Índice
Ficha Artística
2
O espetáculo
3
Alexandre Herculano por ele próprio
4
Alexandre Herculano cidadão e escritor
6
Bibliografia - Obras de Alexandre Herculano
12
Herculano visto por alguns homens do seu tempo
14
1810–1877: Herculano, Portugal e o Mundo
15
Romantismo
18
O romance histórico
22
Eurico, o Presbítero
27
Eurico. História de um livro
31
Heróis, romances e histórias: a propósito do Presbítero Eurico
35
Herculano e o teatro
40
Glossário. Eurico, o Presbítero
44
Tarefas a desenvolver com os alunos
46
Equipa Teatro Nacional D. Maria II
48
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
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1-18 dez 2011 | 4-29 jan 2012
SALA ESTÚDIO
4.ª a sáb. 21h15 dom. 16h15
Ficha artística
a partir de ALEXANDRE HERCULANO
dramaturgia e versão cénica ANA VAZ, CRISTINA CARVALHAL, GRAÇA P. CORRÊA,
INÊS ROSADO, PEDRO FILIPE MARQUES, SARA CARINHAS
coordenação projeto CRISTINA CARVALHAL
coordenação texto cénico GRAÇA P. CORRÊA
coordenação espaço cénico e figurinos ANA VAZ
desenho de luz JOSÉ ÁLVARO CORREIA
coordenação audiovisual PEDRO FILIPE MARQUES
com CRISTINA CARVALHAL, INÊS ROSADO, SARA CARINHAS
coprodução TNDM II e CAUSAS COMUNS
a classificar pela CCE
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O espetáculo
Eurico, guerreiro visigodo, enamorado de Hermengarda, que não pode desposar
por preconceitos de casta, abraça a vida religiosa e, na solitária paróquia de
Carteia, entrega-se à meditação, sublimando assim o desgosto da renúncia
amorosa. O que pensa é supremo e desesperado, fala do nada humano, da antiga
glória e inteireza dos Godos, das verdades do cristianismo, de solidão e de poesia.
A queda do império Godo às mãos dos árabes lembra-nos a falência dos
paradigmas organizadores das sociedades ocidentais do nosso tempo. À
semelhança de Eurico, o Presbítero, testemunhamos novas paixões religiosas,
guerreiras, líricas e amorosas.
“Eurico, Eurico, ó pálida figura,
Lastimoso, romântico levita,
Que nos cerros do Calpe em noite escura
Ergues as mãos à abobada infinita;
Rasga a página santa da Escritura;
O espírito de luz que em nós habita
Já não consente essa ideal loucura
Que faz do amor uma paixão maldita.
Deixa a solidão dos montes escalvados;
Não soltes mais os trenós inflamados,
Nem tenhas medo às garras do demónio.
Beija a Hermengarda, a tímida donzela.
E vai de braço dado tu e ela
Contrair civilmente o matrimónio.”
GUERRA JUNQUEIRO, A Velhice do Padre Eterno
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Alexandre Herculano
por ele próprio
Retrato de Alexandre Herculano,
por João Pedroso, 1877
“ALEXANDRE HERCULANO nasceu a 28 de Março de 1810, filho de Teodoro Cândido
de Araújo, recebedor da Junta dos Juros (actual Junta do Crédito Público).
Estudou as Humanidades nas aulas dos Congregados de S. Filipe Nery, com
destino para a Universidade. Não seguiu esse destino por ter seu pai cegado em
1827 e sido aposentado, faltando-lhe por isso os recursos para a continuação dos
estudos superiores.
Implicado numa tentativa de revolução em 1831, emigrou para Inglaterra, donde
passou à França.
Daí embarcou para a ilha Terceira, donde veio ao Porto em 1832, na expedição de
D. Pedro.
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Fez a campanha até quase ao fim da guerra civil, posto que nomeado em 1833
para segundo-bibliotecário da Biblioteca Pública do Porto, lugar que ocupou até
Setembro de 1836, em que pediu a sua demissão na conjuntura da revolução desse
ano. Publicou então os dois folhetos – A Voz do Profeta – os seus primeiros
escritos, depois de três ou quatro artigos no Repositório Literário, do Porto. Em
1839 foi nomeado espontaneamente por el-rei D. Fernando seu bibliotecário, e
encarregado
da
administração
das
duas
Bibliotecas
Reais
da
Ajuda
e
Necessidades.
Eleito deputado pelo Porto em 1840, pertencia à oposição cartista, e retirou-se da
câmara no ano seguinte, para seguir exclusivamente a vida literária. Eleito sócio
da Academia em 1846, despediu-se dela por desgostos, tendo tornado a entrar por
nova eleição depois da reforma da mesma Academia em 1852.
Tinha sido eleito sócio da Academia de Turim em 1850, e da Academia da História
de Madrid em 1851. Não tem título honorífico, condecoração, ou distinção alguma, e
espera em Deus que nunca as terá.”
A Nação, n.º 9697, 22/09/1877
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Alexandre Herculano
cidadão e escritor
Passos Manuel, Almeida Garrett, Alexandre Herculano e
José Estevão de Magalhães,
por Columbano Bordalo Pinheiro, 1926.
Nascido em 28 de março de 1810, Alexandre Herculano estuda Humanidades no
colégio dos Oratorianos com vista à matrícula na Universidade, mas a cegueira do
pai força-o a abdicar desse projeto e a limitar-se a um curso prático de Comércio,
estudos de Diplomática (Paleografia) e de Línguas.
Desde muito jovem que a sua vocação para as letras se manifesta: lê e traduz
escritores românticos estrangeiros, como Schiller, Klopstock, ou Chateaubriand,
escreve poesia, conhece Castilho e frequenta os salões da Marquesa de Alorna.
Cedo atraído pelas ideias liberais,, participou em 1831 numa revolução contra o
absolutismo miguelista, sendo obrigado a breve mas duro exílio em Inglaterra e
França. Aqui, e mais concretamente na biblioteca de Rennes, Herculano dedica-se
ao estudo e inicia-se em Thierry, Guizot, Victor Hugo e Lamennais, autores que
influenciarão profundamente a sua obra.
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Em 1832, chega à ilha Terceira, nos Açores, integrado na expedição liberal liderada
por D. Pedro e responsável pelo cerco do Porto. Nesta cidade, e depois da vitória
liberal, é nomeado, em 1833, segundo-bibliotecário da Real Biblioteca Pública do
Porto. Aí reúne documentação provinda de arquivos monásticos, como os dos
Mosteiros de Santa Cruz de Coimbra e de Tibães.
Colabora com vários artigos no jornal da cidade, Repositório Literário (1834-1835),
dos quais se destacam dois que podem ser vistos como uma primeira teorização
portuguesa do Romantismo. O primeiro, “Qual é o estado da nossa literatura? Qual
o trilho que ela hoje deve seguir?”, apresenta um diagnóstico da literatura
portuguesa e avança uma solução para o seu estado de decadência: o
conhecimento das literaturas estrangeiras, principalmente da alemã, uma das
primeiras em que o Romantismo se implantou. No outro texto, “Poesia – Imitação –
Belo – Unidade”, Herculano sublinha a necessidade de a literatura portuguesa se
voltar para as suas origens e traduz uma consciência nacional e moral que limita a
visão da estética romântica europeia, condenando a “imoralidade” e a “irreligião”
que, em sua opinião, Byron representava. Esta consciência nacional e moral está
presente desde o início da sua poesia, através de um paralelismo estabelecido
entre religião e pátria, espécie de profissão de fé do poeta romântico, que
Herculano integrou numa visão liberal da sociedade, visível, por exemplo, em “A
Semana Santa” (1829).
O triunfo da Revolução de Setembro, em 1836, leva-o a demitir-se e a lançar-se na
vida pública em Lisboa. Reprovando o liberalismo avançado do novo regime,
publica um panfleto veemente contra o ‘setembrismo’ – A Voz do Profeta –, cujo
estilo lembra, pela grandiloquência bíblica, as Paroles d’un Croyant, de Lamennais
(havia pouco traduzidas por Castilho). No ano seguinte, funda e dirige O
Panorama, revista literária responsável pela divulgação da estética romântica, na
qual Herculano publica estudos eruditos e as suas primeiras narrativas históricas.
Em 1838, publica A Harpa do Crente, coleção das poesias mais importantes,
reeditada em 1850 com traduções/versões de Béranger (“O Canto do Cossaco”),
Bürger (“O Caçador Feroz”, “Leonor”), Delavigne (“O Cão do Louvre”), Lamartine
(“A Costureira e o Pintassilgo Morto”) e uma balada fantasmagórica ao gosto
inglês (“A Noiva do Sepulcro”). As poesias desta coletânea apresentam reflexões
sobre a morte, Deus, a liberdade, o contraste entre o inexorável fluir da vida
humana e a permanência do infinito. Normalmente, estas meditações têm por
testemunha uma paisagem, que impõe o sentimento da solidão e da infinitude, e
traduz uma marcada oposição entre a cidade e o campo (por exemplo, “A
Arrábida”). Está também presente um conjunto de poemas que se referem à
guerra civil e ao exílio, testemunhos poéticos da instauração do liberalismo e da
saudade do desterrado. Herculano tenta também dar voz à contemporaneidade
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através da poesia, à semelhança de Victor Hugo, atribuindo-lhe uma função
pública, doutrinária e intervencionista e tratando temas de interesse político,
social e religioso (“A Semana Santa”; “A Cruz Mutilada”; “O Mosteiro Deserto”; “A
Vitória e a Piedade”, por exemplo).
Em 1839, é nomeado por D. Fernando bibliotecário-mor das Reais Bibliotecas das
Necessidades e da Ajuda. Nesta altura, entrega-se a um sistemático trabalho de
pesquisa, influenciado pelos historiadores franceses Thierry e Guizot, de que
resulta a publicação, em 1842, na Revista Universal Lisbonense, das “Cartas sobre
a História de Portugal”. Estas constituem o ponto de partida para a História de
Portugal, cujo primeiro volume sai em 1846 (os três seguintes em 1847, 1849 e
1853) e origina uma acesa polémica com o clero porque nele é posto em causa o
“milagre de Ourique”; os textos desta polémica estão reunidos nos opúsculos Eu e
o Clero e Solemnia Verba, publicados em 1850. É encarregado pela Academia Real
das Ciências de recolher documentos antigos para a coletânea Portugaliae
Monumenta Historica e, por isso, percorre várias regiões do país. Dessas viagens
nasce Cenas de um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem (1853-1854). O
contacto direto com a realidade nacional reforça a sua convicção de que o país
necessitava de reformas a vários níveis: educativo, administrativo e económico.
Em termos políticos, Herculano identifica-se com a ala esquerda do Partido
Cartista. É eleito deputado pelo Porto em 1840, mas, após ter apresentado um
plano de ensino popular que não chega a ser posto em prática, desilude-se com a
atividade parlamentar e abandona o cargo em 1841. Adere, então, à moderada
Constituição de 1838, desaprova a restauração da Carta por Costa Cabral e
dedica-se à literatura e à pesquisa. Mais tarde, depois do golpe da Regeneração, o
escritor abandona a neutralidade política e colabora na formação do novo
governo. No entanto, acaba por se opor ao ministério de Rodrigo da Fonseca
Magalhães e Fontes Pereira de Melo. Funda os jornais O País (1851) e O Português
(1853), onde põe em prática uma intensa atividade polémica contra o progresso
meramente material preconizado pelo referido ministério.. Entre 1854 e 1859,
publica os três volumes de História da Origem e do Estabelecimento da Inquisição
em Portugal. É um dos fundadores do Partido Progressista Histórico, em 1856. No
ano seguinte, ataca vigorosamente a Concordata com a Santa Sé. Participa na
redação do primeiro Código Civil Português (1860-1865), tendo proposto a
introdução do casamento civil a par do religioso, o que originou uma nova
polémica com o clero, que se pode ler no volume Estudos sobre o Casamento Civil
(1866), logo colocado no Index romano.
Desiludido com a vida política, retira-se para uma quinta em Vale de Lobos,
arredores de Santarém, em 1867, comprada com o dinheiro ganho com a
publicação dos seus livros. Aí dedica-se à vida agrícola e à produção de azeite,
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juntamente com D. Mariana Hermínia Meira, namorada de juventude, com quem
casara em 1866, e que esperara pela realização da sua carreira literária. Neste seu
exílio voluntário, Herculano continua a trabalhar nos Portugaliae Monumenta
Historica, publica o primeiro volume dos Opúsculos (1872), intervém em polémicas,
como a nascida da proibição das Conferências do Casino (1871) e a respeitante à
emigração (1874), reúne os materiais para o quinto volume da História de Portugal
e mantém uma abundante correspondência com personalidades literárias e
políticas. Morre de pneumonia, depois de uma viagem a Lisboa, em 13 de setembro
de 1877.
Poeta, jornalista, político, polemista e historiador, é todavia como romancista que
Herculano será mais lembrado pelas gerações vindouras. As suas narrativas
históricas assinalam o nascimento de um novo género na literatura portuguesa, "o
romance histórico", no qual o autor pode pôr em prática as qualidades de
investigador do passado, principalmente da Idade Média, e os seus propósitos
pedagógicos.
Em 24 de março de 1838, publica n’ O Panorama a primeira narrativa histórica, O
Castelo de Faria, e em novembro Mestre Gil. Estas e outras composições,
publicadas também n’ A Ilustração, foram reunidas em dois volumes em 1851, sob o
título de Lendas e Narrativas. Os romances O Bobo (vindo a público n’ O
Panorama em 1843 e editado em volume em 1878), Eurico, o Presbítero (1844) e O
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Monge de Cister (1848), escritos à semelhança das obras do escocês Walter Scott,
considerado por Herculano como “modelo e desesperação de
todos os
romancistas”, alcançaram um sucesso imediato e desencadearam uma onda de
imitações que transformou o romance histórico em moda literária nacional em
meados de oitocentos..
Nestas obras, o romancista cria cenários lúgubres e de dimensões trágicas, nos
quais se movimentam românticos heróis atormentados por paixões e mulheresanjo predestinadas para o sofrimento, sobrepostos a um pano de fundo histórico
minuciosamente reconstituído. Eurico, forçado a abdicar de um amor impossível
por Hermengarda, professa e transforma-se num sacerdote solitário, num poeta
inspirado pelo amor e pela religião, e num “cavaleiro negro” misterioso e heróico,
tingido por certas cores terríveis do romance negro. Dá voz à dor em cenários de
imensidão e à luz da lua, recitando longos poemas marcados por uma
grandiloquência solene, compondo hinos religiosos que ecoam nos templos da
Espanha visigótica, desafiando a superioridade dos adversários para salvar a
donzela amada, e, finalmente, entregando-se à morte num combate desigual,
única solução para o dilema que lhe dilacera a alma: ama Hermengarda, mas não
pode trair os votos que o prendem a Deus. Já Vasco, frade maldito de O Monge de
Cister, cujo sacerdócio não abranda o ódio que o consome, leva o seu desejo de
vingança ao extremo de negar a confissão ao homem que seduzira a irmã
inocente. N’ O Bobo, o protagonista, Egas, vê a amada sacrificar-se para o libertar,
mas perde-a para sempre quando assassina o rival com quem ela deveria casar.
Estes amores desesperados e estas personagens vítimas de uma fatalidade que as
ultrapassa são colocados em épocas remotas que o autor empreende retratar.
Assim, ganha especial relevo a reconstituição do ambiente, através da acumulação
de descrições de edifícios, monumentos, ou indumentárias, referências a costumes
e práticas, a formas de convivência social, e até à linguagem, numa tentativa de
criar a ilusão de total fidelidade a uma realidade pretérita. No entanto, e apesar
desta rigorosa encenação, nem sempre Herculano consegue esconder as suas
convicções. Por exemplo, a defesa do município, apresentada em O Monge de
Cister, tem por finalidade convencer os leitores do século XIX das virtudes desse
sistema administrativo, e não pode ser vista apenas como uma referência ao
sistema em uso no fim do século XIV. Neste, como noutros pontos da sua obra, os
caminhos do historiador e do romancista cruzam-se...
Com O Pároco de Aldeia, publicado n’ O Panorama em 1844 e em volume em 1851,
Herculano cria o romance campesino, que servirá de modelo a Júlio Dinis, e
apresenta como protagonista a figura do padre bondoso, protetor dos fracos e
amado pelas crianças. Nesta obra, apresenta-se um retrato da vida rural marcado
pela serenidade, e cujo ritmo é estabelecido pelo toque do sino e pelos rituais da
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igreja. Faz-se, assim, a apologia da superioridade do Catolicismo face ao
Protestantismo, graças aos rituais e símbolos visíveis que guiam a crença popular
e contribuem para a manutenção da moralidade pública.
Herculano herói do Liberalismo, guardião da moral e promotor da ideologia
romântica nacional, é indubitavelmente, ao lado de Almeida Garrett, a figura
fundadora do Romantismo português e a personalidade que de forma mais
completa o representa.
A partir de:
Ofélia Paiva Monteiro, “Alexandre Herculano”, Biblos, vol. 3, Lisboa, Verbo, 1995.
Ana Maria dos Santos Marques, “Alexandre Herculano”, Centro Virtual Camões.
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Bibliografia
Obras de Alexandre
Herculano
1834
“Qual é o Estado da Nossa Literatura?”
(Repositório Literário, 1-2)
1835
“Poesia. Imitação – Belo – Unidade”
(Repositório Literário, 9-11)
1836
A Voz do Profeta (1.ª série)
1837
A Voz do Profeta (2.ª série)
Crónica de El-Rei Sebastião
1838
A Harpa do Crente
O Fronteiro de África
1840
Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres
1842
Cartas sobre a História de Portugal (Revista Universal Lisbonense)
Uma Sentença sobre Bens e Reguengos
1843
O Bobo (n’O Panorama)
1844
O Pároco de Aldeia
Eurico, o Presbítero
1845
O Alcaide de Santarém
O Galego (Vida, Ditos e Feitos de Lázaro Tomé)
1846
História de Portugal (1.º vol.)
1847
História de Portugal (2.º vol.)
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1848
O Monge de Cister
1849
História de Portugal (3.º vol.)
1850
Eu e o Clero e Solemnia Verba
Poesias
1851
Lendas e Narrativas
A Ciência Arábico-académica
1853
História de Portugal (4.º vol.)
1854
História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1.º vol.)
1855
História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (2.º vol.)
1857
Do Estado dos Arquivos Eclesiásticos do Reino
A Reacção Ultramontana em Portugal
1858
Do Estado das Classes Servas da Península
Ao Partido Liberal Português, a Associação Promotora da Educação do Sexo
Feminino
1860
Análise da Sentença Nada no Juízo da 1.ª Instância da Vila de Santarém
As Heranças e os Institutos Pios
1866
Estudos sobre o Casamento Civil
1873
Opúsculos (tomos I e II)
1875
Da Existência ou não do Feudalismo em Portugal
1876
Opúsculos (tomo III)
1878
O Bobo (edição póstuma em volume)
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Herculano visto por
alguns homens do
seu tempo
“Alexandre
Herculano
é
uma
dessas
figuras
esculturais
que,
antes
de
desaparecerem em pó, reaparecem em bronze. Ainda vivo, nos últimos anos,
adquiria na penumbra heróica do seu isolamento, como que a imobilidade
sagrada de uma estátua. Desde o dia em que, velho leão ensanguentado, se
retirou de uma luta sem tréguas que durara quarenta anos, para se escudar na
benigna e pacificante tranquilidade da natureza, desde esse dia em que para
quase todos começa o esquecimento, começou para Alexandre Herculano a
projecção gloriosa do seu génio – a imortalidade.”
GUERRA JUNQUEIRO
cit. por João Medina, Herculano e a Geração de 70, Terra Livre, 1977: 15
“- Grande homem – sem orgulho ou vão enfeite,
que depois de escrever, fizeste azeite!...
apesar de te haverem sepultado
entre reis e rainhas de alto estado,
num túmulo tão gótico e tão rico,
- aí jazes, triste e só... como o Eurico!”
GOMES LEAL
cit. por João Medina, ob. cit.: 73
“Quem eram seus avós? – Pedreiros. – Efectivamente, no retrato, Herculano
descende de pedreiros e toda a sua obra é a de um homem que mói e lavra com
solenidade a pedra, a dum desses extraordinários montantes que metem o ferro
até à raiz da fraga, racham o penedo, afeiçoam a laje e acabam, enfim, por
construir a catedral. Herculano edificou no granito – e no granito abriu pacientes e
admiráveis lavores...”
OLIVEIRA MARTINS
cit. por João Medina, ob. cit.: 66
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14
1810---1877:
Herculano, Portugal
e o Mundo
1810
Nasce, em Lisboa, Alexandre
Herculano.
Dá-se a 3.ª invasão francesa.
Mme de Staël publica De L’Allemagne.
1812
Os Franceses iniciam a retirada.
Decreto de extinção da Inquisição.
1815
Batalha de Waterloo.
Queda de Napoleão.
1816
Filinto Elísio publica a epístola Da
Arte Poética Portuguesa.
Morre a rainha D. Maria I.
O regente D. João é proclamado rei
(D. João VI).
Byron publica A Peregrinação de
Childe Harold.
1818
Publicação em Paris das Obras
Completas de Filinto Elísio, onde se
tinha fixado por ter sido denunciado
à Inquisição devido às suas ideias
liberais. Filinto é um dos mais
importantes poetas do
Neoclassicismo português e será um
arauto das tendências modernas.
Condenação à morte de Gomes
Freire, personagem de Felizmente Há
Luar!, de Luís de Sttau Monteiro.
Fundação do Sinédrio.
Chateaubriand publica o Génie du
Christianisme.
1819
Morte de Filinto Elísio.
1820
Início, no Porto, da Revolução liberal.
1821
Garrett publica O Retrato de Vénus.
Castilho publica Cartas de Eco a
Narciso e A Primavera.
1822
Independência do Brasil.
Proclamação da Constituição.
1823
Garrett parte para o exílio em
Inglaterra.
A “Abrilada”.
1824
Morte de Luís XVIII, rei de França.
1825
Garrett publica o poema Camões.
Nasce Camilo Castelo Branco.
D. Miguel exila-se em Viena.
1826
Garrett publica o poema D. Branca.
Morte de D. João VI.
1827
D. Miguel é nomeado regente.
1828
Garrett publica o poema Adosinda e
a Lírica de João Mínimo.
Regresso de D. Miguel a Lisboa.
Independência da Grécia.
1830
Morte de D. Carlota Joaquina.
Revolução em França e reinado de
Luís Filipe.
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15
1831
Herculano é obrigado a emigrar
devido ao seu envolvimento na
Revolta do 4 de Infantaria.
D. Pedro abdica da coroa brasileira
para tomar a chefia dos liberais.
Victor Hugo publica Notre-Dame de
Paris.
1832
Herculano regressa a Portugal na
expedição de D. Pedro,
desembarcando no Mindelo. Ajuda a
organizar a Biblioteca Pública do
Porto.
1834
Capitulação de D. Miguel em Évora
Monte.
1836
Herculano publica A Voz do Profeta.
Garrett é incumbido de traçar um
plano para a fundação de um Teatro
Nacional.
Revolução de Setembro.
1837
Herculano publica a Harpa do Crente.
Sai o primeiro número da revista
Panorama. Herculano publica estudos
sobre Origens do Teatro Moderno.
1838
Herculano adapta comédia de Scribe
e Mélesville, Le sécrétaire et le
cuisinier, a que põe o título Tinteiro
não é Caçarola. Estreia no Teatro do
Salitre a sua primeira peça original, o
drama histórico O Fronteiro de África
ou Três Noites Aziagas.
Representação de Um Auto de Gil
Vicente, de Garrett.
Constituição de 1838.
1839
Herculano assume o cargo de redator
do Diário do Governo e é nomeado
diretor das bibliotecas reais das
Necessidades e da Ajuda. Inicia a
publicação (1839-44) das Lendas e
Narrativas na revista Panorama.
Morre a Marquesa de Alorna.
Nasce Júlio Dinis.
1840
Herculano é eleito deputado cartista.
1841
Publica alguns capítulos de O Monge
de Cister na revista Panorama.
1842
Escreve o drama lírico em um ato, Os
Infantes em Ceuta.
Garrett publica a peça O Alfageme
de Santarém.
Ditadura de Costa Cabral.
1843
Início da publicação do romance
histórico O Bobo na revista
Panorama.
Primeira representação de Frei Luís
de Sousa de Almeida Garrett, na
sociedade de amadores de teatro da
Quinta do Pinheiro.
1844
Herculano publica Eurico, o
Presbítero e O Pároco da Aldeia.
Publicação da edição póstuma das
Obras Poéticas da Marquesa de
Alorna.
Castilho publica A Noite do Castelo e
Os Ciúmes do Bardo.
1845
Garrett publica O Arco de Sant’Ana e
Flores sem Fruto.
Nasce Eça de Queirós.
Edgar Poe publica O Corvo.
1846
Herculano publica o 1.º vol. da História
de Portugal. A publicação, em quatro
volumes, estende-se até 1853.
Movimento popular da Maria da
Fonte. Queda do regime de Costa
Cabral.
1848
Publica em volume O Monge de
Cister.
Publicação dos primeiros jornais
republicanos: O Regenerador e a
República.
Marx e Engels publicam o Manifesto
Comunista.
1849
Escreve a sua última composição
poética, A Cruz Mutilada.
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16
1850
Publica os opúsculos Eu e o Clero,
Considerações Pacíficas e Solemnia
Verba.
Funda-se o primeiro jornal socialista,
O Eco dos Operários.
Morte de Balzac.
1851
Publica em volume as Lendas e
Narrativas. Colabora nos jornais O
Paiz e O Português.
Início do movimento da Regeneração.
1853
Funda o Partido Progressista
Histórico; inicia a recolha dos
Portugaliae Monumenta Historica
(1853-73); inicia a publicação da
História da Origem e
Estabelecimento da Inquisição em
Portugal (1853-59).
Garrett publica as Folhas Caídas.
1854
Morte de Almeida Garrett.
1857
Baudelaire publica Les Fleurs du Mal.
Flaubert publica Madame Bovary.
1858
Recusa uma cadeira de História no
Curso Superior de Letras, oferecida
por D. Pedro V.
1859
Adquire a quinta de Vale de Lobos e
dedica-se à agricultura.
Darwin publica Da Origem das
Espécies.
1860
Participa na redação do Código Civil
Português (1860-1865).
Morte de Soares de Passos.
1862
Camilo publica Amor de Perdição
Início do reinado de D. Luís.
Victor Hugo publica Les Misérables.
1865
Herculano publica estudos sobre o
casamento civil.
Início da ‘Questão Coimbrã’.
1866
Casamento de Alexandre Herculano.
Camilo publica A Queda de um Anjo.
Eça de Queirós escreve os folhetins
Prosas Bárbaras.
1867
Júlio Dinis publica As Pupilas do
Senhor Reitor.
Abolição da pena de morte.
Marx publica O Capital.
1868
Júlio Dinis publica Uma Família
Inglesa e A Morgadinha dos
Canaviais.
1871
Carta de Herculano sobre o
encerramento das ‘Conferências do
Casino’.
Morte de Júlio Dinis.
1872
18 72
Herculano inicia a publicação dos
Opúsculos (10 vols.).
Antero de Quental publica
Primaveras Românticas.
Proclamação da III.ª República em
França.
1873
Escreve Cartas sobre a Emigração.
Guerra Junqueiro escreve A Morte de
D. João.
1875
Redige o estudo Da Existência do
Feudalismo nos Reinos de Leão,
Castela e Portugal.
Fundação do Partido Socialista
Português.
1877
Morte de Alexandre Herculano.
Manifestação nacional de luto.
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17
Romantismo
"O termo Romantismo deriva, com mediações francesas, do adjectivo inglês
romantic, utilizado desde cerca de meados do século XVII com o significado de
'semelhante aos antigos romances' (em inglês, romance designa um género
narrativo caracterizado pela fantasia, pelo mistério e pela aventura). O adjectivo
romantic, ligado portanto originalmente a manifestações literárias, podia
qualificar uma paisagem, um monumento, etc., mas desde o início do último
quartel do século XVII, pelo menos, apresenta um significado inequivocamente
estético-literário, caracterizando, por exemplo, as obras de poetas como Pulci,
Boiardo e Ariosto, os quais, em virtude do papel nelas desempenhado pela fantasia
e
pela
efabulação
romanesca,
não
obedeciam
às
normas
clássicas
da
verosimilhança.
Theodore Géricault, A Jangada da Medusa, 1818 (Museu do Louvre, Paris).
A morte: esta ideia, tremenda, indiferente ou formosa,
segundo a vida a risonha, pálida ou negra, veio suavizar o
martírio daquela alma atribulada, como em estilo ardente
as grossas águas da trovoada refrigeram a terra, que
estua sob os raios aprumados do Sol.
Eurico, O Presbítero, Lisboa, Porto Editora,
Coleção Clássicos da Literatura Portuguesa/Biblioteca Digital: 145
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
18
Na
cultura
racionalista
do
iluminismo,
em
consonância
com
a
poética
intelectualista do neoclassicismo, a palavra romântico adquiriu significados
disfóricos ('quimérico', 'inacreditável', 'ridículo', 'absurdo'), mas na segunda
metade do século XVIII, em conformidade com a valorização crescente, na arte, na
cultura e na vida, do sentimento, da emoção e da imaginação, o vocábulo passou a
ser utilizado frequentemente com significados positivos, como naquele famoso
passo das Revêries d'un promeneur solitaire (1782) de Jean-Jacques Rousseau em
que se lê que 'as margens do lago Bienne são mais selvagens e românticas do que
as do lago de Genebra". Ao longo da segunda metade do século XVIII, em inglês,
em francês e em alemão, a palavra romântico apresenta muitas vezes um
inequívoco significado literário, designando e caracterizando certos tipos de
textos, certos autores (Ariosto, Tasso, Shakespeare, Cervantes) e determinadas
categorias estéticas. (...)
Quer numa perspectiva histórico-literária quer numa perspectiva tipológicoliterária, o termo romântico passou a ser utilizado com frequência crescente,
desde o início do século XIX, em contraposição com o termo clássico. (...)
Com significados que oscilam entre categorias histórico-literárias e categorias
tipológico-literárias, os termos romântico e Romantismo foram aplicados, por
diversos historiadores e críticos literários de finais do século XVIII e inícios do
século XIX, e autores como Dante, Tasse, Shakespeare, Cervantes e Calderón de la
Barca, tendo Friedrich Schlegel afirmado, no fragmento n.º 247 do Athenaeum, que
'a universalidade de Shakespeare é como que o centro da arte romântica'. É
elucidativo sublinhar que os escritores dos séculos XVI e XVII assim qualificados e
caracterizados como românticos são escritores que, no século XX, têm sido
estudados e caracterizados como autores maneiristas e barrocos, o que bem
revela como estas genealogias do Romantismo exprimem a consciência de uma
comum diferença em oposição aos princípios e valores do classicismo e do
neoclassicismo. (...)
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
19
J. M. W. Turner, Snow Storm, 1842 (Tate Gallery, Londres).
O sopro gelado da noite não fazia confranger nossos avós
debaixo das armaduras. Lá, a neve era um leito como
outro qualquer, e o rugir do bosque, debatendo-se nas
asas da tempestade, era uma cantilena de repouso.
(14 - 15)
As propostas de René Welleck têm inspirado, nas últimas décadas, os estudos mais
consistentes sobre o Romantismo, tendo ficado bem demonstrada a sua
capacidade heurística e a sua justeza. Torna-se indispensável, porém, ter sempre
em
consideração
as
assincronias
existentes
entre
as
manifestações
do
Romantismo em literaturas 'periféricas' como as de Portugal, de Espanha e dos
países da Europa Oriental e em literaturas 'centrais' como a inglesa, a alemã e a
francesa, bem como as peculiaridades de cada Romantismo, resultantes de
múltiplos factores de ordem literária, cultural, social e política. (...)
Tal como René Welleck, defendemos uma concepção histórico-literária do
Romantismo, mas não uma concepção restritivamente periodológica de um
Romantismo 'entalado' entre o neoclassicismo, por um lado, e o realismo, por outra
parte. O Romantismo é um megaperíodo que, à semelhança do Renascimento, se
tem projectado, em metamorfoses plurais, nas literaturas ocidentais ao longo dos
séculos XIX e XX, embora as suas manifestações originárias, mais homogéneas e
coerentes, se tenham verificado na primeira metade do século XIX. Não é apenas
o neo-Romantismo de finais do século XIX e inícios do século XX que constitui uma
ressurgência, aliás
de
tipo
revivalista, do
Romantismo. O
simbolismo, o
surrealismo, o expressionismo e o existencialismo são impensáveis à margem do
megaperíodo do Romantismo.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
20
O Romantismo, tal como o Renascimento, não é apenas um estilo literário de
época. Existe uma música romântica, existe uma pintura romântica, existe uma
filosofia romântica, existe uma política romântica, etc. O Romantismo manifesta-se
em todos os domínios da cultura, da arte e do pensamento, porque representa, de
modo global e sistémico, uma revolta, uma contestação e uma refutação, em
relação à modernidade burguesa e capitalista. (...)
Esta aparente rede de contradições e antinomias clarifica-se e resolve-se, se o
Romantismo for pensado como a rejeição de uma concepção mecanicista do
mundo, de uma concepção burguesa, capitalista, utilitarista e instrumental da vida
económica e da organização social, bem como de uma concepção a-histórica,
atemporal e atópica da cultura e das artes. Em contraposição, o Romantismo
elabora uma concepção organicista do mundo, da natureza e da sociedade,
enraizada em ideias filosóficas e religiosas de matriz platónica e neoplatónica,
inspirada em formas de religiosidade panteística e em ideais mágico-religiosos. A
analogia e o símbolo desempenham um papel fulcral na mundividência, no
pensamento, na literatura e nas artes do Romantismo, porque constituem os meios
privilegiados de apreensão e expressão da alma da Natureza e de revelação das
secretas correspondências existentes entre o homem, os seres e as coisas. A
racionalidade científica e técnica, motor de progresso material da modernidade e
da acumulação da riqueza capitalista, não permite conhecer os signos viventes e
secretos da Natureza, as harmonias e as correspondências cósmicas, os anseios
profundos e os enigmas do homem. O Romantismo, ao exaltar a energia
demiúrgica da imaginação e do sonho, ao magnificar o dinamismo criador do eu,
ao proclamar a capacidade cognitiva, a dimensão profética e o poder órfico da
poesia, institui uma ruptura total e insuperável com a Razão do classicismo e do
iluminismo e gera uma modernidade estética que, ao longo dos séculos XIX e XX,
ou ignora a modernidade capitalista, burguesa, científico-tecnológica, ou com esta
entra em dissídio insanável. Se muitos românticos se exilam em 'torres de marfim'
e se comprazem na evasão quer no tempo quer no espaço, inscrevendo assim
negativamente na sua obra o seu conflito com a modernidade sociológica e
técnica, outros, inspirando-se muitas vezes nos valores do passado e da tradição
que o historicismo de Herder, dos irmãos Schlegel, de Carlyle, etc., ensinara a
conhecer e a admirar, assumem-se como hierofantes, profetas e vates de uma
sociedade utópica e de um mundo novo."
V. M. de Aguiar e Silva, "Romantismo", Dicionário do Romantismo Literário Português, coord.
Helena Carvalhão Buescu, Lisboa, Caminho, 1997: 487 - 492.
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21
O romance histórico
“(...) O Romantismo, fruto de uma época que se caracteriza por modificações
fundamentais a diversos níveis, não pode ficar alheio a uma estratificação
demasiado simplista dos géneros ou a uma rigidez a que é, por natureza, adverso.
O aparecimento do drama, mais flexível e natural do que a divisão antiga e
dicotómica entre tragédia e comédia, reflecte um espírito que se traduzirá em
múltiplos ingredientes como o aparecimento de personagens ambíguos e
contraditórios ou cenários afastados dos ideais clássicos. A definição que Alfred de
Musset dá de Romantismo justifica claramente a inexistência de géneros
totalmente fixos e favorece o aparecimento do romance como ‘um espelho
transportado por uma estrada’, no dizer de Stendhal. Vejamos a definição de
Musset: ‘O Romantismo, meu caro senhor? Não, não é nem o desprezo pelas
unidades, nem a combinação do trágico com o cómico, sem nada no mundo que
se possa expressar; em vão tentarão aprisionar a asa da borboleta; a poesia que a
colore lhe ficará nos dedos. O Romantismo é a estrela que plange, é o vento que
geme, é a noite que estremece, a flor que perfuma e o pássaro que voa; é o gesto
inesperado, é o êxtase enlanguescido, o poço sob as palmeiras, é a esperança
rubra e seus mil amores, o anjo e a pérola, a veste branca dos salgueiros; oh, que
bela coisa meu senhor! É o infinito e a estrela, o cálido, o quebrado, o despertado,
e contudo, ao mesmo tempo, o cheio e o redondo, o diametral, o piramidal, o
oriental, o nu ao vivo, o comprimido, o cingido, o impetuoso.’
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22
Joseph Vernet, O Naufrágio, 1777
(Museu Calvet, Avinhão).
Dir-se-ia que o cavaleiro estava habituado à conversação
do bramido dos mares revoltos e do rugir das ventanias
pelas fragas das serras; porque naquele grito, conjunto
inexplicável de cólera e de dor, havia uma semelhança,
uma harmonia com o gemido imenso da natureza quando
luta consigo mesma no passar da tempestade. (63)
Apesar de algum exagero, ou melhor, de um tom que parece excluir qualquer
caracterização apoiada científica e filosoficamente, a verdade é que a postura
que possibilita tal definição deverá repudiar uma normativização imposta e
independente da especificidade dos vários tipos de discurso. Garrett, em Memória
ao Conservatório Real, ainda, e apesar de colocar o seu Frei Luís de Sousa sob a
designação de drama, fala nas regras que o caracterizam, não conseguindo
afastar-se radicalmente de ditames exteriores ao texto. (...)
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
23
Para o presente ensaio, interessa-nos o romance histórico, embora estejamos
conscientes de que esta designação uniforme não corresponde a um tipo de
textos semelhantes, o que nos levará a problematizar a classificação enquanto
distintivo genérico. Michel Vanoosthuye fala de uma ligação contra a natureza,
dado que os interesses do romance e da História deveriam à partida ser
diferentes, tendendo um para a ficção e outro para a representação do real. No
entanto, a verdade é que esta dicotomia é cada vez menos absoluta, do momento
em que a História tomou consciência da impossibilidade de produzir um discurso
único e definitivo sobre acontecimentos reais, dada a componente ideológica,
irremediavelmente presente. Agustina Bessa-Luís, sempre arguta na análise sobre
estes dois discursos, comenta que ‘A História se destina a comunicar o que o
tempo afastou de nós no sopro do silêncio eterno. É um roubo à Eternidade, (...)’,
porque ela ‘começa quando já não houver resquícios de egoísmo na maneira como
interpretamos as acções distantes e passadas. E acaba quando a literatura toma o
seu lugar, como usurpação talvez (...)’.
Hubert Robert, Vista Imaginária da Grande Galeria do Louvre em ruínas;
esboço para o quadro do Salão de 1796 (Museu do Louvre, Paris).
Inquietos, também, pela sorte dos companheiros que
tinham deixado atrás de si, resolveram parar no meio
daquelas ruínas. (125)
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24
Esta percepção que leva autores como Michel Host a afirmar que ‘l’histoire n’est
que fiction et roman’ e que ‘L’Histoire, à mon sens, est le roman de l’Histoire, ou son
pré-roman’, já existia, mesmo se taciturnamente, nos autores do romance histórico
romântico, apesar de, e paralelamente, haver alguma ingenuidade na crença da
possibilidade de reconstituição fidedigna. O próprio Herculano tem a noção desse
facto e a ele alude directamente em textos como O Bispo Negro, em passagens de
O Bobo ou nas Notas a Eurico o Presbítero: ‘Sou eu o primeiro que não sei
classificar este livro; nem isso me aflige demasiado. Sem ambicionar para ele a
qualificação de poema em prosa – que não é por certo – também vejo, como todos
hão-de ver, que não é um romance histórico, ao menos conforme o criou o modelo
e a desesperação de todos os romancistas, o imortal Scott.’. A indecisão que se
nota nas linhas acima transcritas fragiliza uma tentativa de classificação unívoca,
até por que, e sobretudo na pós-modernidade, é muito nítida a interferência entre
os vários tipos de discurso e a relativização de toda e qualquer noção de
objectividade. (...)
François Gerard, Ossian evocando os Fantasmas ao som
da sua harpa nas margens do Loira, 1805 (Kunsthulle, Hamburgo).
Os hinos tão suaves, tão cheios de unção, tão íntimos, que
os salmistas das catedrais de Espanha repetiam com
entusiasmo eram como o respirar tranquilo do sono da
madrugada que vem depois de arquejar e gemer de
pesadelo nocturno. (10-11)
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25
Demasiado próximas, as relações entre História e Literatura têm suscitado as mais
diversas interpretações, podendo-se até afirmar, com Rui Estrada, que ‘A história é
assim o limite da literatura (...) e que as âncoras interpretativas da história estão
sujeitas às mesmas dificuldades hermenêuticas inerentes aos textos literários.'”
Maria de Fátima Marinho,
Um Poço sem Fundo, Porto, Campo das Letras, 2005: 12 – 16.
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26
Eurico, o Presbítero
Eurico, o Presbítero foi escrito em 1843, tendo alguns dos primeiros capítulos
aparecido num periódico nesse mesmo ano, e tendo surgido em volume em 1844.
Nas palavras com que antecede esta publicação, Herculano confessa a sua
perplexidade no tocante ao género a que o seu texto pertenceria, o que permitiu
aliás que este romance histórico tenha sido lido, nos quase 200 anos que se lhe
seguiram, de formas muito diferentes – e, curiosamente ou não, como um mote
reflexivo para cada um dos presentes vividos e dos futuros antecipados. Sendo
um expoente do romance de inspiração e cenário históricos, Eurico, o Presbítero
é-o também para a ficção com implicações sociais e alegóricas, como veremos,
permitindo olhar para a actualidade de acordo com os conflitos que o passado
também conheceu.
O romance situa-se no início do século VIII, no momento da agonia da monarquia
Visigótica na Península Ibérica, que abre caminho à invasão muçulmana e, na sua
sequência, à construção das nações medievais “modernas”. A perspectiva
escolhida por Herculano (que, como se sabe, era também historiador) acentua a
percepção de tal período como um momento de crise, em que transições, valores
e traições se apresentam como decisões estruturantes dos homens e das acções
em que se envolvem. Eurico é o solitário presbítero de Carteia, depois de ter sido
guerreiro e homem de corte, tendo decidido consagrar a sua vida a Deus na
sequência do que considera ter sido uma traição ao seu amor por Hermengarda.
Intuindo que a sua pátria está prestes a ser invadida e conquistada não apenas
por outra nação, mas também por outra religião, Eurico escolhe reaparecer na
vida pública, sob o manto do anonimato, transformando-se assim no herói solitário
(o Cavaleiro Negro) que apesar de tudo não consegue evitar a traição de que a
pátria será alvo, nem a sua subsequente destruição. Ao ser obrigado, pelas
circunstâncias, a salvar Hermengarda das mãos dos invasores, Eurico tem de
enfrentar a questão moral do celibato dos padres: morrerá num acto de autosacrifício, que lhe surge como a única solução moralmente sustentável.
Hermengarda, por seu turno, tornar-se-á em mais um exemplo das mulheres
enlouquecidas pelos desajustes da vida, frequentes em narrativas românticas.
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27
Johann Heinrich Füssli, O Pesadelo, 1802
(Museu Goethe Frakfurt am Main).
A espécie de pesadelo em que se debatia desaparecera
com a realidade. O repentino impulso da sua alma foi
lançar-se nos braços de Eurico. (149)
O presente romance representa, para Herculano, muito mais do que o mero
desejo ou mesmo evocação de um passado (se bem que essa evocação faça parte
da sua constituição romanesca). Esse passado, em que o herói era ainda
transparente e apesar de tudo visível para todos, é também vista como a
fundação da esperança no futuro, um futuro que, por ser incerto e obscuro, não
deixa de ser possível (para isso está no romance a figura de Pelágio). Física e
moralmente, o herói é marcado por traços distintivos que acentuam a sua radical
diferença das “massas” que entretanto ele tão bem representa. Trata-se do drama
de uma elite que se concebe através do paradoxo de uma comunhão com uma
multidão de que também radicalmente diverge. É talvez por essa razão que
Eurico, como outros heróis de romances e contos herculanianos, é um ser
fundamentalmente rasgado pelas suas contradições interiores e pelo carácter
absoluto do seu ser moral, empenhado numa luta contra a morte que, ao mesmo
tempo que se projecta num mundo transcendente, encontra o seu palco dentro do
sujeito e da sua consciência.
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28
Jean Dominique Ingres, O Sonho de Ossian,
1813 (Museu Ingres, Montauban).
Desventurado, o seu coração de fogo queimou-lhe o viço
da existência ao despertar dos sonhos do amor que o
tinham embalado. (6)
Provavelmente por esta razão, Eurico imediatamente se torna o farol de toda uma
geração, a ponto de o crítico Vitorino Nemésio ter falado da existência de um
“complexo de Eurico”. Pela mesma razão se torna ainda no paradigma do poeta
romântico, ele cujos hinos eram cantados por toda a Península Ibérica. Neste herói,
guerreiro e poeta, encontramos o acto de auto-exclusão do mundo (emblemático
da atitude de Herculano e de vários outros autores românticos europeus), um
gesto tão simbólico quanto existencial. No início do romance, encontramos Eurico
prestes a reentrar no mundo, não através dos seus actos no mundo social da
corte, mas através da sua capacidade guerreira, que permanece, é claro, uma
outra forma de acção social, bem como mais uma metáfora para a relação
amorosa traçada e a impossibilidade de sua consumação. Entretanto, aquilo que
deve ser sublinhado nesta situação é o facto de que tal reentrada não pode deixar
de ser considerada como um simulacro. Por um lado, porque a nação Visigótica na
realidade já não existe no início do romance, mesmo quando ainda o aparenta (as
notas de Herculano são reveladoras a este respeito). Por outro lado, porque toda a
intriga romanesca repousa sobre a noção de traição, que é o simulacro
institucional. No final do romance, Eurico luta, não contra os muçulmanos, mas
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
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contra os Godos que traíram a sua pátria. Finalmente, o próprio Eurico, se bem
compreendido, também não existe: aquela parte de si mesmo que se transforma
no Cavaleiro Negro apenas ocupa a cena como uma máscara que oculta o
guerreiro que não tem sequer direito ao próprio nome. Nos mesmos anos, Garrett
criava também um fantasma histórico sem direito ao seu nome: Frei Luís de Sousa
foi, como Eurico, o Presbítero, escrito em 1843 e publicado em 1844. As
coincidências são, apesar de tudo, significativas.
Helena Carvalhão Buescu
Texto escrito para a folha de sala de A Paixão segundo Eurico;
Este texto não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.
Jean Dominique Ingres, Roger libertando Angélica, 1819
(Museu do Louvre, Paris).
Hermengarda, Hermengarda, eu amava-te muito! Adoravate só no santuário do meu coração, enquanto precisava de
ajoelhar ante os altares para orar ao Senhor. Qual era o
melhor dos dois templos? (26)
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Eurico.
História de um livro
“(...) O romantismo português luta e triunfa nas suas únicas obras-primas, a de
Garrett e a de Herculano: na deste pela força íntima e livre; na daquele por uma
sóbria e velada desesperança. ‘Mal do século’ formulado romanticamente no
Eurico como ‘aspiração ao formoso e enérgico viver de outrora’; resolvido no Frei
Luís de Sousa segundo o nosso messianismo e em regímen de compromisso entre
a tragédia clássica e o teatro romântico. Pacto cristão do amor português em
ambos – apelo à morte heróica, que sana a violação dos livres votos de Eurico;
apelo ao claustro, que redime a trágica bigamia de Madalena e a cega
cumplicidade adúltera de Manuel de Sousa. (...)
Uma circunstância formal reforça a originalidade portuguesa do livro de
Herculano: o seu lugar nos géneros. O próprio autor sente o híbrido que fez:
‘crónica-poema, lenda ou o que quer que seja’. Já havia hibridismo no romance
romântico do eu. A carta, o solilóquio, a confissão alternavam o esquema
efabulado da descendência francesa de Saint-Preux e de Werther. (...) Herculano,
que psicologiza pouco, embora filosofe muito, enxertou o caso do seu
desesperado alter ego ao mesmo tempo em dois troncos: numa ténue cepa épica
e trovadoresca, que o meu argumento pôde deixar pressentir (reminiscências de
Amadis, Roldão, e Romanceiro), e no robusto roble escocês de Walter Scott,
predilecto do seu paisagismo de historiador.
Atrás do romance romântico estava o romance tétrico. O Cavaleiro Negro e certa
tintura terrível esparsa por todo o Eurico aludem bem a ele. Ana Radcliff e o Lewis
d’O Monge andam por ali tàcitamente. Tão-pouco anda longe algum empreiteiro
europeu do genre troubadour (‘poetas moyen âges’) chamava Garrett aos nossos
homens de ponte levadiça e da teorba): Herculano gostou da ‘acção dos
templários cantando hinos a Deus no meio das chamas, e cuja morte Rainouart
pintou divinamente num só verso: ‘Il n’en était plus temps, les chants avaient
cessé’. E quem não vê aqui uma sugestão possível do coro das monjas mutiladas
no Mosteiro da Virgem Dolorosa? (...)
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Seja como for, o certo é que quando Herculano encontra em si a corda do
romance do eu, já está iniciado na técnica do romance histórico e convertido às
suas vantagens. (...)
Romance do eu, romântico de tom e de tempo, o Eurico transporta o problema
religioso de Herculano numa questão moral. Uma religiosidade consuetudinária e
profética, filha da ‘religião de nossos pais’, pedia a Herculano a liberdade da
meditação e a sinceridade do treno numa igreja instituída de acordo com o que
ele julgava ser a boa linhagem apostólica respeitosa da nação e da família.
Preocupado com a pureza e a perenidade do dogma, mas mais canonista do que
teólogo, buscara o que supunha ser os sinais delas ambas na linha conservadora
dos concílios e dos sínodos. O seu critério de historiador da nação portuguesa fálo-ia investigador da comunidade peninsular cimentada pelo cristianismo. Cristão
livre, herdeiro do deus javético tornado pai de misericórdia (‘o Omnipotente’ do
Hino a Deus, ‘Sempiterno’, do Eurico), profetizou e orou na Harpa do Crente.
Cristão de confissão, pronunciou-se sobre os papiros e interesses do seu grémio
em toda a sua obra histórica e polémica. O Concílio do Vaticano, ferindo a sua
concepção plebiscitária da Igreja, acabou por fazê-lo velho-católico, sismático,
quase herege. (...)
Herculano achara a equação do seu eu com um herói de livro nos solilóquios,
cartas e desesperos de Eurico; curara o espinho do sacerdócio concebido como
estado ideal do homem religioso pondo-o em sério conflito com as paixões
mundanas legítimas. Aliara tudo isto num fundo entre histórico e lendário, em
obediência à vontade de mitificar as origens da sociedade cristã da Península e do
seu ramo português. Assim, o poeta e o psicólogo, tratadista do humano, davam a
mão ao épico e ao historiador. (...)
Fixados os principais objectivos da fábula, Herculano delineou-a com o pouco
vigor novelístico de que naturalmente dispunha, compensando-o, porém, com os
seus largos dons poéticos, o seu poder descritivo, a sua intuição das almas e dos
ambientes graves. Hermengarda é uma figura feminina de lírico, diáfana e
simbólica. Se nem sempre age na intriga como mulher de carne e osso, suporta
poeticamente a responsabilidade de média do sexo fraco; é a mulher-anjo,
romântica: ‘presa, de um lado, à humanidade pela fraqueza e pela morte, aos
espíritos puros pelo amor e pelo mistério’. (...)
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John Martin, O Bardo, 1817 (Laing Art Gallery)
O caminho que seguiam devia forçosamente trazê-los às
gargantas das serras. Colocados na entrada do vale, uma
parte dos cavaleiros oferecer-lhes-iam débil resistência,
cedendo pouco a pouco e retirando-se para o topo
daquela espécie de caldeira cortada nas montanhas. (139)
A voga de Eurico foi imensa. Resta documentar. Apesar de, uns quinze anos depois
de aparecido (1856), já se lerem em Portugal, segundo Ernesto Biester, todos os
estratos da ficção, desde Dickens e Dumas Pai a Musset e Gustavo Planche, as
lamentações do Presbítero e os seus ambientes supremos prendiam sempre a
atenção. Formara-se, digamos assim, o ‘complexo de Eurico’, uma espécie de
andaço de alma. (...) Desde logo, o nome do herói voou de norte a sul como
semente de asa. Era uma realidade, um ente. Um tal Fortinho, vizinho de
Herculano na Ajuda, emigrado para a América do Sul, fundou a revista o Sul do
Brasil no Rio Grande, vivendo disso e de folhetos que circulavam no Rio da Prata
sob o pseudónimo de ‘Eurico’. Na geração de 1870, Pinto Osório, amigo de Antero e
de Eça, deixou sob o nome de Pedro ‘Eurico’ um bom livro de memórias. Enfim,
fundada uma Sociedade Literária Alexandre Herculano – avis rara no culto
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português de autores canonizados -, o seu boletim tomou o título de Eurico,
publicando
um
número
cheio
de
sonetos
ao
gardingo...
E,
embora
moderadamente, ‘Eurico’, como proenomen, entrava no registo paroquial e civil.
Se esta espécie de voga documenta sobretudo apegos pessoais e esporádicos,
vem uma outra que se insere mais directamente no romance e no seu consumo
geral. É o caso da ópera fastidiosa que Miguel Ângelo fez do Eurico, sobre libreto
de Pedro Lima, subida à cena em São Carlos a 23 de Fevereiro de 1870, e no São
João, do Porto, em Janeiro de 1874.”
Vitorino Nemésio
(Introdução a) Eurico, o Presbítero, Lisboa, Livraria Bertrand, 1972.
Emile Jean Horace Vernet, A balada de Leonore, 1839
(Museu de Belas Artes de Nantes).
Hermengarda não tinha ouvido ainda ao cavaleiro negro
senão os sons quase inarticulados do seu grito de guerra:
agora, porém, estas palavras, proferidas em tom enérgico,
mas
com
voz
trémula,
troaram-lhe
nos
ouvidos,
semelhantes à voz de alguém que na vida conhecera e que
o sepulcro provavelmente tragara. (130)
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
34
Heróis, romances e
histórias:
a propósito do
Presbítero Eurico
1. Algumas questões a propósito do romance histórico.
“Alexandre Herculano (1810-77) pode ser justamente considerado como um dos
pólos em torno dos quais o movimento romântico surge e se equaciona em
Portugal. Com créditos bem firmados em 1844, data do aparecimento da primeira
edição de Eurico o Presbítero, Herculano era nessa altura já tido como o
inaugurador e o mais legítimo representante, no nosso país, de uma das formas
narrativas típicas do Romantismo europeu: a ficção histórica.
Efectivamente, é ele quem faz despertar em Portugal o gosto (que em breve se
tornaria quase uma ‘mania’) por esse tipo de romance que, na Europa, conhecera
tanto e tão grande sucesso. E o presente romance, Eurico o Presbítero, pode ser
tido de algum modo como o expoente dos processos narrativos de outras obras,
que encontram aqui o seu parente arquetípico. (...)
É neste contexto que pode ser referido como significativo o título primitivo que
Herculano tinha pensado dar a esta obra: Eurico o Presbítero ou o Último poeta
Godo. A segunda parte do título, posteriormente elidida, apresenta desde logo um
motivo caro à ideologia romântica: o motivo do poeta primitivo como bardo
escolhido para falar da agonia de uma nação, fazendo assim aceder à memoria
colectiva, por intermédio do fazer poético, a própria existência dessa mesma
nação.
Diz Herculano nas palavras prévias com que antecede a primeira edição do
romance, a propósito da questão do celibato do sacerdócio (questão central,
como se sabe, à efabulação romanesca de Eurico):
A história das agonias íntimas geradas pela luta desta situação excepcional
do clero com as tendências naturais do homem seria bem dolorosa e variada, se
as fases do coração tivessem os seus anais como os têm as gerações e os povos
(sublinhado meu).
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
35
Ora, nestas
palavras
se
poderá
encontrar um
dos
objectivos
da obra,
directamente relacionado com a questão do romance histórico: Herculano
pretende aqui dar testemunho dessa história íntima que considera possível,
embora saiba também que ela tem de ser feita sem o recurso aos documentos
oficiais que a instituição eclesiástica preserva.
Este romance é, pois, de algum modo, duplamente histórico: de forma literal,
porque responde aos padrões definidos pelo grande cultor do género, que foi
Walter Scott; mas também de forma transposta, ao aplicar esses mesmos
princípios à constituição da intimidade do sujeito – o que desde logo coloca a
questão da formulação do herói. (...)
2. Um momento histórico: a ‘época de transição’.
Na primeira e extensa nota de Herculano ao texto do seu romance, diz o autor ter
pretendido ‘fixar a acção (...) numa época de transição – a da morte do Império
Gótico, e do nascimento das sociedades modernas da Península’. Assim se exprime
um dos vectores essenciais da constituição do quadro temporal em que decorre a
acção de Eurico - mas, repare-se, também de O Monge de Cister ou O Bobo, para
não referir algumas das Lendas e Narrativas. O conceito de ‘transição’ é fulcral
para o entendimento da ficção histórica de Herculano e, nomeadamente, do seu
carácter exemplar: porque nesse momento se delineiam, de forma inequívoca, as
convulsões e os desencontros históricos que têm o seu reflexo nas convulsões e
nos desencontros pessoais e íntimos que constituem e dilaceram o herói
romântico.
Ora, esta época de transição é por Herculano considerada como estrutural – não é
o nascimento de uma nova sociedade que determina a morte da anterior, mas o
contrário; é o facto de a primeira estar já moribunda e moralmente extinta que
por assim dizer ‘obriga’ ao aparecimento da outra. As causas dessa época de
transição são, desta perspectiva, endémicas e estruturais, não meramente
circunstanciais. A invasão dos Árabes tem sucesso porque é a própria sociedade
visigótica que se desmorona perante os olhos do observador-participante que
Eurico, como o confirma, para lá dos comentários do narrador e dos textos
escritos por Eurico, a epígrafe que indicia o primeiro capítulo da obra: ‘A um
tempo toda a raça goda, soltas as rédeas do governo, começou a inclinar o ânimo
para a lascívia e soberba” (Monge de Silos: Chronicon, C.2)’. A história da Nação
(seja ela qual for) é concebida, neste contexto, de uma forma estrutural, em que
acontece apenas o que tem de acontecer, ou seja, o que as características
nacionais e vivenciais de algum modo determinam e permitem que aconteça. A
conjuntura depende da estrutura, e não o inverso. O mesmo problema ocupa, aliás,
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
36
por exemplo, o poema narrativo Camões (1825), de Garrett, e é condição para
repensar a questão, fundamental para o pensamento romântico, da identidade
nacional. Como refere Herculano, no capítulo I, a ‘dissolução política é gerada por
via da dissolução moral’. (...)
.
Caspar David Friedrich, A Abadia na Floresta, 1890 (Staatliche Museum, Berlim).
As árvores, na maior parte desfolhadas, deixavam o luar,
por entre os ramos despidos e tortuosos, desenhar no chão
figuras estranhas, que vacilavam indecisas: os robles
nodosos e calvos, misturados com os rochedos piramidais,
que se alevantavam irregulares e fantásticos nas arestas
das encostas íngremes, nas lombadas penhascosas das
serras, pareciam fileiras de demónios, caminhando de
roldão a despenharem-se nos vales ou dançando nos visos
das alturas. (117)
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
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3. Uma figura: o herói.
‘Eurico estava, enfim, só.’ (cap. XVII); esta frase do narrador pode ser considerada
como o emblema de toda a situação do herói e, até mesmo da sua evolução ao
longo do romance. Eurico é, com efeito, o herói revoltado e solitário que uma boa
parte da estética romântica erige como estandarte e representante. Todos os
laços mundanos, cabe pois ao romance mostrá-los inoperantes, um a um:
a) solidão familiar. Num romance onde os laços familiares se expõem e defendem,
onde há irmãos (Pelágio e Hermengarda, Atanagildo e Suíntila), pais e filhos, Eurico
aparece singularmente só, como se a ausência de referências explícitas aos seus
ascendentes tornasse ainda mais misteriosa a origem desse herói de negro. (...)
b) solidão amorosa. Núcleo da intriga mais restrita tecida em torno da
personagem, a solidão amorosa aparece, é claro, como consequência dos votos
que transformam Eurico, de gardingo, em sacerdote. Mas também aqui é
significativo – e o próprio herói a esse facto repetidamente se refere – que
nenhum laço possa alguma vez unir Eurico ao mundo exterior que lhe contempla a
acção. (...)
c) solidão guerreira. Teodemiro, recebendo de novo notícias do ex-gardingo
Eurico, oferece-lhe o lugar que antes lhe tinha pertencido – o de capitão das
hostes godas. Mas também aqui o herói se exclui de qualquer convívio, que é
estabelecimento de relações dentro do mundo. A luta, central para a elaboração
da personagem, concebe-a ele mais uma vez à margem de uma acção organizada
‘entre pessoas’; por isso opta por ‘aparecer’ quando se dá a batalha e
‘desaparecer’ sem deixar rasto quando ela é interrompida; por isso conserva o
anonimato, que é marginalidade (...). Na guerra como no amor, Eurico escolhe o
lugar da margem, também ela transição, onde as leis e a relatividade do mundo
não atingem a opção pela radicalidade, pelo absoluto. Eurico dita a sua própria lei:
nem a Pelágio revela, senão em última instância, a sua identidade.
d) solidão afectiva. O herói tem ainda, no início do romance, um elo, um laço que o
liga ao mundo: a amizade por Teodemiro. Este laço é representado, no texto, pela
troca de correspondência entre as duas personagens. Estas cartas são
funcionalmente tanto mais importantes quanto se notar o facto de que, com
excepção delas e do diálogo final (e necessário) entre Eurico e Hermengarda, o
herói recusa qualquer diálogo, ou seja, qualquer comunicação consistentemente
estruturada com o mundo exterior e as pessoas que nele habitam. (...)
Eurico, esse, é finalmente aquele que, de todo marginal, solitário e revoltado, pode
preparar-se para fazer uma última demonstração do seu desapego às coisas e
pessoas do mundo, enveredando por um caminho de que o sacrifício suicida torna
impossível o regresso.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
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4. Uma estratégia: o empenhamento.
O tom heróico patente na organização discursiva do romance e que, aliás, é
comum a grande parte da obra, tanto lírica como narrativa, de Herculano,
‘redobra’ os eventos e os sucessos também ele heróicos (como pretendia o autor)
que aqui são narrados. Ora, tudo isto pode relacionar-se com alguns outros
elementos, que convém mencionar:
a) a posição empenhada do narrador na análise dos eventos – empenhamento
visível pela por vezes longa exposição preliminar que faz das suas condições e,
mesmo, pelos comentários avaliativos e valorativos que produz;
b) o pendor pedagógico-didáctico que o anima – o narrador também se ocupa em
congregar, em torno da sua história, uma movimentação colectiva, viabilizada
pelo despertar das consciências;
c) o carácter persuasivo de que dota a narrativa – um discurso fortemente
trabalhado do ponto de vista retórico torna-se central para este projecto, virado
para a capacidade da acção que visa atingir. (...)
Um género (movente): o romance histórico; um momento privilegiado: a transição;
uma figura: o herói; uma estratégia: o empenhamento – eis alguns dos elementos
em torno dos quais é possível reflectir de forma proveitosa a propósito de Eurico
o Presbítero. Com este romance cria Herculano o protótipo de uma das formas
possíveis de ser herói, propondo um modelo coerente da solidão e da revolta.
Modelo coerente e, mais uma vez, radical: porque apenas estas características
permitem ao herói defrontar-se com o absoluto por que escolhe compreender o
mundo, assumindo ao mesmo tempo a plenitude da sua acção – mesmo que ela
seja aquela que encontra o seu remate consequente apenas na morte, a
radicalidade absoluta."
Helena Carvalhão Buescu,
A Lua, a Literatura e o Mundo, Lisboa, Edições Cosmos, 1995: 128-136.
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Herculano e o teatro
“Falar das relações que existiram entre Alexandre Herculano e o teatro (...) poderá
talvez dar a impressão dum acintoso propósito de diminuir a sua estatura literária,
de embaciar a sua imagem histórica. Sobretudo porque, ao fazê-lo, a comparação
com Garrett se tornará inevitável: e o que o nosso teatro deve ao autor do Frei
Luís de Sousa, a todos os níveis, que não apenas ao da criação dramatúrgica
propriamente dita, quase não deixa espaço para que, neste capítulo, a seu lado o
nome de Herculano possa inscrever-se. No entanto, se é certo que nele o novelista
e o poeta, o historiador e o polemista, relegam para um plano necessariamente
secundário o homem de teatro que aspirou a ser mais do que foi, não é menos
certo que os seus escritos sobre temas relacionados com a arte dramática
avultam de entre a produção crítica do seu tempo e ainda hoje podem ler-se com
proveito. (...)
Em 1836, triunfante a Revolução, a rainha incumbe Garrett de apresentar, ‘sem
perda de tempo’ um plano para a fundação e organização dum Teatro nacional
nesta capital, o qual, sendo uma escola de bom gosto, contribua para a civilização
e aperfeiçoamento moral da nação portuguesa e satisfaça aos outros fins de tão
úteis estabelecimentos’. O autor do Catão, em cujo ‘zelo e inteligência que são
próprios do seu patriotismo e reconhecidos talentos’ se depositava justificada
confiança, aceitou o encargo e desempenhou-se dele em pouco mais de um mês,
pois que a 12 de Novembro – a portaria régia, assinada por Passos Manuel, datava
de 28 de Setembro – entregava um projecto de lei que apenas três dias depois
era convertido em decreto. (...) Mas, enquanto se não edificava o Teatro Nacional –
o que, por variadas razões, políticas e outras, só viria a acontecer dez anos depois
-, duas companhias actuavam em velhos e desconjuntados pardieiros do século
anterior: o Teatro da Rua dos Condes (que Silva Abranches descrevera como ‘um
subterrâneo frigidíssimo e tenebroso’) e o Teatro do Salitre. Dirigia a primeira o
encenador francês Émile Doux, que em 1836 se deslocara a Lisboa integrado numa
troupe de actores franceses que deu a conhecer o moderno repertório romântico
(Victor Hugo, Dumas, Scribe) e aqui permaneceu; de seu lado, a Associação Gil
Vicente, que funcionava no Salitre, tinha por mentores Castilho, o italiano César
Perini – e Herculano. A atribuição de subsídios para a época teatral de 1838-39 deu
lugar a uma troca polémica de cartas entre Garrett e Herculano – que considerava
inaceitáveis (por inexequíveis) as condições do respectivo concurso. E o autor do
Eurico punha a questão nos seguintes termos dilemáticos: ‘... Deste concurso pode
vir, em vez da salvação, a morte do teatro português. Suponhamos que um dos
directores é de boa fé e o outro de má. O que for de boa fé não se apresentará ao
concurso, porque sabe que não pode cumprir de salto as condições: dá-se tudo ao
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
40
outro e ele fecha o teatro. O outro não cumpre, porque não pode; persegue-se
necessariamente, porque os contrários estão a la-mira e bradarão alto se não se
fizer justiça. O que se segue daí? É que este teatro cairá também, e ficaremos sem
nenhum...’2
Teatro do Salitre, na freguesia de São Mamede, inaugurado em 1783.
O Teatro foi palco de diversas atividades políticas e culturais
Herculano, aliás, falando por si e por Castilho, avisara Garrett de que ‘se o Teatro
do Salitre acabar (e esta questão é para ele de vida ou de morte), para nós ambos
está acabada a carreira dramática, em que nada queremos ganhar senão o ter
contribuído do modo que pudermos para a restauração da cena portuguesa.’3
Brevíssima foi, porém, essa carreira, que se limitou a três obras, duas originais e
uma traduzida, num total de cinco actos apenas. A primeira, que se estreou em
Agosto de 1838 no Teatro do Salitre, era uma adaptação da comedia de Scribe e
Mélesville, Le Secrétaire et le Cuisinier, a que Herculano pôs o título de Tinteiro
não é Caçarola: comentando a sua apresentação, um jornal da época, A Atalaia
Nacional dos Teatros, manifestava pelas seguintes palavras a sua justificada
surpresa: ‘Depois de ter clamado em todos os tons que era preciso fazer teatro
português, começa a sua carreira pela tradução de uma farsa que já havia sido
representada neste mesmo teatro: eis o que decididamente não esperávamos!’
Três meses depois, a 3 de Novembro, e também no Salitre, subia à cena a sua
primeira peça original – o drama histórico O Fronteiro de África ou Três Noites
Aziagas, anonimamente anunciado como ‘um drama de grande espectáculo em
três actos, ou noites, composto por um dos nossos insignes Literatos Portugueses’
– cuja verdadeira identidade, aliás, ninguém ignorava. Herculano, que dizia tê-lo
‘escrito sobre o joelho, para satisfazer o Castilho’, acrescentando que ‘nunca fizera
conceito de semelhante frioleira’, não curou de o editar – muito embora ele viesse
a imprimir-se no Brasil em 1862, sem a sua autorização aliás. Seis anos iriam
2
3
Cartas, t. II, 4.ª ed., p.17.
Ibid., p.14. Castilho assinou, juntamente com Herculano, esta carta e a anterior.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
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decorrer sem que Herculano abordasse de novo o teatro – o que só voltaria a
fazer através dum pequeno drama lírico em um acto, Os Infantes em Ceuta4, que,
com música do maestro António Luís Miró, se cantou pela primeira (e cremos que
única) vez na Academia Filarmónica de Lisboa, em 28 de Março de 1844. Dele
escreveu Andrée Crabbé Rocha que ‘confirmava a sua incapacidade de
dramaturgo’ (...). O Fronteiro de África estreou-se, como dissemos, a 3 de
Novembro de 1838; o Auto precedera-o de alguns meses, pois teve a sua primeira
representação a 15 de Agosto, no Teatro da Rua dos Condes. Só no ano seguinte
Mendes Leal daria a conhecer Os Dois Renegados, paradigma do género, e a partir
de então é que os palcos (e os prelos) de Lisboa seriam inundados pelos dramas
(ditos) históricos de Serpa Pimentel, Sousa Lobo, Morais Sarmento, Inácio Maria
Feijó, Silva Abranches, Pereira da Cunha, Corrêa de Lacerda, Costa Cascais... (...)
Herculano defendia assim, como condição essencial da vitalidade do drama
histórico, a inserção profunda da acção dramática, das situações em que esta se
desenvolve e das personagens que nela intervêm, no processo sociopolítico do
tempo que lhe serve de esteio. (...)
A ‘natureza e a verdade’, elementos básicos do drama moderno, estavam
completamente ausentes da produção nacional – e a ‘linguagem de cortiça e
ouropel’ que faz ‘arrepiar o senso comum’, posta na boca de personagens dotadas
duma existência puramente literária, ainda mais evidente tornava a sua intrínseca
falsidade. Contra esta dirigia pois Herculano acertadas – e aceradas – flechas (...).
A partir do fim da década de 40, o drama histórico começa a declinar – ele
tornara-se, na pitoresca frase de Andrade Ferreira, ‘o pesadelo das plateias e a
cabeça da Medusa dos críticos respeitadores das severas tradições da cena’ -,
substituindo-se-lhe nos palcos o que se designou por ‘drama de actualidade’ e que
um dos seus mais representativos cultores, Ernesto Biester, definiu como ‘a
reprodução verdadeira dos costumes contemporâneos, da vida do nosso tempo,
da sociedade actual’. (...)
O parecer sobre o drama D. Maria Teles, submetido ao Conservatório em 1842,
constitui o texto doutrinário mais importante de Herculano em matéria de crítica
teatral – mas não deve fazer-nos esquecer as suas restantes intervenções neste
sector: os estudos sobre as ‘Origens do Teatro Moderno’ publicados no Panorama
em 1837 e 1839, cujo esquematismo reflecte a escassez de informações históricas
de que então se dispunha; um parecer sobre a comédia A Casa de Gonçalo,
concorrente aos prémios do concurso aberto em 1840; um texto contra a censura
prévia (...) datado de 1841; nem as suas intervenções pontuais em diversas
questões de interesse público, como a polémica aberta em torno da construção e
4
O texto, editado pela primeira vez no próprio ano da sua representação, veio depois a ser
incluído no Livro II (‘Poesias Várias’) das Poesias, 7.ª ed., pp.225-273.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
42
da estrutura administrativa do Teatro Nacional, que ele entendia dever ser um
Teatro do Estado, explorado por uma empresa pública e não por uma companhia
particular. Tudo isto se inseria no processo de reforma do nosso teatro, ‘em todas
as suas partes, que em todas dela carecia, sem exceptuar a dos espectadores,
que, bem como tudo o mais, é preciso criar de novo’: e também estas palavras
escritas por Herculano em 1839 conservam hoje inteira validade...”
Luiz Francisco Rebello,
in Colóquio-Letras, n.º 37, Maio, 1977: 43-49.
Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico
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Glossário
Eurico, o Presbítero
acicate espora comprida com uma só
barria deserto do Norte.
ponta.
beta mancha.
adarve muro de fortaleza.
bipene
ádito entrada, acesso.
gumes.
albornoz manto de lã, com capuz,
brejo pântano.
usado pelos árabes.
bucelário escudeiro.
alfange espada larga e curta.
cateia lança curta ou dardo.
alfaqui título dado pelos africanos
capilhar
aos seus sacerdotes e sábios da lei.
mouros usada sobre a marlota.
alferezes
porta-bandeiras
do
acha
de
peça
armas,
de
de
dois
vestuário
dos
centenário que dirigia uma centúria.
exército.
centúria companhia de cem homens.
aljufe o norte.
cimitarra alfange curvo.
almatrá tapete, colchão.
cimune vento do norte que sopra em
almenaras fogueiras nocturnas.
direção ao mar.
almocadém guia dos almogaures.
efípia sela de lã.
almogaures
corredores
que
vão
escabelo estrado que se coloca por
roubar o campo inimigo.
baixo dos pés.
almogrebe o ocidente, poente.
esculcas sentinela.
alquibla o sul.
estélio espécie de lagarto.
amículo manto usado pelas mulheres.
estringe túnica.
amir governador de tribo entre os
franquisque espécie de machadinha.
muçulmanos.
fundeiros atiradores de pedras com
anafil trombeta usada pelos mouros.
fundas.
arção parte da sela.
gardingo
aripenes medida de extensão que
(governador da cidade).
equivalia a dois palmos.
gorjal peça de armadura antiga com
arnezes
armaduras
dos
antigos
substituto
do
duque
que se defendia o pescoço.
lódão cajado.
guerreiros.
axarquia oriental.
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44
manguais paus compridos a que se
roqueiro semelhante na constituição
prendem pequenos toros atados pelo
a rocha.
meio.
sarçal silvado.
marlota capote curto com capuz
sarças silvas.
usado pelos mouros.
ségure machadinha.
nocturno uma das três partes das
sicera bebida embriagante.
matinas do ofício divino.
simum vento seco e quente que
ostiário Ministro que abria e fechava
sopra de sul para norte em África.
o templo.
tiufadias corpo de mil homens do
pretória sala de julgamentos.
exército godo.
quadrelas lanço de muralhas.
tiufado comandante de uma tiufadia.
quingentário capitão de quinhentos
tingintano habitante de Tânger.
homens.
transfretanos africanos.
reixa grade.
vális governador de província.
renques fileiras.
vicário governador da cidade.
retíolo espécie de touca.
xeique chefe da tribo, ancião.
roble carvalho.
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Tarefas a desenvolver
com os alunos
ANALISAR
Procure no excerto do capítulo XVI “O Castro romano” aspetos caraterísticos da
narrativa romântica, quer na descrição da paisagem, quer na composição da
personagem feminina, quer nas ações do herói, quer ainda nos temas da morte,
do terror, do sonho, do mistério e do fantástico.
DEBATER
A partir do poema de Guerra Junqueiro, que critica a paixão idealizada de Eurico
por Hemengarda, discuta-se em aula o que mudou e o que permanece no conceito
de Paixão. A paixão amorosa é a única que move o indivíduo?
ESCREVER
1. Parta-se da descrição do mar feita no capítulo VII “A Visão” desde “Eram as
horas das trevas profundas” e aproxime-se este excerto de uma das pinturas
românticas incluidas neste dossier, reconhecendo alguns dos tópicos românticos
que ambas encerram.
2. Depois do debate feito na aula, peça-se aos alunos um ensaio de uma página
sobre “paixão e revolta” não circunscrito ao romance Eurico, mas apelando à
experiência e à capacidade de especulação dos alunos.
3. Promova-se a reescrita do excerto do capítulo VI que começa em “Os raios
derradeiros do sol desapareceram” em forma de monólogo dramático, isto é,
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imaginando a situação em que seria dito por um ator desempenhando a
personagem Eurico.
4. Crie-se a situação e o diálogo a partir da cena entre Eurico e Pelágio no capítulo
XIII desde “Os cavaleiros chegaram ao topo da subida. A caverna de Covadonga,
o palácio do Duque de Cantábria, estava patente” até ao fim da narrativa do velho
Aldefonso.
ESCUTAR
Dar a ouvir alguns excertos da Sinfonia Heróica de Beethoven e da Sinfonia
Fantástica Op. 14 de Berlioz, alguns dos Nocturnos de Chopin e excertos da ópera
La Sonnambula de Bellini.
DESENHAR
Escolha livre de uma cena do romance para a transpor em desenho ou BD.
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Equipa
Teatro Nacional D. Maria II
direção artística DIOGO INFANTE
conselho de administração MARIA JOÃO BRILHANTE, MÓNICA ALMEIDA
assessoria artística NATÁLIA LUIZA*
assessoria de comunicação RUI CALAPEZ*
secretariado CONCEIÇÃO LUCAS
auxiliar administrativo LUÍS FREDERICO
motorista RICARDO COSTA
atores JOÃO GROSSO, JOSÉ NEVES, MANUEL COELHO, MARIA AMÉLIA MATTA, PAULA MORA
direção de produção CARLA RUIZ, MANUELA SÁ PEREIRA, RITA FORJAZ
direção de cena ANDRÉ PATO, CARLOS FREITAS, ISABEL INÁCIO, MANUEL GUICHO, PAULA
MARTINS, PEDRO LEITE
auxiliar de camarim PAULA MIRANDA, PATRÍCIA ANDRÉ
pontos CRISTINA VIDAL, JOÃO COELHO
guarda-roupa ELISABETE LEITE, GRAÇA CUNHA
direção técnica JOSÉ CARLOS NASCIMENTO, ERIC DA COSTA, VERA AZEVEDO
maquinaria e mecânica de cena VÍTOR GAMEIRO, JORGE AGUIAR, MARCO RIBEIRO, PAULO
BRITO, NUNO COSTA, RUI CARVALHEIRA
iluminação J OÃO DE ALMEIDA, DANIEL VARELA, FELICIANO BRANCO, LUÍS LOPES, PEDRO
ALVES
som / audiovisual RUI DÂMASO, ANTÓNIO VENÂNCIO, PEDRO COSTA, SÉRGIO HENRIQUES
manutenção técnica MANUEL BEITO, MIGUEL CARRETO
adereços VIRGÍNIA RICO
motorista CARLOS LUÍS
direção de comunicação e imagem RAQUEL GUIMARÃES, TIAGO MANSILHA
assessoria de imprensa JOÃO PEDRO AMARAL
produção de conteúdos MARGARIDA GIL DOS REIS*
design gráfico JOÃO NUNO REPRESAS*, MARGARIDA KOL*
direção administrativa e financeira JOÃO VALADAS, EULÁLIA RIBEIRO, IDALINA
FIALHO, ISABEL ESTEVENS
controlo de gestão MARGARIDA GUERREIRO
tesouraria IVONE PAIVA E PONA
recursos humanos ANTÓNIO MONTEIRO, MADALENA DOMINGUES
direção de manutenção SUSANA COSTA, ALBERTINA PATRÍCIO
manutenção geral CARLOS HENRIQUES, LUÍS SOUTA, RAUL REBELO, VÍTOR SILVA
informática NUNO VIANA
técnicas de limpeza ANA PAULA COSTA, CARLA TORRES, LUZIA MESQUITA, SOCORRO SILVA
vigilância GRUPO8 *
direção de relações externas e frente de casa ANA ASCENSÃO, CARLOS MARTINS,
DEOLINDA MENDES, FERNANDA LIMA
bilheteira RUI JORGE, CARLA CEREJO, NUNO FERREIRA
receção DELFINA PINTO, ISABEL CAMPOS, LURDES FONSECA, PAULA LEAL
assistência de sala COMPLET’ARTE *
direção de documentação e património CRISTINA FARIA
livraria MARIA SOUSA, RICARDO CABAÇA
biblioteca | arquivo ANA CATARINA PEREIRA, FERNANDA BASTOS
* prestações de serviços
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Teatro Nacional D. Maria II*
Praça D. Pedro IV
1100-201 Lisboa
Tel.: +351 213 250 800
www.teatro-dmaria.pt
*Encerra à 2.ª
coprodução
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