Vol. 9 No. 2, 2005 ISSN 1413-3555 Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 2 (2005), 117-122 ©Revista Brasileira de Fisioterapia Síndrome do túnel do carpo 117 SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO Karolczak, A. P. B.,1 Vaz, M. A.,1 Freitas, C. R.1 e Merlo, A. R. C.2 1 Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil 2 Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil Correspondência para: Ana Paula Barcellos Karolczak, Laboratório de Pesquisa do Exercício (ESEF-UFRGS), Rua Felizardo, 750, CEP 90690-200, Porto Alegre, RS, e-mail: [email protected] Recebido: 30/1/2004 – Aceito: 14/4/2005 RESUMO Introdução: A síndrome do túnel do carpo (STC) é a neuropatia de maior incidência no membro superior e consiste na compressão do nervo mediano no interior do túnel do carpo. Atualmente, essa alteração neuromuscular tem atingido um número de pessoas cada vez maior, principalmente trabalhadores que desempenham atividades de intensa movimentação do punho. Uma série de estudos tem procurado investigar a fisiopatologia, o diagnóstico e o tratamento para a STC. No entanto, os mecanismos neuromusculares envolvidos em seu desenvolvimento ainda não são totalmente compreendidos, o que dificulta um diagnóstico mais sensível e capaz de detectar inclusive a presença de dupla compressão (coluna cervical e túnel do carpo), assim como o tratamento adequado. Objetivos: Em função disso, os objetivos desta revisão de literatura são revisar os principais estudos que descrevem a fisiopatologia da STC, os principais métodos de seu diagnóstico e as principais formas de seu tratamento e apontar possíveis lacunas nessa área de estudo e os aspectos que ainda necessitam de um maior aprofundamento. Palavras-chave: síndrome do túnel do carpo, fisiopatologia, diagnóstico, tratamento. ABSTRACT Carpal tunnel syndrome Background: Carpal tunnel syndrome is the most common neuropathy of the upper limbs, and consists of compression of the median nerve within the carpal tunnel. This neuromuscular disorder is affected increasing numbers of people, especially workers who perform activities with repetitive wrist movements. Many studies have sought to investigate the pathophysiology, diagnoses and treatment for this syndrome. However, the neuromuscular mechanisms involved in its development are still not fully understood. Diagnosis that is more sensitive and also capable of detecting the presence of double compression (cervical column and carpal tunnel), along with appropriate treatment, is thus made difficult. Objective: To review the principal studies in the literature that have described the pathophysiology of this syndrome; to review the principal diagnostic methods and types of treatment; and to indicate possible gaps in this field of study and the aspects of this condition that still require deeper investigation. Key words: carpal tunnel syndrome, pathophysiology, diagnosis, treatment. INTRODUÇÃO O homem é o produto de três características fundamentais: um grande cérebro, a postura ereta e as mãos manipulativas.1 A mão tornou-se o principal instrumento por meio do qual o homem atua e transforma o mundo à sua volta. Para cumprir esse papel, a mão apresenta uma estrutura complexa, responsável por atividades que requerem precisão e fazem com que ela esteja sujeita a lesões que podem levar à incapacidade funcional. Dentre as lesões que podem atingir o membro superior, a síndrome do túnel do carpo (STC) é a neuropatia de maior 011 Karolczak A P B.p65 117 incidência. Ela consiste na compressão do nervo mediano quando passa pelo túnel do carpo.2,3,4 Os principais sintomas relacionados à STC são dor noturna com queimação, parestesia e atrofia tênar. Como conseqüência, têm-se limitação de atividade e incapacidade para o trabalho. O diagnóstico preciso é difícil e consiste em exame físico,5 em que são avaliados os sinais e sintomas (costumase observar a presença de dor noturna e o teste de Tinel positivo), e teste eletroneuromiográfico (ENMG). O critério ENMG é baseado na demonstração de redução ou bloqueio da condução nervosa. No entanto, 10%-50% de todos os 03/10/05, 11:28 118 Karolczak, A. P. B. et al. pacientes com sintomas típicos podem apresentar valores de condução nervosa e motora normais quando esse método é utilizado.6 Em relação ao tratamento, há duas opções: o tratamento conservador4 ou o cirúrgico.7 Embora a literatura favoreça a cirurgia,8 ela geralmente não está indicada em casos de lesão por esforço repetitivo (LER)/distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT). A comunidade científica tem concordado que as alterações musculoesqueléticas, quando relacionadas ao trabalho, têm alcançado proporções epidêmicas.9 Dentre essas alterações pode-se destacar a STC. Tendo em vista a incapacidade gerada por essa síndrome e suas conseqüências socioeconômicas, torna-se fundamental seu estudo. Os objetivos deste trabalho são revisar a literatura específica sobre a fisiopatologia, seu diagnóstico e seu tratamento e apontar possíveis lacunas e direções futuras. Fisiopatologia da Síndrome do Túnel do Carpo Estudos epidemiológicos identificaram os fatores de risco para STC. Apesar de não haver consenso, estes são predominantes: sexo feminino, obesidade, índice de massa corporal (IMC) alto, idade acima de 30 anos, atividade motora repetitiva (correlação não completamente estabelecida) e algumas patologias sistêmicas.10,11 Entre as causas clínicas citadas podem ser encontradas alterações que justificam o aumento de volume das estruturas presentes no interior do túnel do carpo, o qual é responsável pela compressão nervosa. Além dos aspectos abordados, a STC pode ser classificada como ocupacional quando o trabalho é considerado um fator de risco, principalmente em trabalhadores que executam movimentos repetitivos.9,12 Uma interação entre dois ou mais desses fatores pode levar ao desenvolvimento da STC. O processo de instalação da STC por trabalho repetitivo pode ocorrer em decorrência de lesões agudas e crônicas no sistema musculoesquelético. A lesão aguda pode ser traumática ou por instalação de fadiga muscular, que ocorre quando o nível de força aplicada é baixo, mas considerado acima da capacidade adaptativa do sistema muscular. As lesões crônicas são conseqüências de sobrecargas musculoesqueléticas a longo prazo.13 Uma nova visão sobre o desencadeamento dos DORTs foi proposta como sendo relacionada a um tipo especial de fadiga chamado fadiga de baixa freqüência (FBF), que parece acometer as fibras de contração lenta (ou tipo I). Há evidências de uma relação entre movimentos repetitivos e a instalação de FBF, uma vez que foi demonstrada a existência de FBF em exercícios repetitivos de desvio ulnar do carpo durante 011 Karolczak A P B.p65 118 Rev. bras. fisioter. um dia simulado de trabalho, com pico de FBF em torno de quatro horas após movimentos repetitivos submáximos. Entretanto, a FBF não permaneceu até o dia seguinte, fato que foi associado à carga de trabalho muito reduzida.14 Também foi observada a existência de FBF em exercícios repetitivos de flexão de punho durante um dia simulado de trabalho, com queda de 54 + 19% no índice da FBF, comparado ao valor inicial. O índice de FBF permaneceu abaixo dos níveis de controle 16 horas após encerrado o dia simulado de trabalho, demonstrando que a FBF ainda estava presente no início do segundo dia. O acúmulo da FBF no dia seguinte pode ser prejudicial e, após cinco dias, pode resultar em sobrecarga sobre os tecidos, fator de risco para o estabelecimento dos DORTs de membro superior.15 Posturas estáticas e atividade muscular sustentada têm sido referidas como as mais importantes contribuições para os DORT entre usuários de computadores,16 em razão do fato de as atividades exercidas não estarem relacionadas a cargas pesadas, mas com cargas leves ou moderadas, porém repetitivas. Foram descritos cinco possíveis mecanismos envolvidos no processo da STC: (1) a “hipótese Cinderela”, (2) microrrupturas de fibras musculares, (3) aumento da pressão interna do túnel do carpo, (4) redução do fluxo sangüíneo e (5) alterações metabólicas.17 A “hipótese Cinderela” propõe que o desenvolvimento da dor muscular crônica está baseado no excesso de uso das fibras de contração lenta, uma vez que estas são ativadas primeiro e mantidas durante toda a contração. Algumas evidências no sentido de acometimento de um tipo de fibra muscular em pacientes com DORT foram descritas, sugerindo uma relação com a proporção de fibras musculares rápidas e lentas.18 Em indivíduos com mialgia foram encontradas fibras rápidas danificadas (sugerindo dano mitocondrial) no músculo trapézio superior, fibras lentas também danificadas, mas em maior quantidade, e níveis reduzidos de adenosina trifosfato (ATP) e adenosina difosfato (ADP). A hipótese de aumento na incidência de fibras lentas e de atrofia de fibras rápidas pode ser decorrente de uma resposta muscular à circulação prejudicada. Essa hipótese tem suporte no reduzido conteúdo de ATP e ADP na mialgia. No entanto, em contrações isométricas do músculo bíceps braquial, sustentadas em 10% da contração voluntária máxima (CVM), ocorre uma “rotatividade” de unidades motoras (UMs), sugerindo um mecanismo protetor do organismo. Assim, a hipótese de ativação contínua das UMs de contração lenta não está totalmente validada: é preciso saber se há UMs capazes de serem ativadas por tempo suficiente para lesionar as fibras musculares e que permaneçam ativadas em diferentes posturas e movimentos.19 03/10/05, 11:28 Vol. 9 No. 2, 2005 Síndrome do túnel do carpo UMs no músculo extensor comum dos dedos (ECD), durante contração voluntária realizada por longo período de tempo e com baixo nível de esforço, permanecem continuamente ativadas por, no mínimo, 25 minutos. Apesar das freqüentes substituições de UMs, foram observadas UMs ativas durante todas as fases dos movimentos. Porém, esses resultados não permitem rejeitar a “hipótese Cinderela” para o músculo ECD.18 A conseqüência direta da “hipótese Cinderela” é a instalação de fadiga, que caracteriza o primeiro sinal de uma hipersolicitação muscular.20 A força mecânica que incide sobre a UM pode levar à ruptura de miofibrilas e à liberação de substâncias químicas, induzindo a uma resposta inflamatória.17 A STC crônica resulta de uma inflamação que atinge os tendões dos músculos flexores dos dedos e/ou a bainha sinovial, aumentando o volume no interior do túnel,19,21 apesar de nem sempre ser observada inflamação quando feita a biópsia. O segundo mecanismo proposto está relacionado às forças passivas presentes durante as contrações excêntricas. Quando essas forças excedem a capacidade de resistência dos tecidos e o trabalho é mantido podem manifestar-se microrrupturas de fibras musculares.17 Os três últimos mecanismos estão inter-relacionados e podem ocorrer simultaneamente. O aumento da pressão interna, gerada pelo aumento de volume das estruturas anatômicas, pode acarretar atrito entre os diferentes tecidos, além de compressão nervosa com alterações estruturais na região do nervo. A redução do fluxo sangüíneo deve-se ao bloqueio mecânico que impede a irrigação de chegar até o local acometido. Em conseqüência, ocorre acúmulo de produtos metabólicos, que pode contribuir para a fadiga muscular e para a permanência do processo inflamatório.17 Durante a compressão nervosa, as respostas fisiológicas das fibras nervosas periféricas lesionadas são redução da velocidade de condução neural seguida por bloqueio da condução. As conseqüências desse bloqueio envolvem efeitos sobre as fibras nervosas eferentes (fasciculação) e aferentes (dor e parestesia). Três são os estágios descritos para a lesão isquêmica em neuropatias compressivas: (1) aumento da pressão interna dos tecidos na região afetada, (2) lesão capilar com formação de edema e (3) obstrução do fluxo arterial.3 Diagnóstico da Síndrome do Túnel do Carpo O histórico do paciente é o aspecto mais importante a ser avaliado durante o exame físico. O quadro inicial da STC caracteriza-se por queixas sensitivas,22 como sensação de formigamento intermitente, geralmente acompanhada de dor. A distribuição da dor e da parestesia manifesta-se na região inervada pelo nervo mediano. No entanto, essa 011 Karolczak A P B.p65 119 119 distribuição é variável, uma vez que foi verificado, mediante questionário, que 21% dos pacientes relataram parestesia e dor no antebraço; 13,8%, dor no cotovelo; 7,5%, dor no braço; 6,3%, dor no ombro; e 0,6%, dor na região cervical. Os sintomas em regiões mais proximais provavelmente estão relacionados ao fato de a compressão mecânica afetar o nervo mediano distalmente e proximalmente.23 Alguns sinais freqüentemente utilizados para diagnóstico de STC: teste de Phalen, teste de Tinel-Hofmann, compressão do nervo mediano e sinal de fraqueza do músculo abdutor curto do polegar.5 Esses sinais não parecem ser muito precisos, embora sejam aceitos para detecção da STC, sendo recomendado seu uso, exceto dos testes de compressão do nervo mediano e Tinel-Hofmann, os quais têm boa especificidade mas pobre sensibilidade.5 Em outras palavras, esses testes produzem alto número de resultados falso-positivos e falso-negativos, o que os torna limitados como sinais clínicos24 e devem ser utilizados em associação ao sintoma de dor noturna e ao teste ENMG. Em um estágio mais avançado dessa patologia, manifestações como alterações musculares e proprioceptivas também podem ocorrer. Por esse motivo, testes de força muscular bilaterais são indicados na avaliação.3 A hipotrofia tenar é característica das compressões crônicas. Nota-se, nesses casos, redução das forças de preensão palmar e de pinça polegar-indicador.22 Dentre as alterações motoras, ocorrem mudanças na propriocepção, redução da força muscular e perda do equilíbrio da relação agonista/antagonista. Essas alterações estão justificadas em casos crônicos, nos quais outras estruturas estão envolvidas. Havendo comprometimento motor, pode-se avaliar a atrofia tenar, a dificuldade ou a impossibilidade de rotação dos polegares (mãos entrelaçadas, rodar um dedo em volta do outro) e a diminuição de força de pinça polegar-indicador.20 Para o diagnóstico mais preciso é utilizada a ENMG, na qual é verificada a velocidade de condução nervosa por eletrodos de inserção. Esse teste é considerado padrão-ouro para STC3 e mostra a saúde fisiológica do nervo mediano através do túnel do carpo. Os parâmetros utilizados nessa avaliação são latência motora distal, latência sensitiva distal, latência sensitiva da palma até o punho, estimulação seriada por meio do punho, comparação de latências sensitivas entre os nervos mediano e ulnar e entre mediano e radial; comparação de latências sensitivas entre mediano e ulnar no dedo anular e eletromiografia.24 O diagnóstico dá-se por meio da comparação da função do nervo mediano, quando ele passa pela região do punho, com outro segmento do nervo ou com outro nervo, como o radial ou o ulnar. O nervo é ativado mediante estimulação elétrica transcutânea, induzindo um potencial de ação e despolarização. Os sinais gerados pela estimulação são 03/10/05, 11:28 120 Karolczak, A. P. B. et al. comparados com os valores normais tomados de outra região.3 Há fatores que podem levar a um resultado falso-positivo, como idade, sexo, obesidade, diâmetro do dedo, patologia sistêmica associada e temperatura.25 A STC apresenta grande variedade de sintomas decorrentes de a associação de trauma mecânico e lesão isquêmica. Apesar de a confirmação da STC ser feita por meio da ENMG, os achados desta revisão sugerem que ela não apresenta total confiabilidade, daí a necessidade de associá-la aos sinais e sintomas. Além disso, essa técnica é invasiva e envolve grande desconforto e dor para o paciente. As técnicas sensórias, como os testes provocativos, também não parecem ser as formas mais adequadas de diagnóstico, sendo necessárias novas pesquisas. Tratamento da Síndrome do Túnel do Carpo O tratamento proposto para STC é dividido em conservador e cirúrgico.20 O tratamento conservador consiste em fisioterapia e uso de medicamentos. Durante a fisioterapia são realizadas cinesioterapia e eletroterapia, além de prescrição de órteses pelo médico. Todas essas medidas devem estar associadas a mudanças nas atividades de vida diária, bem como daquelas realizadas no ambiente de trabalho. Raros são os estudos sobre o uso da eletroterapia em pacientes com STC. No entanto, foi encontrado um estudo sobre o uso de ultra-som para recuperação da condução nervosa em um modelo experimental com coelhos. Após as aplicações, a amplitude do potencial de ação do músculo abdutor do polegar obteve aumento significativo, indicando que a recuperação foi facilitada pelo tratamento. Todavia, os benefícios dessa técnica ainda necessitam ser estudados em modelos clínicos.26 A mensuração da pressão do túnel do carpo (mediante o acoplamento de um cateter a um transdutor de medida de pressão arterial no interior do túnel do carpo por processo cirúrgico) mostra que ela diminui após 1 minuto de exercícios e mantém-se abaixo da pressão de repouso por mais de 15 minutos de medida contínua após o período de exercício. Os exercícios de movimentação ativa intermitente do punho e dos dedos reduzem a pressão no interior do túnel do carpo,2 indicando uma vantagem para a prescrição de exercícios. A execução de exercícios proporciona a resolução dos sintomas por alongamento da aderência no túnel carpal. Isso provoca redução da pressão no interior do túnel, do edema e da área de contato do nervo mediano com o ligamento transverso, assim como um incremento do retorno venoso.27 O efeito de exercícios de punho e dedos comparado ao uso de órteses foi avaliado em indivíduos com STC. Ao final do estudo, os dois grupos obtiveram melhora significativa, não comprovando a eficácia do protocolo de exercícios em relação ao uso de órtese.4 011 Karolczak A P B.p65 120 Rev. bras. fisioter. A indicação de órteses é uma das formas mais eficazes de tratamento da STC e seu princípio está baseado na redução dos movimentos extremos da articulação do punho,28 medida que pode resultar na diminuição da pressão no interior do túnel. A posição aproximada mais indicada para redução da pressão é 2 ± 9º de extensão e 2 ± 6º de desvio ulnar.29 A prescrição desse equipamento está indicada em casos moderados, com pequeno bloqueio de condução nervosa. Deve ser usado sempre à noite e durante o trabalho, caso os sintomas sejam induzidos durante esse período,30 embora os efeitos observados com o uso durante todo o dia também sejam positivos.31 Tem sido realizada a associação de exercícios com a administração de medicamentos, como antiinflamatórios nãoesteróides, diuréticos, vitamina B6 e infiltrações de corticóide, mas não há confirmação de sua eficácia.32 O tratamento com injeções de corticóides oferece risco de infecção, ruptura de tendões, aumento da lesão nervosa e distrofia simpático reflexa.8 Conforme mencionado anteriormente, a STC pode ser tratada por método conservador ou cirúrgico. A cirurgia é recomendada quando tratamentos prévios, incluindo medicamentos e injeções de esteróides intratúnel, falham. Os critérios de inclusão são os seguintes: parestesia constante ou intermitente ao longo do trajeto do nervo mediano, teste de Phalen positivo, distúrbios sensoriais e condução nervosa anormal. Os critérios de exclusão são: cirurgia prévia para liberação do túnel, fratura prévia e lesões duplas, como radiculopatia cervical e polineuropatia.7 De modo geral, a literatura favorece o tratamento cirúrgico, como pode ser demonstrado na comparação da eficácia, em curto e longo prazos, entre órtese e cirurgia para tratamento da STC. Os pacientes foram avaliados clínica e eletrofisiologicamente e a liberação cirúrgica resultou em melhor progresso.33 Quanto à realização do procedimento cirúrgico, a decisão deve ser tomada preferencialmente pelo paciente. Porém, caso os sintomas e sinais indiquem perda axonal (como formigamento por mais de um ano) e de sensibilidade, atrofia muscular ou fraqueza, a cirurgia deve ser indicada.34 Na liberação tradicional, o cirurgião faz uma incisão de 5 a 6 cm, estendida longitudinalmente em relação à prega formada pelo punho, e realiza a liberação do ligamento transverso do carpo sob visualização direta.34 A liberação do ligamento também pode ser feita por via endoscópica, esse procedimento apresenta maior risco de lesionar o nervo mediano, porém o alívio dos sintomas é similar ao procedimento aberto e os pacientes retornam ao trabalho mais cedo.35 Os valores de força de preensão palmar de pacientes submetidos à cirurgia tradicional retornam aos níveis do préoperatório após três meses da cirurgia e melhoram consideravelmente no período de dois anos após o procedimento cirúrgico.34 03/10/05, 11:28 Vol. 9 No. 2, 2005 Síndrome do túnel do carpo 121 Na avaliação da velocidade de condução nervosa de indivíduos com STC que passaram por cirurgia aberta ocorre melhora clínica e neurofisiológica, entretanto, algum grau de déficit motor e/ou sensório permanece presente após seis meses nos casos mais avançados.36 tativa, o déficit de força, como, por exemplo, dinamômetros de preensão em pinça. Além de tornarem as avaliações clínicas menos subjetivas, esses instrumentos de medida podem ser úteis para a determinação de padrões normativos indicadores de lesão. Direções Futuras De acordo com a literatura, um dos principais problemas enfrentados por indivíduos acometidos por STC é a perda de força muscular, conforme evidenciado mediante a revisão da literatura.2,34 A perda de força muscular e a capacidade reduzida de ativação elétrica dos músculos afetados pela STC podem ser evidenciadas por algumas técnicas não-invasivas, como a mecanomiografia (MMG) e a eletromiografia (EMG). A MMG é uma técnica não-invasiva que vem sendo utilizada nas últimas três décadas para o estudo da função muscular. Ela tem a vantagem, em relação à EMG, de detectar informações relativas tanto ao comportamento mecânico do músculo quanto à sua ativação elétrica. A técnica da MMG é potencialmente utilizada como indicadora de força e as mudanças nos sinais MMG, durante a atividade, são dependentes da força de contração e das diferentes estratégias de recrutamento de UMs utilizadas para manter os diferentes níveis de força.37 Apesar de os sons/vibrações musculares terem sido utilizados com diferentes propósitos, pouco se sabe sobre as alterações que ocorrem nesses sons em decorrência das diferentes condições patológicas.39 Raros foram os experimentos que utilizaram a MMG no estudo de lesões musculoesqueléticas. Esses poucos trabalhos, no entanto, já indicam haver diferenças no sinal MMG em músculos de indivíduos portadores de lesões musculoesqueléticas ou neuromusculares. Em um desses estudos foi detectado que o pico de freqüência dos sons musculares produzidos por contrações de músculos com algum tipo de desordem neuromuscular é significativamente mais baixo do que o pico de freqüência dos sons produzidos por contrações de músculos saudáveis.39 Outro experimento sugere que o registro dos sons musculares produzidos em resposta à estimulação elétrica artificial pode ser útil no diagnóstico de denervação em estágio precoce. Esses autores verificaram que as amplitudes dos sons musculares de pacientes com lesões no nervo periférico foram menores quando comparadas com aquelas de pacientes com os músculos contralaterais não-afetados pela lesão.40 Apesar de as evidências na literatura apontarem para a MMG como uma ferramenta não-invasiva de fácil utilização e que pode vir a ajudar no diagnóstico de alterações na função muscular decorrentes de patologias, não foi encontrado, na literatura, nenhum estudo sistemático que tenha utilizado essa técnica com portadores de STC. Associados a essa técnica, sugere-se o desenvolvimento de sistemas de medição capazes de detectar, de forma quanti- CONSIDERAÇÕES FINAIS 011 Karolczak A P B.p65 121 A STC pode ser considerada, além de um problema de saúde, também um problema social, tendo em vista os transtornos físicos e psíquicos decorrentes dela. Os sintomas e sinais musculoesqueléticos não são as únicas conseqüências dos desequilíbrios vivenciados pelos trabalhadores. Outros problemas de saúde estão associados a essa condição. O trabalho repetitivo pode estar na origem de alguns transtornos psíquicos ou vice-versa, de forma que fatores biomecânicos e psicossociais interagem na formação e na evolução do fenômeno musculoesquelético. Embora haja vários estudos sobre STC, como foi descrito neste trabalho, ficou evidente que há necessidade de um maior número de investigações, inclusive utilizando novas técnicas de pesquisa e abordando a possibilidade de dupla compressão (coluna cervical e túnel do carpo), que possam esclarecer todos os mecanismos envolvidos nessa patologia e, dessa forma, auxiliar na melhora da qualidade de vida desses indivíduos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Birdsell JB. Human evolution. 2a ed. Chicago: Rand Mc.Nally College Publishing Company; 1975. p. 582. 2. Seradge H, Jia Y, Owens W. In vivo measurement of carpal tunnel pressure in the functioning hand. J Hand Surg (AM) 1995; 20A: 855-9. 3. Werner RA, Andary M. 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