de produção doméstico para o fabril, fomentado
principalmente pela grande procura de produtos, os trabalhadores perderam sua
independência e a habilidade tomou-se menos importante devido à incorporação cada
vez mais intensiva de máquinas, sendo muito grande a dependência da produção ao
capital.
Desta forma, a atividade artesanal, que na Idade Média ocupou posição de
destaque no ambiente econômico da época, na sociedade industrial corresponde a um
modo de produção que, principalmente nas grandes cidades, foi substituído pela
atividade fabril e, concorrendo com esta de maneira desvantajosa, “relegou os artesãos à
realização de conceitos ou outros trabalhos marginais onde a criatividade manual
permanece útil”.21
O artesão, como na época medieval, antes do período áureo do artesanato,
permanece como um trabalhador de classe econômica baixa. Conforme Lopes, a
atividade ocupa, na maioria dos ramos, mulheres e crianças da zona rural e mesmo
suburbanas do interior, além de desempregados destas mesmas áreas.
A renda auferida pela atividade em muito se distancia de um mínimo
razoável para a manutenção familiar. Por isso, a atividade é desenvolvida como forma
de complementar o orçamento, composto pela receita de várias outras atividades,
geralmente de caráter informal.
Além do rendimento oferecido pela atividade artesanal ser baixo, ocorre
ainda que o acesso ao mercado dá-se por via de comerciantes que, intermediando a
transação, absorvem parte da renda dos artesãos.
Esta dinâmica retira do artesão o contato com o consumidor, tomando-o
dependente do comerciante. O resultado é o desaparecimento do trabalhador
independente, que trabalha em sua casa, com a sua família e seus recursos, para a
incorporação deste como assalariado, trabalhando para um empregador que organiza a
produção em formas empresariais. 22
Conforme Lopes, o controle da produção por firmas comerciais amplia o
mercado, vez que o mesmo transcende a região onde se localiza a atividade e o artesão
não consegue atingi-lo com sua fraca produção e parcos recursos. Porém estas firmas
21
PARANÁ, Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social. Op.cit., p.26.
LOPES, Juarez Rubens Brandão. Desenvolvimento e Mudança Social; formação da sociedade urbano
industrial no Brasil. 5ª. Ed. São Paulo: Nacional, 1980.
22
12
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
comerciais concentram em suas mãos grande parte do lucro auferido, sendo a diferença
entre o valor pago ao artesão e o valor do produto para o consumidor, a receita do
intermediário.23
As atividades que se encontram em locais de maior acesso de turistas ou
próximas aos grandes centros produzem o que satisfaz o mercado, ainda que
descaracterizando em um ou outro aspecto a tradição local. A necessidade do artesão em
comercializar a sua produção é que acaba definindo o tipo de produto que desenvolverá.
Já nas atividades que se desenvolvem em locais distantes dos centros
comerciais ou pouco explorados por turistas, o que se percebe é que os produtos e a
dinâmica da produção ainda possuem muitas das características tradicionalmente
mantidas através dos tempos.
Nestas localidades pode-se observar a técnica ser transmitida de geração para
geração através do aprender fazendo, próprio deste tipo de atividade e grande parte da
produção artesanal ainda é utilizada para suprir à comunidade das suas necessidades
básicas de utensílios e outros artigos ali desenvolvidos.
Percebe-se que, ainda atualmente, cada região se identifica com um tipo de
atividade, seja pela influência cultural, seja pela abundância de um ou outro tipo de
matéria-prima, pela tradição da região ou, ainda, pela pressão do mercado sobre a
atividade.
O artesanato é, atualmente, uma forma de se sobreviver no mercado, onde o
modelo econômico vigente se toma cada vez mais excludente. É necessário identificar
formas de se recuperar o poder de produção e comercialização dos artesãos, para que
esta atividade possa absorver a habilidade das pessoas de determinada região e
transformá-la em recursos econômicos.
Desta forma, o investimento feito na atividade artesanal é, inicialmente, o
próprio trabalho do artesão, que confecciona suas próprias ferramentas ou utiliza as
mãos como instrumento essencial de trabalho. Quando há a necessidade de algum
recurso financeiro, este é proveniente de outra atividade geralmente desenvolvida pelo
artesão, como complemento da renda familiar.
A manutenção constante do investimento, ou melhor dizendo, o capital de
giro necessário à atividade artesanal é conseguido a partir do próprio artesão, que vende
23
LOPES, Juarez Rubens Brandão. Desenvolvimento e Mudança Social; formação da sociedade urbano
industrial no Brasil. 5ª. Ed. São Paulo: Nacional, 1980.
13
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
suas peças e adquire nova matéria-prima, em um processo constante, impulsionado pela
necessidade de recursos do artesão. Quando este necessita de dinheiro, vende alguma
peça, compra matéria-prima, produz e comercializa novamente sua peça para adquirir o
recurso necessário.
Quanto ao capital necessário para o início das atividades de um artesão, que
possua um planejamento prévio das atividades a serem desenvolvidas, que necessite de
uma estrutura mínima para sua atividade.
O artesanato é desenvolvido como uma das possíveis ocupações rentáveis
para a família congregando, regra geral, todos os membros desta. Assim, há uma certa
divisão de tarefas nesta atividade, que envolve a produção das peças. Há que se ressaltar
no entanto, que é o artesão quem concebe, produz com suas mãos e/ou instrumentos
simples e vende o resultado do seu trabalho. Desta maneira, ele executa senão todas,
quase todas as etapas produtivas.
Ocorre, porém, que a atividade nem sempre é desenvolvida constantemente
durante o ano, estando sujeita a períodos sazonais devido não só à disponibilidade da
matéria-prima que utiliza, mas, também, à demanda do mercado. Outro fator que
contribui para esta sazonalidade da produção é o fato de que o artesão sempre tem outra
ocupação que possa lhe garantir algum acréscimo na sua renda, desta forma o artesanato
é desenvolvido em períodos de entres safra ou decréscimo da atividade que o ocupa
normalmente.
Embora o processo produtivo na atividade artesanal seja consideravelmente
simples, a sazonalidade da produção, a demanda do mercado e outras componentes do
cenário econômico no qual a atividade se insere, conduzem à necessidade de um
mínimo de controle e gerenciamento deste processo.24
As características do artesanato, já citadas anteriormente, limitam o produto,
de alguma forma, à habilidade do artesão e suas condições econômicas. Tais limitações
dentro de uma economia de mercado, fazem com que este produto artesanal não reúna
condições de competir, satisfatoriamente, com os produtos industrializados que atendem
às mesmas necessidades dos consumidores que aquele. As características próprias do
produto artesanal e a capacidade limitada da produção, definem o espaço restrito do
24
MAIA, Isa. Cooperativa e Prática Democrática. São Paulo: Cortez, 1985.
14
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
artesanato no mercado.25
Segundo Martins, 26 o mercado da atividade artesanal está intimamente
relacionado com a atividade turística, quando não possui um caráter de autoconsumo.
Ressalta o autor que este mercado tem sido ampliado com o
desenvolvimento de feiras e exposições em grandes cidades ou, ainda, mostras
permanentes de artesanato, seja em museus regionais, saguões ou galerias de edifícios
públicos e locais de grande afluxo de turistas como aeroportos, terminais rodoviários e
ferroviários e pontos estratégicos nas estradas.
Porém, ainda segundo o autor, o artesão produz, mas não dirige e nem sabe
negociar, sendo necessário o apoio de órgãos de fomento, geralmente públicos para
possibilitar o acesso do artesão ao mercado.
Analisando os aspectos históricos, sociais e econômicos da atividade
artesanal, pode-se observar que, embora ela represente uma atividade importante para o
país em alguns aspectos como cultura, história, combate ao desemprego e outros, esta
atividade possui alguns estrangulamentos, principalmente, em se tratando dos seus
aspectos econômicos, embora possa se definir alguns elementos que se traduzem em
potencialidades desta atividade.
Enquanto potencialidades que devem ser ressaltadas na atividade artesanal,
salientam-se alguns aspectos como a possibilidade desta atividade despertar no homem
simples, principalmente do interior, aptidões que podem lhe proporcionar aumento em
sua renda e a capacidade de o artesanato absorver a atividade feminina na família,
criando uma ocupação doméstica paralela às atividades normais de um lar. 27
Outro aspecto relevante é o fato de que, assim como o turismo favorece a
atividade artesanal, esta também contribui com aquele, ou seja, há regiões e localidades
em que uma das principais atrações turísticas é o artesanato regional, extremamente
característico.28
Outro fator que garante a importância do artesanato é percebê-lo como
elemento de manutenção da história e da cultura de uma determinada região, traduzindo
nas peças desenvolvidas muitas das tradições, crenças, símbolos e história de uma
25
SINDEAUX, Roney Versiani. Aspectos Econômicos da Atividade Artesanal. 1º. Seminário sobre a
Atividade Artesanal no Norte de Minas. Relatório. Montes Claros, 1994.
26
MARTINS, Saul. Panorama Folclórico. Belo Horizonte: SESC-MG, 2004.
27
MARTINS, Saul. Folclore em Minas Gerais. 2ª. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1991.
28
Poderia-se citar, como exemplo, as carrancas do Velho Chico.
15
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
comunidade.
A aquisição de matéria-prima tem se constituído em um dos principais
problemas do artesão. A devastação de regiões onde a matéria-prima era disponível na
natureza obrigou-o a adquiri-la de outras regiões ou substituí-la por insumos
industrializados. Isso trouxe problemas de abastecimento em conseqüência da restrita
capacidade financeira dos artesãos, do aumento constante dos preços, da
impossibilidade de armazenamento ou ainda da impossibilidade de redução destes
preços por aquisição em grande escala.
A democratização do acesso às fontes de crédito é uma das maiores
reivindicações dos artesãos. Esta demanda é bastante complexa, pois à inexistência de
linhas creditícias voltadas para o fomento do artesanato, somam-se outros obstáculos
como a complexidade dos trâmites para a obtenção do crédito, vez que é grande o
número de artesãos que não possui documentos de identidade, cadastro de contribuinte
ou título de eleitor. Outra dificuldade a se considerar neste aspecto é o problema dos
prazos de pagamento e dos juros.
A comercialização do produto artesanal enfrenta a forte concorrência do
mercado por parte dos produtos industrializados vendidos a preços relativamente
baixos. Assim, muitas vezes, o artesão se vê obrigado a vender seus produtos a preços
irrisórios para iniciar o processo produtivo ou mesmo para atender a alguma
necessidade familiar no momento.
A dispersão geográfica e o caráter individual da atividade artesanal
constituem graves obstáculos para a sua organização. Nas últimas décadas, os artesãos
adotaram diversas formas de organização como associações, sindicatos e federações.
Entretanto, estas entidades ainda aglutinam pequena parcela de artesãos e não alcançam
suficientemente aqueles que vivem na zona rural ou em pequenas comunidades, ou seja,
os que mais carecem de organização eficiente. Sendo assim, continuam utilizando
instrumentos e técnicas rudimentares na produção de seus artefatos, desconhecendo
tecnologias alternativas que podem propiciar maior qualidade e rapidez na confecção
das peças.
Do ponto de vista do apoio institucional, os esforços governamentais para
promover o desenvolvimento do setor artesanal têm se revelado insuficientes, ocorrendo
de maneira isolada e com dotações orçamentárias limitadas que não permitem apoio
16
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
satisfatório.29
Porém, paradoxalmente, enquanto cresce o consumo de produtos
industrializados, cresce também o consumo de produtos artesanais. Tal fato, segundo
Canclini, 30 é devido à capacidade da atividade artesanal em criar alternativas que
agradem a um consumidor específico, geralmente composto por pessoas de classe
econômica mais elevada, que vêm no objeto artesanal mais que um simples produto e
sim a expressão de uma determinada cultura e história.
Artesanato: riqueza dos ribeirinhos do São Francisco
O Vale do São Francisco é uma das regiões mais ricas deste país, no que se
refere ao artesanato. Pessoas comuns, que utilizam as mãos e algum instrumento como
extensão dos dedos para confeccionar peças de uso decorativo e utilitário se fazem
presentes às margens do rio. Oficinas caseiras exibem mestres, oficiais e aprendizes nas
mais diversas atividades: produção de mobiliário doméstico, instrumentos musicais, de
trabalho e de transporte, objetos de lazer, etc.
O artesanato está correlacionado com os recursos naturais existentes e
decorre, necessariamente, da relação entre o homem e o meio, reflete o sistema de vida
adotado pelos moradores do lugar ou região.
Na maestria de confeccionar objetos, utilizando recursos naturais da terra da
região a criatividade dos artesãos sempre foi ímpar e diversificada, diante das
possibilidades que lhes são apresentadas. Ao longo do rio, as comunidades desenvolvem
diferentes modalidades de artesanato.
A renda de bilro
As rendas de bilro, de origem européia, têm como matéria-prima linha e
como instrumento para a execução deste tipo de renda os bilros, peças de madeira que
não excedem a 15cm, compostas de uma haste com a extremidade em forma de bola ou
29
MINAS GERAIS, Secretaria de Estado do Trabalho e de Ação Social de. Programa de Apoio ao
Artesanato. Belo Horizonte, 1993.
30
CANCLINI, N.G. Apud. PARANÁ, Secretaria de Estado do Trabalho e de Ação Social do.
Op.cit.p.24-25.
17
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
fuso, que recebe o nome de cabeça de bilro, Em almofadas redondas, recheadas com
palha de bananeira, a rendeira aplica o molde, riscado e marcado por alfinetes ou
espinhos, e vai elaborando o seu trabalho com um emaranhado de linhas, habilmente
conduzidas pelos bilros. Tilintando os bilros em movimentos rápidos e precisos com as
mãos, as rendeiras vão pacientemente transformando as linhas em delicadas peças de
rendas.Trazida da Europa por colonizadores portugueses, a renda de bilro se
desenvolveu em comunidades ligadas a rios e mares, especialmente onde é intensa a
prática da pesca. “Onde há renda há rede”, diz o ditado popular, e assim ela está
presente em Bom Jardim da Prata.
A canção que fala da renda e do amor, conhecida em todo País, também se
faz presente na voz das rendeiras desse pequeno povoado, cujas casas, dispersas pela
área rural fronteira ao rio, o tornam quase imperceptível, não fossem a escola municipal
e a igreja de São Sebastião, locais em que pulsa a vida social. Os últimos versos
enriquecem a canção revelam a especificidade que abriga. Trata-se da renda de bilro,
birro como registra o falar regional. Observe a cantiga popular conhecida no universo
das rendeiras:
Olê muié rendeira
Olé muié rendá
Cê me ensina a fazer renda
Que eu te ensino
Namorá
Fazê renda é trocá birro
Namorá é só piscá.
(Cantiga Popular)
Trocar bilro. Assim se expressam as rendeiras ao se referirem ao ato de
entrelaçar fios de linha para criar rendas. A expressão advém do instrumento que
utilizam, o bilro, pequena peça de madeira em forma de fuso, composto de duas partes:
o cabo em que se enrola o fio, e a cabeça, que no local é formada pelo coco (semente)
do buriti. Completam o instrumental de trabalho a almofada (daí a renda de bilro ser
também conhecida como renda de almofada, feita de um saco recheado por palha de
milho, bananeira ou capim); o papelão, tira de papel grosso que é “pinicada”, isto é,
perfurada com o desenho a executar; e alfinetes para guiar as linhas que formam o
18
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
desenho – no passando, no “tempo velho”, como é dito, utilizam-se espinhos de palma
ou mandacaru.
Flaviana, Olímpia e Zulmira são as guardiãs da memória local e preservam o
conhecimento acerca da arte de rendar, aprendida por volta dos 13 anos de idade, com
mães e avós, no seio da família, conforme figura 17. A atividade era parte do processo
de socialização da mulher para os misteres da vida e assim, por ali, toda menina
aprendia a trocar bilro. Era também uma maneira de passar o tempo, “não ficar
pensando em namoro”.
Uma vez adulta, cabia à mulher conduzir o ofício feito nas horas livres do
dia, geralmente à tarde, após cumprir com as demais obrigações com a família e a casa.
À noite, não se fazia renda, pois à luz de candeeiro era grande o risco de trocar s bilros e
errar o ponto.
A prática tornava hábil a mulher no lidar com os bilros, que poderiam somar
até 12 pares. Manusear tantas peças a um só tempo a tornava uma mestra, competente,
capaz. Da quantidade de bilros dependia a largura da renda a ser executada. Quanto
maior o número empregado, mais larga a peça a ser feita e mais complexo o desenho
realizado. E dessa maneira se desenvolvia a arte que ela levaria por toda a vida, até a
morte.
Prescrito mesmo só o período de gravidez, devido à crença de que trançar
fios e dar-lhes nós poderia estender-se ao cordão umbilical e às tripas da criança,
causando sua morte.
Assim se passava o tempo. No costume de trocar bilros para enfeitar as
anáguas e camisas, que se sobrepunham por debaixo do vestido para impedir as
transparências, nos lençóis, nas fronhas, nas toalhas de mesa, nos panos de igreja.
Com o passar do tempo foram-se várias tradições e surgiram novas maneiras
de viver. Chegaram a escola, a luz elétrica, o rádio e a televisão. Novos hábitos, novos
modos de preencher o dia a dia, novas modas. A indústria trouxe outras rendas, feitas
aos metros por segundo, mais fáceis de conseguir, mais baratas de comprar. Ampliou-se
o mercado de trabalho para a mulher com atividades consideradas mais compensadoras.
Às jovens já não mais interessavam trocar bilros. E a renda desapareceu da localidade.
Mas, a oficina de resgate de ofício, realizada em 2005, numa pareceria entre SEBRAE e
a Secretaria de Estado de Cultura, reaviou o cantar dos bilros na localidade. As antigas
19
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
rendeiras repassaram seus conhecimentos às jovens aprendizes, trazendo a certeza da
continuidade de sua arte e da cultura popular da região.
As carrancas
O termo “carranca”, cujo uso difundiu-se mais recentemente, refere-se
também às antigas figuras de proa, mas diz respeito, sobretudo, ao artesanato, que,
seguindo a tradição das esculturas em forma de monstro, serve na atualidade para
decorar residências e escritórios. Foi utilizado pela primeira vez pelo viajante Durval
Vieira de Aguiar nos anos 1880, para designar as figuras de barca do Rio São
Francisco.31
As carrancas – uma das mais genuínas e enigmáticas manifestações da arte
popular brasileira – mesclando detalhes humanos com os de animais, destes sobretudo a
generosa cabeleira à semelhança de uma juba de leão,
apresentam em geral uma
expressão de ferocidade. São feitas de um único tronco de madeira e retratam apenas a
cabeça e o pescoço de alguma figura mitológica indeterminada.
Ligada diretamente aos barqueiros do rio São Francisco, desenvolveu-se na
região uma arte própria e os artistas populares denominados carranqueiros, apoiados na
idéia de esculpir um enfeite de proa, criaram soluções plásticas próprias, de elevado
conteúdo artístico e emocional, provocando verdadeiro impacto.
As carrancas são esculturas de madeira que eram colocadas quase que
obrigatoriamente nas antigas 'barcas do São Francisco, que se traduzem como poderosos
monstros que espantam os maus espíritos das águas, principalmente o lendário Caboclo
D' Água, conhecido pelos ribeirinhos como o nêgo traquino, virador de canoas.
Dentre os artistas carranqueiros, destacou-se Francisco Biquiba Dy Lafuente
32
Guarany . Nascido na Bahia, em 1884, esculpiu, em mais de 50 anos de trabalho, uma
enorme quantidade de peças revelando refinada sensibilidade e criação de soluções
originais para as figuras antropomórficas. Sua primeira carranca foi esculpida em 1901
e Guarany atribuia a cada peça um nome original e próprio, ora baseado em animais
31
NEVES, Zanoni. Os remeiros do rio São Francisco. São Paulo: Saraiva, 2004.
RIBEIRO, Nurimar. O direito à memória; o vale do São Francisco e sua história. Brasília, Codevasf,
1999.
32
20
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
pré-históricos, ora na mitologia indígena ou apenas em sua imaginação. Guarany é, sem
dúvida, o único profissional no gênero, pois a produção de carrancas permaneceu
atividade constante ao longo de sua vida - outros artistas, com peças de valor artístico,
não viveram exclusivamente deste trabalho como Guarany.
Utilizadas como elementos de decoração ou figuras de proa por um período
de menos de um século, as carrancas popularizaram-se, constituindo-se manifestação
artística excepcional. Hoje, já não se encontram mais nas proas das embarcações do São
Francisco, mas sem dúvida, transformaram-se em disputados objetos de decoração,
fazendo parte do acervo de museus brasileiros e do exterior e como peças de
comercialização para turistas, o que tem o mérito de mantê-las vivas na cultura
brasileira.
Acredita-se que as carrancas tenham sua origem em ornamentos usados nas
embarcações da Assíria, Fenícia e Egito em eras remotas, de muitos séculos, que de
forma majestosa eram colocadas na proa dos navios e galeras, conhecidos como figuras
de proa.
Para Paulo Pardal, autor da mais completa monografia sobre essa arte
popular do São Francisco, as carrancas tiveram origem por motivos de prestígio e
indicação de propriedade, por imitação de carrancas antropomorfas, vistas por algum
fazendeiro do São Francisco, em navios aportados no Rio de Janeiro ou em Salvador.
Para que, ao longe, os ribeirinhos identificassem a barca pelo busto de seu poderoso
proprietário à proa. De ornamento das barcas passou-se também a atribuir a essas
curiosas figuras de proa a função mágica de afugentar maus espíritos – atribuição
devida não só a uma pequena minoria de ribeirinhos, pois a maioria dos barqueiros
prefere desconhecer semelhante opinião, mas também a narradores fantasiosos, que
encontraram na função totêmica uma fácil explicação para a obscura origem de tal
manifestação espontânea da arte popular.
As carrancas do São Francisco constituem, como bem observa Paulo Pardal,
uma manifestação artística coletiva, com caracteres comuns, respeitadas a
individualidade de cada artista, como não se encontra em nenhum outro local ou época.
Fruto da criação de uma cultura e de uma região isoladas do resto do País e do mundo,
cujos artistas populares, a partir da idéia de esculpir uma figura de proa, criaram
soluções plásticas próprias, de elevado conteúdo artístico e emocional, que provocam
21
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
um verdadeiro impacto.
A carranca é parte do mitológico / Que viaja o rio em busca de um porto; /
É a segurança do marinheiro e viajor / Nas longas e perigosas travessias. /
A canoa leve, forrada de curimas e pintados; / O barco fornido, quase
fazendo água,/ Abarrotado de abóbora, melancia, milho e feijão. / A viola,
rabeca, violão ou caixa do folião; / Neste porto a vida passa pela madeira: /
Imburana, cedro, pau d’arco, jatobá, e... / O formão e o malho escrevem
histórias.33
Artesanato em couro, madeira, bordadao, cerâmica, cestaria, crochê
O artesanato em couro tem origem regional. O couro beneficiado ou curtido
é utilizado na elaboração de diversos ornamentos e utensílios. O artesanato em couro
teve uma época áurea durante o florescimento da pecuária. A existência de muitos
curtumes garantia a fartura da matéria-prima. Até o início do século era largamente
utilizado na produção de roupas de vaqueiros, parecendo antigas couraças medievais,
arreios para suas montarias, malas, assentos de bancos, cadeiras e até portas. O
artesanato em couro sobrevive ainda na Região Nordeste, especialmente no Sertão,
mesmo enfrentando a concorrência das grandes fábricas de plástico. Nas feiras
populares são encontrados alpercatas, chapéus, cintos, selas, arreios, alforjes, baús
tacheados, gibões, perneiras, bolsas, sacolas, tapetes de peles de animais.
A madeira também compõe matéria-prima para o artesanato dos ribeirinhos,
a arte em Madeira de origem européia, sendo usada para a criação de vários objetos. Na
Região dos Lagos do Rio São Francisco são utilizados diversos tipos de madeira e até
galhos e raízes de árvores e palitos de fósforos, que se transformam em móveis, santos
em estilo barroco, animais, talhas, figuras populares, ex-votos, carrancas, barcos etc.,
dependendo da imaginação dos artesãos, preocupados em retratar as tradições e
costumes da sua vida sócio-cultural.
Destacam-se os seguintes municípios que apresentam artesanato em
madeira: Poço Redondo (SE) – esculturas de santos em estilo barroco, personalidades e
animais confeccionados em umburana; Canindé do São Francisco (SE) – santos, figuras
33
MELO, João Naves de. Viajando Sete Portos. São Francisco: Gráfica Santo Antônio, 2003.
22
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
do Ciclo do Cangaço e figuras populares como Lampião e Maria Bonita e Antonio
Conselheiro; Porto da Folha (SE) – reprodução de modelos de antigas embarcações do
Rio São Francisco. Piranhas (AL) - esculturas com troncos de árvores como mulungu,
umburana e cedro, além de galhos e raízes, com figuras de animais a exemplo de
macacos e cobras, dentre outras; Pão de Açúcar (AL) - bancos e mesas de troncos de
árvores como o pereiro, a jurema e a catingueira, e esculturas de vários espécies de
animais. Chorrochó (BA) - santos, ex-votos, talhas e móveis; Nossa Senhora da Glória
(BA) – figuras populares em umburana e cedro, mini-esculturas em madeira, que
formam uma peça única, e esculturas em palito de fósforo. O artesanato em Palha
também tem origem nordestina. A palha é utilizada na confecção de chapéus, tapetes,
bolsas e abanos; os artesãos usam a palha do olho do coqueiro (a palha central, fica no
meio do coqueiro), por ser mais macia e maleável.
O bordado, típico da região, de origem européia, é um ornamento executado
sobre qualquer tipo de tecido, por meio de agulha e linhas coloridas, podendo ser
trabalhado com as mãos ou feitos em máquinas apropriadas. As linhas são compradas já
beneficiadas. Os bordados dão acabamento em peças de vestuário, cama, mesa e banho,
trabalhando-se os fios do próprio tecido ou fazendo-se apliques. Na região do São
Francisco são mais comuns o ponto cheio, vagonite, boa-noite, labirinto, redendê,
ponto-de-cruz. Os desenhos representam ornamentos florais, paisagens, espécies da
fauna da região, figuras geométricas, monogramas, etc. São destaques destaque os
bordados de Abaré, Rodelas, Macururé e Chorrochó, na Bahia; ltacuruba e Floresta, em
Pernambuco; Pão de Açúcar, Belmiro Gouveia e Piranhas, em Alagoas e Poço
Redondo, Porto da Folha, Canindé do São Francisco em Sergipe.
A arte em cerâmica, de origem indígena-africana, pode ser figurativa ou
utilitária e tem como matéria-prima a argila. A cerâmica figurativa caracteriza-se por
expressar os modos de vida da população. As peças retratam os costumes, rituais
religiosos e lúdicos, fantasias e cenas do cotidiano, representações de um rico
imaginário. A cerâmica utilitária caracteriza-se pela produção de objetos. O barro
moldado com as mãos, trabalhado em tornos rústicos e depois cozido no fogo de lenha
transforma-se em potes, vasos, panelas, travessas, pratos, moringas. Estudiosos indicam
que a cerâmica é a mais antiga de todas as indústrias e o seu progresso foi determinado
pelo intercâmbio entre os homens. Atualmente a cerâmica utilitária tem sido sufocada
23
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
em diversos lugares pelos utensílios de alumínio.
A cestaria, também de origem indígena, é a arte milenar de trançar cipós,
caniços e palhas, produzindo com estes materiais os mais diferentes utensílios para os
mais diferentes fins. Em trançados dos mais delicados aos mais grossos e firmes
produz-se toda sorte de objetos. Com mãos hábeis os artesãos vão transformando a
palha, aos poucos, em cestos, caçuás, bolsas, balaios, esteiras, sacolas, chapéus, abanos,
tapetes, móveis etc. Utilizam os materiais na tonalidade original ou tingidos com
pigmentos naturais e a palha do ouricuri, além do coqueiro, tapera, sisal, piaçava,
bambu, cipó, dentre outras.
O crochê, de origem européia, é a arte de entrelaçar fios de linhas com o
auxílio de uma agulha. É um trabalho que exige muita habilidade dos artesãos. É
utilizado nos acabamentos para peças íntimas, enxovais de bebês, lenços, toalhas de
banho, lençóis, fronhas etc, são feitos com fios de linhas finos; a linha mais grossa, de
algodão, lã, nylon, ráfia etc é utilizada para confecção de coberturas para almofadas,
bolsas, sacolas, colchas, toalhas de mesa. Merecem destaque na confecção do crochê os
seguintes municípios: Floresta e Itacuruba, em Pernambuco; Gararu, Canindé do São
Francisco, Porto da Folha e Monte Alegre, em Sergipe; Rodelas, Macururé, Chorrochó
e Abaré, na Bahia.
A tapeçaria em sacos de algodão tem origem regional. Para fabricação da
tapeçaria artesanal são usados sacos de algodão, onde são riscados, no avesso do tecido,
com carbono, os motivos a serem bordados. São pesquisados desenhos, cores pontos e
formas de acabamento. O bordado é realizado com lã, e os pontos mais usados são o
simples, o de escovação e o de corte.34
O artesanatato como fonte de renda em São Francisco
Para retratar as atividades artesanais como uma possibilidade de geração de
renda para a população, assim como verificar a percepção que a mesma tem sobre as
políticas públicas para o município, foram entrevistadas 40 pessoas, dentre artesãos,
pescadores e pessoas que lidam com o turismo e turistas, residentes na área ribeirinha
do município de São Francisco, no período de junho a setembro de 2007.
34
www.sfrancisco.bio.br. Acesso em 14/07/2007.
24
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
Por se tratar de uma cidade relativamente pequena, onde praticamente quase
todas as pessoas se conhecem ou já ouviu dizer, as pessoas entrevistadas foram
selecionadas da seguinte maneira: os artesãos mais conhecidos, ou seja, aqueles que se
tornaram populares devido ao seu ofício; os pescadores mais antigos ou conhecidos, que
residem no bairro onde está localizada a colônia de pescadores e nos acampamentos na
beira do rio, no meio rural; e, finalmente os alguns turistas, para os quais não houve
nenhum critério na seleção.
Pela tabulação dos dados, constatou-se que 95% dos entrevistados era casado ou
tinha uma relação estável com o(a) parceiro (a), sendo apenas 5% deles solteiros.
Cinqüenta por cento dos entrevistados tinha mais de 50 anos, com 30% entre 30 e 49
anos, e os demais 20 % com idade entre 20 e 29 anos. Estes dados mostram que é um
trabalho exercido por pessoas mais velhas. Vê-se que o número de jovens é muito
pouco, quase insignificante ao comparar com a faixa etária mais de 50 anos que ocupa a
metade dos profissionais ora em estudo.
No questionamento se a atividade de artesão é suficiente para o sustento da
família, obteve-se 76% de respostas informando que havia necessidade de
complementação de renda, com 24% dos entrevistados vivendo apenas de uma
atividade.
Os dados demonstram que os artesãos vivem num contexto de baixa renda, os
mais idosos, complementam a renda com o artesanato, pois são aposentados, já os mais
jovens, complementam a renda com outras atividades não relacionadas ao artesanato.
Os pescadores conjugam a pesca com a agricultura para atender as necessidades da
família
Perguntados se conheciam algum tipo de política pública que favorecesse
os moradores do município, 75% dos respondentes informaram não haver
investimentos, 20% informaram não ter conhecimento e apenas 5% informaram ser
beneficiários de algo. Neste caso, tratam-se de pescadores, que, durante a piracema,
recebem um salário para não exercerem sua atividade. No entanto, tais pescadores
devem ser cadastrados e existe número significativo de moradores, que embora exerçam
essa profissão para a sobrevivência, não conseguiram se inscrever no programa, que
limita o número de beneficiários.
Questionados como encaram as atividades desenvolvidas, se como trabalho ou
25
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
como lazer, 100% dos entrevistados
respondera, pela segunda opção, o que bem
evidencia o prazer com que desenvolvem sua lida.
Dentre todos os entrevistados, a importância que conferem ao Rio São Francisco
em suas vidas foi bastante relevante. Considerado como o “Pai” dos ribeirinhos,
artesãos, pescadores e turistas não pouparam elogios e agradecimentos a essa dádiva
que integra homem, natureza e cultura, definindo-o como fonte de renda (60%), riqueza
do município (35%) e elemento importante para o turismo e o lazer (15%).
O pouco interesse dos jovens na profissão de artesão foi explicada como sendo
devido à falta de incentivo do poder público, sem a criação de políticas públicas (52%),
à dificuldade para sobreviver apenas com o artesanato (38%), e à falta de empregos
nessa atividade (10%). O jovem ribeirinho não se interessa em dar continuidade ao
trabalho dos pais, pela falta de oportunidade como: as dificuldades enfrentadas pela luta
da sobrevivência, pela falta de incentivo do poder público, descaso e desemprego. Estes
fatores fazem com que os jovens busquem outras opções de vida que tem mais
facilidade para sua inserção no mercado de trabalho
Conclusões
A principal contribuição que se pretendeu dar com este trabalho foi
estabelecer um panorama de resgate através de ações para alavancar o artesanato como
profissão e sua rentabilidade para sobrevivência dos artesãos. Foram analisados os
resultados considerados mais relevantes para permitir uma visão ampla e formular
estratégias a serem utilizadas em programas voltados para o investimento na região.
A criação de oficinas para passar às novas gerações o modo de fazer é
fundamental para que o artesanato de São Francisco continue rico e forte, pois, manter a
sobrevivência cultural de seu povo, com a corajosa dignidade do residir, do resgatar
valores para um mundo novo é iniciativa importante não somente como ação cultural,
mas, também como gesto de relevante significação social, pois além de garantir a
preservação dos ofícios e expressões em risco de desaparecimento, fixa as comunidades,
o valor de seus mestres e seus saberes.
A pesquisa mostrou que a maioria dos artesãos entrevistados possui
família, sendo arrimo da mesma e necessita do trabalho desenvolvido para o seu
26
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
sustento. Foi mostrado ainda que o trabalho é exercido por pessoas mais velhas e possui
baixa rentabilidade, sendo necessária a complementação da renda familiar associada a
outra atividade econômica. Isto comprova a falta de apoio, incentivo e direcionamento
para os produtos produzidos por eles. Esta pode ser uma das causas que justificam o
desinteresse da procura dos jovens para a referida profissão – dificuldade no
escoamento da produção.
Os dados coletados apontam para o descaso que o poder público tem para
com a classe dos artesãos. Os órgãos governamentais não investem em cooperativas
para promover o escoamento dos produtos fabricados para outras localidades,
favorecendo a venda e a entrada do dinheiro nas cooperativas. Apenas para os
pescadores cadastrados há o salário-desemprego que é recebido na época da piracema.
Portanto, esse artesanato tende a desaparecer com o tempo, à medida que os
atuais artesãos morrem e não conseguem passar sua arte pra seus descendentes, que não
vêem no ofício possibilidades de garantir sua sobrevivência.
Para a cidade de São Francisco poderá existir a possibilidade de
sobrevivência com a exploração do turismo. Este poderá até mesmo alavancar o
artesanato, atraindo turistas para as festas folclóricas, como a folia de reis. Mas este é
tópico a ser abordado em outro artigo.
Bibliografia
BRAZ, Brasiliano. São Francisco Nos Caminhos da História. São Francisco: Lemes,
1977
CANCLINI, N.G. apud PARANÁ, Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social do.
Op.cit.p.25.
CARREIRO, C. H. Porto. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Rio,
1975.
FRAXE, Terezinha J.P.Homens anfíbios: uma etnografia do campesinato das águas. São
Paulo: annablume.2000.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do
Brasil.,1999
LOPES, Juarez Rubens Brandão. Desenvolvimento e Mudança Social; formação da
sociedade urbano industrial no Brasil. 5ª. Ed. São Paulo: Nacional, 1980.
27
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
RIBEIRINHOS DA CIDADE DE SÃO FRANCISCO, MG: RIQUEZA DO ARTESANATO LOCAL E
PERCEPÇÃO SOBRE AS POLITICAS PÚBLICAS PARA SUA PRESERVAÇÃO
Anette Coeli Neves Maynart, Sandra Farto Botelho Trufem
MAIA, Isa. Cooperativa e Prática Democrática. São Paulo: Cortez, 1985.
MARTINS, Saul. Contribuição ao Estudo Científico do Artesanato. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1973,.
MARTINS, Saul. Folclore em Minas Gerais. 2ª. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1991.
MARTINS, Saul. Panorama Folclórico. Belo Horizonte: SESC-MG, 2004.
MELO, João Naves de. Viajando Sete Portos. São Francisco: Gráfica Santo Antônio,
2003.
MINAS GERAIS, Secretaria de Estado do Trabalho e de Ação Social de. Programa de
Apoio ao Artesanato. Belo Horizonte, 1993.
NEVES, Zanoni. Os remeiros do rio São Francisco. São Paulo: Saraiva, 2004.
PARANÁ, Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social. Op.cit., p.26.
RIBEIRO, Nurimar. O direito à memória; o vale do São Francisco e sua história.
Brasília, Codevasf, 1999.
RIMA, Ingrid Hahne. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Atlas, 1977.
ROCHA, Geraldo. O Rio São Francisco - Fator Precípuo da Existência Do Brasil. 3ª
edição. Companhia Editora Nacional, 1993.
SINDEAUX, Roney Versiani. Aspectos Econômicos da Atividade Artesanal. 1º.
Seminário sobre a Atividade Artesanal no Norte de Minas. Relatório. Montes
Claros, 1994.
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
Fonte
www.caminhos.ufms.br/matrizdados/mg/saofrancisco.html acesso em 08/12/2009
www.sfrancisco.bio.br. Acesso em 14/07/2007
28
Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
Download

ribeirinhos da cidade de são francisco, mg