IMIGRAÇÃO ALEMÃ E FUMICULTURA: A COLÔNIA DE SANTA CRUZ (RS) NO PERÍODO IMPERIAL BRASILEIRO. Carlos Gabriel Costa* RESUMO O presente artigo procurará analisar a formação social e econômica do atual município de Santa Cruz do Sul, desde o surgimento da Colônia em 1849, até o final do Período Imperial no ano de 1889. Contemplando assim determinados aspectos como, por exemplo, os motivos que levaram a vinda de imigrantes alemães ao Brasil, e desta forma procurar analisar o motivo(s) de o fumo ter se transformado no principal produto da economia local, este perdurando até a atualidade. Para tanto procurará fazer-se um comparativo deste produto com os demais cultivados em outras áreas de mesma colonização, e assim, entender o porque de sua inserção na economia local como catalisador de um acúmulo de capital, considerando bem como a localização geográfica da então Colônia de Povoamento no estado do Rio Grande do Sul. PALAVRAS-CHAVE:Imigração, economia, fumicultura. GERMAN IMMIGRATION AND TOBBACCO GROWING: THE COLONY OF SANTA CRUZ (RS) IN THE BRAZILIAN IMPERIAL PERIOD ABSTRACT This article has the intention to analyze social and economic formation of Santa Cruz do Sul municipality , since its Colony in 1849, until the end of the Imperial Period in 1889. It is going to show aspects like the reasons that brought German immigrants to Brazil, analyzing the reason why tobacco turned into the main product of local economy even until the present time. Based on this, a comparison of this product with others that have been produced in other areas with the same colonization is also going to be shown. The intention here is to understand why tobacco has such a strong insertion in local economy with accumulation of money, taking into consideration the geographic position of the former Colony in the state of the Rio Grande do Sul. KEY WORDS: Immigration, economy, tobacco growing. * Graduado em História e mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. 2 INTRODUÇÃO Neste pequeno artigo acadêmico, o qual foi dirigido aos estudos da disciplina de Seminário Temático I, ministrada pelo Prof. Dr. Roberto Radünz, da Universidade Santa Cruz do Sul, procurará ser abordadas as causas da imigração européia, especificando o caso alemão, bem como as motivações, ou o conjunto delas, que levaram estas pessoas a deixarem seus lares e procurarem estabelecerem-se em um outro continente, muito diferente do seu habitat tradicional. Algumas indagações serão feitas acerca do objeto de estudo inicial de tal pesquisa, ou seja a imigração européia alemã, bem como o seu estabelecimento nos lotes coloniais, constituídos e distribuídos pelo Governo Provincial do Rio Grande do Sul, bem como Governo Imperial. Sempre cuidando o período a ser abordado que será de 1849 até 1889, ou seja, estabelecimento e criação da Colônia de Santa Cruz até o final do Império. Para alcançar tais objetivos na pesquisa, será analisado o material bibliográfico existente, por exemplo, os livros que referem-se ao assunto imigração, observando os conceitos, pois estes serão essenciais para elucidar as dúvidas, bem como o período posteriori de sua elevação a condição de freguesia essa ocorrida no ano de 1859, e logo após a sua elevação a condição de Vila em 1878. Ainda será utilizado em nossa análise relatos de viajantes que por aqui estiveram e citaram o caso santa-cruzense em seus livros e diários de viagens, pois trata-se de uma visão acerca a organização destes lotes coloniais e desta maneira, pode-se observar o desenvolvimento tanto econômico quanto tecnológico e social, desta colônia de imigração alemã no período a ser analisado. Estes relatos serão utilizados em um capítulo a parte. Uma dúvida que surgirá no decorrer da pesquisa é o fato de os imigrantes que estabeleceram-se no atual município de Santa Cruz do Sul, terem optado como principal atividade econômica a produção do fumo, esta destacando-se até os dias atuais. Mas quais fatores foram que tornaram possível esta produção? Porque o fumo foi adotado em tal Colônia e não outro produto agrícola? Estes imigrantes já conheciam tal planta? Estas perguntas irão nortear boa parte de nossa pesquisa, até porque sabe-se que nem em todas as colônias destinadas a imigração, o fumo foi o artigo agrícola de maior importância. Claro que aqui não serão desconsideradas as outras culturas da produção agrícola local, mas sim, dar-se-á maior atenção à análise acerca a inserção do fumo no cultivo agrícola local. 3 1. O PROBLEMA EUROPEU Um fascínio durante muito tempo foi o assunto que envolveram diversos estudiosos acerca as grandes migrações européias, mais precisamente a partir da segunda metade do século XIX e que segundo o historiador Eric Hobsbawm1, tornou-se um estudo muito difícil, pois emigraram2 muitos europeus para as Américas, e esta movimentação aconteceu em diversas direções dificultando assim a especificação de cada movimento migratório ou emigratório. Deve-se, no entanto saber o porquê dessas grandes levas humanas deixarem o território europeu, sendo que um dos fatores causadores de tais movimentações humanas pelo espaço geográfico mundial foi a industrialização, mesmo que esta sendo tardia no caso da Alemanha,- comparado aos exemplos ingleses e franceses que ocorreram em período anterior ao país já mencionado -; até porque sabe-se que a grande maioria das primeiras levas de imigrantes teuto eram advindos do meio rural, em muitos casos tendo migrado primeiramente para as grandes cidades alemãs nas quais poderiam encontrar um trabalho ou especializaremse em alguma atividade industrial, 3 ou então pudessem melhorar as suas condições precárias de vida no campo e em outros casos nas cidades. Mas não somente a industrialização fora à causadora de tais movimentos emigratórios, devemos, no entanto ressaltar outros fatores tais como: razões econômicas, políticos ou ideológicos, e, religiosos. Abaixo segue a exemplificação de cada caso. Por que pessoas emigravam? Sobretudo por razões econômicas, quer dizer, porque eram pobres. Apesar das perseguições políticas depois de 1848, refugiados políticos ou ideológicos formavam apenas uma pequena fração da emigração de massa, mesmo em 1849-54, [...] Seu ardor, entretanto, rapidamente arrefeceu, assim como ocorreu com a maioria dos imigrantes não-ideológicos, que transferiram suas energias revolucionárias para a campanha antiescravista. A fuga de seitas religiosas procurando maior liberdade para prosseguir em suas atividades, frequentemente peculiares, era provavelmente menos significativa que no meio século precedente, já que os governos vitorianos não tinham uma posição muito forte ante a ortodoxia como tal, embora não achassem desagradável ver pelas costas os mórmons ingleses ou dinamarqueses, cuja tendência à poligamia causava problemas. Mesmo na Europa Oriental, as ativas campanhas anti-semíticas, que iriam estimular a emigração de massa dos judeus, ainda eram coisa para o futuro4. 1 HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital. São Paulo: Paz e Terra, 1996. P.274. Utilizaremos o termo emigração quando adotarmos uma visão analítica eurocentritrista, e imigração quando nos apropriamos de um estudo a partir da visão brasileira dos fatos e recebimento destas pessoas. 3 HOBSBAWM, loc.cit. 4 Ibid. p.280. 2 4 Com estas informações, pode-se ter uma dimensão maior dos movimentos de emigração advindos da Europa, pois traduzem e informam os motivos pelos quais muitas pessoas realizaram estas grandes viagens em busca de uma condição futura melhor para seus filhos e descendente. Deve-se no entendo ser considerado que estas grandes migrações e ou emigrações quando aconteciam, dificilmente o emigrado voltava ao local de origem, fixandose, portanto na sua nova localidade e procurando desenvolver-se tanto economicamente quando industrialmente no seu novo lar. Portanto como pode-se observar nessas emigrações de alemães para o Brasil, elas não ocorreram repentinamente, mas sim através de uma somatória de fatores, já mencionados ligados diretamente a forma capitalista de produção industrial e agrícola em pleno desenvolvimento no território europeu 5. Segundo Godinho, citado por Etges6, “a emigração de alemães para a América teve como fatores de expulsão a situação econômica e política da Alemanha, onde assistia-se ao processo de desagregação da propriedade feudal, e no bojo desse processo, as lutas da burguesia por maiores poderes, sendo que em determinados momentos dessa luta, como na revolução de 1848, burgueses e proletários (particularmente camponeses que perderam suas terras) lutavam em aliança contra a aristocracia. Os resultados como era de se esperar, foram favoráveis à burguesia que teve assim seu poder político aumentado. Também as lutas pela unificação da Alemanha, ocorridas durante o século XIX contribuíram para o incremento da emigração devido à instabilidade política que então se instalou”. Outro fator que ainda deve ser mencionado e exemplificado é o de antes a Alemanha possuir um modo produtivo agrícola feudal, e que agora começava a ser substituído por um modo de produção voltado para o mercado, mas que foi muito dificultado pelo esgotamento sofrido pelo solo. Outro dificultador desta prática para o camponês era de que praticamente não possuíam linhas de crédito para financiar a sua plantação, e quando estas existiam, e os camponeses não conseguiam pagar os empréstimos adquiridos ficavam nas mãos de seus credores, e em muitos casos, ocorrendo a perda de sua propriedade7. Segundo Hobsbawm, o mundo da década de 1840 se achava fora de equilíbrio. As forças de mudança econômica, técnica e social desencadeadas nos últimos anos não tinham paralelo, eram irreversíveis mesmo para o mais superficial dos observadores.8 Isto fez com que muitas pessoas deixassem sua terra de origem e partissem em busca de algo novo, ou 5 ETGES, Virgínia e. Sujeição e Resistência: os camponeses gaúchos e a indústria do fumo. Santa Cruz do Sul: Editora e Livraria da FISC, 1991. p. 57. 6 Ibid. p. 60. 7 ibidem. p. 61. 8 HOBSBAWM, E.J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 10ª ed. P.327. 5 melhor, para sua vida, pois na Europa o povo encontrava-se cansado da exploração sofrida continuamente pelos ricos e nobres. Os preços subiam continuamente encarecendo assim sua alimentação, a depressão surgida na indústria multiplicava os desempregos. Outro fato que deve-se mencionar é o de que não somente massas de emigrantes europeus rurais vieram para as Américas mas também os que habitavam os núcleos urbanos, pois estes da mesma forma eram privados de seus modestos rendimentos no exato momento em que o custo de vida atingia proporções gigantescas. 2. OS LOTES COLONIAIS Não era uma novidade a instalação de lotes coloniais na Província de São Pedro, hoje estado do Rio Grande do Sul - , pois séculos antes a chegada dos imigrantes alemães, por iniciativa do Governo Português, já haviam sido instalados no sul do Brasil imigrantes advindos dos Açores – Ilha Portuguesa –, com o intuito de povoar o sul abandonado, e também ainda com o objetivo de controlar as fronteiras seguidamente eram invadidas pelos espanhóis. Para esta forma de colonização e povoação adotaram o sistema de sesmarias, esta sendo uma forma de disseminação de culturas, pois deveriam fornecer víveres aos soldados em caso de alguma guerra, fato comum e corriqueiro na região fronteiriça. Mas esta maneira de povoamento, doando aos imigrantes grandes lotes de terra fez com que surgissem ao longo do território do Rio Grande do Sul, verdadeiros vazios, nos quais apenas existia muita mata selvagem e terra a ser ainda explorada. Algo a ser destacado é o fato de as colônias inicialmente serem criadas pelo Governo Imperial, em seguida estadual e em alguns casos municipal. Deve-se destacar sobre o Período Imperial, antes de iniciar a imigração, a maior parte das terras cobertas de mata pertenciam a Império, enquanto que a terra do campo havia sido cedida aos portugueses. Isto explicaria o fato de muitas colônias terem sido implantadas pelo Governo Imperial, contudo, o Governo Provincial recebeu extensões maiores de terra com a finalidade de colonizá-las, surgindo assim as Colônias de Santa Cruz, Santo Ângelo, Monte Alverne, São Feliciano e Nova Petrópolis, no período de 1849 a 1889.9 Mas antes desta exploração deveriam surgir fatores que proporcionassem esta prática, e isto acontece no ano de 1824, com a chegada e a instalação de 38 imigrantes às 9 AMSTAD, Theodor (Org.). Cem Anos de Germanidade no rio Grande do Sul-1824-1924. Tradução de Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. p. 49. 6 terras da Real Feitoria do Linho Cânhamo, posteriormente denominada São Leopoldo.10No entanto, até o ano de 1850 a imigração alemã parece ter sido muito irregular, apresentando muitas oscilações numéricas, este problema ocorreu devido a Guerra da Cisplatina e posteriormente a Revolta Farroupilha e ainda a abdicação do trono por D. Pedro I. Outro dado relevante fora a duração da Revolta Farroupilha, - cerca de dez anos - , fazendo com que a colonização de São Leopoldo ficasse desamparada e momentaneamente interrompida provocando um determinado retrocesso no movimento imigratório. Estas guerras e conflitos fizeram com que o povoado ficasse isolado e não pudesse manter o ritmo da produção agrícola, pois todos os víveres produzidos eram solicitados e confiscados pelo exército para o chamado esforço de guerra, tanto por parte do Governo Imperial quanto dos Revoltosos. Para a historiadora Sandra Pesavento, a política de colonização surgiu subordinada à política global de imigração no Brasil, constituindo assim a formação de núcleos de produção agrícola que, em regime de pequena propriedade, contribuíssem para a diversificação da estrutura produtiva brasileira e para o abastecimento do mercado interno, muito ainda arraigada à tradição pecuarista no sul, ou monocultora do Centro-Oeste e Nordeste, formando assim grupos dominadores da política e economia local.11 Deve-se ainda avaliar outro fator muito importante que contribuiu para a política imigratória brasileira, o qual Fernando Henrique Cardoso citado por Lando e Barros12 , dizendo o seguinte: “não se desejava, portanto, resolver apenas o problema da escassez de mão-de-obra; anciava-se pela renovação das práticas de trabalho; esperava-se a libertação do espírito criador no trabalho, milagre que só o imigrante, isto é, o braço estrangeiro, livre, proprietário, e não peado pelas velhas formas de produção ou por qualquer liame contratual limitativo, poderia realizar”. Este Quadro ilustrativo denota outros fatores propiciadores em relação a inserção do imigrante alemão no convívio com os Luso-brasileiros, e desta maneira a existência de fatores externos e internos resultantes destas levas imigrantinas para o Rio Grande do Sul. 2.1 A Colônia de Santa Cruz O núcleo colonial de Santa Cruz surgiu conjuntamente com a política de colonização levada a efeito, no século XIX, pela ação dos Governos Imperial e Provincial, objetivando a 10 LANDO, A M.; BARROS, E.C.Capitalismo e Colonização- Os Alemães no Rio Grande do Sul. In: RS: imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p.25. 11 PESAVENTO, S.J. O Imigrante na Política Rio-Grandense. In: RS: imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 157. 12 Cf. LANDO, A M.; BARROS, E.C. op.cit. p. 43. 7 criação de colônias de pequenos produtores rurais, mostrando uma diferença da imigração proporcionada pelo centro do país que visava a substituição da mão-de obra escrava pela do imigrante europeu na grande lavoura. Neste período em destaque a produção do café, sendo aqui o aspecto principal no seu estabelecimento o de proporcionar uma sedentarização na qual estes pudessem constituir uma agricultura voltada para o mercado interno, ocupação provincial, e a formação de uma classe de pequenos e médios proprietários não ligados, política e ideologicamente, aos interesses dos grandes estancieiros.13 Sendo assim o núcleo Colonial de Santa Cruz foi criado e gerido pelo governo da Província de São Pedro, e recebeu seus primeiros imigrantes alemães, em 19 de dezembro de 1849, totalizando doze imigrantes.14 As terras que foram destinadas para estes imigrantes localizavam-ze na depressão central, junto a encosta inferior da serra, procurando estabelecêlos na estrada recém aberta que ligava a cidade de Rio Pardo com Cruz Alta.15 Um dos objetivos para a criação deste núcleo colonial segundo Vogt16, era o de fazer contato com as regiões criatórias, ou seja, dos campos do planalto com os campos da campanha gaúcha, e assim assegurar que estes rebanhos e mercadorias chegassem em Rio Pardo para serem escoados através de seu porto até Porto Alegre. Os primeiros lotes coloniais e o tamanho dos mesmos, foram distribuídos gratuitamente pela administração provincial, e estes possuíam 160.000 braças quadradas, o que equivale a 77 hectares a cada família de imigrantes alemães. Com o surgimento da Lei provincial 229 de 04 de dezembro de 1851, houve uma redução na área destinada a estes imigrantes tornado-se assim em 100.000 braças quadradas, o que equivale a 48,4 hectares. Mas a mudança não para por aí, pois a partir de 1854, juntamente com o surgimento da Lei Provincial nº 504, esta agora regulamentando a Lei de Terras de 1850, portanto estes lotes não poderiam mais ser doado pelo Governo Provincial e sim vendido, e os imigrantes teriam um prazo de cinco anos. Juntamente com estes lotes os recebiam sementes, instrumentos de trabalho, indenização de viagem e ajuda de dinheiro. Observando, no entanto que este dinheiro deveria ser devolvido juntamente com o pagamento das terras adquiridas.17 Outro aspecto a ser ressaltado é o de que em sua chegada a cidade de Rio Pardo, da qual Santa Cruz fez parte até o ano de 1878, estes imigrantes alemães, deveriam erguer nestes 13 VOGT, Olgário P. A produção de fumo em Santa Cruz do Sul- RS (1849-1993). Santa Cruz do Sul: EDUNISC. 1997. p.54. 14 MARTIN, Hardy E. Santa Cruz do Sul: da colônia a freguesia 1849-1859. Santa Cruz do Sul:APESC, 1979. p.33. 15 Ibidem. p. 16 et seq. 16 VOGT, op.cit. p. 57. 17 ibidem., p. 58. 8 lotes a residência e ainda efetuarem uma derrubada da mata para o cultivo não superior a dois anos, sobe pena de perderem todos seus benefícios. Esta mesma lei proibia a utilização de mão de obra escrava, sendo assim o imigrante deveria utilizar e muito a mão de obra familiar, algo comum até os dias atuais. Ainda relacionado com a estruturação destes lotes coloniais, segundo Holanda18, cada colônia era formada de picadas ou linhas e de uma sede, que era o loca destinado para a futura vila ou cidade, dividido em ruas, quadras e pequenos lotes, reservando-se lotes especiais para a futura prefeitura, igrejas, escolas, cemitério. Portanto logo no estabelecimento das colônias ao mesmo tempo deveria ser formado o futuro núcleo urbano. No entanto que as coisas não ocorreram segundo o programado, no que se refere aos benefícios que o governo destinaria a cada colono, pode-se comprovar tal fato relacionando o relatório de Evaristo Alves de Oliveira encaminhado ao presidente da Província, datando do dia 26 de dezembro de 1850: Até o presente não há lugar destinado para serem enterrados os colonos que têm falecido, tendo por costume sepultarem perto das casas; sobre este ponto tão importante, tenho de levar ao conhecimento de Vs. Excia. Para se dignar ordenarme o que julgar conveniente, para que eu possa executar em combinação com o vigário da cidade de Rio Pardo.19 Com este pequeno trecho pode-se perceber que nem sempre as leis são cumpridas como deveriam, ainda mais naquele período, no qual os meios de comunicação eram deficitários bem como os de fiscalização por parte dos órgãos competentes. Outra peculiaridade ocorrida nos primórdios da instalação destes imigrantes em seus lotes, é o fato de que algumas pessoas encarregadas de executar tais obras de infra-estrutura simplesmente burlavam a legislação ou procuravam tapear a administração, que encontrava-se distante do núcleo colonial e muitas vezes sequer fiscalizava tais obras, observa-se no relato seguinte: Ainda antes da fundação de Santa Cruz, uma estrada periférica levava até a serra, passando pelos Altos do Paredão. O caminho era muito precário nos lugares onde cruzava o mato. Colonos seriam fixados no mato a fim de contornar esse inconveniente. O Governo Provincial liberou uma soma de dinheiro para tornar o caminho transitável para carroças até os Altos do Paredão e a construção da estrada em regime de empreitada. A condição do acordo de empreitada rezava que o caminho deveria ser entregue em condição de trafegabilidade para carreta. Mas o esperto empreiteiro soube ajudar-se. Antes da inspeção da comissão, ele carregou no lombo de mulas as diversas partes de uma carreta. No Alto do Paredão montou as peças da carroça e, quando a comissão apareceu, provou, com a ajuda da carreta e de algumas garrafas de bom vinho, que a estrada estava em condições de tráfego para carretas.20 18 HOLANDA, Sergio Buarque de. História geral da civilização-o Brasil Monárquico. São Paulo: Difel, 1985, volume 3 Reações e Transações. P. 226. 19 MARTIN, op.cit. p. 41. 9 Ainda em relatórios redigidos pelo administrador da Colônia, Evaristo Alves de Oliveira, nota-se a intensa preocupação com as condições dos colonos, pois relatava que muitos comerciantes aproveitavam-se da situação de recém chegados e o seu total desconhecimento das leis vigentes, ou ainda a falta de informação sobre o real valor das mercadorias que já no início começaram a ser cultivados nos lotes coloniais. Em primeiro momento o excedente agrícola era trocado com seus vizinhos por outros víveres de primeira necessidade, e posteriormente encaminhando às casas comerciais de Rio Pardo. Estes comerciantes aproveitavam-se do desconhecimento destes colonos imigrantes encarecendo as mercadorias quando estes adquiriam algo e diminuindo o valor a ser pago quando estes vendiam seu excedente agrícola. Abaixo segue um relato extraído do já mencionado relatório do qual percebe-se esta condição desigual gerada. Nesta colônia não pode haver presentemente negócio algum, sem que haja sido estabelecido o preço dos gêneros por uma tabela, por causa dos abusos que têm aparecido de haverem colonos de receberem dois mil réis para passarem dois meses com sua família, e que muitos teriam abandonado a colônia se não tivesse o simples alimento de batata; para aliviar esses males, que provocam a compaixão, tenho feito o bem que achar a meu alcance, e não podendo ouvir tantos clamores, tratei de pedir emprestado o dinheiro, e pagar o subsídio no dia 25 do corrente, fazendo o pagamento com o valor da moeda do comércio, e aplicando a diferença que houver a favor dos colonos, para pagar-se carretos, e conduzirem da cidade de Rio Pardo e do Distrito dos Couto os gêneros, com a diferença de 40 a 50 por cento do que se tivesse comprado da mão de alguns especuladores.21 Muitas eram as dificuldades enfrentadas pelos primeiros imigrantes, como a falta de comunicação com um rio navegável, já que o mais próximo era o Rio Pardo distante cerca de 40 km da Colônia de Santa Cruz, restando como única alternativa o transporte das mercadorias em lombo de mula, ocasionando assim a elevação do frete, e diminuindo o rendimento do colono, pois deveria achatar o seu preço para torná-lo competitivo. Desta forma tornou-se muitas vezes inviável a aquisição de produtos advindos fora da região colonial, isto inclusive foi um sério entrave ao desenvolvimento econômico da recém estabelecida Colônia. Essa situação começa a modificar-se quando as estradas passaram a receber um cuidado maior, muitas vezes praticados pelos próprios colonos que dependiam exclusivamente desta via de acesso para venderem seus produtos. Somente com a evolução dos meios de transportes acontecerá uma melhora no escoamento, bem como o barateamento do frete das mercadorias produzidas na então Colônia e posteriori cidade de Santa Cruz do Sul. 20 AMSTAD, op. cit. p. 84. 10 3. O FUMO EM SANTA CRUZ DO SUL O fumo é uma planta originária das Américas, que foi levada ao solo europeu após a descoberta em 1492. Segundo Nardi citado por Vogt 22 , “o fumo teria surgido nos vales orientais aborígines, mormentes o Tupi-Guarani, pelo atual território brasileiro”. O cachimbo era a principal forma de uso do tabaco, mas também confeccionavam cigarros simples a partir de folhas secas cilindricamente enroladas. Em solo brasileiro o fumo foi amplamente cultivado na faixa litorânea, mais precisamente na região onde hoje é o atual estado da Bahia, sendo que, no período colonial brasileiro, o fumo representava o segundo produto de maior importância, utilizando-se este produto como moeda de troca na aquisição de escravos advindos do Continente africano, particularizando o comércio entre Bahia e Costa da Mina. Outra parcela da produção era destinada ao comércio com a Europa enviado através do território português e assim distribuído pelos demais países, e uma pequena parte, mas nem por isso devemos desconsiderar, destinava-se ao comércio interno.23 Para Celso Furtado o fumo apresentou uma relativa mudança em determinado aspecto, pois se no fim do período colonial teve um decréscimo produtivo, pois era destinado basicamente ao comércio escravocrata, já na segunda metade do século XIX apresenta uma significativa mudança, pois começou a encontrar um mercado crescente na Europa, antes somente realizado por intermédio de Portugal e Pós-Independência passando a ser realizado pelo Governo Imperial diretamente com os mercados consumidores europeus, e destinando uma pequena fração ao comércio de escravos24. Este quadro econômico favorável, somente foi possível com a entrada de imigrantes deveriam habitar os núcleos e lotes coloniais, mas claro não generalizando de forma alguma este modelo de produção agrícola, pois sabe-se que nem em todas as colônias de imigrantes advindos da região onde hoje se encontra a Alemanha, o fumo teve um papel de destaque, mas pode-se afirmar que estes imigrantes incrementaram a economia brasileira com tal produção, pois requeria poucos investimentos além de um galpão para armazenagem e secagem do fumo, e ainda lembrando o fato de a mão-de-obra ser estritamente familiar, por este motivo sobraria uma reserva financeira que poderia ser aplicada em outra área a qual fosse necessária. 21 MARTIN, loc. cit. VOGT, op. cit. P. 35. 23 Ibidem, p. 37. 22 11 Desde o inicio o fumo é cultivado na Colônia de Santa Cruz, juntamente com outros produtos de primeira necessidade e necessários para a sua alimentação. Mas o fumo, possuía um diferencial, pois poderia ser utilizado como moeda de troca na obtenção de outras mercadorias não produzidas pelos lotes coloniais tais como o sal, ferramentas, remédios entre outros25, até porque praticamente toda a produção era destinada à exportação como poderemos comprovar na tabela reproduzida abaixo: TABELA 1- Fumicultura em Santa Cruz do Sul (1861 a 1881).26 ano Produção (em kg) Exportação (em kg) 1861 82 500 70 500 1862 109 500 97 500 1863 120 500 105 500 1864 259 500 217 500 1866 356 655 226 680 1869 600 00 600 00 1870 675 00 1871 800 00 747 909 1872 600 00 1875 1 175 200 1876 1 600 000 1 531 735 1881 1 600 000 1 575 000 Fonte: * Pasta n° 8 do Arquivo Histórico do Colégio Mauá. Santa Cruz do Sul, RS- AHCM. Com esta tabela percebe-se a real quantidade de fumo retido pela Colônia e ainda a parcela destinada à exportação, desta forma os colonos efetuavam a obtenção dos víveres inexistentes em sua propriedade, em um sistema já mencionado anteriormente que era o das trocas. Mas esse quadro modifica-se com o passar dos anos devido a ampliação do núcleo urbano, fazendo com que surgissem várias casas comerciais, posteriormente seriam estas as responsáveis pelo intercâmbio entre o colono e o destino deste fumo resultante de uma produção excedente, facilitando desta maneira o acesso a inúmeros incrementos aplicados nestas pequenas propriedades rurais. Mas para ser exportado o fumo percorria um longo e acidentado trajeto, pois deveria ser transportado pelos próprios produtores até o núcleo urbano, o qual começou a surgir depois de 1855 em carroças, e assim absorvidos e comprados por casas comerciais que começaram a surgir, depois continuava seu caminho em caravanas de burros até Rio Pardo, 24 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 14 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1976. p. 147. KAUSE, Silvana. Migrantes do Tempo. Vida econômica, política e religiosa de uma comunidade de imigrantes alemães na República Velha. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002. p. 43. 26 Ibidem, p. 46. 25 12 chegando nesta cidade era disposto em pequenas embarcações até o Rio Jacuí, e assim transferido novamente para barcos maiores com destino a cidade de Porto Alegre.27 Ainda pode-se utilizar outra tabela a qual aparecem outros produtos além do fumo, todos estes comercializados e produzidos nos lotes coloniais de Santa Cruz, mostrando desta maneira a diversificação na produção local, mas sempre evidenciando o cultivo do tabaco como o principal produto de exportação. TABELA 2- Exportação da Colônia em 1870.28 PRODUTOS VALOR 45 000 arrobas de fumo 292:000$000 réis 6 000 sacas de feijão 45:000$000 réis 3 000 arrobas de banha 30:000$000 réis 3 000 arrobas de toucinho 21:000$000 réis 20 000 arrobas de erva 44:000$000 réis Produtos diversos-charutos, cera, ervilha, etc. 10:000$000réis TOTAL 442:000$000 réis Fonte: Relatório de Carlos Trein Filho ao agente interprete da colonização. 1871. AHCM. Mas uma pergunta surge neste momento, porque a Colônia de Santa Cruz especializou-se no cultivo do fumo e este produto até hoje é a principal mercadoria de nossa economia? Vogt analisa da seguinte forma: A razão de Santa Cruz se especializar na produção do tabaco talvez possa ser atribuída a uma necessidade histórica. Isto é, o fato de cultivar exatamente os mesmo produtos que as demais colônias situadas ao redor de Porto Alegre-como no caso de São Leopoldo ou, quando mais distante as colônias, próximas de rios absolutamente navegáveis como o Sinos, Caí, Taquari- fazia com que aquela não pudesse competir comercialmente com estas. E isto era devido aos menores custos monetários por elas agregados ao valor das mercadorias no escoamento da produção para o grande centro consumidor de então. 29 Outro fator que deve ser ressaltado, é o de que o cultivo do tabaco era muito mais rentável proporcionalmente ao volume se comparado a outros produtos tais como, feijão, milho, a batata, a banha e demais outros, e ainda ressaltando que o fumo apenas adquiriu este patamar devido a qualidade originada não somente da especialização dos colonos, mas 27 PESAVENTO, S.J. RS: agropecuária colonial e industrialização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.p. 194. KRAUSE, op. cit. p. 48. 29 VOGT, op.cit. p. 79. 28 13 também como salienta Vogt30, devido a ação dos comerciantes, estes beneficiavam o produto de forma correta, ainda procuravam instruir os colonos sobre quais variedades plantar, como colher, tornando desta maneira o cultivo do tabaco em Santa Cruz muito mais dinâmico e rentável para ambos os lados, tanto para o comerciante como também para o colono plantador do tabaco. No que se refere aos tipos de fumo plantados pelos imigrantes alemães na Colônia de Santa Cruz, podemos citar o Havana, procedente da ilha de Cuba, ainda o Chileno, depois o Gigante, mais conhecido pelos agricultores como o Língua-de-vaca, devido as suas longas folhas que facilmente alcançavam 1.20 metros, e ainda as variedades locais conhecidas como Crioulo.31 Já na década de 1870, começou-se a cultivar na região os fumos claros, mediante a importação de sementes do tipo Chinês, o qual posteriormente deu origem ao Amarelinho. 4. RELATO DE VIAJANTES COMO FONTE DE PESQUISA O relato de viajantes ao longo da análise historiográfica tornou-se uma interessante fonte de pesquisa, pois desta maneira o historiador pode recorrer a um recorte temporal ao qual ficou registrado tanto em cartas, como diários e alguns em livros, mas claro, sempre procurando analisar estes de forma crítica, pois sabe-se que em alguns casos os relatos foram modificados com algum propósito e ainda pelo fator de estar sendo direcionado a um determinado grupo de pessoa ou a serviço de alguém. Vários foram os viajantes que transitaram pela antiga Colônia de Santa Cruz, entre os que deixaram registrados em seus diários, e posteriormente tornando estes em livros, destacam-se: Avé-Lallemant e Michael Mulhall. Outro exemplo ainda a ser utilizado , são as várias cartas de colonos imigrantes, em suas correspondências com os seus parentes que ainda residiam na Alemanha, e procuravam obter notícias e ainda informá-los de como se dava a vida em um local distante, contando os seus perigos e demais pluralidades existentes neste novo ambiente no qual estavam residindo. 4.1 Robert Ave-Lallemant e Michael G. Mulhall. Em seu livro Viagem pela Província do Rio Grande do Sul (1854), o médico e naturalista alemão, que viveu por muito tempo no Brasil e procurou desta forma viajar pelos mais diversos pontos de nosso país, relatando os costumes e peculiaridades dos habitantes dos 30 31 Ibidem. P. 79. Ibidem, p. 71. 14 locais no qual passava. Desta maneira pode-se analisar peculiaridades sobre a então Colônia de Santa Cruz. Já o livro de Mulhall, O Rio Grande do Sul e Suas Colônias Alemãs,aborda a sua viagem pelo RS no ano de 1871 a convite da colônia de ingleses pois estes queriam mostrar a este ilustre jornalista Britânico as inúmeras obras que estavam sendo realizadas em solo gaúcho, esta sendo uma parceria anglo-brasileira. Este viajante abordou inúmeros acontecimentos deste período ocorridos no RS e também procurou visitar as diversas regiões bem como a Colônia de Santa Cruz, já elevada a condição de freguesia neste período. Observa-se no entanto que Mulhall procurou observar apenas os aspectos econômicos da produção agrícola da freguesia e seu número de habitantes. Sobre a Fundação: Santa Cruz se chama a colônia alemã situada na serra, a sete léguas de distancia de Rio Pardo. Visitei-a em 13 de março ou melhor fui levado a visitá-la, pois me arrastavam a amizade e a hospitalidade(...) inteirado do desenvolvimento dessa colônia e que, como pensava em regressar para junto de sua família, se ofereceu para acompanhar-me....32 Começa aqui a colônia alemã de Santa Cruz. O lugar chama-se Fachinal e deverá ser, mais tarde, o lugar central, a Vila de Santa Cruz. Um Grande quadrado assinala a futura praça principal. Mas até agora só existem três ou quatro casas isoladas e as paredes mestras de uma igreja católica em construção, na praça coberta de relva verde. 33 Em 1849, depois do fim da guerra civil, o Governo Provincial de Rio Grande, no mandato do Presidente Andréa, esforçou-se para reviver o sistema de colonização alemã acima descrito, demarcado lotes gratuitos de terra em Santa Cruz, a 100 milhas de Porto Alegre e a 20 da cidade de Rio Pardo num afluente do Rio Jacuí. As terras eram férteis, o local excelente e a colônia foi um brilhante sucesso. O primeiro grupo de colonos, em número de 13, chegou em dezembro de 1849, dois outros no ano seguinte e, no começo de 1851, haviam 145 pessoas na colônia, incluindo trinta filhos de colonos de São Leopoldo. 34 Falando sobre o agente agenciador Peter Kleudgen: No mesmo ano, o Vice-Presidente Belo assinou um contrato com Pedro Kleudgen para trazer 2.000 alemães em dois anos, diretamente da Alemanha e com direito a terras gratuitas, devendo elas apenas indenizar mais tarde os adiantamentos feitos para a aquisição de ferramentas e provisões. Não podendo Kleudgen cumprir o contrato porque os interessados não estavam em condições de pagar suas passagens. Finalmente, em novembro de 1854 foi aprovada a lei da colonização, 32 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul(1854). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980. p. 169 33 Ibidem. p 172 et seq. MULHALL, Michael G. O Rio Grande do Sul e Suas Colônias Alemãs. Porto Alegre: Bels, 1974. p. 109 et seq. 34 15 que deu forte ímpeto ao nascimento de novas colônias: o Governos de Rio Grande adiantava 5 libras esterlinas para a passagem de cada um dos imigrantes e vendialhes a terra por um preço razoável, pagável em prestações durante cinco anos, juntamente com as cinco libras.35 Sobre a hospitalidade: Quero e devo manifestar-me sobre essa família. Refiro-me a sua senhora, de modo algum nascida e educada para essa profunda solidão da selva, que em sua plenitude física e espiritual amamenta seu undécimo filho, enquanto o mais velho é um jovem oficial do Exército do Uruguai; que cumpre com coragem e zelo seus deveres domésticos como se fossem bailes e teatro e que ainda ajuda os alemães nas picadas com seus conselhos e assistência. E, no meio de todas essas fadigas e renúncias, essa senhora só tinha preocupação: de que aqui na floresta não houvesse todos os meios para educação dos filhos. Entretanto esses filhos da selva, de faces rosadas, pareciam tão amáveis e tão graciosamente tímidos diante do estrangeiro, que se lhes poderia perdoar o desalinho e o fato de chuparem o dedo.36 Com este trecho pode-se observar quais eram as preocupações destes primeiros imigrantes, e surge a falta das escolas como a maior de todas, pois nada seriam estas pessoas se não pudessem ser educadas, o viajante repara nesta particularidade, pois é importante este dado, apesar da hospitalidade das famílias que procuram ajudar-se de forma mútua as mazelas também existiam, e rondavam o convívio destas pessoas. Sobre o comércio e agricultura: Quando regressei da mata, a praça em frente da casa de meu hospitaleiro inglês apresentava um aspecto animado. De todos os lados chegavam, trotando, colonos alemães vindos a Fachinal para comprar as provisões da semana (...) Chegou também gente com milho e feijão para vender, em alforjes pendurados nos animais de carga. Sobre os alforjes senta-se geralmente uma criança de cabelos louros, de oito a dez anos, menino ou menina, pouco importa! Mas quanto menor, melhor, para que o animal possa andar com mais facilidade. Inteiramente sozinhos esses pequeninos cavaleiros, andando uma ou duas milhas até cá, conduziam-se com tão modesta seriedade, tanta segurança e tranqüilidade, que me obrigaram a rir. Descarregados, porém, os animais, num instante a gurizada salta nos cavalos e em pleno galope, desaparece atrás das moitas e da floresta. 37 As exportações da colônia são avaliadas em 18.000 libras esterlinas e as importações em 16.500 libras. Sua colheita anual é estimada em 25.000 libras, das quais 1/3 é produto do tabaco, ¼ do milho e o resto do feijão, batata inglesa, cevada, vinho, açúcar de cana, arroz e linho, incluindo 5.000 libras de algodão e igual quantidade de mel. 38 Sobre os doentes: Encontrei também doentes, ajudei-os tanto quanto pude e prometi visitar alguns ao passar pelas picadas. Vive esta pobre gente tão longe de qualquer socorro médico, que temos de ajudá-la de qualquer forma, por pouco que se possa fazer numa única visita.39 35 Ibid. loc. Cit. Avé-Lallemant, loc. cit. 37 Ibid. p. 174. 38 Mulhall. Op cit. P. 111. 39 Avé-Lallemant, loc. cit. 36 16 Quanto a assistência médica, estão os colonos inteiramente abandonados. Por mais sadia que seja esta gente das picadas, ocorrem casos em que, sem assistência imediata, pode haver sérias complicações, como, por exemplo, oftalmias, afecções cardíacas, tumores, etc. tratava-se recentemente uma discussão a propósito de um vacinador. Deveria ser nomeado vacinador em Rio Pardinho um colono, que é meio médico, porém não médico às deveras.40 A respeito de Johann Martin Buff e sua forma de administrar: ...é um velho soldado chegado ao Brasil em 1829 com as tropas. Ele é inteiramente como aquele tempo, inteiramente como aquela tropa. Entreguei-lhe a carta que me deu o Presidente Ferraz, co a qual ele não sabia o que fazer. Apenas se desculpou do mau estado de sua casa, motivo por que tinha pressa em terminar a medição das terras e depois regressar a Rio Pardo. Só quando tornei a montar-me, disse ele que o Presidente, na carta, lhe ordenara me desse todas as informações possíveis sobre a colônia. Pareceu-lhe infinitamente agradável que nada lhe perguntasse, mas já estivesse completamente informado sobre a colônia. Tinha de perguntar apenas alguns números e de bom ânimo me despedi do velho soldado de 1829.(...) e estava aborrecido com a maneira por que Santa Cruz é dirigida. Os homens vencem com o seu trabalho; na verdade, nada devem a administração.41 Falando sobre as escolas: O mesmo sucede com as escolas. Falei a um mestre-escola na picada de Santa Cruz, em Boa Vista, e ele queixou-se dos pais. Desculpam-se estes com as grandes distancias, com o trabalho, de não serem os meninos enviados a escola. Se esta fecha por falta de alunos, queixam-se todos da falta de escolas. Todos decerto enviariam seus filhos ao estudo, se a administração o ordenasse.42 A solidão nos lotes coloniais para os solteiros: No meio de um campo, entre cinzas e carvões, encontrei um belo rapaz - um Mário entre as cinzas de Cartago; há um ano fazia queimadas e vivia do produto de seu trabalho. Mas, queixou-se ele: sozinho, na mata, nem o diabo pode suportar. Não podia achar uma esposa; não há moças na colônia. Apenas se emplumam, batem asas. É geral a queixa sobre a falta de moças vigorosas, dessas que podem reunir na mesma pessoa a criada e a senhora, a mãe e a ama ao mesmo tempo.43 Com esta citação percebe-se o motivo que levou ao Governo Provincial preferir a imigração de famílias em detrimento das viagens de indivíduos desprovidos delas, muito devido para facilitar a produção dos víveres necessários, como também para o mutualismo e companheirismo. Em sua grande maioria vieram da Alemanha famílias inteiras constituídas por jovens casais com filhos, e alguns poucos homens solteiros. O fato de não emigrarem mulheres solteiras é justamente pela dificuldade em se desvencilharem das suas famílias alemãs, e mostra também a importância fundamental que a mulher tem na produção colonial agrícola. Desta forma, a família organizadora da vida econômica da colônia, produziria além 40 Ibid. p. 186. Ibid. p. 180. 42 Ibid. p. 185. 43 Ibid. loc. cit. 41 17 dos bens necessários para a sua subsistência bens para a troca ou serviços com outras famílias.44 CONCLUSÃO Através da problemática desenvolvida procurou-se fazer uma breve descrição sobre o passado do atual município de Santa Cruz do Sul e sua formação econômica, e como este estabeleceu-se como uma das mais importantes receitas estaduais, principalmente com sua indústria fumicultora, desde os primórdios, claro, observando principalmente seu caráter primário de subsistência, no qual com o passar dos anos foi incrementando a produção local abrigando posteriormente indústrias, aqui não abordadas, estas sendo antecedidas pelas casas comercias responsáveis em comprar ou vender a população todos os víveres produzidos na então colônia de Santa Cruz e outras localidades circunvizinha ou não, ressaltando a troca de mercadorias ou até mesmo a compra do excedente da produção dos lotes coloniais. Em primeiro momento procurou-se abordar as questões motivadoras para a emigração alemã da segunda metade do século XIX. Estas questões ao serem analisadas revelaram de forma clara e precisa os fatores para que tais pessoas encorajarem-se a fazer a grande aventura transatlântica, assim livrarem-se dos infortúnios vividos no Velho Continente. Outro aspecto importante ao ser ressaltado é o fato de as políticas imigrantinas mudarem conforme o passar dos anos, dificultando desta maneira a assimilação dos imigrantes em tais, pois uma determinada leva de colonos recebia lotes gratuitos e mais um amparo governamental, e outros já não recebiam, pois a lei havia mudado em questão de pouco tempo, ocasionando certo desânimo por parte de alguns colonos imigrantes. Ainda analisou-se a função do tabaco bem como o conhecimento desta planta por parte dos imigrantes vindos do Velho Continente, e ainda, em muitos casos, sabedores de tal cultivo e seu manuseio. Não pode-se no entanto generalizar tal premissa, pois nem todas as pessoas que imigravam eram agricultores. Mas o fumo vai ter um papel de destaque na economia da Colônia de Santa Cruz, pois com o intuito de diferenciar-se das demais outras colônias que produziam alimentos e exportavam estes, Santa Cruz produziu algo no qual poderia ter um excedente produtivo agrícola, gerando assim uma renda extra, em relação as colônias antes estabelecidas. Para 44 CUNHA, Jorge L. Os Colonos Alemães e a fumicultura: Santa Cruz do Sul. Rio Grande do Sul 1848-1881. Santa Cruz do Sul: FISC, 1991. p. 128-30. 18 tanto um dos fatores que contribuiu esta especialização, sem dúvida alguma foram os fatores geográficos que acabavam encarecendo o frete dos produtos, e ainda com isso a produção de mercadorias como feijão, milho, arroz, não teria a mesma rentabilidade que o tabaco proporcionava estes agricultores, e estes não teriam como concorrer com as cidades melhor localizadas perto de rio navegáveis como São Leopoldo, Novo Hamburgo, e ainda o fator de estarem longe dos grandes centros populacionais do Século XIX. Observando que estes não podem sem equiparados aos índices populacionais de nossa época. Este artigo procurou observar os aspectos que moldaram a hoje Cidade de Santa Cruz do Sul, e o surgimento de sua economia voltada para a plantação e o cultivo do tabaco, utilizando, por exemplo, os relatos dos viajantes que aqui estiveram no período analisado, bem como, os relatórios de administradores da então Colônia de Santa Cruz, e ainda não esquecendo a revisão bibliográfica referente a tal período e assunto desenvolvido em tal artigo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMSTAD, Theodor (Org.). Cem Anos de Germanidade no rio Grande do Sul-1824-1924. Tradução de Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul(1854). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980. CUNHA, Jorge L. Os Colonos Alemães e a fumicultura: Santa Cruz do Sul. Rio Grande do Sul 1848-1881. Santa Cruz do Sul: FISC, 1991. ETGES, Virgínia e. Sujeição e Resistência: os camponeses gaúchos e a indústria do fumo. 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