VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
Governabilidade e governação : novas formas de legitimação Portugal
Ana Vargas
1. Introdução
Começo com uma advertência: irei fazer uma abordagem que suscitará questões mais do que
apontará soluções, indicará caminhos ou dará respostas. Não direi que é uma abordagem
exclusivamente pessoal pois mais do que lançar o olho cito abundantemente quem se tem
inquietado sobre estas questões, mas trata-se, de facto, de uma abordagem feita sobretudo de
observações, interrogações e leituras dispersas.
O ponto de partida é o 25 de Abril de 1974, para alguns um tempo muito distante, para outros um
tempo ainda muito recente, e o de chegada são os dias de hoje. Em 74, em deslumbramento
avançou-se na voragem da revolução, de cravo vermelho na lapela. Participou-se,
entusiasticamente, em campanhas de alfabetização e outras acções cívicas, em desfiles e
manifestações, no recenseamento e nas eleições e depois, pouco a pouco, tudo se aquietou. Todos
nos aquietámos.
Alguns, muitos, já não votam. Há quem, atingidos os 18 anos, já não se recenseie. Vamos ao
futebol, vamos a Fátima, no entanto, também, nos manifestamos: contra as portagens, pela criação
de novos concelhos, contra a co-incineração. Reivindicamos a uma só voz a auto-determinação de
Timor-Leste. Por essa causa acendemos velas ao entardecer e saímos à rua vestidos de branco e
saímos dos empregos e desfilámos, dia após dia, até sermos ouvidos pela comunidade internacional.
São ainda os 48 anos que nos espiam ou são os 28 anos que ainda são poucos?
É o nosso voto que não acreditamos que fará a diferença?
São os políticos que são todos iguais?
Poderá ainda o voto ser o termómetro da democracia?
Deixarei mais perguntas que respostas e sobretudo a inquietação.
2. A situação actual
“Em conclusão, Portugal mudou muito nestas quatro décadas (1969/99).
Muitissimo. Mais do que em qualquer outro período da história anterior. Mais
do que muitos outros países europeus no mesmo espaço de tempo. Mas,
simultaneamente, Portugal manteve ou renovou muitas das suas características
visíveis nos anos 60, sobretudo quando comparadas com outros povos e
países.”1
Portugal comemorou, no passado 25 de Abril, 28 anos de regime democrático. Nestes anos sofreu
alterações profunda: passou de um regime autoritário/fascista para um regime democrático, perdeu o
império colonial, integrou-se na comunidade económica europeia, deixou de ser um País de emigrantes
para passar a ser um destino da imigração. Em termos de desenvolvimento económico e social
registaram-se progresso notáveis, mas, embora os direitos e as liberdades tenham sido conquistadas
bastante mais recentemente que noutros países europeus, rapidamente atingimos o nível dos restantes
em desgaste político.
Passámos em poucos anos de uma grande participação e entusiasmo, quer a nível político quer a nível
associativo, para níveis elevadíssimos de abstenção e de fraquíssima participação cívica e associativa.
1
A situação social em Portugal 1960-9 Volume II, Indicadores Sociais em Portugal e na União Europeia, Organização de
António Barreto, Imprensa de Ciências Sociais, Outubro de 2000
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Quanto à participação na vida política, se entre 1975 e 1980 foi muito significativa nos diversos actos
eleitorais, a partir de 1983 assiste-se a um crescimento da abstenção eleitoral (ainda que se admita que,
devido à abstenção técnica, seja inferior aos dados oficiais) e, nalguns actos eleitorais, a uma
significativa volatilidade eleitoral.
Passámos de valores entre os 8% e os 15% na década de 70 (1975=8,3%, 1976=16,7%, 1979=12,5% e
1980=14,6%) para valores sempre em crescendo acima dos 20% a partir de 1983. Nas eleições
legislativas de 1999 a taxa de abstenção foi de 38,2% (isto já depois de se ter procedido à limpeza dos
cadernos eleitorais). Ou seja, entre as eleições para a Assembleia Constituinte (1975) e as eleições
legislativas de 1999 verificou-se um crescimento de cerca de 360% na taxa de abstenção eleitoral2.
Tendo em conta já as últimas eleições legislativas – 2001 - Portugal apresenta-se como um dos países
com taxa de abstenção mais elevada entre as democracias consolidadas.
De acordo com Freire e Magalhães (2002) a abstenção real dos portugueses era, nos anos 70, idêntica à
das democracias com voto obrigatório. Nos anos 90 a abstenção portuguesa é já superior à média da
dos países europeus sem voto obrigatório, sendo, no entanto, inferior à registada num conjunto de
países inseridos neste grupo como a Alemanha, a Holanda, a Finlândia, a Irlanda, a França e o Reino
Unido. Consideram estes autores, no entanto, que há motivos para preocupação pois Portugal
apresenta, em conjunto com a Alemanha, a maior taxa de crescimento da abstenção eleitoral.
Segundo as conclusões de um inquérito por questionário realizado em 2001, sobre a Imagem dos
Serviços Públicos em Portugal3, que analisou igualmente a confiança em diversas instituições, a
Assembleia da República e os Partidos Políticos estão, respectivamente, no penúltimo e último lugares.
Para a ponderação destes dados importa referir que no final desse ano, e na sequência dos resultados
das eleições autárquicas, o 1º Ministro, António Guterres, apresentou a demissão, tendo conduzido à
queda do Governo, à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições legislativas
antecipadas.
Refira-se aqui que nem a grande competitividade destas eleições (induzida pelos acontecimentos que
conduziram à convocação das eleições e pelas sondagens que durante o período da campanha foram
apresentando valores muito próximos dos dois maiores partidos) nem a que já se havia sentido na
disputa das principais câmaras nas eleições autárquicas imediatamente anteriores conduziram, como era
expectável, a um aumento visível da participação.
Os baixos valores de confiança conferidos às entidades do sistema político reflectem a tendência
observada em vários estudos (em estudos efectuados por Villaverde Cabral, 38,8% da população
portuguesa avalia negativa ou muito negativamente o sistema contra 21% que avaliam positiva ou
muito positivamente). Os dados do painel Expresso Euroexpansão, publicados praticamente todos os
meses, desde 1986, e referidos no trabalho “O Parlamento Português : Uma reforma necessária”, dãonos dados sobre a opinião relativa aos diferentes órgãos de soberania. De modo simplista podemos
referir que durante este período de tempo a opinião maioritária sobre a Assembleia da República situase numa categoria intermédia. O Governo acompanha (ou é acompanhado) nos índices de popularidade
da Assembleia. O Presidente da República mantém sempre uma confortável distância acima dos órgãos
de soberania analisados.
Ainda segundo Villaverde Cabral, a “distância ao poder” manifestada pela população portuguesa é hoje
maior do que durante a ditadura: 86% em 1997 contra 63% em 1968.
Quanto à participação associativa que, para compensar a reduzida participação política poderia ser
2
Freire, André, “Mudança Eleitoral em Portugal – Clivagens, Economia e Voto em Eleições Legislativas, 1983-1999” Celta
Editora 2001(pág.17).
3
– O estudo foi conduzido pela Equipa de Missão para a Organização e Funcionamento da Administração do Estado, a
funcionar na dependência do Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, tendo a análise dos dados sido
coordenada por Filipe Nunes.
2
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significativa, tal como acontece noutros países, é também reduzida. Não podemos, no entanto, deixar
de referir ocasionais explosões de adesão a movimentos que podemos caracterizar como não
institucionais ou não organizados, associados com frequência a motivos egoístas – ou próprios – os
mais óbvios dos quais sendo os havidos contra a criação de portagens, de defesa de criação de
autarquias ou de elevação de vilas a cidades, contra a co-incineração ou, os que por contraposição
podemos designar de altruístas, o mais evidente dos quais e mais surpreendente pela duração e
dimensão, sendo o apoio à causa de Timor-Leste. Manifestações, cordões, e-mails, velas acesas em
todas as janelas a partir de certa hora do dia, rádios e de uma maneira geral a comunicação social
sintonizada nesta fortíssima expressão popular de apoio a esta causa.
De referir ainda a utilização de Petições e de Manifestos sobre as mais diversas temáticas, com o
diagnóstico e proposta de medidas, subscritas por centenas ou milhares de cidadãos, com grande
divulgação e mediatização, cujos primeiros subscritores são personalidades de reconhecida
competência na área em causa.
Esta realidade convive com números espantosamente baixos de associativismo e activismo social que,
de acordo com Braga da Cruz4, conhece em Portugal valores manifestamente inferiores aos dos demais
países europeus. Se a taxa de pertença a organizações cívicas é reduzida, os números são ainda
inferiores quando analisamos a taxa de actividade. Para mais a taxa de pertença é liderada pelas
organizações que a priori nada têm de político – associações desportivas, recreativas e religiosas (14%
e 11%). A estas seguem-se as relativas aos partidos políticos (5%) e, em último lugar, e com um valor
escassíssimo (1%), as organizações ligadas a novos movimentos sociais.
3. Algumas razões
Porque é que não votamos ou votamos cada vez menos? O último relatório do PNUD “Aprofundar a
democracia num mundo fragmentado” diz que nunca o mundo foi tão democrático. Mas ao mesmo
tempo são poucos os que se sentem representados pela política. Mesmo onde existem instituições
democráticas firmemente estabelecidas, os cidadãos sentem-se impotentes para influenciar as políticas
nacionais.
Eles e os respectivos governos também se sentem mais sujeitos a forças internacionais que têm pouca
capacidade para controlar. No Gallup International’s Millenium Survey de 1999 perguntava-se a mais
de 50 000 pessoas em 60 países se o seu país era governado pela vontade do povo. Menos de 1/3
responderam sim. Apenas 1 em 10 disseram que o governo respectivo respondia à vontade do povo.
Entre nós, muitas razões têm sido apontadas para esta situação e muitas vezes coincidentes com as
apontadas neste relatório, designadamente o facto de uma parte significativa das decisões formais
serem impostas do exterior ( li algures, que um ministro das Finanças oriundo da área sindical
desenvolveria o mesmo tipo de medidas e tomaria as mesmas opções de um ministro recrutado entre os
quadros de topo de uma grande empresa ou da Administração Pública.).
Com frequência é referido o facto de as pessoas terem a convicção de que o seu voto não tem
importância ou não tem qualquer influência no resultado final. Ou ainda porque se ignora o programa
eleitoral ou não se crê na sua concretização opta-se por reagir perante as situações concretas em
detrimento da utilização do voto.
Ou será porque, conforme refere António Filipe (2000), “os portugueses têm vivido confrontados com
uma sucessão de ciclos eleitorais em que todas as oposições prometem mudança mas todos os
governos asseguram continuidade, gerando sentimentos de descrença e de descontentamento em
relação ao funcionamento do sistema político que se traduzem no crescente aumento da abstenção de
que tanto se fala, que tanto se lamenta e que conduziu a uma situação em que as soluções governativas
4
Citado em “Os partidos políticos em debate” Vargas, Ana e Nunes, Filipe.
3
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se constroem mais sobre o cansaço e o esgotamento do governo anterior do que sobre os méritos
próprios ou a credibilidade da alternativa que é oferecida”.
Ou será porque as pessoas desacreditam de todos os políticos, ainda que por razões distintas, ou pela
soma de várias razões: porque um deputado votou, por disciplina partidária, contra a opinião que tinha
expressado anteriormente, porque um deputado votou favoravelmente o orçamento, contra a orientação
da sua bancada, em troca de benfeitorias para a autarquia de que é presidente, porque há – houve – ou
fala-se de corrupção, porque o país está uma miséria.
Podemos ainda invocar outras razões, designadamente a não identificação com o espectro partidário, a
dificuldade de votar noutro partido se desiludidos com o partido em que se votou durante anos ou em
que se militou, a convicção de que vai ficar tudo na mesma, a alternância apenas entre os dois partidos
que não apresentam divergências de fundo.
Importa ainda referir a perda de importância da participação a nível partidário ou associativo que, até
há bem pouco tempo, garantia acesso a informação e permitia igualmente a divulgação de informação e
consequente mobilização e que nesse sentido se encontra actualmente desvalorizada. Não é necessária
uma estrutura partidária por trás de uma petição que envolve a recolha de milhares de assinaturas, ou de
uma qualquer acção que envolva a mobilização de milhares de cidadãos. A comunicação social e os
modernos meios tecnológicos, designadamente a Internet, permitem a divulgação de mensagens, a
denúncia de situações, a impressão de documentos, a recolha de assinaturas e a mobilização de
cidadãos. E lembremos casos recentes, quer a nível nacional, como a recolha de assinaturas contra a
legalização dos touros de morte, quer a nível internacional, com a denúncia da condenação à morte por
adultério, de mulheres nigerianas.
4. Medidas adoptadas
Curiosamente5 a voz que mais insistentemente tem pedido reformas políticas é a do Presidente da
República, funcionando no xadrez político português como o porta-voz dos anseios da população.
Ainda na comemoração dos 28 anos do 25 de Abril e na sessão solene de abertura da IX Legislatura
(2002), o actual Presidente voltou a insistir na necessidade de alterar a legislação eleitoral para a
Assembleia da República, as regras sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, o
funcionamento dos partidos políticos e, neste domínio, particularmente, as regras sobre o regime de
recrutamento parlamentar. Neste conjunto de exigências faz eco naturalmente de posições expressas de
forma mais ampla pela sociedade civil.
E se, em regra, há acordo quanto ao conjunto de reformas e disponibilidade manifestada de forma
generalizada pelos actores políticos para as efectuar, não tem havido, até ao presente, concordância
quanto ao desenho das novas regras. Refira-se que, por exemplo, o financiamento dos partidos políticos
e das campanhas eleitorais tem sofrido alterações quase anuais, não permitindo sequer uma avalição
quanto à bondade das soluções consagradas.
Sucedem-se, por proposta do Governo ou iniciativa parlamentar, comissões parlamentares ou grupos de
trabalho especificamente criados para, num curto espaço de tempo, reflectirem sobre a reforma do
sistema político. Em 1995 foi criada a Comissão Eventual para Estudar as matérias Relativas às
Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares de Cargos Políticos. Esta
Comissão apresentou propostas de alteração às leis do controlo público de riqueza dos titulares de
cargos políticos, à lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, ao estatuto
remuneratório dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, ao regime jurídico de
incompatibilidades de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e ao estatuto dos deputados.
A revisão constitucional de 1997 evidenciou as preocupações do legislador constituinte com os efeitos
5
Curiosamente porque é o órgão de soberania que, independentemente do titular, tem mantido sempre a primazia na opinião
pública.
4
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perversos que o sistema político gerou, pelo que, em simultâneo, alarga-se a hipótese de intervenção
dos cidadãos fora do contexto partidário, permite-se reformas eleitorais significativas, embora se faça
depender de maiorias qualificadas e, por fim, estabelece-se a exigência de democracia interna dos
partidos. Na sua sequência houve um amplo debate público sobre a reforma da lei eleitoral para a
Assembleia da República, que teve na sua base uma proposta de lei elaborada pelo Governo que,
mantendo o sistema proporcional, criava círculos uninominais de candidatura. A proposta foi depois
entregue na Assembleia da República tendo vários partidos apresentado igualmente projectos. Os
projectos divergiam significativamente, iam desde simples benfeitorias ao sistema vigente à criação de
círculos uninominais. Todas as iniciativas foram rejeitadas.
Em 2000 foi alterada a lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais ( que foi
de novo alterada em 2001), no sentido do reforço do controlo e da transparência e foi aprovada uma
nova lei das autarquias locais. Embora a aprovação desta lei tivesse ficado aquém da proposta
apresentada pelo Governo, que visava introduzir alterações na forma de constituição das câmaras
municipais de forma a permitir a criação de executivos homogéneos, algumas alterações significativas
foram introduzidas particularmente a possibilidade de apresentação de candidaturas de cidadãos
independentes. Refira-se a este propósito que nas últimas eleições autárquicas, embora justificada por
uma consagração legal muito próxima, as candidaturas de cidadãos independentes não tiveram
praticamente expressão e as poucas apresentadas tiveram, em regra, na sua origem dissidências
partidárias.
No início da VIII Legislatura (1999) foi criado um Grupo de Trabalho para a Reforma do Parlamento
mantendo-se na actual legislatura em debate um projecto de revisão do Regimento da Assembleia da
República. Foi agora – em 2002- no início da presente legislatura, criada uma Comissão Eventual para
a Reforma do Sistema Político, na Assembleia da República. Na origem desta Comissão, conforme
consta na sua exposição de motivos, para além dos alertas do Presidente da República encontra-se uma
carta que o Primeiro Ministro dirigiu ao Presidente da Assembleia da República sugerindo a abordagem
prioritária da questão da reforma e modernização do sistema político. Entre os temas a analisar estão a
lei dos partidos políticos, estatuto dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos e limitação
de mandatos, o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, a lei eleitoral e a
composição da Assembleia da República, prazos pré e pós eleitorais, regimes de competências dos
governos de gestão e dos executivos regionais e autárquicos cessantes, .participação directa e activa de
homens e mulheres na vida política.
O figurino do sistema político português desenhado na Constituição de 76 tem sofrido uma inevitável
adaptação, primeiro no próprio texto constitucional e depois na lei, sempre com o objectivo de
melhorar a qualidade da democracia, reforçar a credibilidade do sistema e permitir uma melhor relação
entre eleito e eleitor. Nenhuma destas alterações, porém atenuou sequer os sintomas considerados
preocupantes que estiveram na sua origem.
Para além destas reformas outras soluções têm encontrado acolhimento legal visando aumentar a
participação dos eleitores, para que esta não se restrinja à deslocação às urnas de 4 em 4 anos.
Destaque-se neste domínio o referendo que teve consagração constitucional em 89 sofrendo depois
alterações em 97 antes de qualquer concretização. Não existia aliás uma tradição referendária anterior,
com excepção da referente à aprovação da Constituição de 1933, em que as abstenções foram
contabilizadas como votos a favor. Os dois referendos realizados até hoje (interrupção voluntária da
gravidez 6- Junho de 1998 - e regionalização 7– Dezembro de 1998 -) tiveram uma participação tão
6
A pergunta era a seguinte:
“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez
primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”
7
“Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?”
“Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?”
5
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reduzida que os seus resultados não foram considerados8 e, por isso mesmo, dificilmente, surgirá nos
próximos anos uma proposta para a realização de novo referendo.
No primeiro, a abstenção foi de 68,06% (tendo os resultados ficado divididos entre o sim – 49,08% - e
o não – 50,92% ) e, no segundo, foi de 51,71% em ambas as questões. Se no referendo para a
regionalização podemos encontrar o álibi para a fraca participação na tecnicidade da questão e no facto
de se tratar de matéria em que os afectos locais ultrapassavam ou dividiam os afectos partidários, já a
questão da interrupção voluntária da gravidez não se pode justificar de forma idêntica. Neste caso o
envolvimento significativo da Igreja poderá ter mobilizado o eleitorado conservador a favor do não. A
opção pela realização de dois referendos no mesmo ano, num país sem tradição, e o relativamente
reduzido calendário eleitoral, podem também explicar estes números. Refira-se aliás, um relatório deste
ano do Initiative & Referendum Institute Europe – A report on Design and rating of the I&R
requirements and Practices of 32 European States – que poderia ter valorizado a posição de Portugal
devido à concretização dos dois referendos e, que pelo contrário, a desvaloriza enormemente. “A few
years ago, Portugal would have stood a chance of joining the “Democrats” in the second group. Now
Portugal is condemned to a longer stay among the “Hopeless”: What happened? In 1998 a very badly
prepared and executed attempt was made to hold referendums on the questions of abortion and
European integration. The first was rushed through within a matter of a few weeks, the second (on
Europe) was deleted from the referendum calendar by the constitutional court. What is especially bad
is that leading politicians are now attempting to discredit popular rights with grounds for which they
are themselves responsible”. O relatório ignora o referendo sobre a regionalização mas provavelmente
a análise seria idêntica à que produz relativamente ao referendo sobre a interrupção voluntária da
gravidez.
A lei do referendo consagrou também o direito de iniciativa dos cidadãos eleitores, dirigida à
Assembleia da República, subscrita por um número não inferior a 75 000 eleitores. Até ao presente não
houve qualquer proposta.
Importa aqui referir igualmente a previsão de iniciativa legislativa popular em sede constitucional sem
consagração legal até ao presente. Na iniciativa legislativa apresentada pelo grupo parlamentar do
Partido Socialista era referido que se visava aproximar eleitos dos eleitores, abrindo as portas do
parlamento a iniciativas resultantes da criatividade dos cidadãos. A agenda da Assembleia da República
passaria assim a poder incluir questões que mereçam destaque para um número significativo de
cidadãos limitando o risco do fechamento institucional e de criação de temas tabu contra o sentido de
correntes de opinião expressivas e evitando o divórcio entre os cidadãos e os seus eleitos na
Assembleia da República.
5. Algumas perguntas e uma conclusão
Há assim, um consenso generalizado quanto à necessidade de efectuar reformas no sistema político
mas não sobre a substância das mesmas, conduzindo à apresentação de propostas distintas, que em
muitos casos são desacreditadas no debate político e mediático antes da sua implementação. Não
deixando de reconhecer a necessidade da realização de reformas no sistema político, estas também
passam por alterações culturais e de comportamento que não poderão ser induzidas apenas por lei.
Ou seja, será que a simples alteração do sistema eleitoral permitirá uma maior identificação dos
eleitores com os eleitos e por consequência, garantirá uma maior participação política? Ou esta
realidade prende-se com um espectro partidário reduzido, bipolarizado, com formas de recrutamento
parlamentar centralistas e pouco democráticas, realidades que não poderão ser mudadas por lei. Será
8
Preceitua o artigo 115º da CRP a dependência da vinculatividade do resultado da consulta popular relativamente ao
número de votantes, que deverá, para esse efeito, ser necessariamente superior a metade dos eleitores inscritos no
recenseamento.
6
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que os sinais de crise do sistema político podem ser atenuados ou mesmo eliminados por uma reforma
constitucional ou legal, acordada dentro do parlamento, pelas forças partidárias maioritárias?
Num mundo em mutação vertiginosa, em que se colocam questões e se exigem escolhas e opções sobre
matérias tão distintas será possível a identificação com um partido político? Não será de prever a opção
por formas de agregação temporária em torno de questões específicas em detrimento de formas
tradicionais e mais perenes de associação?
O papel dos partidos políticos, como mobilizadores e catalizadores de informação não se tornou
secundário? A reforma do sistema passará ainda pela procura de soluções à volta dos mecanismos
eleitorais ou não deverá centrar-se sobretudo na procura de novas formas de diálogo e de legitimação
das decisões públicas?
Não questionando a procura de soluções que melhorem a qualidade da democracia, importa inventar
mecanismos de participação efectiva que garantam a possibilidade de os cidadãos influenciarem a
decisão, e simultaneamente garantam a legitimação perdida.
Conscientes desta necessidade de legitimação, assistimos nos últimos anos à proliferação de comissões
e conselhos onde estão representados para além de elementos da administração pública, grupos de
interesse organizados e técnicos em geral. Na área da economia, da educação, da saúde, da juventude,
das mulheres, com carácter temporário ou definitivo, estas comissões e conselhos garantem a
participação dos cidadãos destinatários das medidas e asseguram sobretudo a melhor aceitação das
decisões tomadas. As audições e a negociação em áreas críticas como a legislação laboral e a segurança
social permitem uma concertação social e nalguns casos o apaziguamento de conflitos latentes.
Diz Luís Nandim de Carvalho que o que está em causa é a substituição de um modelo formal de
igualdade política pontual (nas eleições) por um modelo substancial de igualdade política permanente
( na Governance). O direito político principal deixou de ser o voto e o conceito de eleitor, para passar
a ser a intervenção pela participação dos cidadãos (...).9
Ou seja, reformar o sistema político através das suas próprias instituições é, como tem acontecido até
ao presente, um acto falhado. Importa reforçar a participação do cidadão em todas as vertentes,
devolver o poder de decisão ao cidadão legitimando a acção governativa quotidiana o que, reforçará
igualmente a participação política.
Bibliografia
- “Aprofundar a democracia num mundo fragmentado” PNUD 2002
- “A Reforma do Estado em Portugal – Problemas e Perspectivas” Actas do I Encontro Nacional de
Ciência Política, Bizâncio, Lisboa 2001
- Carvalho, Luís Nadim “Direito ao Lobbying, Teoria, Métodos e técnicas”, Edições Cosmo, Lisboa
2000
- Filipe, António “As oposições parlamentares em Portugal, Práticas e Intervenções 1976-201”, Veja
- Freire, André, Araújo, António, Lestn-Bandeira, Cristina, Costa Lobo, Marina e Magalhães, Pedro “O
Parlamento Português : Uma reforma necessária”, Lisboa 2001
- Freire, André e Magalhães, Pedro “A abstenção eleitoral em Portugal”, ICS, 2002
- “IRI Europe Country Index on Citizenlawmaking 2002” Initiative & referendum Institute Europe,
Andreas Gross and Bruno Kaufmann
- Magalhães, José “Penalizar ou despenalizar o Aborto? Elementos de reflexão”, Quetzal Editores,
Lisboa 1998
- Martins, Alberto “Direito à cidadania” , Publicações D. Quixote, 2000
9
Remata esta afirmação da seguinte forma “e dos seus grupos de interesse particular através do lobbying” que não integrei
por discordar ou recear a formulação.
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- “Parlamento 2000 – A Assembleia da República a caminho do século XXI” Grupo Parlamentar do
partido Socialista, Fórum Celta, Oeiras 2000
- Vargas, Ana e Nunes, Filipe “Os partidos políticos em debate” Finisterra, Ver. Crítica de Reflexão e
Crítica, Abril 2001, n.º 38
Biografia
Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Actualmente a
desempenhar as funções de Chefe da Divisão de Edições da Assembleia da república. De 1999 a 2002
exerceu funções de Adjunta no gabinete do Ministro para a Reforma do Estado e da Administração
Pública. De 1995 a 1999 assessorou a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias da Assembleia da República. Exerceu ainda funções na Divisão de Informação Legislativa e
Parlamentar da Assembleia da República e, entre 1989 e 1991 exerceu as funções de Chefe de Divisão
de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Loures.
maioritárias?
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