Santa Cruz: Synopsis Santa Cruz follows the opening of an evangelical church in a clandestine ground share in Santa Cruz, suburb of Rio de Janeiro. Humble example of a big and rising movement, this tiny church expresses the strength of Pentecostal catechism; the opening of the "Jesus is the General" House of Prayer in January 1999 shows how the growing number of evangelical temples tidies the lives of poor people in the suburbs of Rio de Janeiro. The words of the faithful reveal that the changes introduced by a new and strict religious discipline serve as a protection against everyday life disorder. Credits Brazil: 2000 Runtime: 53 min Concept: Marcos Sá Corrêa Directed by: João Moreira Salles Cinematography: Reynaldo Zangrandi Opening titles: Barrão and Fernanda Villa-Lobos Opening sound track (on Villa-Lobos theme): Turíbio Santos and Ricardo Costa Consultant for the series: Manolo Florentino Film editing: Joana Ventura Sound: Aloysio Compasso Original sound track: Vicente Sálvia/Cardantec Sound edition: Denilson Campos Image post-production: Flávio Nunes Production managment: Raquel Freire Zangrandi Executive production: Maurício Andrade Ramos Produced by: VideoFilmes Review A suavidade é uma qualidade fugidia. Sua conquista exige certa generosidade do artista com a matéria, de tal modo que o fluxo de fantasia do primeiro não fira, choque ou menospreze as potencialidades encobertas da segunda. Por isso, para o reconhecimento da leveza na obra final, há que se desenvolver uma certa familiaridade e algum deleitamento entre os dois, de tal forma que as linhas de expressão de um saiam como complementos e comentários do outro, num entrelaçamento de proximidades nunca iguais, de distâncias nunca excessivamente fortuitas. Assim, não é estranho que, em nosso país de excessos e contradições, beleza e delicadeza estivessem tantas vezes associadas. Somos gratos à perseverança que desembocou na indescritível suavidade da música de Cartola e Tom Jobim, na poesia de Bandeira e Drummond, na literatura de Machado de Assim Guimarães Rosa e Clarice Lispector, para citar alguns nomes entre gêneros. Entretanto, quando nos perguntamos sobre a produção de documentários, temos de convir que essa linguagem pende para a agressividade ou compaixão agridoce. Talvez esta seja a sina de uma linguagem visual que, ao se deter sobre o mundo de um outro próximo mas que sofre, é vítima ou é exótico, tende a se construir com base em teses fortes, estruturadas, inúmeras vezes engajadas e autorais demais. Não são poucos os casos em que a tese funciona como uma cortina de fumaça que protege o diretor e o público de uma excessiva, inquietante e perigosa intimidade com o desconhecido no outro. O medo inibe o deleitamento e, sem o deleitamento entre os dois, escapa do horizonte o olhar suavizado. Mas quem teria anunciado trajetórias calculadas? É o próprio poeta Yeats quem indica as atribulações de um caminho sem teses, já que não é fácil “assistir à deserção dos animais de circo” e buscar “a poesia do outro lado da escada, na loja de trapo e osso da emoção”. Para o documentarista que segue a sensibilidade do poeta, a primeira questão que se coloca é como produzir filmes com pessoas comuns, seguindo sua trajetória, sem grandes acontecimentos, sem grandes tragédias, sem escapar pela tangente, estruturando o olhar na tese do autor. Pois justamente aí reside a força do filme Santa Cruz, de João Moreira Salles e Marcus Sá Corrêa, não apenas porque os diretores apresentam seriamente a questão, mas também porque a encaminharam com desenvoltura. Durante nove meses, Santa Cruz acompanha a instalação de uma pequena igreja pentecostal em uma área invadida na quase intransitável e inacessível periferia de Santa Cruz, na Baixada Fluminense. Portanto, o documentário parte de um tema cara aos antropólogos e sociólogos da religião contemporâneos, especialmente ao qualificar uma expansão religiosa que, soube-se a partir de pesquisas do Iser (Instituto de Estudos da Religião), atingia um ritmo de cinco templos por semana no início da década de 90. Com o documentário Santa Cruz, o aspecto mais nebuloso desta expansão numérica – que se denomina “crescimento pentecostal autônomo”, pois se realiza fora das redes institucionais evangélicas mais abrangentes – ganha lugar e nome. A igreja que está no centro da narrativa foi criada pelo pastor Jamil, um metalúrgico aposentado, cuja personalidade é o oposto da imagem do senso comum do pastor pentecostal, pois é uma pessoa tímida, silenciosa, quase inexpressiva. Converso alguns anos antes, foi chamado pelo Espírito Santo para criar sua própria igreja: Casa de Oração Jesus é O General. Coincidentemente, quase numa ironia à ruptura institucional e à ousadia criativa do pastor, a igreja da qual saiu se chamava Casa de Oração Jesus é o Comandante. Pois será no espaço desta igreja – um retângulo de tijolo perdido em uma rua de terra próxima a um alagado – que se desenrolará a história do filme. Esta história se abrirá em flor-de-lótus nas histórias dos vizinhos que paulatinamente vão se convertendo. Neste sentido, é importante pontuar que o espectador pode aproximar-se da vizinhança por meio das histórias das pessoas porque a religiosidade pentecostal oferece condições para isto. Faz parte de sua tradição o testemunho com a auto-apresentação, indicando o sentido que o transcendente dá à vida de cada indivíduo. O que não é evidente é que estas histórias possam ser contadas com tanta graça e leveza, como a da expressiva Zezé, uma das primeiras convertidas, cujo marido era alcoólatra e desempregado, a da missionária Dona Noêmia, que, sempre acompanhado pelo marido mudo, realiza orações fortes para os necessitados, orando de graça porque de graça recebeu o dom, a do irmão Veronilson, jovem operário que quer aprender a ler a palavra do Senhor, e a da melancólica e sofrida Rizoneide. A compenetração, a sinceridade e a poesia que chegam ao espectador por meio das histórias e do cotidiano dessas pessoas em torno da igreja são indicações tanto do impacto da religiosidade pentecostal na periferia das grandes cidades como da qualidade da inserção da equipe no lugar, uma vez que esta foi capaz de ouvir e observar atenta e respeitosamente. Nos debates sobre o filme Santa Cruz, João Moreira Salles e Marcos Sá Corrêa falaram de um mudança pessoal na feitura do documentário. Generalistas, como se autodefinem – um documentarista outro jornalista - , eles se aproximaram do tema cautelosos, grávidos de todo um conjunto de preconceitos gerados por uma cultura católica dispersa e uma opinião pública carregada de escândalos. Generalistas, como pretendem continuar, não aderiram a uma tendência forte nos estudos de religião, no sentido de compreender os pentecostais a partir do campo de disputa simbólico (ou, segundo outro paradigma explicativo, de mercado religioso) em que se inserem. Documentaristas, como estão se fazendo, decidiram não abrir o registro para uma reflexão metalingüística. Deliberadamente os diretores optaram pela simplicidade da narrativa – uma estrutura temporal linear -, pela singeleza de um evento – a formação de uma igreja – e pelo enraizamento da história em um lugar: Santa Cruz. Parece que todos ganhamos com isso, recebendo um filme cuja força está na composição da narrativa autoral sintonizada com a narrativa daqueles que são objeto da narração, num entrelaçamento de grande beleza artesanal. São muitas as passagens poéticas e delicadas do filme, indicativas de processos de abertura mútua e deleitamento na base de sua composição. Entretanto, não se pode afirmar com todas as letras que o filme Santa Cruz renuncie à tendência das teses fortes. Duas passagens em especial denunciam uma direção que pretende salientar seu distanciamento daquilo que é visto. A primeira, exatamente na abertura, na justificativa do filme, quando o narrador indaga por que tanta adesão a uma religiosidade que exige tanto daqueles que têm tão pouco. Outra, quando o narrador pontua diante de uma cena em uma noite de celebração: “isto é uma festa”. Estas são passagens que, segundo os diretores, criariam pontes daquele universo com um público mais amplo, mundano e acostumado ao zap. Mas será que tais concessões são suficientes para seduzir esse público e irrisórias a ponto de não embrutecer o conjunto da obra? Pois, como ensinam os artistas, sem comunhão não há suavidade. Clara Mafra