Departamento de Física
ESTUDO DE DECAIMENTOS FRACOS NO EXPERIMENTO LHCb
Aluno: Leonardo Chataignier Moreira da Rocha
Orientadora: Carla Göbel Burlamaqui de Mello
Bolsa PIBIC – Relatório Anual – 2012/2013
1) Introdução
O Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN) desenvolve pesquisas a respeito dos
constituintes fundamentais da matéria e verifica a validade de modelos teóricos, como o
Modelo Padrão da Física de Partículas – que até agora tem sido amplamente corroborado.
Dentre os principais experimentos do CERN que usam o Grande Colisor de Hádrons (LHC),
está o Large Hadron Collider beauty (LHCb)[1], uma colaboração internacional de
aproximadamente 700 cientistas, que também conta com a participação de brasileiros. Os
cientistas do LHCb estudam a assimetria entre matéria e anti-matéria, uma marcante
característica do Universo que ainda não compreendemos de maneira satisfatória. Com o
armazenamento de uma gigantesca quantidade de dados referentes a decaimentos de mésons
B (que contêm o quark beauty – b) e D (que contêm o quark charm – c), produzidos nas
colisões de até 8 TeV entre prótons no tubo do LHC, aplicam-se diferentes métodos de análise
em busca de corroborações de modelos já feitos e efeitos de nova Física.
Este projeto de iniciação científica em Física de Partículas a Altas Energias se voltou
para o estudo de decaimentos via interação fraca de mésons D, que são instáveis, produzindo
3 hádrons (píons ou káons) no estado final. Preocupamo-nos, principalmente, em encontrar
um método confiável e prático para simular diferentes tipos (“canais”) de decaimentos no
referencial do laboratório. A simulação de decaimentos de partículas por métodos
computacionais é de grande importância para a análise de dados reais, fornecendo um valioso
entendimento da cinemática e dinâmica das Partículas Elementares. O projeto culminou em
um algoritmo para que tais decaimentos fossem simulados (“gerados”) de maneira isotrópica
no referencial de centro de massa do decaimento e então todas as variáveis físicas relevantes
calculadas (“transformadas” de acordo às Leis da Relatividade Restrita) para o referencial do
laboratório.
2) Física de Partículas
2.1) O Modelo Padrão
O Modelo Padrão da Física de Partículas [2,3] explica, a menos de parâmetros livres,
como os constituintes fundamentais da matéria interagem, por meio de quatro tipos de forças.
Matéria e anti-matéria são feitas a partir de tijolos básicos, as Partículas Elementares.
Exemplos são quarks (e anti-quarks) e elétrons (e anti-elétrons – os chamados pósitrons). O
século passado trouxe excitantes descobertas de uma miríade de partículas, o que colocou a
necessidade de sintetizar teoricamente nosso conhecimento a respeito desses pequenos blocos
fundamentais. O Modelo Padrão, após anos de pesquisa, foi o resultado. Até hoje, esse
modelo concordou de maneira excepcional com os testes experimentais. A descoberta do
bóson de Higgs em 2012, já confirmada, foi apenas o mais recente dos triunfos desse quadro
teórico.
De acordo com o modelo, a matéria é constituída por férmions (partículas de spin
semi-inteiro) e mediadores de interações, os bósons, cujo spin é um número inteiro. Dentre os
férmions, distingue-se os seis léptons – o elétron e seu neutrino, o múon e seu neutrino, e o
tau e seu neutrino – dos seis quarks – up (u), down (d), charm (c), strange (s), bottom ou
beauty (b), top (t). Os neutrinos têm massa presumivelmente muito pequena e carga nula. Os
demais léptons apresentam carga elétrica igual a do elétron (
coulombs), já a carga
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dos quarks é fracionária. Isso parece contradizer a famosa lei de que só observamos múltiplos
inteiros de carga elétrica na Natureza. Mas, de fato, aparentemente não se vêem quarks livres,
somente estados ligados de hádrons. O confinamento de quarks é, hoje, uma ativa área de
pesquisa. Os hádrons podem ser pares quark-antiquark, ou grupos de três quarks, formando
partículas chamadas de mésons e bárions, respectivamente. Um próton é um exemplo de
bárion, formado pela trinca de quarks uud, enquanto píons e káons são mésons.
As partículas de matéria e anti-matéria interagem por meio de quatro tipos de interação
(forças): Forte, Eletromagnética, Fraca e Gravitacional. Hoje, temos um entendimento
satisfatório (ou até mesmo excelente) a respeito do funcionamento dessas interações em nível
quântico, com a exceção da Gravidade, que fica de fora do Modelo Padrão.
Experimentalmente, verifica-se que essas interações fundamentais são mediadas pela troca de
um bóson: no caso forte, os glúons; mediando a interação eletromagnética, o fóton; para a
força fraca, os bósons
e Z0. O gráviton seria o bóson mediador de uma Teoria de
Gravitação Quântica, mas por um lado ainda não foi detectado, por outro lado, ainda não
existe uma formulação quântica-relativística adequada para a gravitação.
2.2) Matéria e Anti-Matéria
Partículas de matéria (ou simplesmente, partículas) têm suas versões em anti-matéria,
que são chamadas anti-partículas. A diferença está nos números quânticos: por exemplo, antipartículas apresentam cargas opostas àquelas das partículas. Um fóton – de carga elétrica nula
– é um exemplo de partícula que é a própria anti-partícula, mas o nêutron, apesar de não
apresentar carga líquida, é formado pela trinca udd de quarks, de carga não-nula. Então, a
trinca ̅ ̅ ̅ forma o anti-nêutron. Uma barra em cima do símbolo indica uma anti-partícula.
Dos modelos teóricos, os físicos acreditam que o Big Bang deveria ter criado a mesma
quantidade de partículas e anti-partículas. A matéria, contudo, predomina no Universo atual.
É possível que existam aglomerados de anti-matéria ainda não observados. De qualquer
maneira, algum mecanismo deve ter sido responsável pela assimetria observada. O Modelo
Padrão prevê pequenas diferenças nas quantidades de partículas e anti-partículas que
deveriam ter sido criadas, mas essas são insuficientes para explicar o que observamos. Os
grandes aceleradores modernos, porém, criam constantemente anti-partículas por meio de
colisões e é a partir desses experimentos que investigamos suas propriedades. O LHCb, assim,
pesquisa propriedades de partículas e anti-partículas para que, futuramente, confirmemos,
refutemos ou elaboremos modelos que incluam o predomínio de matéria.
Os cientistas se surpreendem com a assimetria entre anti-matéria e matéria porque
quando uma partícula e uma anti-partícula colidem, ocorre sua aniquilação, um processo de
resulta em apenas energia, que pode voltar a se materializar. Se, como prevê nosso atual
modelo, quantidades aproximadamente iguais de partículas e anti-partículas tivessem sido
produzidas no Universo jovem, não deveriam ter se formado vastos aglomerados de matéria,
após a aniquilação. A ideia comum para solucionar o problema é que diferenças (ainda pouco
conhecidas) entre matéria e anti-matéria seriam responsáveis pela assimetria.
Já foram observadas transições espontâneas e de frequência altíssima entre partículas e
suas anti-partículas [4]. Acredita-se que o mecanismo desconhecido tenha interferido nessas
transições no Universo jovem. No LHCb, as colisões entre feixes de prótons permitem recriar
as condições energéticas características dos instantes iniciais após o Big Bang, quando os
quarks mais pesados, como b e c, eram bastante comuns. Quarks e anti-quarks b e c são
instáveis e decaem rapidamente em outras partículas. Então, o estudo de decaimentos se torna
extremamente relevante, já que discrepâncias nas taxas com que partículas e anti-partículas
decaem poderiam explicar porque uma pequena fração de matéria sobrou da aniquilação e
formou o Universo observável.
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3) Fundamentos Teóricos para o Estudo de Decaimentos
Decaimentos em três corpos
Decaimentos em n corpos são reações do tipo
que respeitam a conservação de energia e de momentum linear, onde
é chamada
partícula mãe e
, partículas filhas.
O projeto deu destaque aos decaimentos em três corpos. O algoritmo desenvolvido para
simular decaimentos isotrópicos no laboratório (conforme próxima seção) pode ser usado para
qualquer canal (tipo) em três corpos. Em particular, contudo, tomamos como referências para
estudo os decaimentos:
onde D+ é um méson formado pela dupla de quarks ̅ , que decai em káons ou píons, que são
também mésons. Os dados de um decaimento real são coletados no detector de um acelerador
de partículas e, após a aplicação de técnicas de seleção e remoção de ruídos, os cientistas
dispõem de informações sobre quais partículas estavam envolvidas. Os dados são, claramente,
coletados no referencial do laboratório, então é útil entender como ocorrem tais decaimentos
nesse referencial, até mesmo para verificar modelos teóricos.
3.1) Dalitz Plots e Massas Invariantes ao Quadrado
Um meio gráfico de análise de dados extremamente oportuno é o Dalitz Plot. O tipo de
decaimento estudado e a presença de partículas com spin ou de partículas intermediárias (as
chamadas ressonâncias, que interagem via força forte) podem ser lidos diretamente desse
gráfico, que é uma representação - bidimensional, no caso de três partículas filhas - do Espaço
de Fase de um sistema de partículas. O Espaço de Fase nada mais é que o conjunto de
variáveis dinâmicas não vinculadas que descrevem completamente o sistema estudado.
Representá-lo em um Dalitz Plot é conveniente porque, assim, é possível contornar
dificuldades inerentes ao problema, como determinar as direções de emissão das partículas
filhas, que devem respeitar a isotropia do problema em uma simulação computacional.
Cada ponto de um Espaço de Fase (e de um Dalitz Plot) representa um evento de
decaimento. A distribuição de eventos é determinada por variáveis cinemáticas e dinâmicas. É
possível construir grandezas invariantes sob Transformações de Lorentz [2,5] (isto é, que
independem do referencial inercial adotado) para traçar o gráfico. Essas grandezas são massas
invariantes (ao quadrado) de subsistemas de partículas que participam do decaimento e
apresentam limites cinemáticos que formarão a fronteira de um Dalitz Plot.
Dado um decaimento em três partículas filhas, a conservação do vetor energiamomentum (quadri-momentum) nos dá:
(1)
onde P0 é o quadri-momentum da partícula mãe e Pi (i = 1,2,3) correspondem aos quadrimomenta das partículas filhas. Se A é um quadri-vetor, então
é invariante sob a
Transformação de Lorentz [2,5]. Assim, são definidas as seguintes grandezas, que serão
invariantes:
(2)
Somando-as, por (1) e pela relação
[2,5] (onde mi é a massa da partícula de
índice i e c é a velocidade da luz no vácuo), obtemos:
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(3)
Essas grandezas são invariantes por construção, mas sua própria definição garante que
√ possa ser interpretada como a massa invariante do subsistema de partículas (i,j) em um
decaimento. A equação (3) acima é uma restrição aos valores que essas grandezas assumem e
a partir dela são traçados os Dalitz Plots. Para isso, é possível calcular os valores máximo e
mínimo que as massas invariantes ao quadrado poderão assumir e, pela restrição (3),
encontrar seus limites cinemáticos no Espaço de Fase. Todo decaimento, se representado por
meio dessas massas invariantes ao quadrado, irá preencher o Espaço de Fase por elas gerado
somente em uma dada região (a região do Dalitz Plot) devido a esses limites cinemáticos.
Eventos fora dessa região são considerados, por isso, não-físicos.
Além disso, a partir da identidade
e da conservação do quadri-momentum,
podemos definir a massa invariante de um sistema de três partículas filhas, como se segue.
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ [2,5], i = (1,2,3), j = (1,2,3), sendo ⃗⃗⃗ a notação para o
para a energia total da partícula de índice i, segue (tomando c = 1):
De
tri-momentum e
|⃗⃗⃗ |
De
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
onde ⃗
⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗⃗ |
|⃗⃗⃗⃗ |
|⃗⃗⃗ |
⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗ | :
[
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗ |
|⃗⃗⃗⃗ |
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗⃗ |
⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
|⃗ |
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗ |
|⃗⃗⃗⃗ |
⃗⃗⃗⃗ . Substituindo (5) em (4), obtemos:
|⃗⃗⃗⃗ |
[
|⃗ |
|⃗⃗⃗⃗ |
(5)
|⃗ |
|⃗⃗⃗⃗ |
|⃗ |
⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ] (4)
]
|⃗ |
(6)
onde
. A equação (6) é a definição de massa invariante para um sistema de
três partículas, já que é análoga à definição para o caso de duas partículas nas equações (2).
Em um decaimento em três corpos, uma aplicação dessa definição é calcular o espectro de
massa da partícula mãe (m0) a partir de medidas das energias e dos momenta das partículas
filhas.
4) Metodologia – Desenvolvimento de um Algoritmo de Geração de Decaimentos
Isotrópicos no Referencial do Laboratório
4.1) Geração de um Decaimento no Referencial do Centro de Massa
De início, é mais prático simular eventos de um canal de decaimento no referencial do
centro de massa de um sistema de N partículas, que pode ser identificado como aquele em que
vale (7) abaixo.
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⃗⃗⃗⃗
∑ ⃗⃗⃗
⃗
onde ⃗⃗⃗⃗ é o tri-momentum da partícula mãe e ⃗⃗⃗ (i = 1,...,N) são os tri-momenta das partículas
filhas. Vamos nos concentrar no caso N = 3.
Em uma simulação computacional, as massas invariantes ao quadrado podem ser
tomadas como variáveis aleatórias e o tipo de distribuição dessas variáveis determinará o tipo
de decaimento simulado. É conveniente, então, expressar as energias e momenta das
partículas envolvidas em função das massas invariantes. A partir daqui, tomaremos c = 1 nos
cálculos.
4.1.1) Energia e Momenta como funções de s12, s13 e s23
Como o tri-momentum da partícula mãe no referencial do centro de massa é nulo,
podemos escrever:
Por outro lado, devido à (1),
e, então,
Em particular, como
expressa como:
(i = 1,2,3), a energia da partícula de índice 1 pode ser
Um cálculo análogo leva a fórmulas similares para as energias das partículas de índice
2 e 3. Abaixo, coletamos esses resultados.
É importante observar que essas fórmulas valem apenas no referencial do centro de
massa do decaimento, que é o referencial de repouso da partícula mãe. Para simular, então,
uma distribuição de decaimentos, um procedimento eficiente consiste em sortear valores para
as variáveis do Dalitz Plot, por exemplo, para s12 e s13. O sorteio pode seguir uma distribuição
uniforme, que corresponde a gerar eventos de decaimento direto, ou outras mais elaboradas,
para decaimentos por etapas (quando estão presentes as ressonâncias, por exemplo).
Uma vez sorteadas as variáveis do Dalitz Plot, que aqui tomamos como s12 e s13,
podemos determinar a terceira, no caso, s23, a partir de (3) e obter valores para as energias das
partículas no referencial do centro de massa a partir de (8). As normas dos tri-momenta das
partículas, nesse referencial, pode ser determinada a partir da relação básica
|⃗⃗⃗ |
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Estamos supondo, é claro, que as massas das partículas são conhecidas e serão dadas
como parâmetro da simulação. Então, para gerar uma distribuição de decaimentos do canal
2
, por exemplo, definimos as variáveis de massa como 0,494 GeV/c para os
káons e 0,140 GeV/c2 para o píon, além da massa do méson D, 1,869 GeV/c2. Em seguida,
geramos aleatoriamente valores de s12 e s13, determinamos s23 e as energias e normas dos
momenta.
4.1.2) Decaimentos Isotrópicos
Até aqui, o método desenvolvido garante uma distribuição de valores de energiamomentum no referencial do centro de massa, mas não caracteriza uma distribuição de
decaimentos reais, porque ainda não foi fornecida nenhuma informação a respeito das
direções de emissão das partículas filhas. Dado que tanto a partícula mãe como as três
partículas filhas tem spin 0, espera-se que a distribuição de momento das partículas filhas seja
isotrópica, isto é, que não haja direções privilegiadas de emissão. Descrevemos agora um
método para simular isotropia na distribuição.
Um Começo Anisotrópico: Orientações Relativas entre os Momenta
É mais simples começar escolhendo eixos arbitrários em relação aos quais estão
definidos os tri-momenta para cada evento. A conservação desses vetores garante que o
decaimento ocorre em um plano: como o momentum da mãe é nulo, a soma dos momenta das
filhas deve ser zero. Estabelecendo um sistema de eixos cartesianos ̅ ̅ no plano, conforme a
Figura 1, podemos colocar o momentum ⃗⃗⃗ no eixo ̅ e escrever:
onde denotamos
respectivamente.
|⃗⃗⃗ | (i = 1,2,3) e θ2 e θ3 são os ângulos que ⃗⃗⃗⃗ e ⃗⃗⃗⃗ fazem com o eixo ̅ ,
Figura 1: Sistema ̅ ̅ no plano do decaimento.
O sistema (10) é apenas a expressão da conservação do momentum no sistema ̅ ̅.
Nota-se que esse é um sistema de duas equações para duas variáveis, já que as normas p 1, p2 e
p3 já foram determinadas por (9). Dessa forma, podemos determinar θ2 e θ3:
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Primeiro, elevamos a primeira equação do sistema (10) ao quadrado e depois
utilizamos a segunda equação para eliminar θ3. Podemos fazer exatamente o mesmo
procedimento para eliminar θ2 e obter:
Assim, a solução de (10), expressa em senos e cossenos de θ2 e θ3, fica:
√
Agora, não só sabemos o valor das normas dos tri-momenta para cada evento, como
também suas orientações em um sistema de eixos ̅ ̅ arbitrário no plano do decaimento. É
verdade que a solução (11) é dupla, como se vê pelo sinal duplo na segunda equação. Isso
representa uma liberdade do sistema (10): de fato, dele podemos determinar duas funções
trigonométricas de θ2 e θ3, como
e
. Já que temos que especificar quatro funções
trigonométricas para descrever completamente as orientações dos momenta no sistema ̅ ̅
escolhido, haverá necessariamente uma indeterminação (obtida ao extrair a raiz quadrada na
segunda equação de (11)). Na simulação, a escolha do sinal é feita, em geral, pelo sorteio de
um número n que será 0 ou 1, tomando-se então 2n-1.
Para que a simulação valha, contudo, é preciso que as orientações dos momenta sejam
aleatórias, mas não o sistema de eixos. O leitor talvez não tenha notado que, ao colocar ⃗⃗⃗ no
eixo ̅ , estamos automaticamente definindo uma família de sistemas ̅ ̅ para cada evento de
decaimento, pois uma distribuição de decaimentos inclui uma distribuição de ⃗⃗⃗ , o que
acarreta em uma distribuição de eixos ̅ . Mas não é isso que queremos. Para garantir isotropia
dos decaimentos, devemos estabelecer um sistema de eixos no referencial do centro de massa
em relação ao qual a distribuição de ângulos será aleatória. Portanto, as equações (11)
representam somente a orientação relativa entre os momenta, que está fixa, porque rotações do
sistema de eixos preservam ângulos. O que é preciso fazer, a seguir, é uma composição de
rotações que leve à isotropia.
Rotações Aleatórias
Sabemos que a orientação relativa entre os tri-momenta das partículas filhas está fixa
pelas equações (11) para cada evento e que os vetores estão em um plano, o qual podemos
considerar, sem perda de generalidade, que passa pela origem do sistema de eixos cartesianos
mais geral
do referencial do centro de massa. Como já explicado, que ̅ ̅ são apenas
coordenadas acessórias no plano, que usamos para obter a orientação relativa entre os
momenta. A distribuição dos vetores deve ser isotrópica no referencial do centro de massa,
portanto deve apresentar simetria esférica.
Tudo o que precisamos fazer é localizar o plano dos vetores no sistema
. Para
isso precisamos de três ângulos. É possível entender isso se pensarmos os três momenta como
eixos de um corpo rígido. Para localizá-los, portanto, é preciso determinar os três ângulos de
Euler. Para favorecer o entendimento do método, porém, oferecemos uma explicação.
No sistema
do referencial do centro de massa, podemos localizar o plano em
que se encontram os tri-momenta das partículas filhas de um decaimento por três pontos ou
duas retas. Um ponto já é conhecido: a origem. Para completar a primeira reta, tomamos um
ponto do plano com distância unitária da origem. A localização desse ponto, em coordenadas
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esféricas, fornece os ângulos , medido a partir do eixo , e , medido a partir do eixo . O
terceiro ponto também pode ser tomado de forma a ter distância unitária da origem. A origem
e ele determinam a segunda reta do plano. Podemos especificá-lo pelo terceiro ângulo ψ,
medido a partir da primeira reta, como mostra a Figura 2.
Figura 2: O ângulo é medido a partir do eixo x, a partir do eixo z (esq.) e
pela origem e pelo ponto
(em coordenadas esféricas) (dir.).
a partir da primeira reta, que passa
A localização do plano do decaimento está relacionada, portanto, a uma transformação
de coordenadas do sistema de eixos
para as coordenadas ̅ ̅ do plano, para cada
decaimento. Explicitamente, começando com o sistema
, fazemos uma rotação de
ângulo em torno do eixo e obtemos o sistema
. Fazemos mais uma rotação, de
ângulo , em torno do eixo , obtendo os eixos
. Por fim, terminamos com uma
rotação de ângulo em torno de , chegando ao sistema ̅ ̅ . Consideramos que, em
cada evento, o decaimento ocorre no plano
.
Como, de (11), sabemos os ângulos que os tri-momenta fazem com os eixos ̅ ̅,
podemos aplicar a transformação inversa (do sistema ̅ ̅
para
) para obter os
vetores no sistema geral
. Se, no sistema ̅ ̅ , os momenta são
̅̅̅
̅̅̅
̅̅̅
onde p1, p2 e p3 são dados por (9) e θ2 e θ3 por (11), então, em
, os momenta
serão
⃗⃗⃗
̅
para i = 1,2,3, com
sendo a matriz de rotação em torno do eixo ,
em torno do eixo
e
em torno de .
A isotropia é garantida pela aleatoriedade de , e . Dessa forma, tudo o que uma
simulação computacional precisa garantir é que a distribuição desses valores seja, de fato,
uniforme. Aqui, é preciso elaborar um raciocínio cuidadoso.
Conforme explicado, os ângulos , determinam a primeira reta do plano, formada
pela origem e o ponto
em coordenadas esféricas. O ângulo determina a segunda
reta do plano e foi definido a partir da primeira reta. Então, podemos considerar que o sorteio
de , nos coloca na superfície da esfera unitária e o sorteio de nos leva a outro ponto
nessa superfície ao longo da circunferência equatorial que passa por
. Mas sortear um
ponto nessa circunferência nada mais é do que sortear um valor de maneira uniforme entre
0 e 2π.
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É preciso ter mais cuidado ao sortear e , contudo. Esse sorteio localiza um ponto
na esfera unitária, portanto a distribuição de e deve ser uniforme na superfície esférica
Distribuir uniformemente na esfera (em ) significa garantir que cada pequena porção de
área
tenha igual probabilidade de ser sorteada. Um argumento simples nos
leva ao método correto de distribuição na esfera. Essencialmente, o que sabemos é sortear em
uma reta (em ) ou um segmento de reta (como, por exemplo, o intervalo entre 0 e 2π). Para
sortear em um plano (em , que é o produto cartesiano
), basta fazer uma distribuição
uniforme em duas retas: os dois eixos cartesianos. Portanto, se distribuímos uniformemente
e , cada porção de área
de
terá igual probabilidade de ser sorteada.
Para sortear em
, podemos escrever o elemento de área
de maneira formalmente
idêntica ao elemento de área
, porque nesse caso sabemos como fazer o sorteio. Para
isso, basta notar que
e:
Assim, basta que as distribuições de e
sejam uniformes para que a distribuição
de um ponto em
seja uniforme. Computacionalmente, distribuir uniformemente
é
simples: basta sortear um número entre
e A distribuição de é uniforme entre 0 e 2π.
Aqui concluímos a base teórica para um algoritmo de simulação de decaimentos
isotrópicos no referencial do centro de massa, respeitando a conservação de energiamomentum e as conseqüentes orientações relativas entre os momenta das partículas filhas,
dadas por (11). Agora é possível dar um passo à frente: simular o decaimento no referencial
do laboratório.
4.2)
Transformação do Decaimento para o Referencial do Laboratório
Vimos que é mais conveniente gerar as variáveis no referencial do centro de massa,
onde o tri-momentum total é nulo. Porém, em situações reais, medimos as grandezas
relacionadas às partículas no referencial do laboratório em que é feito o experimento. É
preciso, então, que a simulação descreva o decaimento nesse referencial.
O próximo passo consiste em transformar os valores de energia e momenta para o
referencial do laboratório.
Se é um quadri-vetor, sua transformação de um referencial inercial para outro é dada
por:
∑
onde
pode ser um boost [2,5] no eixo
de ambos os sistemas (considerando
suas origens coincidam e os eixos
sejam respectivamente paralelos a
e com a mesma orientação). Por simplicidade, colocamos o boost no sentido positivo
de (se o referencial linha é o do laboratório, isso significa que o referencial sem linha, que
tomamos como sendo o do centro de massa, se move no sentido positivo de ). Assim,
que em
)
e
| |
√
√
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onde
que
Portanto,
é o produto escalar de tri-vetores. Com essa transformação, considerando
e
⃗⃗⃗⃗
̂ ̂, podemos escrever:
̂
⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗
̂
̂
⃗⃗⃗⃗
̂
̂
⃗⃗⃗⃗
̂
̂
̂ ̂
̂
Como estamos justamente considerando o boost no eixo , se convencionarmos que a
partícula mãe é sempre emitida nesse eixo, vale que
⃗⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗⃗⃗ |
⃗
|⃗ |
̂
̂ , onde ⃗⃗⃗⃗
é o tri-momentum [2,5] da partícula mãe em um decaimento no referencial do laboratório. É
útil expressar a transformação em termos dessa grandeza, porque em uma simulação
computacional ⃗⃗⃗⃗ pode ser dado por meio de uma distribuição. Assim, transformamos as
⃗ para o referencial do laboratório, que
grandezas do referencial do centro de massa ⃗⃗⃗⃗
se move com velocidade
em relação ao anterior. A transformação geral para o trimomentum da i-ésima partícula filha é facilmente encontrada se substituímos
por ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗
nas fórmulas acima:
⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗
⃗⃗⃗
(⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗⃗ |
|⃗⃗⃗⃗ |
A fim de reduzir o número de cálculos na simulação, podemos também levar em conta
que
| |
de massa e que
|⃗⃗⃗⃗⃗ |
,
é a energia da i-ésima partícula filha no referencial do centro
√
para obter a fórmula (15) abaixo. Também coletamos a equação
para transformar as energias das partículas filhas para o referencial do laboratório, obtida de
̂ com as devidas substituições.
⃗⃗⃗
⃗⃗⃗
(⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗
|⃗⃗⃗⃗ |
⃗⃗⃗⃗
As fórmulas (15) podem ser aplicadas a cada ⃗⃗⃗ (i = 1,2,3) obtido de (13), levando em
conta (8), tendo como parâmetros
e ⃗⃗⃗⃗ . Dessa forma, podemos obter os tri-momenta das
partículas filhas no referencial do laboratório. Assim, o algoritmo de geração de decaimentos
isotrópicos no referencial do laboratório fica completo. Em suma, devemos:
 Gerar valores para s12 e s13 a partir de uma dada distribuição, respeitando seus
limites cinemáticos.
 Determinar s23 a partir de (3).
 Determinar as energias das partículas filhas no referencial do centro de massa,
a partir de (8).
 Determinar os tri-momenta das partículas filhas no referencial do centro de
massa, a partir de (9).
 Determinar a orientação relativa entre esses vetores, a partir de (11).
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

Determinar sua orientação em relação aos eixos cartesianos por meio de
rotações, a partir de (13), levando em conta (14) para a distribuição de ângulos
das rotações.
Transformar os valores dos tri-momenta e das energias assim obtidos para o
referencial do laboratório, usando (15).
5) Resultados
O ROOT [6] é um pacote gráfico que consiste em um ambiente de programação
orientada por objetos, desenvolvido no CERN com base na linguagem C++. Usamos o
programa para implementar o algoritmo acima desenvolvido e analisar os resultados em
histogramas e árvores de dados.
Como exemplo de trabalho, estudamos o decaimento
. Para isso,
ajustamos os parâmetros de massa no programa desenvolvido para
(massa do
méson D),
(massa do káon),
(massas dos píons). As unidades
são GeV/c2, embora tenhamos adotado c = 1 por simplicidade. Na versão atual do programa,
não foram contemplados decaimentos com partículas intermediárias, ou seja, ressonâncias.
Utilizamos uma distribuição uniforme para gerar s12 e s13 em seus limites cinemáticos, por
meio da função gRandom->Rndm() do ROOT. Em cada simulação, usamos 300000
eventos.
5.1)
Simulação com Valor Fixo para ⃗⃗⃗⃗⃗ no eixo
A simulação mais simples para o teste do algoritmo colocou o momentum da partícula
mãe, usado em (15) para fazer a transformação das variáveis para o referencial do laboratório,
com o valor fixo de 100 GeV/c na direção do eixo , conforme a demonstração daquela
fórmula. A geração uniforme de s12 e s13 forneceu o Dalitz Plot da esquerda da Figura 3. Após
aplicar o algoritmo, para verificar sua validade, recalculamos as variáveis do Dalitz Plot
usando (2) e os valores de energias e momenta no referencial do laboratório. Como se vê na
direita da figura abaixo, recuperamos o gráfico com as variáveis recalculadas, como era
esperado, já que s12 e s13 são invariantes e, portanto, não importa em qual referencial os
calculamos.
Figura 3: Dalitz Plot gerado com distribuição uniforme para s12 e s13 (esq.) e o gráfico recuperado (dir.) ao usar o
valor das energias e momenta no referencial do laboratório.
Departamento de Física
Figura 4: Histogramas para a energia-momentum do káon.
A Figura 4 acima mostra a distribuições de valores para a energia e momentum da
partícula de índice 1 (o káon) obtidos no referencial do centro de massa e os correspondentes
no referencial do laboratório. Percebe-se que as únicas distribuições afetadas pela
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Transformação de Lorentz (15) foram as da energia e da componente
do momentum
conforme esperado pela teoria.
Obtivemos resultados similares para os píons. Outro teste de consistência do algoritmo
consistiu em usar (6) para re-obter a massa da partícula mãe. Após o cálculo, já com os
valores de e ⃗ no referencial do laboratório, obtivemos o valor 1,869 para a massa do
méson D.
5.2)
Simulação com distribuição gaussiana para a componente
de ⃗⃗⃗⃗⃗
Para simular um decaimento de maneira mais realista, utilizamos uma distribuição
gaussiana para os valores da componente do momentum da partícula mãe e, para cada
evento, colocamos o momentum transverso (componente de ⃗⃗⃗⃗ perpendicular ao eixo ) como
10% do valor da componente . Como na simulação anterior, verificamos o sucesso do
algoritmo ao recuperar as variáveis do Dalitz Plot e a massa do méson D a partir dos valores
de energia-momentum no referencial do laboratório. As figuras abaixo ilustram esses
resultados.
Observa-se que, como nessa simulação o momentum transverso era não nulo, todas as
componentes do quadri-momentum do káon se transformaram. Histogramas similares foram
obtidos para os píons.
Figura 5: Dalitz Plot gerado e recuperado para simulação de 300000 decaimentos com distribuição gaussiana da
componente do ⃗⃗⃗⃗⃗ e momentum transverso de 10%.
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Figura 6: Histogramas para a energia-momentum do káon.
Departamento de Física
6) Conclusões
Neste projeto, o objetivo era simular de maneira confiável decaimentos em três corpos
de mésons B ou D, como base para o estudo de tais processos com dados reais - como os que
estão sendo produzidos no LHCb. Tais decaimentos, se analisados independentemente para
partícula e anti-partícula, podem trazer importantes informações sobre os fenômenos
responsáveis pela assimetria de matéria-antimatéria.
O estudo foi bem-sucedido, resultando em um algoritmo para a geração de diferentes
canais de decaimentos no referencial do laboratório, uma valiosa ferramenta tanto para o
entendimento da teoria por trás dos decaimentos de partículas relativísticas quanto para a
análise de dados de decaimentos reais. Os métodos de verificação, como a reconstrução do
Dalitz Plot e da massa da partícula mãe, forneceram os mesmos valores fornecidos como
parâmetros no início da simulação. Os poucos erros nesses valores, observados em algumas
simulações, podem ser atribuídos a erros computacionais de precisão. Não foram, no atual
estágio, implementadas as ressonâncias no programa, mas o algoritmo é flexível o suficiente
para que isso seja feito.
Este projeto, apesar de introdutório, teve um caráter amplo. O estudo da Relatividade
Restrita [2,5] e de Estatística [7] foram imprescindíveis para o entendimento dos objetivos e
metas do projeto e formaram uma enriquecedora base de conhecimentos, que foi devidamente
aplicada no desenvolvimento do algoritmo de simulação.
O problema da assimetria entre matéria e anti-matéria, apesar de não ter sido
diretamente abordado, foi tema das discussões cotidianas, e o método de simulação aqui
desenvolvido figura como uma técnica importante para a busca de respostas na análise de
dados do LHCb.
Referências
[1]LHCb home page: http://lhcb-public.web.cern.ch/lhcb-public/en/Physics/Physics-en.html.
[2] GRIFFITHS, David, Introduction to Elementary Particles, Wiley-VCH, 2ª Ed.,
Capítulos 1, 2 e 3 (2008).
[3]Página do CERN sobre o Modelo Padrão: http://home.web.cern.ch/about/physics/standardmodel
[4]Página do CERN sobre Antimatéria: http://home.web.cern.ch/about/physics/searchantimatter
[5] RINDLER, Wolfgang, Relativity: Special, General and Cosmological, Oxford
University Press, 2ª Ed., vol. único, Capítulo 6, 2006.
[6] http://root.cern.ch/drupal/
[7] BARLOW, R.J., Statistics: A Guide to the Use of Statistical Methods in the Physical
Sciences, The Manchester Physics Series, John Wiley & Sons,1989.
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Leonardo Chataignier Moreira da Rocha - PUC-Rio