Bienal do Livro do Rio de Janeiro 2015 – Argentina: país homenageado.
Panorama atual da literatura argentina
O período de maior auge vanguardista da literatura argentina estoura por volta de
1930. Como síntese, pode ser afirmado que o que fica dela é uma consciência literária
que permite compreender e valorizar a grande literatura produzida desde 1930 em
diante; nomes como Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, José Bianco, Victoria
Ocampo, Silvina Ocampo, Juan L. Ortíz, Oliverio Girondo, Leopoldo Marechal,
exemplificam bem, entre muitos outros, o nível alcançado; floresce a literatura
fantástica e o policial, a paródia, a escrita em parceria, a poesia hermética e tantas
outras variantes, sem que por isso se perca a dimensão social e política.
A partir de meados dos anos 40, a consistente literatura argentina se caracteriza pela
diversidade de movimentos e iniciativas, a consciência de uma literatura que se
apresenta ao mundo com energia e prestância. Para essa década, no campo poético
se destaca uma geração de originalidade verbal marcada cujos nomes principais são
os de Olga Orozco, Juan Rodolfo Wilcock e Joaquín Gianuzzi, dentre outros.
Outra marca representativa deste período prolifera nas tendências e as expressões
individuais; é o momento de Borges e o reconhecimento universal que obtém, mas não
é só isso; começam a se destacar escritores como Julio Cortázar, Rodolfo Walsh,
Antonio di Benedetto, David Viñas, Alberto Girri , Alejandra Pizarnik e muitos outros,
um conjunto que faz da Argentina uma caixa de ressonância do chamado “boom” da
literatura latino-americana: por exemplo, em Rayuela de Cortázar, dá a impressão de
que Buenos Aires é algo como uma capital literária, uma espécie de Paris onde tudo
ressoa e de onde “sai” quase tudo. Essa informação não é vã se pensarmos ainda na
expansão da indústria editora: não são só casas tradicionais, como Losada,
Sudamericana, Emecé, nem pequenas que brotam por toda parte (como Jorge
Álvarez, Galerna, de la Flor), mas também, e sobretudo, Eudeba, uma empresa
universitária que lança livros de venda massiva e de grande qualidade literária e
científica.
Este ímpeto cultural se vê obstruído em várias ocasiões por causa de cíclicos golpes
militares que não conseguem, contudo, parar a força de uma literatura que continua
sendo procurada apesar dos episódios de censura e das dificuldades econômicas
globais. A tendência à experimentação não diminui, exemplo dela é a obra de Manuel
Puig e de Juan José Saer, bem como a busca de novas possibilidades para modos
tradicionais de escritura, tal como se deu no auge do “romance histórico”, de longa
data na Argentina, em obras como as de Tomás Eloy Martínez, Libertad
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Demitrópoulos e Andrés Rivera, o gênero de “não ficção” que inaugurou Rodolfo
Walsh, e as novas propostas de policiais, em suas diferentes versões genéricas, em
nomes de autores reconhecidos como os de Angélica Gorodischer, Sergio Olguín,
José Pablo Feinmann e Ricardo Piglia, dentre outros. Também deve se destacar o
auge do gênero da ciência ficção e inclusive as propostas não genéricas, tal como se
adverte nos narrativas de Sergio Chejfec e de Luis Chitarroni. Inclusive a poesia que,
como em todo o mundo, padece de uma asfixia editorial, tem expressões de
transcendência, como o comprova a obra de Juan Gelman, de grande reconhecimento
na Europa e muito além, sem ser o único poeta de grande valor na poética argentina:
uma infinidade de editoras publica poesia autoral na Argentina atual. O poeta Néstor
Perlongher, que viveu mais de dez anos no Brasil e morreu na Cidade de São Paulo,
as grandes poetisas Diana Bellessi e Tamara Kamenszain são um claro reflexo da
qualidade da poesia argentina contemporânea.
É tal a variedade atual de manifestações e de opções que se torna difícil sistematizálas para mostrar em que consiste a literatura argentina atual: novos escritores, de no
mínimo três gerações, convivem e, cada qual a seu modo, expressam um grande
respeito pela literatura e uma consciência de sua construção. Pode se dizer, nesse
sentido, que o sentimento de “vanguarda”, mesmo que não sua retórica, subsiste e dá
frutos interessantes, tanto que muitos destes escritores jovens são reconhecidos em
vários continentes: nomes como os de Martín Kohan, Mempo Giardinelli, César Aira,
Claudia Piñeiro, Guillermo Martínez bem como muitos outros que conhecem traduções
em línguas muito remotas. A literatura Infantil e Juvenil também foi lançada ao mundo
com um selo de qualidade desconhecido até o momento, com nomes como María
Teresa Andruetto, recentemente honrada com o prestigioso Prêmio Christian
Andersen, em 2012, ou como a desenhista argentina Isol, Prêmio Astrid Lindgren
2013. E com nomes das novas gerações como Inés Garland, Silvia Shujer e Luciano
Saracino.
Com relação às leituras ministradas nas escolas argentinas atualmente se encontram
os clássicos como o Martín Fierro de José Hernández, El matadero de Esteban
Echeverría, Facundo de Domingo F. Sarmiento, Don Segundo Sombra de Ricardo
Güiraldes, El túnel de Sábato, Borges, Cortázar, Bioy Casares, Roberto Arlt, e vale
destacar que dentre nossos convidados Inés Garland e Sergio Olguín são parte do
currículo do ensino médio.
A respeito desta produção literária contemporânea, pode-se pensar que se no primeiro
modo de fazer literatura, desde meados do século XIX até todo o XX, predominaram
padrões “à francesa” –atenção à linguagem e à estrutura, com tendências analíticas e
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descritivas- ao fim do XX e no século que corre a literatura anglo-saxã, norteamericana e em menor escala inglesa, abriu as portas a um modo rápido de narrativa
no qual importam menos os virtuosismos da língua e mais a “história”. Certamente não
se trata de uma opção entre uma ou outra, e sim de pesquisa de possibilidades
expressivas inovadoras, semelhantes às que a literatura reuniu atendendo à forte
presença do jornalismo, como o fizeram as escritoras argentina Mariana Enríquez e
María Moreno.
Em tal sentido, não só as novas gerações de escritores de grande qualidade se
destacaram em nosso país nesta última década, mas também as editoras
independentes desde o ano 2001 em diante, que apostam forte e seriamente na
ficção, tais como Beatriz Viterbo, Bajo la Luna, Adriana Hidalgo, Mar Dulce e
Mansalva, dentre tantas outras, são reconhecidas por seu catálogo e vão armando o
novo mapa da publicação de narrativa argentina.
Em matéria de cinema, temos a honra de termos sido premiados com o Oscar pela
primeira vez com o filme a “Historia Oficial”, de Luis Puenzo, e da mesma forma,
temos que destacar a distinção alcançada com o filme de Juan José Campanella, “El
secreto de sus ojos” ganhador do Oscar de Melhor filme estrangeiro no ano de 2010,
cuja história se baseia no livro do escritor argentino Eduardo Sacheri, convidado para
a Bienal, La pregunta de sus ojos.
E por último, não podemos deixar de mencionar o gênero história em quadrinhos e seu
grande expoente argentino Quino, o criador de Mafalda, personagem que percorreu
todo o mundo, em mais de vinte idiomas. Assim como aos seus contemporâneos
Fontanarrosa, Caloi e seu filho Tute, que nos acompanhará nesta Bienal.
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