ALMA GUERREIRA TAIU BUENO – 1999
Agradecimentos
A Deus – apesar de o acidente ter tirado grande parte de meus importantes movimentos – agradeço por
estar vivo, com a mente intacta para pensar e o coração “sarado” para sentir. Graças a essa nobre combinação,
eu posso expressar meus sentimentos, seja falando, seja escrevendo.
A minha família por “segurar a onda” junto comigo na hora crítica, em especial a minha mãe por tudo que
passou e me ajudou sempre.
A meus amigos e a todos que fizeram a corrente positiva de pensamento – “Força Taiu”.
Em especial a Paulo Galvão, Hélio Moura, Alfio da Hang Loose, Marco da Bad Boy, Jacson Adisaka,
Ronaldo Blumental, Turco Loco, Gui Mattos, Cláudio Martins e Vanderlei-Venice-Bar.
Às pessoas que arregaçaram as mangas para me ajudar: Alemão de Maresias, Paulo Padeiro, Aleminhas,
Isnaú, Ricky, Alemão (Roger), Sylvio Mauka, Haroldo Ambrósio e a alguém mais que porventura já me
ajudou aí pelo Brasil e mundo afora.
O autor
Nome: Octaviano Augusto de Campos Bueno.
Apelido: Taiu.
Data e local de nascimento: 01/12/1962, São Paulo.
Residência atual: Guarujá, SP.
Membro da família Bueno: Octaviano, o pai, Cecília, a mãe e seus irmãos Totó e Sylvia.
Taiu conheceu o surf aos 11 anos de idade. Sempre gostou dos esportes em geral, com maior atração pelos
de equilíbrio e aventura. Gostava de futebol, natação, e chegou a jogar pólo a cavalo com o pai.
Seu brinquedo preferido foi um pula-pula, aquele com uma mola, onde pulava feito um canguru em pé...
Depois de surfar a primeira onda em pé, ainda numa prancha de isopor, ele descobriu qual era o esporte
com que realmente se identificava.
“O surf foi sempre minha base e meu caminho na vida. O mar me atraiu e, aos poucos, fui me
desvinculando da vida paulistana. As oportunidades da cidade grande, a finalização da universidade, a chance
de me preparar para a vida dos negócios, nada disso era mais forte do que aquilo que eu sentia ser a minha
missão – surfar.
Tudo o que fiz e ainda faço na vida é para direcioná-la, com prioridade, ao oceano, à praia e,
principalmente, ao surf. Escolhi esse caminho sem pensar num futuro financeiramente estável. Por sorte,
consegui fazer do surf a minha ocupação por alguns anos, numa época pioneira de patrocínios e investidas
pelo mundo.
O surf me levou aos melhores lugares do planeta. Hawaii, Peru, Austrália, África, Indonésia, Europa,
Fernando de Noronha, Ilha da Trindade, Ilhas Reunião e tantos outros lugares que, além de conhecer, pude
surfar muito.
Não ganhei dinheiro com isso, só o suficiente para pagar os custos das viagens e o dia-a-dia daquela época.
O que mais ganhei foram as amizades incríveis pelo mundo, a minha saúde, a minha alegria de viver e os
inúmeros pores-do-sol. O surf é o alimento para a minha alma...
Até hoje faço do surf a minha profissão. Unir o útil ao agradável nesta vida é privilégio de poucas pessoas.
Uma coisa é certa e aconselho a todo jovem fazer: finalizar a universidade ou, no mínimo, a escola de
segundo grau, pois dá para conciliar o surf com o estudo. Sem a educação e sem desenvolver a mente, tudo
fica mais difícil, inclusive se tornar um surfista profissional.”
É muito fácil para um jovem se alienar e se perder na vida, acabando nas drogas e no crime... É preciso
estar consciente. Muita liberdade e diversão é bom, mas tem que ser esperto e ter cabeça.
Não terminei a faculdade porque as competições no Hawaii, todo ano, calhavam justo em novembro, mês
crítico para qualquer estudante. Eu dava muita importância para o surf no Hawaii. Na minha carreira era a
prioridade. E eu pude viajar pelo mundo surfando.
O surf, até hoje, me passa uma energia alegre e positiva. Mesmo depois de ter me acidentado surfando e
estar passando toda essa roubada, eu não culpo o mar, nem a prancha, nem o esporte, nem Deus ou a vida pelo
que aconteceu, ao contrário, ainda amo a todos e continuo firme, surfando no meu oceano interior...
Keep surfing...”
Taiu
Sumário
PARTE UM – Release da Situação
O Acidente 17
O Hospital 22 A Evolução 31 A Vida Continua 34 Reflexão 36
PARTE DOIS – Crônicas
Épocas e Manias 43 Desert Point 47 O que é preciso para surfar ondas grandes 49 Pedcabs em Waikiki
52 Professor Oceano 55 Pouco dinheiro mas muita diversão 58 Surf Cerebral 60 O “casca grossa” 62
Surf nos corais 65 Dawn patrol em Sunset 68 Sunset Demolidor 71 Surfista para prefeito 73 Os anti-surf
76 Legends 78 Surfistas Marchando para a Frente 81 Pranchas Mágicas 83 Puro Prazer 85 Balas de
goma 87 Surf Futurista 90 Energia Vital 93 Competition Suck’s 95 Dia épico na Silveira 98 Análise de
Waimea 101 Episódio em Maresias 103 Guerra nas Ilhas Reunião 105 Caldo do Peru 108 Lição em
Sunset 110 Banzai Pipeline 113 Episódio em Waimea 116 Lei do cão 118 Hawaii Intenso 120 Taiu
would go... Taiu went 122 Ganhando Respeito 124 Previsão 126 Surfer girls 128 Os dois notáveis 130
O prazer de vencer 132 Memórias de Mark Foo 136 Tributo a Roberto Valério 138 Surf Cultural 140
Cosmic Surf 143 Prazer Único 146
Finalizando 149 Glossário 157
PARTE UM - Release da Situação
O Acidente
Era novembro de 1991, e o Circuito Mundial passava pelo Guarujá. No Canto do Maluf estava
acontecendo o campeonato Hang Loose Pro.
Eu estava participando do Circuito Mundial daquele ano e também fazia parte dos Top 16 do Brasil, estava
em grande forma. Depois dos campeonatos brasileiros, meu destino seria o Hawaii, para a minha décima
temporada.
Depois do segundo dia de competição fui eliminado, vítima novamente de ondas horríveis. Não consegui
passar naquela triagem.
Pode-se dizer que é desculpa para derrotas em competição, só que, quando as ondas estão medíocres, não
considero tanto assim a derrota. Eu não era tão bom surfista de ondas fracas, era bem melhor nas ondas
maiores. As derrotas significavam menos dinheiro e mais dificuldades para prosseguir, além da frustração.
Na manhã seguinte, saí de carro com mais dois amigos que estavam em casa, o Mariano e o Tony Ray. O
nosso destino era a praia de Maresias, a uma hora de carro do Guarujá, no Litoral Norte. Ali quebram as
melhores e mais perfeitas ondas de São Paulo, e nós íamos em busca de boas ondas, a fim de um free surf
treino para a temporada no Hawaii que estava por vir. Era uma sexta-feira, dia 1o de novembro.
Chegando em Maresias, vimos que o mar não estava bom. Seguimos até a próxima praia, Paúba, para
vermos as condições por lá.
As ondas em Paúba quebram quase na areia. É o famoso “Coco Loco”. Além do perigo de bater no fundo,
as ondas são violentas.
E a infeliz idéia de surfar ali, naquele dia, foi minha... Vesti minha roupa de borracha, peguei a prancha e
disse, como de costume, para os dois:
– Tchau... Tô indo...
Saí, marcando “minhas pegadas” na areia, rumo às ondas. Jamais pensaria que seriam as “últimas”...
Na água, depois de estar surfando por uma hora e ter pego ondas boas, sentado na prancha esperava por
uma onda decente. Quando a “tal onda” apareceu, já desci me posicionando para entubar. Estava raso demais
naquele momento e, lá dentro do tubo, vi o Mariano passando, olhando pra mim e gritando.
O final dessa onda não foi perfeito...
Ela fechou quebrando inteira, me impossibilitando de sair do tubo. Tive que mergulhar. Até aí, tudo
normal, mas não nesse mergulho...
Na queda, rolando na turbulência, movido pela força da onda, fui amassado na areia sem nenhum controle.
Fui arremessado pela vontade das forças da natureza, tudo aconteceu muito rápido... Apaguei debaixo
d’água... Passei a sonhar como se estivesse dormindo na minha cama.
Quando voltei à consciência, percebi que estava debaixo d’água e precisando sair dali. Meu instinto de
sobrevivência começou a funcionar. Eu tinha que sair dali... Boiando de bruços, não percebi que não
conseguia me mover.
Alguém me viu boiando e veio me socorrer. Era o Fernando, um garoto magrinho que viera na onda detrás,
foi ele quem começou o resgate.
Como a arrebentação na Paúba é bem próxima da areia, eu estava quase na beirada, e outras pessoas
apareceram para ajudar. Escutava uma gritaria, enquanto me carregavam para fora do mar. Na areia, fui
colocado de costas em cima de uma prancha. Eu estava consciente, mas tonto. Numa das tonturas, fechei os
olhos...
Naquele instante saí do meu corpo. Parti para o desconhecido, preso a um cordão dourado. Não fui muito
longe por causa do cordão. Flutuando ali, me sentia bem, tranqüilo, consciente e feliz. Com certeza, estava
quase de partida, e ali era a porta de saída...
Fiquei flutuando no ar, assistindo à cena do tumulto em volta do meu corpo deitado na areia, a uma
distância de uns cinco metros. Olhei para o meu braço esquerdo e me notei bonito, bronzeado. Parecia que
estava sentado num tapete voador, preso talvez à vida pelo cordão umbilical que nos liga à Terra. Lá longe,
escutei alguém me chamando:
– Taiu. Taiu. Taiu...
Meu instinto de sobrevivência estava alerta e me fez reagir. Despertei. Abri os olhos e voltei à real. A
primeira pessoa que vi foi o Paulo Kid em cima de mim. Ele que me chamava para a vida.
– Voltei... Eu já estava indo...
Foram minhas primeiras palavras.
Nessa passagem, a minha concepção de vida, corpo/espírito mudou geral. Percebi, pela minha própria
experiência, que lá dentro somos almas sólidas... Eu sou Taiu, mesmo sem o corpo. Tudo é energia...
Caindo na real da matéria e percebendo a gravidade do problema, fiquei preocupado. Quando senti meu
corpo todo formigando, fiquei assustado. Eu estava deitado no chão e não podia me levantar. Tentava erguer
os braços, e nada. Meu corpo permanecia abandonado no chão, anestesiado. Era tudo muito estranho! Eu, ali,
imobilizado no chão... “O que é isso?”
Senti uma dor no pescoço... Pensei:
“Quebrei o pescoço! Tô fudido... E agora, Taiu?”
Agora se prepara... daqui pra frente não vai ser fácil.
O problema era gravíssimo, mas sabia que iria sobreviver.
O Tony Ray precisava ir embora, ele quis me dar a mão. Foi estranho não poder dar a mão para ele. E ele
foi só o primeiro a fazer isso...
Esperei muito até a ambulância chegar. Levaram-me para o ambulatório de Boissucanga, onde fiquei
deitado numa maca por algumas horas. A roupa de borracha molhada estava me dando frio, então foi cortada
e, depois de me enxugarem, me vestiram com uma roupa seca e me cobriram com um cobertor. Eu estava
cheio de areia.
Era sexta-feira à tarde, e muita gente estava a caminho de Maresias para o final de semana. As pessoas
conhecidas avistavam meu carro parado em frente ao ambulatório e paravam para saber o que estava
acontecendo.
Apareceram o Jorge Pacceli e o Gui Mattos que conversaram comigo. Apesar de os médicos já
desconfiarem da paralisia, eles não me contaram nada. Em outra ambulância, fui levado para um hospital em
São Paulo...
O Hospital
Fui direto para a Emergência e a primeira pessoa que vi foi minha mãe. Depois de entrar em vários
aparelhos, fazendo radiografias, tomografias e tudo o mais, detectaram uma fratura na cervical, com lesão
grave na medula.
Diagnóstico: fratura óssea na cervical IV, com traumatismo medular.
Conseqüência: paralisia motora do ombro para baixo.
Eles me esconderam o jogo desde o início. Naquele momento, ninguém teve coragem de me informar que
eu iria viver numa cadeira de rodas. Por sorte, eu era ignorante no assunto e pensava que iria sarar da paralisia
em um ano ou dois. Isso me ajudou.
Na queda, eu não tinha sofrido nem um esfolão, nem um arranhão. Era só o pescoço fraturado por dentro.
A pior sensação, além de estar todo anestesiado, era a de não poder me mexer... nem os braços... Quando
me deu a primeira coceira no nariz, foi um desespero... então percebi o “grau da roubada” de dependência em
que me encontrava.
“Nesta situação, só eu sei o que estou passando.”
“O desafio me atrai, mas este tipo é muito radical.”
Precisei ficar calmo e otimista para não entrar em pânico e pirar.
Depois de três dias respirando só pelo diafragma, ele entrou em fadiga e minha força para respirar acabou.
Acordei sufocado. Os aparelhos indicavam minha insuficiência respiratória.
Foi uma luta, eu me lembro... Era o meu instinto de sobrevivência que lutava, porque respirar naquele dia
foi um real sufoco.
Minha mãe ficava o tempo todo segurando uma máscara de oxigênio no meu rosto.
m amigo médico, o Alfredo, conversava comigo nessas horas de sobrevivência. Ele viu meu estado. Sem
ar, não era brincadeira.
Depois, escutei os médicos falarem:
– Vamos entubá-lo.
Eu pensei:
“Acho que eles estão de sacanagem...”
De fato não fui entubado, o que seria uma ironia. A solução foi fazer traqueostomia. O médico usou
anestesia local e cortou minha garganta com o bisturi. Eu sentia e observava tudo. Na válvula desse buraco
em meu pescoço, eles engataram um tubo que era ligado a uma máquina.
A situação era estranha... Acima do pescoço, por dentro da traquéia, a passagem do ar era bloqueada por
uma bolinha de plástico inflável chamada “cuff”. Dessa maneira, era a máquina que respirava por mim, pelo
meu novo orifício no pescoço.
Acabei me acostumando a não fazer força para puxar o ar. Eu respirava cem porcento pelo aparelho,
estando, é claro, consciente. (O coma só acontece quando o cérebro apaga e o corpo continua funcionando.)
Quando soube que para sair da UTI precisava superar o aparelho e ganhar meus pulmões funcionando de
volta, comecei a trabalhar forte nisso.
A máquina era regulada para funcionar sempre depois que eu desse uma puxadinha de ar. No início,
acostumado com a inércia, eu me esquecia de respirar, quando isso acontecia, soava um alarme e os
enfermeiros vinham correndo para ver o que se passava. De vez em quando, eu usava essa tática para chamar
por ajuda. Era só parar de respirar e esperar o apito, então aparecia alguém de prontidão para me ajudar. Logo
eles sacaram minha malandragem; mas era como assobiar...
Como essa força inicial exigida para respirar podia ser regulada, a cada dia eles aumentavam a regulagem,
e aos poucos fui evoluindo, até ficar livre do aparelho, tornando possível minha transferência para um quarto
na semi-intensiva.
Ainda na UTI...
Ali as luzes frias nunca se apagam e os pacientes ficam deitados um ao lado do outro, separados apenas por
cortinas de plástico. Eu me sentia na oficina da vida.
Algumas noites, ouvia os gritos de pessoas acidentadas e em paranóia. Tive também um vizinho que
soltava uma catarreira danada, e eu só escutava... Era muita loucura estar consciente o tempo todo,
percebendo as manobras médicas na própria pele, numa UTI.
No segundo dia, meu pai e minha mãe foram alertados pelo médico de que eu poderia não passar daquela
noite. Uma das artérias do meu pescoço estava bloqueada por causa da lesão.
A placa na porta da minha cabine UTI indicava: estado gravíssimo. Cheguei a ver o padre me benzendo...
pensavam que eu iria morrer.
Mas, quando eu cheguei no hospital, sabia que não iria morrer tão cedo. Acho que Deus me deu a
oportunidade de continuar lutando e vivendo. Meu corpo conseguiu superar tudo isso, e a minha missão
estava tomando forma.
Tetraplégico ia ser lucro se conseguisse sair com vida daquele hospital. Sei que o surf e os bons hábitos me
deram muita saúde, o que foi essencial nesse período crítico para o meu organismo.
Não tenho idéia do momento em que eles me colocaram uma coroa na cabeça e um colete de gesso para
esticar a coluna e descomprimir a medula. Essa coroa foi parafusada no osso do meu crânio. Maldade, não...
Sofrimento, muito... Estive sempre consciente, só apaguei na praia e no momento em que me colocaram
aquela coroa. No mínimo, tomei anestesia geral. Foram colocados seis parafusos que eram atarrachados no
meu crânio. Quando eu me vi com essa coroa e numa manhã olhando para o lado enxerguei uma gravura de
Jesus na cruz, com sua coroa de espinhos na cabeça, fui tocado no coração.
Jesus sofreu muito, não por ter se acidentado surfando. Ele sofreu por nos amar muito e com a finalidade
de nos salvar. Ele é o verdadeiro Herói.
Herói é aquele que dá sua própria vida para salvar outra.
No mundo em que vivemos, a vida é uma correria muito grande, e geralmente estamos correndo atrás de
dinheiro e de interesses pessoais, muitas vezes egoístas. Acho que devemos relaxar mais e manter sempre, e
cada vez mais, contato com a palavra de Deus, porque só assim a vida será eterna.
Depois de algumas noites, e pela primeira vez na minha vida, comecei a tomar calmantes para dormir. Foi
o horror em sonhos, eram vários pesadelos. O primeiro deles foi com choques de alta voltagem: eu não podia
passar por uma porta porque encostava numas pranchas que davam choque. Tudo isso era efeito colateral
provocado pelo Valium.
Num outro sonho, eu andava pelo hospital com aquela coroa na cabeça, dizendo que ia para o Hawaii.
Este, sem dúvida, foi provocado pela visita de um amigo que me “zoou o plantão”, dizendo que iria embarcar
no dia seguinte para as ilhas.
Trocaram o medicamento, de Valium para Dormonid.
Eu continuava na missão sobrevivência. Talvez por ter surfado tanto e ter negociado várias vezes com
caldos debaixo d’água, em diversas situações difíceis, lutando para sobreviver, o meu instinto e a minha saúde
estavam conseguindo reagir com sucesso.
Ali eu tinha tudo sob controle. Consciente, sem me mexer, sem sentir o corpo do pescoço para baixo,
comecei a virar puro cérebro. Sabia quais enfermeiros eram legais, o porquê dos aparelhos, quais eram as
regulagens, que enfermeiros eram gays. Era o início da minha incansável negociação com essas estranhas
situações. Muitas vezes, as pessoas faziam coisas erradas em cima de mim... sorte eu não estar em coma.
Uma vez, um enfermeiro deixou entrar água no meu ouvido e não quis me acudir. Fui salvo por uma
enfermeira mais velha. E eu pensava:
“Imagine quem está em coma aqui!
É só burrada em cima do paciente.”
Isso é pura verdade.
Eu estava tão curioso, que cheguei a perguntar para o Dr. Marcelo qual era o preço, por dia, da UTI. Ele
me disse que dependia do número de aparelhos ligados e que, no meu caso, naquele momento, era uns 3.000
dólares, fora honorários médicos.
Logo no início, antes que eu começasse a negociar com as mais estranhas situações e conseguisse vencêlas uma a uma, o eterno mestre de jiu-jítsu, Marcelo Behring, apareceu na UTI e me entregou sua faixa preta.
Quando aconteceu o acidente, eu estava treinando jiu-jítsu fazia apenas um mês. Ele tinha uma vibração
pesada, de guerreiro, de lutador, e aquilo me ajudava. O gesto dele me deu muita força naquele momento, mas
só fui entender o meu merecimento daquela faixa algum tempo depois.
Uns meses após o acidente, o Mestre me pediu a faixa emprestada para participar de um dos primeiros
vale-tudo (de quimono) em São Paulo. Nessa época, o jiu-jítsu era novo na cidade, enquanto no Rio de
Janeiro todo mundo já lutava. Depois de amassar o seu oponente, que era lutador de kickbox, ele me devolveu
a faixa, que guardo pendurada na parede de casa, com a seguinte carta:
Carta carinhosa do meu mestre de jiu jitsu 28-05-92
Mano Véio; aí vai a faixa q usei no vale-tudo e q venho usando e honrando dentro e fora do tatami.
Aconteceram várias coisas no meu caminho que têm exigido muito de mim, como só eu sei. Penso sempre em
você com a certeza de q vou tê-lo ao meu lado logo que for a vontade de Deus, pois isso é uma questão de
tempo. Tenho saudades suas e vou aparecer logo logo para combinar o nosso “esquema” de aulas e já vou te
mandar um vídeo q eu estou providenciando. Espero que a faixa te leve minhas energias, raça e determinação
para vencer os momentos mais difíceis, pois o verdadeiro samurai é aquele q aprende a se conhecer e que
vence os mais raros obstáculos com a certeza de q o seu sofrimento é o seu maior gerador de forças positivas.
Fique com Deus e vamos nos falar logo. Desculpe o meu abandono, mas fiquei com altos e baixos que eu te
conto o quanto antes.
Um beijo do irmão e mestre - MARCELO BEHRING
Ao mestre Marcelo minhas melhores vibrações e lembranças.
Agora que você se foi, nós vamos honrar sua filosofia campeã aqui na Terra.
Imobilizado por quanto tempo for a vontade de Deus, continuarei lutando e honrando a faixa até vencer
essa condição. Agora já sei o que é resistir a uma imobilização sem bater e o real motivo de ter recebido a
faixa.
O que aconteceu a Marcelo Behring (assassinado por traficantes) deve servir de exemplo a todos os jovens
atletas do planeta: “até mesmo os mais bravos campeões podem ser derrubados por um Mal chamado
Cocaína”.
Esteja com Deus, irmão...
E a minha luta na rotina diária da UTI continuava. No começo, a comida em forma de dieta líquida era
ministrada pelo nariz. Era um líquido rosa, tipo iogurte, que ficava num frasco pendurado e entrava direto
pela minha narina, através de um cano. Quando finalmente pude me alimentar pela boca, a primeira coisa que
pedi foi um milk shake.
Suspenso na beirada da vida, sustentado pela tecnologia e pelos aparelhos, durante novembro de 1991
fiquei na UTI me recuperando para ser operado depois de 25 dias de internação. As infecções tinham que
estar curadas. A cirurgia demorou 6 horas. Fixaram uma placa na minha coluna e instalaram seis parafusos
para segurar o estrago. A vértebra destruída foi refeita com um enxerto do osso da bacia.
Daí pra frente, eu fiquei sem a coroa. Que alívio foi isso...
Eu não conseguia comer nada depois da operação, porque a garganta doía muito quando eu engolia a
comida. Passei a ser drogado para conseguir comer. Tomava uma tal dolantina que, segundo o médico, era
uma droga parente da morfina. Totalmente alucinógena, mas tirava a dor. As coisas se transformavam depois
da injeção... Eu via o teto se mover, dava risadas, falava só loucura... Deviam proibir esse tipo de
medicamento nos hospitais e inventar drogas menos “doideira”...
Depois da cirurgia, todas as manhãs tiravam uma radiografia do meu pescoço. Que sofrimento... eu me
sentia “experienciado”.
Dessa minha estada no hospital eu não posso reclamar, porque a minha vida foi salva. Tanto a comida
como o atendimento dos enfermeiros e dos médicos eram muito bons, mas incidentes acontecem, e comigo
não foi diferente. Muitas vezes, na minha rotina, eu precisava que aspirassem o buraco da traqueostomia para
limpar o catarro. Quem fazia isso geralmente eram os fisioterapeutas respiratórios. Até que descobri que os
enfermeiros também podiam fazer a aspiração e, uma vez, eu pedi a uma enfermeira desqualificada para que
fizesse isso, e ela quase me matou asfixiado.
Nessa manobra, é preciso primeiro retirar o tubo do respirador que fornece oxigênio da máquina que está
ligada na traqueostomia e, depois, colocar o tubo do aspirador no buraco da tráqueo para limpar. O certo é
aspirar por 10 segundos, no máximo, e em seguida colocar o respirador 10 segundos, para que o paciente
possa respirar e oxigenar o sangue.
A tal enfermeira começou a me aspirar e não parou mais.... Comecei a ficar roxo, com falta de ar, e ela não
entendia meu desespero. Ficou quase 20 segundos me aspirando e, quando voltei a respirar, fiquei puto.
Chamei a chefe e informei sobre a falta de profissionalismo daquela enfermeira. Concluí que se isso
acontecesse com algum paciente menos “survivor”, o cara morreria. É bem assim que os pacientes morrem,
ou são mortos, por erro das pessoas.
Consegui me libertar do hospital em 45 dias, graças ao Dr. Marcelo, que se responsabilizou pela minha alta
e a assinou. A conta do hospital já estava explodindo, além do perigo que eu estava correndo de pegar algum
vírus hospitalar.
(Naquela UTI existiam muitas espécies de bichos à solta.)
•
Nada melhor do que a nossa casa. Da maneira que fosse, de ambulância, de maca, paralisado... mas, pelo
menos, em casa.
A Evolução
A recepção em casa foi das melhores. Tanto a presença como o apoio dos amigos foi geral. Não tenho o
que reclamar e agradeço a todos.
Eu teria que passar por uma fase de recuperação, deitado numa cama hospitalar, até poder ficar sentado
numa cadeira de rodas. Foi um ano de treino e adaptação geral.
A campanha “Força Taiu” me levantou. Houve doações em dinheiro, festas, adesivos, ajuda das empresas
ligadas ao surf e de revistas especializadas.
O Alemão de Maresias e o Paulo Padeiro foram presenças constantes. O Alemão morava em Maresias e
apareceu como voluntário para me ajudar. Arregaçou as mangas e passou a morar nos fundos de casa para
ficar mais à disposição. Já o Paulo Padeiro morava perto e estava sempre por ali para fazer o que fosse
preciso.
Eles me animavam, me carregavam para o carro, para a cadeira, me colocavam na prancha para ficar em
pé, faziam as fisioterapias e tentavam minimizar minhas outras dificuldades que eram ainda maiores.
Meu melhor programa nos dias quentes era tomar uns banhos de esguicho embaixo do sol, no jardim. Esse
era o meu surf diário, e o Alemão era quem promovia.
Recebi uma ligação do Fabio Gouveia, que me deu a maior força dizendo: “Sai dessa cama... Vamos ficar
bom...”
Eu tive ajuda e apoio de todos.
Logo nos primeiros meses, eu sabia que teria de seguir em frente e melhorar, senão iria mofar na minha
casa, naquela cama hospitalar, por muito tempo.
Eram vários itens para me preocupar. Detalhes como a escara, uma ferida feia que tinha de ser limpa e
receber curativo todo o dia; o xixi era controlado por uripen; o cocô que precisava de ajuda para sair; as
dormidas que tinham de ser acompanhadas por alguém disposto a acordar e ajudar; a fisioterapia diária era
com o Carlão; dar umas mobilizações de braços e pernas três vezes ao dia; precisava de alguém para me dar
comida... Até hoje é uma luta constante e cheia de obstáculos. Com a ajuda das pessoas e paciência, eu vou
me virando.
Aos poucos fui saindo de casa, vendo novamente as ruas, os carros, as pessoas andando. Minha saúde foi
melhorando.
No início eu não agüentava nem ficar sentado muito tempo, porque essa posição me dava tonturas.
Lentamente fui pegando resistência, até conseguir ficar sentado na cadeira durante boa parte do dia. Meu
corpo estava delirando com toda essa doideira, mas fui aprendendo a me cuidar.
Além de todos os problemas, a escara que não cicatrizava nunca e já estava enchendo o saco. Escara é
aquela ferida que dá em pessoas acamadas, geralmente acima da bunda, causada pelo tal ossinho cóccix, que
cava um buraco de dentro para fora e que acaba se tornando um problema grave.
O curativo tinha que ser feito a toda hora. Saíam líquidos amarelados, a pele estava necrosada, foi um
“show de horror” por um ano, até eu tomar a atitude de “ir pra faca”. Só foi possível consertar o estrago com
uma cirurgia plástica e 200 pontos. Depois de operado, precisei ficar 45 dias de bruços numa cama. Nem dá
pra imaginar a canseira que foi e como eu pude suportar tudo... Às vezes, nem eu mesmo acredito que sou
capaz de ter tanta paciência. Acho que só pode ser vontade de viver.
Não desejo isso a ninguém...
Eu me lembro de que quando fui desvirado, depois de um mês e meio de bruços, foi muito bom...
Tenho que tomar cuidado com muito calor ou com o frio. A atenção tem que ser redobrada para não pegar
um resfriado. Preciso saber pedir e arrumar ajuda. Tudo é como uma luta de jiu-jítsu e eu, afinal de contas,
sou um faixa preta.
Minha cadela Laniakea, uma pastora alemã que na época tinha 7 anos, pirou quando me viu machucado.
Ela nunca aceitou as pessoas mexendo em mim ou me carregando.
Laniakea faleceu há pouco tempo, com 12 anos.
Um ano após o acidente eu me sentia bem melhor. Continuava paralisado, mas já dava para sentar na
cadeira com boa resistência. Eu até já estava na batida de sair, passear. Esse era o real sintoma da melhora: “a
vontade de viver”.
Eu estou numa situação de luta pela vida, com muitas despesas e custos extras bem diferentes do padrão
das pessoas em geral. A minha sorte é o fato de não estar sozinho.
A Vida Continua
Fiz uma trip para Florianópolis a fim de assistir ao Mundial de Surf. Já fazia um ano que eu havia sofrido o
acidente e não agüentava mais ficar em São Paulo.
Fui parar lá a convite do organizador do campeonato e meu padrinho de surf de Ubatuba, o Paulo Issa.
Ganhei duas passagens de avião e fui com o Alemão. O Silvio Maukinha e o Paulo Padeiro foram de carro.
O campeonato foi show. Dava para assistir da janela do quarto do hotel. Como estava o maior vento, assisti
dali mesmo.
No sábado à noite, iria rolar a festa do campeonato com um show da banda Off the Wall. Nós fomos lá
conferir. Sempre saíamos nas baladas, conheci muita gente...Os gringos do circuito mundial piraram ao me
ver naquela situação. Passava um sentimento extremo, que somente numa situação tão delicada e absurda
daquelas as pessoas se transformariam tanto como acontecia nestes encontros..
Reflexão
Apesar de tudo, eu não posso reclamar da vida, por mais estranha que seja a situação física em que me
encontro.
Tive bons pais e uma infância tranqüila. Estudei em um bom colégio de São Paulo, o St o Américo, surfei
muito na água dos 11 aos 29 anos e ainda vivo fazendo o que gosto – surf –, só que de outra maneira.
Sofri uma mudança radical na minha vida: de uma pessoa normal, passei a ser uma pessoa sem
movimentos numa fração de segundo. Hoje, vivendo numa cadeira de rodas, eu me encontro quase 100
porcento dependente da ajuda de outros.
Eu estou tetraplégico. A paralisia, além das pernas, incluiu os meus dois braços. E tudo isso não me
impede de ser feliz. Continuo alimentando a idéia de que tudo isso está passando e que, um dia, a minha
recuperação total vai chegar. A evolução das pesquisas está acelerada, e acredito que em breve haverá alguma
ajuda da medicina para casos como o meu.
Uma pessoa paraplégica, em cadeira de rodas, tem 50 porcento da liberdade de uma pessoa normal, por
ainda ter as mãos e os braços ativos. Isso é quase tudo – olhando do meu ângulo de vida...
O que mais me perturba é a dependência, a falta de liberdade. Não consigo me alimentar sozinho, limpar
os ouvidos, lavar o rosto, coçar, cortar as unhas, fazer a barba, escovar os dentes... Encaro esse desafio desde
novembro de 1991... A vida me preparou uma imobilização e tanto!
Paciência é a chave da minha situação. Exatamente como uma luta de jiu-jítsu, em que você tem que saber
esperar imobilizado a hora certa de virar... e nunca bater.
De tudo o que eu estou aprendendo aqui, o aprendizado maior é o de saber que o físico, apesar de ser
altamente cultuado e admirado, é mutante e passageiro. O mais importante da nossa vida é a alma.
Paralisado, eu passei a ser muito mais alma do que físico e, é claro que, vivendo aqui neste mundo, as
dificuldades e as desigualdades que encontro no dia-a-dia me fazem querer ficar bom o mais rápido possível.
Sei que vou ficar bom um dia e muito amarradão. Mas, na verdade, olhando com mais grandeza a vida, vou
usar o meu corpo por mais alguns anos ou décadas, no máximo, e então me transformarei em alma pura.
É um pensamento meio louco, mas é real. A vida deve ser preservada e cuidada ao máximo, porque chega
o dia em que ninguém escapa da realidade.
Hoje estou privado de fazer muita coisa, por isso, o que dá pra fazer da minha maneira eu faço, o que não
dá, procuro fazer mentalmente. É estranho fazer as coisas dessa forma, porque é meio que uma ilusão...
Surf mental, passeio mental, estar nos lugares sem estar, a mente tem que estar afiada para fazer esse tipo
de coisa e conseguir alimentar a alma.
Muitas vezes, tenho que negociar com minhas vontades, minhas possibilidades e meus limites. Preciso
respirar fundo e me conformar com a impossibilidade de fazer muitas coisas. Eu procuro me desvincular das
vontades impossíveis. É difícil, mas estou consciente de que esse é o meu caminho e procuro segui-lo com
dignidade.
Um dos meus principais problemas é que preciso ser ajeitado na cadeira constantemente, senão começo a
“sentir” dores. Essas dores aparecem em forma de suadouro e, aí, eu começo a ficar agoniado.
São várias as possibilidades: pode ser que meu pé esteja machucado, a coluna pode estar torta por eu estar
mal sentado; o mal-estar que dá antes de fazer xixi ou, ainda, alguma costura do calção incomodando a bunda.
É uma charada a decifrar, mas eu estou aprendendo. Eu tenho que perceber o que está acontecendo, sem sentir
exatamente de onde vem a dor, para então resolver o problema.
Sofro uns espasmos, que são contrações involuntárias do músculo. Eu acho bom, porque volta e meia eu
dou um pulo e “me mexo”.
Hoje, apesar de toda a dificuldade que apareceu para me desafiar aqui na Terra, eu agradeço a minha
existência, a minha saúde e a minha fé em Deus, principalmente. Tendo a certeza de que a cura virá no início
deste novo milênio.
Sou um animal como qualquer um. Imaginem um cachorro, um gato ou um cavalo sem andar, um pássaro
sem voar ou um peixe sem nadar. Agora, imaginem um monstro humano, fissurado em deslizar sobre as
ondas, paralisado...
É um grande desafio físico, mental e psíquico.
É um caminho muito diferente...
Eu me imagino “sarado” e me olho no espelho, sentado aqui. Eu preciso de muita força para encarar isso...
Fui “preparado forte” para agüentar essa situação.
Acho que existem coisas piores no planeta.
No Brasil, as crianças nas ruas que, em breve, estarão envolvidas com crack e violência. Quem é sensível
deve ficar preocupado... mas ninguém faz nada! Os políticos só pensam em aumentar os próprios salários de
12 mil para 15 mil/mês, em vez de resolver problemas gravíssimos como esse... O Brasil está chegando no
final do século num estado vergonhoso. Bancos aplicando golpes e ganhando milhões, sem que ninguém seja
responsabilizado; seqüestradores sendo libertados; mendigos metralhados embaixo da ponte; jovens de classe
média alta põem fogo e matam índio dormindo... e nada acontece; um assistente de enfermagem mata mais de
100 pacientes em troca da indicação da funerária para as famílias dos mortos, por dinheiro.
Pelo mundo existem muitas crianças nascendo com Aids ou com algum problema grave. Pessoas com falta
de controle da mente, algumas em coma, outras com câncer, muitas com fome. E enquanto isso, a China vai
poluindo e destruindo o planeta. Sem falar nas torturas, nas guerras, na ansiedade mundial, na solidão,
situações que fazem parte do cenário do nosso mundo.
O ano é 1999 e o mundo está cheio de “bullshit”.
A guerra de Kosovo é o exemplo da ignorância de alguns no poder. Ela gastava 67 milhões de dólares por
dia patrocinando matanças. Imaginem esse dinheiro sendo aplicado em fundações, no combate à fome, em
pesquisas de curas – inclusive a minha –, ou sendo investido nos esportes. Cá entre nós, valeria bem mais a
pena. Espero que não seja o fim...
Esta vida é uma caixa de surpresas!!!
•
Nas próximas páginas, eu conto idéias que me surgiram e algumas aventuras que vivenciei surfando pelo
planeta.
Qualquer dúvida quanto ao dialeto “do surf”, consulte o glossário no final do livro.
PARTE DOIS - Crônicas
Épocas e Manias
A vida é feita de épocas e o surf é cheio de manias.
Todo mundo tem sua época e suas manias.
Eu já contemplei várias cenas memoráveis no mundo do surf. Coisas que acontecem em diferentes épocas
e ficam na lembrança.
Aqui pelo Brasil, quando comecei a surfar no Guarujá em 1974, Picuruta, Léquinho, Almir, Coquinho,
Orelha, Cristian Wolters, Cisco, Paulo Rabelo, Orelhinha eram os santistas bons da época. Paulo Tendas,
Neno do Tombo, Tarzan, Sérgio Gorilão, Roberto Alves, Roberto Teixeira, Olávo Rolim, Zanotto, Ismael
Miranda, Gironso e muitos outros eram os nomes quentes aqui no Guarujá.
Numa sessão de surf nas Astúrias, em 1975, presenciei um moleque magrinho, moreninho e minúsculo
eletrizando as ondas. Foi a primeira vez que vi o Tinguinha em ação.
Nos tempos dos campeonatos internacionais no Arpoador, Rio de Janeiro, também passei bons momentos
de “época”.
Apesar da criminalidade, o Rio continua sendo a Cidade Maravilhosa. Enquanto Brasília governa e São
Paulo trabalha, o carioca curte a vida naquele pedaço especial do planeta.
Caras como Daniel Friedman, Rico, Targão, Pepê, Bocão, Jefferson, André Pitzalis eram os líderes do
esporte.
Roberto Valério, Renan Pitanguy, Valdir Vargas, Broca e Cauli eram da geração próxima, seguida depois
da minha com Rosaldo, Coelho, Luis Leal, Quinta, Baixinho, Pedro Secco, Guingo e Fred Dórey um dos
melhores do mundo em ondas pequenas e médias, principalmente no quintal de sua casa, o Árpex.
Em 1979, passei o mês de julho num apê alugado em Copacabana. Paulo Galvão, Marcelo Medeiros, Totó,
Alex, Alemão de Pernambuco, Cisco de São Paulo e eu dividíamos o apê.
O Alemão de Pernambuco, com sua descendência germânica, tinha certa similaridade física com o então
popular Cheyne Horan, que surfava muito nos campeonatos internacionais do Rio. Naquela moda de
“patinação”, o Alemão foi confundido com Cheyne pelo DJ da pista do Canecão. A galera deu a maior
“pilha” para ele ir falar como se fosse o Mr. australiano. O Alemão foi. Enganou todo mundo ali presente. Foi
engraçado, mas alguns cariocas não gostaram...
Hoje em dia, o Rio é a “surfcity”, a “jiujitsucity” mundial. Respeito... Marcelo, Rodrigão da Prainha,
Anselmo, Wallid, Gracies, todos sangue bom.
Nos anos 70, o surf era totalmente discriminado como coisa de vagabundo e maconheiro. Não só os
surfistas mas também muitos jovens eram rebeldes e estavam descobrindo as drogas. Era a “época
psicodélica” e a droga talvez fosse moda ou mania...
Hoje em dia, existem surfistas que usam drogas, assim como outras pessoas também usam. Mas, o número
de “caretas” no esporte surf aumentou e muito.
Se a pessoa quer ser a melhor no que faz, ela tem que se preparar, pois a competitividade para o sucesso é
grande.
Se usar qualquer substância e criar dependência, ela também criará um problema a mais na sua vida. Para
qualquer um, principalmente para um competidor ou um surfista de ondas grandes, isso é péssimo.
Hoje, vejo exemplos como Kelly Slater que conseguiu conquistar seis títulos mundiais. Pergunte a ele se
ele acorda e fuma um baseado. Logicamente a resposta será NÃO.
Este certamente não é o caminho para se tornar um superatleta.
Manias saudáveis de um surfista são muitas, começando com o hábito de dormir cedo e acordar ainda à
noite para ir surfar. Outra boa mania é não parar de viajar. A raça do surf é nômade.
Ninguém nasce com manias, vai adquirindo. Foi o que aconteceu comigo. Cheguei a ponto de me sentir
normal em mares gigantes no Hawaii. Mania de doido...
Mais surf manias?
O estilo da passada de parafina cada um tem o seu. Colar o deck também é personalizado. Alguns assoam
o nariz saindo do tubo e outros colam bolinhas de parafina no deck, perto do bico. Eu gostava de mascar um
pedacinho de parafina com cheiro de chiclete enquanto boiava esperando a série.
Manias são pessoais e fazem parte do surf...
Desert Point
Existe um lugar no planeta para quem gosta de surf e aventura chamado Desert Point. Situado na Ilha de
Lombok, Indonésia, ali a onda é uma esquerda incansável que não fecha e o inside é uma bancada perfeita de
uns 500 metros de tubo.
Desert Point é distante, cheio de malária e não tem nada na praia, a não ser cultura de algas marinhas. O
melhor a se fazer é explorar as ondas do reef de barco, porque em terra tudo é muito primitivo.
Quando estive lá, fui por terra e fiquei acampado em frente ao point. Dei sorte de encontrar seis pés sólidos
quebrando perfeitos. A chegada por terra é no final da esquerda, e o visual da caminhada, só tubos com
baforadas...
Chegando em frente ao pico, alguns brasileiros já estavam na água. As ondas eram só paredes e tubos
longos no inside. Saí correndo imediatamente para a água segurando a minha única prancha, uma Pat Rawson
6’5’’, tão boa que me fazia sentir invencível surfando.
Cheguei no outside já nervoso, querendo pegar uma para me divertir também. Logo de chegada já quis me
posicionar no inside embaixo do pico. A maré estava enchendo naquele momento. Tive uma surpresa... Veio
uma tremenda onda fechando com uns três metros de tamanho na minha cabeça. Nem pensei duas vezes,
soltei a prancha e mergulhei. A prancha esticou e eu senti a cordinha arrebentar como um barbante.
Fiquei sem prancha, nadando, antes de ter surfado qualquer onda...
Quando levantei nadando e olhei para a minha prancha na onda indo embora, não acreditei no que via. Era
ela, pulando em dois pedaços.
“Minha única prancha!!! Tô perdido”.
Saí desesperado do mar. Estava tão longe da civilização, num lugar com altas ondas e sem prancha...
Vi o quanto estava marcando por estar só com uma prancha. Em último caso, surfaria de peito ou jacaré.
Na praia, o Leandro, um brasileiro que estava lá, me emprestou uma de suas pranchas Byrne, o que me
possibilitou um surf da melhor qualidade possível imaginável.
O mar subiu para oito pés e as ondas não paravam de rodar...
Tento descrever a cena desse lugar, mas as palavras são pequenas diante da perfeição e da magia lá
encontradas. Com aquelas ondas, não existe nenhum igual. Se um dia você puder esticar até as ilhas, lembrese deste nome – Desert Point.
O que é Preciso para Surfar Ondas Grandes
Para surfar ondas grandes, principalmente no Hawaii ou em outros lugares onde “dá onda” (Peru, Ilha de
Páscoa e México), são necessários quatro fatores.
Primeiro, estado físico; segundo, a vontade unida ao terceiro fator, que é o psicológico; e quarto, o
equipamento. É preciso dos quatro fatores funcionando em harmonia.
Eu considero uma onda de 12 a 15 pés grande. Se você se der mal num mar desses, precisa se garantir
sozinho porque, sem prancha, terá que sair do mar nadando. O surfista tem que ser um ótimo nadador. A
prancha pode quebrar ou a cordinha arrebentar e o preparo físico tem que estar em cima. Nunca pense em
depender de ser resgatado por um jet-ski ou helicóptero. Só em último caso.
Um conselho para quando você tomar um caldo violento e for parar lá embaixo. Não entre em pânico...
Relaxe... A pedida é soltar o corpo. Debater é pior porque só vai consumir mais energia. Só quando acabar a
turbulência é que se deve procurar nadar para a superfície.
A observação das condições e o entendimento da situação são fundamentais antes de cair na água. Você
tem que observar a direção do swell, a freqüência das séries, onde estão as correntezas (que geralmente são
fortes e levam para o fundo do mar), para então investir sabendo o que está acontecendo naquele mar.
Sempre negocie com as correntezas a seu favor. Nunca lute contra elas. Caso seja pego por uma, procure
remar paralelamente a seu sentido até sair dela. É impossível remar contra a correnteza, ainda mais num mar
grande. Você lutará em vão...
A primeira vez que caí em Sunset grande, fiquei sentado no canal olhando um bom tempo. Estava 10 a 12
pés, nunca havia visto nada igual. Meio chocado, me dava até uns negócios esquisitos na barriga, muita
adrenalina, medo e também nem sei mais o quê. Fiquei por uma hora assistindo aquelas montanhas até tomar
coragem e ir para o pico. Nem peguei muita onda, fiquei só convivendo com a nova situação.
O fator psicológico implica sentir, “estar preparado”, a fim mesmo de enfrentar as ondas por vontade
própria. Estar psicologicamente preparado é estar autoconfiante para se dar bem nas ondas e saber controlar o
pavor, caso tome uma onda de jeito na cabeça. Se entrar em pânico, a respiração pode até parar.
Tão importante quanto o fator psicológico é o fator equipamento. Você não pode cair com uma prancha
ruim ou pequena num mar grande. As conseqüências podem ser drásticas. Você tem que confiar na sua
prancha. Uma prancha ruim já abala o psicológico antes de dropar.
A vida do conhecimento é como uma escada, você tem que partir do primeiro degrau para ir subindo. Se
quiser ir direto para o pico, pode pagar o preço se não souber o que está acontecendo lá dentro. Comece do
rabinho, mas não fique no rabinho a vida inteira. Em onda grande, o negócio é dropar do pico e dar fortes
curvas na base. Se der pra dar um rasgadão, beleza!
Pedcabs em Waikiki
Sabia que no Hawaii existiam umas bicicletas que puxavam turistas em Waikiki chamadas pedcabs.
Sempre sonhei em morar no Hawaii e tinha um amigo que estava vivendo esse sonho, morando lá e
trabalhando com as tais bicicletas. Já tinha passado uma temporada de inverno (dois meses) no Hawaii e sabia
que era o lugar...
Eu me programei trancando a matrícula da faculdade por um ano e parti para o Hawaii com meu irmão
Totó, a fim de tentar a vida trabalhando nesse tal pedcab. Dessa vez não iria voltar tão cedo. Estava indo para
varar o ano, fazer essa temporada virar duas...
Cheguei na temporada de inverno havaiano, as ondas estavam gigantes no North shore da ilha. No início,
ainda com dinheiro fui vivendo normalmente no North shore, mas já agilizando e fazendo as manobras
necessárias para conseguir tirar a licença de motorista de pedcab.
O teste para tirar a licença era feito na polícia de Honolulu, na Berethania Street. A primeira vez que fiz o
teste, tentei anotar o gabarito das respostas para ajudar meu irmão, que ainda tinha dificuldade no inglês.
Dancei. Fui pego... Fiquei uma semana sem poder fazer o teste como punição. (Até que achei a punição
branda.) Depois voltei e fiz novamente o teste. Deu tudo certo. Já habilitado, fui trabalhando devagar no
começo, só pegando a “manha”.
Depois da temporada de inverno, em maio, mudamos para o lado sul da ilha, em Honolulu, e ficamos num
apê em Waikiki. O apê, um estúdio minúsculo na Kuhio Avenue, parecia uma gaiola, onde vivíamos como
que num “puleiro”. Além de já estarmos na área de trabalho, o lado sul da ilha é o lugar em que quebram as
ondas boas de verão.
O trabalho de pedcaber era como o de um taxista. Uma volta de quinze minutos por Waikiki custava 10
dólares. Dependendo do movimento, era possível tirar 100 dólares por noite. Existiam os pontos de parada.
Tinha uns quinze brasileiros trabalhando nessa profissão. A maioria dos pedcabers eram americanos de
Mainland.
Eram poucos os locais que trabalhavam com isso, os havaianos odiavam a raça dos pedcabers. Eu cheguei
a ser xingado de haole várias vezes na rua. Não era fácil arrumar dinheiro naquele pequeno território gringo...
Apesar de toda luta e dificuldades, a brasileirada estava curtindo muito essa experiência. Nas tardes, a
galera surfava em Number Three’s e Pop’s, em frente aos hotéis de Waikiki. De brasileiros tinha Paulão,
Pilão, Gordo, Fabiano, Marcelo Gato, Mongui, Chipan, Faissal, Ronaldo (Nikita)...
Numa noite, no ponto de parada dos pedcabs da Kuhio Avenue, local onde rolava a social, ouvi um
havaiano pedcaber surfista falando que tinha surfado Kaiser’s Bowl ainda clareando e sozinho, na madrugada
passada. Era o Rick, dizendo que dali a pouco iria de novo. Tinha altas ondas, south swell. Ele queria escalar
alguém para ir com ele. Eu me convidei.
– Let’s go... falei.
Fui encontrá-lo no seu apartamento às cinco da manhã, vestido de calção, com a prancha e pronto para dar
o dawn patrol, já sabendo que iria ter umas ondas. Fomos caminhando pelas ruas de Waikiki até chegar na
praia, ainda escuro.
Em frente ao Hilton Hawaiian Village, saímos remando para o pico, sentindo o cheiro dos corais e
observando o vulcão Diamond Head e os hotéis da orla de Waikiki iluminados pela primeira luz matinal. As
cores do amanhecer, nessa ilha vulcânica, são únicas e exóticas. Lilás com roxo e rosa no céu.
Ao me aproximar do reef de Kaiser’s, as ondas quebravam com um metro perfeito de tubo para a direita,
somente com um gringo na água. “O cara deve ter dormido lá no pico”, imaginei.
Saí já entubando do pico. Aquela direita é curta, mas rola um tubo alucinante. Foi uma sessão de altas
ondas por meia hora.
Depois de clarear, a velocidade de gente chegando no pico foi rápida demais... Muito crowd... Fui dormir
cabeção...
Professor Oceano
Você pode aprender as lições da vida na rua, na escola, na igreja, no trabalho ou em qualquer outro lugar.
Eu aprendi muitas no mar, muitas vezes sendo experimentado e amassado pela mãe natureza. O Hawaii foi a
minha escola e Sunset Beach, o meu professor.
Uma vez em Sunset pequeno, mais ou menos 8 pés, eu queria pegar a saideira e ir embora porque o mar
estava muito crowd. Estava esperando alguma onda por mais de uma hora e resolvi remar para o point para
pegar qualquer coisa, porque o crowd no bowl estava nervoso.
Peguei uma parede fechando e desci reto. Não sei o que aconteceu, mas caí na base da onda. Quando
emergi, peguei a minha prancha e olhei para o fundo, a onda detrás quebrou com tudo na minha cabeça, com
muito power. Eu fiquei entre o bowl e Sunset Point, numa bancada muito rasa, sendo amassado de costela nos
corais. A onda me segurou lá embaixo e um pedaço de coral solto foi parar misteriosamente dentro da minha
boca. Eu saí do mar com falta de ar, achando que havia quebrado uma costela.
Numa outra ocasião em Sunset, depois de dropar uma onda gigante, eu voltei “me achando” para o pico.
Fiquei vacilando e tomei uma massaroca com 12 pés na cabeça. Eu estava bem embaixo do pico. Aquilo
provocou a maior aventura submarina que já passei na vida. Foram muitas roladas debaixo d’água. Só fui
levantar e respirar no inside. A viagem foi tamanha que cheguei a ficar preocupado lá debaixo. Tentava subir,
o ar não chegava nunca. Quando estava quase perto dele, senti uma pressão extra de água por cima e quando
vi, estava nas profundezas de novo.
Pensamentos na minha cabeça:
“Será que o ar vai acabar? Devo escalar a cordinha?”
Foi aí que percebi o perigo. Na falta de ar por muito tempo, em algum momento certamente acontece o
blackout, nessas horas é que se morre afogado. Se alguém desmaiar debaixo d’água e não tiver ninguém pra
ajudar, adeus companheiro!
Já nas últimas, consegui subir. Um cara do meu lado, que também tomou o caldo, pegou sua prancha e saiu
remando para o fundo.
Depois desse caldo, passei mal. Cheguei a ficar com enjôo e dei um tempo no canal. Recuperado, voltei
para o fundo. Sentei do lado do cara que tomou o caldo comigo e perguntei se ele tinha rodado tanto quanto
eu... Eu queria saber o que tinha acontecido. Era um australiano e ele me disse:
– Você ficou duas ondas debaixo d’água.
Ele tinha descido a onda detrás da que havia quebrado na minha cabeça e a minha prancha boiando
atrapalhou o seu caminho, enquanto eu estava lá debaixo já tomando o caldo... Ele caiu ali e só foi levantar
comigo.
Aqui no Brasil, o caldo também é violento. Em lugares como Saquarema quebrando grande, é
violentíssimo. O caldo em fundo de areia parece que demora mais para largar a gente. Em Maresias existe
algo de especial no caldo. Ali a onda é tubular, mas o caldo é limpeza porque não segura tanto a gente lá
debaixo. Passa rápido, como no Hawaii.
O pior caldo mesmo é aquele que acontece em água fria. Maverick’s, no norte da Califórnia; Bell’s Beach,
na Austrália; Pico Alto, no Peru; ou Cape Town, na África do Sul são picos que chegam a quebrar com 20 pés
e o fator água gelada acaba com a gente. Sinusite, esgotamento, dor de cabeça são as conseqüências desses
caldos. No Hawaii, apesar da violência extraordinária, os caldos tomados em água quente ainda são mais
toleráveis.
Caldos em ondas grandes e em águas frias, arriscando o long john abrir e encher de água, nestes tem que
estar na atividade...
Pouco Dinheiro mas Muita Diversão
O surf, por mais que pareça ser um esporte que envolva muito dinheiro, ainda está engatinhando se
comparado com alguns outros esportes. Talvez por ter sido o estereótipo do surfista do passado de alguém
“simples”. Mas essa imagem mudou. O surfista de hoje é alguém com alto estilo e educado.
O surf está caminhando progressivamente e, além disso, existe a chance de fazer parte da Olimpíada,
algum dia. Nós já estamos mostrando ao mundo – pelo exemplo ecológico e de pessoas saudáveis, vibrantes e
felizes – que o surf produz e é um esporte a ser apreciado pelos olhos da elite mundial.
Um bom exemplo da “micharia” que rola no surf profissional é visto na carreira do surfista australiano
Barton Lynch. Ele surfou por mais de dez anos no tour da ASP e foi campeão mundial em 1988. Levantou
pouco mais de 500 mil dólares. Enquanto, no futebol, o Romário levantou a mesma cifra somente em um mês,
numa viagem de excursão do Flamengo para alguns jogos na Ásia.
Um piloto de Fórmula 1 regular pode ganhar um milhão por ano. Um piloto de ponta pode ganhar de 10 a
40 milhões.
No boxe, o Mike Tyson humilhou todos os trabalhadores, ou qualquer classe ganhadora de dinheiro, no dia
em que ganhou 20 milhões de dólares, em pouco mais de um minuto, ao derrubar facilmente o seu oponente.
Está certo que o Mike Tyson paga fortunas milionárias para se livrar dos processos de suas encrencas, e toda
hora está na cadeia, mas isso não vem ao caso...
É ridículo o quanto rola para alguns e falta para outros! Dinheiro é apenas números e tudo depende das
cifras com que estamos acostumados.
Quando vi um felizardo surfista profissional numa onda em Grajagan na capa de uma revista, num estilo
casual totalmente “cruising”, pensei: “Surfista profissional não é tão bem pago assim, mas o que ele absorve
na alma surfando ondas alucinantes ao longo da carreira, não há dinheiro neste mundo que pague”.
Surf Cerebral
Observando bem tudo na vida, o cérebro é que sempre está por trás de tudo. É a luz da inteligência que
Deus nos deu, em doses diferentes para cada um de nós. O surf já esteve associado à ocupação de vagabundos
ou atividade para os “sem cérebros”. De fato, para surfar não é preciso muito esforço mental.
Agora, para desenvolver uma carreira profissional, muitas vezes, o surfista talentoso e “sem cérebro” não
consegue o mesmo sucesso que o menos talentoso, porém com uma mente aberta, equilibrada e funcional.
Vou tentar passar um pouco da minha experiência em surf mental, já que faz anos que estou praticando. O
meu barato é “rabiscar” as ondas mentalmente, observar o mar e só surfar as melhores da série. Faço como no
surf, antes de cair, só que no meu tudo pode ser muito mais intenso.
Eu sei o grau da dificuldade que é só de escolher e pegar as ondas boas, quando se está fisicamente no
outside. No meu surf mental, além de eu só ir nas ondas boas, a minha habilidade na onda não possui limite.
Muito tempo sem surfar de verdade aumenta a fissura e o feeling.
As vantagens do surf mental são poucas. Lógico que não se compara com o surf real. Mas, como eu já
estou segurando esse wipeout, sei que vai ter de ser assim por enquanto, então me divirto.
No meu surf mental, não caio da prancha nunca. Sou fluido, surfo com muita velocidade, estilo e muita
pressão nas manobras. Os tubos detecto antes da onda quebrar, e quando ela roda, sei exatamente onde me
posicionar para sair. Eu saio de todos...
Surf mental parece loucura, mas não é. Todo o néctar da energia positiva absorvido pela alma, que vem do
ato de surfar, passa pelo meu cérebro.
Todos nós precisamos negociar com o swell que bomba lá dentro da mente. Todas as emoções que
sentimos são ondas vindas da mente. Hoje, eu me transporto lá para dentro dos salões quando vejo um... Eu já
conheço bem esse ambiente...
A inteligência na vida transforma o nada em idéias e em projetos maravilhosos.
Observe a diferença entre um surfista equilibrado, inteligente e um surfista “sem cérebro”. O inteligente,
mesmo não sendo o melhor, acaba conquistando muito mais os seus “gols” estipulados do que o surfista
“descerebrado”.
A inteligência vai além, muito além do que imaginamos.
O equilíbrio mental manda e os resultados estão aí para nos comprovar...
O “Casca Grossa”
Você pode vir de qualquer lugar deste planeta. Pode ser nativo da Praia do Titanzinho, Serrambi, Baía
Formosa, Pipa, Maceió, Bahia, ES, Cabo Frio, Saquarema, Rio, Ubatuba, Maresias, Guarujá, Santos, Litoral
Sul, Paraná, muitos picos de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Hawaii, Chile, Peru, México, Indonésia,
Califórnia, Caribe, Pacífico Sul, Europa, Flórida, Japão, Vietnã, África do Sul, do norte, leste, oeste, Índia,
Israel... “Será que esqueci algum pico?” Não importa a origem... Qualquer surfista “casca grossa” sabe que o
tubo é o que importa...
Qual é algum outro esporte que oferece um momento similar?
Permanecer dentro de uma onda líquida em movimento, sentindo a força da natureza rodando
harmoniosamente, nos envolvendo definitiva e plenamente para um contato maior com a nossa mãe natureza.
Dentro da caverna azul, o escurinho lá dentro e a luz redonda da boca no fim do tubo lá na frente, as pressões
do vácuo, os sprays ajudando a nos expelir, as gotas caindo do lip são momentos que levaremos conosco um
dia.
– O que é isso?
“Casca grossa” pode ser uma resposta. Essa loucura está presente em nosso planeta e é a manobra máxima
do nosso esporte.
Eu sempre me pergunto se Deus, quando criou o mar e as ondas, planejou os tubos para o homem ficar
andando por dentro deles.
Um surfista “casca grossa” tem que ser um tuberider. Fora o surf, para alguém ser também um “casca
grossa” terá que amar a Deus e ao próximo, estudar, trabalhar, ser honesto e íntegro...
Um “casca” do surf usa prancha branca sem logo, somente long john preto, só usa parafina e nada de deck,
toma a série de west em Sunset na cabeça e acha normal, gosta de Waimea acima de 20 pés, dropa o caroço
de Sunset e Pipeline sem cordinha, quando precisa, mergulha e se agarra no reef, acorda clareando, pega as
melhores ondas da série, treina carregando uma pedra e caminhando debaixo d’água em Waimea flat, pega
um tubo de 10 segundos e não comemora, surfa com o próprio shape, mora um tempo “survivor” em frente ao
Desert Point, chega em outubro no Hawaii e só volta em abril, surfa bem nas ondas do Hawaii e da Indonésia,
toma dois copos d’água de manhã e vai surfar.
“Casca grossa” na vida não são muitos...
Surf nos Corais
Sendo um brasileiro natural de São Paulo, cidade situada na Região Sudeste, estou acostumado com fundos
de areia, ou beachbreaks.
O brasileiro em geral é um surfista de fundo de areia, com exceção da galera de Recife, do Nordeste e dos
locais de Noronha que tem mais contato com fundos de pedra.
O surfista brasileiro deve “sair fora” – o quanto antes na vida – para algum lugar com reef, a fim de sentir e
desvendar depressa esse outro universo do surf.
O meu primeiro contato com corais foi no Hawaii, nos reefs de South shore da Ilha de Oahu, em julho de
1976. Eu ainda era menino, tinha apenas treze anos, e foi meu avô quem me deu essa feliz oportunidade.
Fiquei instalado num hotel em frente a Ala Moana, em Waikiki. Tinha uma turma de amigos viajando juntos,
todos surfistas.
Quando lá surfei pela primeira vez, olhava para aquele coral no fundo do mar e ficava morrendo de medo
de encostar nele. Eu não caí da prancha nos meus três primeiros dias de surf.
Aprendi a conviver melhor com os reefs durante as temporadas havaianas de inverno. Estive também na
Indonésia e ali você tem que conhecer os corais.
Depois das etapas da Austrália de 1985, fui parar em Bali com o Martin Potter. Uluwatu foi um pico que
me ajudou a evoluir muito nas esquerdas, principalmente nessa trip. Volta e meia tirávamos umas baterias.
As ondas estavam com um metro e eram só batidas e floaters. De cada três ou quatro baterias eu ganhava
uma... Acho que foi uma escola, com um bom treinador.
Numa outra ocasião em Uluwatu com o Carlos Burle, senti uma diferença. Eu tinha um repertório de
manobras fortes de backside, enquanto o Burle e um outro australiano só passavam por dentro dos tubos de
backside.
Eu mandava uns quatro rasgadões de backside naquelas ondas de sonho e, na volta, remando para o fundo,
eu sempre via o Burle lá dentro do salão. Comecei a odiar minhas rasgadas e desejar pegar tubos. Perguntei ao
“Cabra” qual era o segredo. Pedi para ele me ensinar a técnica.
Na verdade, o Burle é nativo de Recife e aprendeu a entubar de backside em Serrambi desde garoto. Ele
me deu uma aula teórica e, quando eu vinha nas ondas boas que iriam rodar e ele estava remando de volta,
gritava:
– Agora!... Mostrando pra mim a hora.
Foi ali que aprendi. Depois me pós-graduei em Desert.
De volta ao Brasil, surfando num mar tubular de um metro nas Pitangueiras, eu peguei uma esquerda
emparedada e senti que ia ser um tubo. Coloquei o meu conhecimento em prática e comecei a entubar
acelerando. Passei por dentro de umas duas seções e quando eu estava para sair, o tubo continuou rodando,
fiquei posicionado e contemplando mais um pouco aquela maravilha...
Saindo do tubo, lá estava o Burle gritando:
– Aprendeu hein! Batatinha!
Dawn Patrol em Sunset
Um dia no Hawaii eu acordei de noite, peguei a minha gun e coloquei no carro. Sabia que Sunset iria estar
8 pés. A madrugada estava calma e ninguém na rua.
Chegando na praia, ainda escuro, preparei a cordinha na prancha, coloquei um coletinho para o frio, abri
uma wax gringa que comprei no Sunset Store e me diriji para Val’s Reef, lugar onde se mergulha na água
para sair remando para o outside. Segurando a minha prancha, antes de cair, só enxergava umas ondas fortes
chegando na areia.
Ainda escuro, pisando naquela areia fria, já dava para ver um pouquinho o céu lilás querendo clarear. As
ondas quebrando lá fora, não dava para ver o tamanho que estavam direito. Imagino, pela potência das ondas
no shorebreak, que deveriam estar uns 8 pés.
Foi o tempo de fazer um alongamento antes de me transferir para o outro ambiente. Parti... Pulei na água.
No ambiente líquido, remava na minha 8’0’’ Pat Rawson em pleno canal de Sunset, ainda noite. Agradecendo
a Deus, fui remando para o outside.
Começou a clarear e já era possível ver o tamanho das ondas. Passando pelo inside de Sunset, vi quebrando
do meu lado um caroço de 8 pés muito oco, abrindo e jogando um lip grosso, formando uma caverna no tubo.
A cena terminou com uma potente baforada que molhou até o meu cabelo.
“Será que é isso mesmo que eu quero a essa hora da manhã?”, eu me perguntei e continuei remando até
onde entra o pico que se forma com a ondulação de Northwest.
Eu me sentia o dono de Sunset. Pude sentar sozinho naquele line-up espaçoso. A série entrou e eu estava
naquele ambiente tão cobiçado pela “nata” mundial do surf, sem ninguém para me atazanar.
As dimensões de Sunset, 8 a 10 pés, são realmente grandes, principalmente no escuro. Os picos chegavam
a quatro metros, fácil. Entrou um na medida pra mim. Remei forte e a prancha embalou.
O drop foi um elevador. A prancha decolou e ao chegar na base com muita velocidade, virei forte e subi.
No lip dei uma rasgada na face para descer de novo lá pra baixo. A onda ao entrar na bancada do inside armou
o maior tubão, e o lugar mais seguro para ficar nesse momento era encostado na parede, lá dentro do salão.
Não consegui sair e dei a maior rolada na espuma, só para acordar. Depois de três ondas surfadas,
encontrei um surfista chegando e um crowd no estacionamento de carros com muitas pranchas.
No Hawaii é assim, a madrugada não é a melhor hora das ondas porque o terral só entra às 10 da manhã.
Essa condição pela manhã é chamada de morning sickness.
Foi na madrugada que eu me senti como um pioneiro, um desbravador da onda de Sunset. Eu acho Sunset
a melhor direita do mundo.
Sunset Demolidor
Morando no Hawaii...Na minha carreira de surfista nunca tive muito dinheiro, principalmente no Hawaii
onde tudo é em dólar... O meu quiver era humildemente composto por duas guns Willis Bros. Naquela época
o glass dessa marca de prancha estava sob suspeita, porque as pranchas estavam quebrando ao meio direto.
Um dia acordei e vi Sunset Beach lindo, quebrando dez a doze pés. Este foi um dia de prejuízo, mas eu não
podia imaginar.
Caí com uma 7’8’’ em Sunset e peguei boas ondas pela manhã. Depois de já ter surfado umas cinco ondas,
deveria ter saído... Só que ninguém é advinho.
Sentado no pico e distraído, fui pego por uma onda gigante e não deu tempo de fugir pela esquerda. Soltei
a prancha e mergulhei tomando o lip da esquerda na cabeça. Senti a cordinha estourar, quando levantei e
olhei, vi que só tinha sobrado a rabeta. A outra metade da prancha se foi... Fiquei nadando lá fora.
Saí pela bancada no meio das ondas, com a correnteza a meu favor me empurrando para a praia, cheguei
rápido depois de uma longa nadada.
Eu poderia ter ficado “relax” e ter ido para casa tomar um café, mas não... quis ser o “cabeça dura”, peguei
minha outra prancha, que era menor ainda, e voltei para a água...
Já na remada eu me senti pequeno. O mar estava aumentando. Quando estava no meio do canal no outside,
longe do crowd, a série balançou. Saí remando para o fundo na adrenalina, olhei para o lado e vi o Roberto
Valério distante e no meio do crowd remando na atividade para o fundo.
Remei a todo vapor...
No outside do canal de Sunset tem uma laje, foi lá que outra morra quebrou na minha cabeça, soltei a
prancha e ela foi partida. A onda engordou e morreu dez metros mais para o raso, deixando a metade do meu
bico a deriva no canal.
Estava enrascado de novo. O pior foi querer sair remando com a metade do bico pelo meio do canal e
contra a correnteza. Estava revoltado, tinha acabado com o meu quiver, e preocupado em sobreviver. Tomei o
caminho errado. O certo seria ter ido para baixo do pico de Sunset e saído pelas ondas.
Acabei parando na correnteza de Kamieland, remando só com a metade da prancha, num tremendo sufoco,
sendo dragado para o fundo.
Depois de muita luta, consegui entrar no meio da bancada de Kamieland e ser expelido do mar pelas
ondas... Exausto, todo arranhado pela fibra, mas feliz de estar em terra firme, nem ligando tanto pelas
pranchas perdidas e agradecendo a Deus de ter sobrevivido.
Surfista para Prefeito
Vamos supor que um surfista seja eleito prefeito de uma cidade do litoral. O que poderia acontecer nessa
cidade? Só coisa boa... Talvez...
O surfista prefeito, no mínimo, já teria viajado o mundo e conhecido muitas culturas, sistemas, cidades e
povos diversos. Por isso, ele vai saber o que é bom e o que pode ser feito para a sua cidade.
Ele conhece o prazer e a utilidade de uma ducha num parque de praia depois do surf ou de um mergulho. O
surfista prefeito é patriota o suficiente para querer fazer da sua cidade a melhor do planeta. Por que não?
As favelas seriam transformadas em vilas por meio de mutirões (os próprios moradores construiriam suas
futuras casas). Dessa maneira, a cidade não ficaria com “formigueiros humanos” nos morros, tomados por
favelas.
A água do esgoto seria tratada antes de ser despejada no mar. Isso é o mínimo que uma pessoa com poder e
bom senso deveria pensar.
A praia seria totalmente diferente. A orla marítima teria uma ciclovia, parques de praia com banheiros,
chuveiros e equipamentos de malhação.
Os salva-vidas ficariam instalados em torres de três andares, munidos de rádio e atentos a qualquer
imprevisto. Eles estariam equipados com zodiacs e triciclos de areia à disposição para os resgates.
Na orla marítima, obviamente uma ciclovia, calçadas pavimentadas, jardins floridos, ruas sem carros, só
para os pedestres, bicicletas que puxam turistas e um policiamento especial.
Os policiais, todos de bicicleta, seriam na verdade atletas altamente preparados, munidos de revólver e
capacete, anulando qualquer violência na rua da praia. Uma parte da polícia levaria também Pitbulls e
Rottweileirs para patrulhar a orla.
Haveria cestos de lixo em todo lugar e multa de 500 reais para os porcalhões que sujassem a cidade,
geralmente turistas. Essas multas pagariam os salários e a manutenção de tudo isso.
Se o prefeito da minha cidade (Guarujá) fosse um surfista, compraria a minha idéia de fazer alguns fundos
artificiais para dar ondas de qualidade internacional e estimular o turismo.
Outra idéia é a de construir um quebra-mar unindo a ilha Pombeva, na praia das Pitangueiras, até a praia. A
bancada de areia que iria se formar dos dois lados provocaria ondas perfeitas. As esquerdas da ilha
começariam a quebrar lá atrás, no estilo da praia de Itaúna em Saquarema. Do outro lado com ondulação de
leste, as ondas bateriam na ilha e no novo quebra-mar e entrariam em forma de triângulo, formando picos no
estilo de Duranbah, na Austrália.
A cidade seria valorizada muito mais...
Se todos no planeta tivessem a cabeça feita pelo surf, o mundo seria bem melhor.
Voto consciente pode levar um surfista para presidente.
Os Anti-surf
Às vezes sinto as más vibrações no ar. Todo aquele sentimento anti-surf começa a rolar... As pessoas
normais parecem estar frustradas, nervosas, sem uma ocupação funcional que traga a mesma satisfação que
nós temos no surf.
Ainda bem que a nossa tribo existe...
No surf não existem perdedores.
Numa competição, como o Pipe Masters, um surfista pega três tubos de 10 pés e outro também pega três
tubos de 10 pés melhores, um pouco, que os de seu oponente e vence a bateria.
Apesar de apenas um deles estar classificado para a outra fase, isso não quer dizer que o surfista
desclassificado seja um perdedor: ele acabou de pegar incríveis tubos em Banzai Pipeline...
A essência do surf está em dividir o néctar da natureza com alguns amigos. Isso é que torna o surfista um
ser com princípios básicos do que é certo ou errado.
Talvez esse sentimento negativo que as pessoas anti-surf têm venha do fato de o surfista já estar curtindo e
vencendo apenas por estar praticando, sem precisar derrubar ninguém. Os campeonatos não são tudo. Foram
inventados para pessoas que amam o surf terem a chance de fazer uma carreira de surfista profissional.
Que sentido tem viver sem o surf?
Nossa existência aqui na Terra é curta e o surf é bom demais. No céu eu espero ter momentos como os que
já tive dentro de um tubo em Desert, Maresias, ou num drop numa picamba de Sunset. Daí para melhor... Vai
ser o paraíso para aqueles que realmente são puros de alma e merecem.
Existem pessoas querendo acabar com nosso esporte, entre elas políticos que não se importam com a saúde
da natureza, nem com o futuro do nosso planeta.
Alguns estão destruindo o nosso cenário!
Estes são os verdadeiros seres “anti-surf”.
Legends
A nostalgia do surf dos anos 60 invadiu a minha casa quando um amigo me emprestou dois filmes de
vídeo, que recomendo para quem curte longboard e as raízes do surf.
São eles: Waterlogged de 1962 e Golden Breed de 1968.
Quem não gosta de longboards hoje, porque eles têm melhor remada e impreguinam o pico, deveria se
lembrar de que eles são os ancestrais das pranchinhas. Naquela época tudo era diferente, percebi que qualquer
surfista bom virava legend, porque tinha poucos surfistas.
O filme de 1962, Waterlogged, de Bruce Brown, mostra um surf muito cru e primitivo: o surfista que mais
se divertia era considerado “bom surfista”. Manobras como reverse kickout (retirada olhando pelas costas) e
triming (cortar a onda) eram o máximo. Notei que as piadas – a parte mais divertida que rolava – eram muito
mais engraçadas do que as de hoje.
As aventuras como pular de pára-quedas, surfar rebocado por um hidroavião, pular de Waimea Falls e
carros sem freio disparados completam bem o real espírito de liberdade do esporte.
O mais interessante nesse filme é ver o Phil Edwards surfando Pipeline sozinho, por volta de 1961. Foi ele
quem estreou a bancada de Pipeline. O longboard não se encaixava direito na onda rápida e tubular, mas
mesmo assim ele conseguiu fazer alguns drops.
O Golden Breed, filme de Dale Davis, de 1968, me fez enxergar muitas influências que os surfistas dos
anos 70 sugaram desses mais antigos. O Buttons Kaluhiokalani sempre teve um estilo único. Eu nunca
imaginei de onde ele tirava aquele balanço de quadril e braços na base da onda em Pipe. Descobri que é muito
parecido com o de Tiger Espere, havaiano do final da década de 60.
O Fred Hemmings, hoje senador no Hawaii, era um grande power surfer. Ele ainda coordena o Triple
Crown junto com Randy Rarick.
O Mark Martinson era muito bom em Sunset.
Aparece o Barry Kanaiaupuni, power surfer havaiano e master de Sunset, arrepiando em Malibu e
mostrando um estilo copiado por muitos de uma geração antes da minha. Paulo Tendas, que me influenciou
um pouco no estilo de surf, foi influenciado nitidamente por BK.
E o Jeff Hakman que aparece com cara de “moleque” arrepiando... Eu não sabia que ele era tão bom em
Pipeline. Ele nos mostra que o posicionamento correto é quase tudo nas morras. Em Sunset ele arrebentava,
por ser de constituição pequena fez halteres, encorpou e venceu o Campeonato Duke Kahanamoku, aos
17 anos, em Sunset.
Também aparece um surfista de sobrenome Kamehameha, sangue azul, descendente de King Kamehameha
que unificou todas as ilhas do Hawaii.
Um dos maiores tesouros desse filme são as ondas do Eddie Aikau fazendo drops alucinantes em Waimea,
e ele só tinha 18 anos. Lá ele diz: “Dou muito crédito para os que surfam em Waimea. Eles estão arriscando a
vida. Muitos têm esposas, famílias...” Ele valorizava a vida e, para quem não sabe, morreu para salvar outros.
O filme mostra José Angel dando uma despencada numa onda de 20 pés aterrorizante. O cara deu umas
quatro cambalhotas na parede até entrar na água, na base. Segundo a lenda, por ele ser um mergulhador,
adorava fazer os drops em ondas gigantes e dar um mergulho-cambalhota de costas na base da onda. Ficar
duas ondas debaixo d’água era gostoso para ele. Não é por menos que um dia mergulhou entre as ilhas
havaianas, aos 38 anos, e nunca mais voltou.
Outro legend do filme é Pat Curren. Além de ser a cara do Tom, seu filho, ele sabia muito do drop em
Waimea. Ele faz um drop animal, com posicionamento de quem sabe e se dá bem.
Aparecem altas ondas do Greg Noll, o Da Bull em Waimea. O fato de ele ter dropado uma onda tão grande
em Makaha, e na hora do caldo ter prometido a si mesmo que se vivesse nunca mais surfaria, o tornou um dos
mais famosos big riders da história.
O Rusly Miller eu conheci pessoalmente no Campeonato Alternativa do Pepê, Rio de Janeiro, de
longboard. Eu não dava nada para ele até ver as ondas que dropou em Waimea nesse filme.
sses legends são legends porque merecem. Os ensinamentos desses pioneiros são profundos. Um deles é
nunca bancar o urso dançante (ser o aparecido) nas ondas grandes. Outro é saber a hora certa de começar e a
hora certa de parar, em tudo.
Surf das antigas é como ir buscar músicas clássicas...
... Ali estão as nossas raízes.
Surfistas Marchando para a Frente
O Movimento SMF é um compromisso...
Quando Paul Sargeant quis colar um adesivo na minha cadeira do LMB, eu não imaginava o quanto estava
sendo séria aquela provocação, nem qual era a grandeza do que estava por ser criado – a sigla brasileira SMF.
LMB é a sigla do surf australiano que significa Logic Motivation Bravado. Foi criada por este australiano,
no meio da década de 90, com o objetivo de elevar o surf australiano, novamente, ao topo. LMB, para eles,
também quer dizer Lick My Balls (lambe minhas bolas). É sacanagem, mas não deixa de ser uma invenção
brilhante.
Depois daquela provocação do LMB, fiquei de criar uma sigla para o Brasil. Já havia criado a TWR alguns
anos atrás.
TWR – Third World Reply – não empolgou ninguém...
Para começar não é “poliglota”, quando falada em português se torna RTM – Resposta do Terceiro Mundo.
Também não tem o segundo significado, o que a faz “sem graça” perto da LMB.
Na época em que criei a TWR, nós devíamos provas aos gringos pois apenas Teco, Fábio e Peterson
faziam parte da elite do WCT. Hoje é diferente, temos alguns no WCT e muitos pressionando para entrar.
TWR não tinha firmeza, então não parei de pensar até surgir:
SMF... Surfers Moving Forward...
O sucesso de SMF se deve também a seu “segundo significado”, que está no mesmo nível de gozação da
LMB.
SMF pode ser Smell My Fart (cheira meu peido) que calha de ser usado quando se é o vencedor. Nesse
sentido, um SMF tem que ser o número 1 para poder andar na frente dos seus oponentes e, conseqüentemente,
deixá-los para trás sentindo o cheiro.
A corrente de união SMF vai unir os competidores brasileiros num espírito de time, em que a
camaradagem e o patriotismo entre nós irão nos fortalecer e nos “mover para a frente”.
Segundo Paul Sargent, o objetivo geral das siglas é fortalecer o esporte em âmbito mundial.
A idéia inicial do LMB era de elevar de novo o surf da Austrália. Mas partiu para um caminho mais amplo:
melhorar ainda mais a imagem do esporte. É preciso encaminhar os jovens surfistas a se tornarem melhores
pessoas, para o bem deles e do surf.
A missão global do movimento é criar uma nova raça de surfista profissional. Atletas responsáveis e
confiáveis que encaram o surf como uma carreira e não como um direito assumido só porque na vida
aconteceu de surfarem bem.
Os USA têm a sigla OAM. On A Mission já conquistou sete títulos mundiais neste final de década. A
missão foi cumprida.
A missão dos movimentos LMB, OAM, SMF e outros que ainda surgirão de outras nações surfísticas é a
de encontrar um atleta modelo que permita apresentar o surf ao mundo no mesmo nível de outros esportes
considerados sérios – possição esta que o surf já possui. Esse trabalho já está sendo realizado.
O Brasil tem muitos surfistas bons. Se todos eles formarem um exército, o mundo poderá ficar pequeno...
Pranchas Mágicas
Alguma vez você sentiu que tinha uma prancha mágica?
O que define uma prancha mágica?
Quando a prancha é das boas, você já sente na remada.
A primeira onda já diz tudo, principalmente a primeira situação arriscada, tipo um drop atrasado. Se a prancha
nas horas críticas tira você da roubada, você começa a dar mais valor ao seu foguete. Se você despenca ou se
dá mal, aí a pulga atrás da orelha vai começar a coçar antes que você se coloque novamente em qualquer
situação crítica.
A autoconfiança é diretamente ligada à prancha. Para se conseguir uma “state of art” performance é
necessário que a prancha seja uma continuação do surfista. É preciso que o pé encaixe nos amassões do deck
como uma luva. A cada curva acionada, a prancha mágica acelera mais e mais. Prancha boa tem que ter muita
velocidade para administrar.
Por ser mágica, uma prancha maroleira torna o surf em ondas pequenas um enorme divertimento. Já uma
gunzeira, também mágica, leva você a buscar as ondas grandes do pico. A verdade é que uma magic model
faz você surfar o seu melhor, tornando esse período uma das melhores fases de sua vida.
Eu já tive alguns magic sticks.
Uma twin fin Local Motion 5’8” shape do Heitor Fernandes. Acho que com essa prancha tive a minha
melhor fase em ondas pequenas. Uma Dennis Pang 7’ da Town & Country que também me deixava à vontade
nas ondas grandes, mesmo que fossem gordas. Também tive uma 8’2’’ Dennis Pang que me dava
autoconfiança suficiente para dropar do caroço de Sunset. Sem falar num longboard trifin Steve Walden em
que o nome já dizia “Magic Model”. Esse longboard “ultraleve” três quilhas propiciava batidas e nose rides.
São poucas as pranchas que podem ser chamadas de mágicas. Elas têm que ser muito bem tratadas, afinal,
quando acabam é uma tristeza (até aparecerem outras tão boas quanto).
Hoje em dia é mais fácil arrumar pranchas mágicas por causa do desenvolvimento da tecnologia geral:
blocos, fibras, resinas e computadores. Mas, mesmo assim, uma prancha mágica deve ser guardada de
recordação, jamais vendida.
Puro Prazer
O prazer de deslizar em pé sobre as ondas é algo que pode durar toda a vida. Quem realmente aproveita e
curte o essencial do esporte – a velocidade e a suavidade de deslizar em sintonia com uma onda –, deve estar
certo de que vai surfar para sempre. O básico é se divertir. Quem mais se diverte na água geralmente é o
melhor surfista.
Observe os grandes competidores da atualidade e outros grandes surfistas de outras épocas. Todos eles,
performistas de palanque, no fundo, estão se divertindo, lavando a alma nas ondas e ganhando um dinheiro,
que não é muito, mas é o suficiente para deixá-los só pensando nisso.
Se analisarmos o grau da diversão de um local havaiano pegando as melhores ondas de Pipeline ou algum
outro privilegiado surfista passeando nas cavernas do Backdoor, concluiremos que nem na Disneylandia,
Magic Mountain, realidade virtual ou qualquer outra atração que já foi inventada a diversão é tanta.
Voar também deve ser muito bom mas nunca experimentei para poder falar sobre. No máximo dei um pulo
de Bungee Jump...
A longevidade de um surfista depende de seu espírito. O longboard estende os limites da “vida útil”
competitiva dos mais fissurados por aquela adrenalina de pegar uma camiseta e cair nos vinte minutos de
bateria.
O longboard também aumenta o grau de diversão nas marolas. Observo isso assistindo aos masters do
longboard passeando de longboard e se divertindo nas baterias e nos beachbreaks.
No Hawaii as pessoas surfam até bem mais velhas. É o maior crowd de coroas no line-up de Sunset. A
água é limpa, o cheiro dos corais é característico e o lifestyle havaiano deve ser o responsável pela
manutenção da juventude desses fanáticos.
Aqui no Brasil o longboard ajuda os quarentões e cinqüentões a se manterem na água.
A realidade é a seguinte: se você ainda estiver se divertindo não é hora de parar. Mas se a sua pranchinha
está afundando e você está se sentindo ridículo surfando ao lado dessa nova geração que só dá aéreo, batida
com 360o e muita rapidez nas marolas, experimente um longboard.
Um pranchão pode parecer coisa de velho, mas não é...
A “onda” no pranchão é surfar no bico, porque este é o real espírito do longboard.
Balas de Goma
Cheguei no Hawaii barão naquela temporada. Havia fechado patrocínio com o Banco do Brasil e a Rede
Globo, com a ajuda do Rico de Souza, o meu amigo e empresário.
Pilotando um Mitsubishi Sport, diretamente da Hertz Rental Car do aeroporto, e com minha Pat Rawson
8’0’’ cheguei em Sunset.
A viagem até o Hawaii tinha sido longa e o fuso horário estava me pegando. Tudo parecia normal ali no
estacionamento de Sunset. Estava tudo igual aos outros anos, com exceção do carrinho de balas que estava
parado do outro lado da Kamehameha Hwy.
Cheguei mais perto para conferir a barraquinha, onde havia um freak de óculos redondos, no estilo John
Lennon, vendendo vários tipos de balas. Escolhi as balas de goma vermelha. Comi umas três e me posicionei
no estacionamento de Sunset, de onde era possível ver toda a ação. Deu meia hora e foi o tempo de me bater a
pressa para cair na água.
O swell quebrava com 10 a 12 pés. Paredes de norte se juntavam com os picos de oeste para formar aquela
montanha característica de Sunset.
No pico, só caras bons... Logo ali no inside estava Michael Ho dropando as ondas certas e botando pra
dentro. No outside, Kong disputava o pico com os locais Dane Kealoha, Bobby Owens e Johnny Boy. No
meio da bancada, um maluco pegou uma incrível parede de norte. Era o maestro Wayne Rabbit Bartolomew,
com muita experiência e maldade.
Nessas alturas eu já me sentia o King Kong ou o Hulk com vontade de detonar aquelas ondas. Cruzei
Marcelo Bijou entrando na água com sua gun 13 pés. Ele só gostava de dropar as lavadeiras de oeste. Pulamos
na água...
Meu amigo Marcelo Bijou, para quem não sabe, é o brasileiro mais inteirado com os locais. Ele é tipo a
polícia do surf. Marcelo mora com Rock, o local mais “cabuloso” e “mal encarado” do North shore. Quando
não tem onda eles caçam porcos do mato.
O visual estava bizarro. Aquela cor roxa com rosa no céu, a água do mar azul-turquesa, um arco-íris duplo
no horizonte, o vulcão Kilauea em erupção e as ondas querendo aumentar para 15 pés, lisas como cristal, e
muito pouco vento. Condições descomunais.
Eu estava indo surfar sem cordinha porque queria voar nos drops face abaixo.
No inside, remando para o outside, assisti o Ianzinho pegar o maior tubão. Os brasileiros que estavam lá
fora eram Jorge Pacelli, Carlos Burle, Xã com cabelo tipo moicano, Eraldo e Davisinho.
Sentei no pico. Não deu dez minutos e veio a maior série. Passei remando muito rápido pela primeira onda
da série para me posicionar para a segunda, que era ainda maior.
Estava na posição exata para pegar aquela morra. Remei com toda minha energia. Tinha um cara mais
velho, local e careca, que remou no rabo tentando pegar a mesma onda, achando que eu iria “amarelar”. Dei
um berro na hora em que senti ter pego a onda e saí voando face abaixo. O local tomou o maior susto e puxou
o bico me deixando ir na onda, assistindo ao ataque aéreo.
Ao aterrissar no meio da face da onda e chegar na base suavemente, o Johnny Boy, que vinha voltando no
canal, sentou na prancha e deu um berro. Acho que foi a melhor onda da minha vida.
Ao voltar para o fundo, tinha um cara muito esquisito remando do meu lado. Troquei uma idéia com ele
que se apresentou como Michael Peterson.
Delirei! Eu estava diante de uma lenda viva, o melhor surfista da década de 70, o cara venceu todos os
campeonatos da Austrália nos anos 74, 75 e 76. Ele era enigmático. Uma vez lhe perguntaram qual era o
segredo de tantas vitórias. E ele respondeu com a célebre frase: “Eu poderia dizer... mas acho que não devo”.
Comentei sobre a barraquinha de balas lá na praia e ele disse que era o dono. Fiquei muito feliz por
conhecê-lo.
Foram as melhores balas de goma...
Surf Futurista
Já era manhã, como o galo não parava de cantar bem na minha janela, eu tive que acordar. Olhei para o
calendário e vi o dia, 14 de maio de 2027.
Olhei pela janela e senti:
– Hoje é o dia.
Era uma típica manhã peruana, a neblina deixava tudo cinza.
Eu estava munido da minha elephant gun, uma prancha do século passado, ideal para enfrentar as “ondas
mamut” que estavam previstas para entrar em Pico Alto.
A tecnologia previa a entrada dos big swells, previa até a hora do pico da ondulação. “Pico Alto atinge os
25 pés no dia 14, uma série de quarenta pés entra às 15 horas”, esse foi o aviso que recebi por e-mail no dia
10 de maio, ainda no Brasil.
Na era tecnológica queria estar posicionado para dropar com toda a parafernália atualizada, a fim de tornar
possível o bigsurf em trinta pés. Fui até a Torre do Cores no Hotel La Pousada que havia se transformado num
prédio de 20 andares, qualidade cinco estrelas.
As reformas econômicas e o Mercosul transformaram o Peru, o Brasil e a Argentina em potências
mundiais. As antigas casinhas sem telhado de Punta Hermosa sumiram e deram lugar a um condomínio de
alto luxo, parecido com os da Califórnia no século passado. E por falar em Califórnia, ela havia sumido do
mapa no grande terremoto de 2002.
Chegando no mirante para checar as condições, as ondas de Pico Alto davam o seu sorriso. Havia oito
ondas na arrebentação. Elas mostravam os dentes. Estimei uns 25 pés de onda gelada.
Era necessário o uso de uma máscara e óculos protetores, além do long john, pois a camada de ozônio era
coisa do milênio passado, e o sol, sem a “preciosa camada”, machucava a pele provocando feridas
cancerígenas.
O pessoal deveria ter cuidado melhor do nosso planeta. Agora, por causa da destruição no milênio passado,
temos que viver sempre protegidos. A lei mundial do ano 2000 previa pena de morte para quem poluísse ou
destruísse qualquer parte da natureza. Lixo poluente, carros com CO 2, ar condicionado, geladeiras agora
significavam cadeira elétrica...
Eu me equipei também com um minitubo de oxigênio para garantir no caldo, coisa corriqueira nesse tipo
de surf, hoje em dia. Para entrar nas ondas o surfista era rebocado num jet-ski – técnica introduzida pelos
antigos havaianos, pioneiros dessa prática no final do século passado.
O jet-ski saiu da praia na hora da calmaria, eu atrás da Kawasaki 7000 turbinada a laser sendo rebocado a
milhão, puxado por uma corda rumo ao outside.
Estava tudo funcionando, principalmente as ondas que quebravam muito grandes e tubulares no pico.
O jet-ski chegou no outside, passou a linha do line-up e voltou na boa da série. Soltei a corda e dei uma
curva para dentro da onda no drop. A onda era imensa e a velocidade, inacreditável. Na hora em que ela
quebrou, eu já estava dando a curva na base com minha gun.
O lip jogou grosso, despencou lá do 5o andar. Eu, atrasado, atrás da seção, acionei o moderno acelerador da
prancha e botei pra dentro, quase tomando aquele lip de uma tonelada nas costas.
Passei por dentro de um salão enorme, gelado e verde. Era uma outra dimensão em tamanho, velocidade e
emoção. Saí com o bafo onda e de boca aberta com o ocorrido. Eu ri também, pois o rush era intenso...
Passou o jet-ski, peguei a corda e fui pra próxima. As ondas quebravam fortes e tubulares, impossível de
pegar sem o jet-ski. Apareceu outra dupla de jet-ski/prancha. Não dava para ver quem era por causa da
máscara antiqueimadura. Notei que o cara surfava bem, quando o vi dropando lá atrás de backside, dando
uma curva, rasgando no meio da parede e botando num tubo de 20 pés, sem as mãos na borda.
“Nossa! Isto é surf!”, pensei.
Foram ondas realmente de sonho. O feeling estava presente até eu ser varrido pela série de 30 pés das 15
horas. Além de tomar aquela montanha na cabeça embaixo do pico, eu fui sugado de volta com o repuxo.
Caindo na cachoeira, sentindo aquele frio na barriga e uma sensação de queda sem fim... eu acordei...
Qual é a distância entre o sonho e a realidade?
– Os neurônios.
•
Escrevi este texto em 1995. Eu imaginava essa loucura acontecendo em 2027. Em 28 de janeiro de 1998
algo parecido aconteceu no North Shore Hawaii no Outside Log Cabins, um,a histórica sessão de tow-in.
Energia Vital
Eu vivo, respiro, durmo e como surf durante a minha existência. Existem várias fases e não sei qual delas é
a mais empolgante.
Quando comecei, em 1975, eu era um aprendiz com talento que evoluía rápido. Achava qualquer mar
ótimo. Preferia as ondas pequenas e estranhava quando cresciam. Eu me imaginava com dez anos de surf nas
costas e como ia ser bom surfar, sabia que ia evoluir muito.
Minha vida mudou depois do primeiro tubo. Fiquei completamente dependente daquele momento,
buscando sempre que possível mais um.
Qual será a energia que nós surfistas adquirimos ao passar pela experiência que é o tubo? Essa é a força
vital que temos e muitas vezes nem percebemos. O mar é muito grande e muito poderoso. O nosso contato
diário com essa imensidão faz com que nosso ponto central de energia na barriga fique carregado.
A energia que absorvemos do tubo é muito forte. Sem contar o estado de arte que a mente alcança depois
de pegar um profundo.
Sei que foi um tubo que me colocou nessa “roubada”, mas todas as dificuldades que encontrei na vida,
superei graças a essa energia adquirida e acumulada de tantos e tantos contatos e passeios no “salão verde”.
Acredito que o nosso planeta é erroneamente chamado Terra, deveria se chamar “Planeta Água”, pois o
mar é que predomina. Quando você fica envolvido pela cortina de água, a pressão, a beleza, o barulho, o
feeling e o sentimento de conquista ao conseguir sair daquela toca fazem do surf um esporte fascinantemente
inigualável.
Depois de alguns anos de estrada, você evolui e atinge um nível no surf. Você começa a viajar para
encontrar as ondas que seu surf demanda. E agora? Agora é a hora...
O que acontece com a cabeça do indivíduo depois de entubar no Corner de Uluwatu? E no supertubes de JBay? E no inside de Sunset? Passear dez segundos no tubo de Desert? Pegar o tubo e sentir a pressão de
Pipeline? Amigos, o estado mental é irreversível. Somente o surfista conhece esse sentimento. Fiquem lá
dentro, depois vocês vão perceber a elevação... Quanto mais profunda a caverna, melhor...
Competition Suck’s
O universo do surf é muito amplo para alguém ficar injuriado por uma derrota numa bateria. Eu digo isso
porque o surf sempre foi a minha ocupação e, na minha época de competidor, acho que errei em ter me
pressionado e me cobrado tanto os meus resultados, ranking e sucesso.
Toda essa pressão na minha cabeça era no fundo uma preocupação para garantir bons resultados e ser
valorizado pelo meu patrocinador, pois assim permaneceria fazendo o que eu mais gostava – surf.
O surf tem várias facetas, não é por aí...
Houve épocas em que não me sentia bem nas competições em ondas pequenas. Eu as encarava como um
“mico” que tinha que pagar para poder chegar até o Hawaii no final do ano, nas ondas reais de espaço e
energia, e poder expressar o meu surf, até então entalado e reprimido das competições em ondas ridículas do
ano inteiro. Era raro um campeonato com ondas decentes fora do Hawaii.
Nas competições, as derrotas fazem parte do jogo.
É delicado perder, o ego fica ferido. Numa bateria parece que tudo aquilo é o que existe de mais
importante no momento. Esse feeling faz parte do caminho que temos que enfrentar.
O segredo é estar equilibrado. Não ficar muito feliz com a vitória, nem muito triste com a derrota. Se um
dia insistir e fizer tudo certo, adicionado de uma ajuda divina, poderá chegar à vitória, nem que seja num só
torneio, só para sentir o gostinho do topo do pódium por um dia.
Eu encararia hoje uma bateria como uma missão superimportante, uma tarefa pela frente, mas sem pensar
que o surf se restringe só a isso... O ato de deslizar em pé sobre uma onda já é motivo de felicidade...
Eu já passei por cada uma e sei que o psicológico é que manda.
Meu irmão Totó deu exemplos clássicos. Perdeu baterias e quebrou pranchas no palanque. Um desses seus
atos de rebeldia me inspirou para não cair fora de jeito nenhum de uma competição.
No Campeonato brasileiro de Ubatuba em 84, quando vi o grau de revolta dele ao destruir sua prancha por
perder e estar fora, pensei: “Se ele está assim, imagine eu então se perder”...
Está certo que eu estava muito confiante, preparado, equipado e determinado, Deus também me ajudou
enviando as vibes para vencer o campeonato, mas esse episódio me deu um alerta de como seria ruim estar
fora do campeonato.
O meu irmão teve seus momentos de glória, assim como todos os que insistem acabam tendo. O dele foi no
Waimea 5000 de 1980, no Arpoador. Nessa época tinha Cauli, Daniel Friedman, Picuruta, Almir, os
Pachecos, Jeferson, Fred Dórey, Coelho, Rosaldo e mais vários cariocas dominantes na época do Árpex.
Veja outro exemplo. Eu me preparei um mês antes desse campeonato internacional no Rio. Treinava
correndo, fazia uma boa alimentação, tomava pó de guaraná ao acordar para ir surfar, dormia cedo e levava
um comportamento exemplar. O meu irmão não levou a sua prancha para o Rio e não estava nem aí pra essa
competição.
Resultado. Perdi na primeira bateria e voltei para São Paulo recalcado. O meu irmão, depois de passar na 1 a
fase, pegou a minha prancha e passou nas triagens. Competiu com o Joey Buran (vencedor do evento) e foi
derrotado numa bateria homem-a-homem. Ficou em 17o no evento, ganhou até um dinheiro. Pode parecer
pouco, mas um resultado deste para um trialista já era uma vitória. Ele se deu bem porque não estava nem aí
com a vitória...
É facil deduzir que preocupação demais, ansiedade, pessimismo, autocobrança acabam com o surf de
qualquer um.
Dia Épico na Silveira
As ondas mais épicas num Campeonato brasileiro rolaram no Mormaii Classic de 1988, em Garopaba, no
point da Silveira. Os melhores surfistas estavam reunidos para o evento, marcado para o dia 8 do mês 8 do
ano de 1988.
Na véspera estava tudo armado para o evento acontecer na praia da Ferrugem. A merrecagem me deixou
desanimado. No final da tarde da véspera do campeonato entrou um vento sul. Fui checar a praia da Silveira,
ainda estava pequeno. Fiquei observando da grama, com a esperança de o cenário mudar no dia seguinte.
Na manhã seguinte acordo com a notícia de que as ondas tinham 2 metros na Silveira. Muitos já estavam
treinando. Caí no mar. Esse campeonato prometia... Ondas perfeitas e o mar parecia estar aumentando. Nesse
dia rolaram as triagens e o mar já estava com uns três metros à tarde.
Na manhã seguinte o mar estava gigante. Eu fui pular das pedras e não consegui. A maré estava baixa e as
pedras brotavam no caminho do pulo até o outside. Resolvi entrar pelo meio da praia. Consegui passar e
peguei só uma onda.
Ao ouvir a sirene tocar para começar as baterias eu tive que sair. Só iria surfar no dia seguinte. Por volta
das 10 da manhã, a maré começou a encher, o negócio foi ficando preto pois entravam séries de 2,5 a 3
metros.
A competição foi ficando difícil com as condições que estavam ali. O mar ficou tão grande, que os atletas
não conseguiam mais pular das pedras, porque alguns eram varridos. Era impossível sair da areia remando. O
único caminho era esperar nas pedras por uma calmaria entre as séries, correr por cima dos mariscos e pular
na hora certa para tentar passar a arrebentação sem quebrar as quilhas.
Vi muita gente se dando mal, rolando sobre os mariscos. Alguns ficaram os 20 minutos da bateria
esperando uma oportunidade para entrar. As séries não paravam de vir. Era uma mini-Waimea fechando o
canal.
Suspenderam o evento porque o mar estava muito grande.
Eu estava com vontade de surfar ali. Já tinha tentado entrar pelas pedras de manhã e não havia conseguido.
Resolvi tentar pular das pedras para fazer um “free surf” e testar aquelas ondas. Alguns caras foram comigo.
Fui até a pedra e encontrei o Titico, um local que me ajudava direto na hora certa de cair na água. Deu um
intervalo entre as séries, escutei seu grito:
– Vai! ...
Pulei na água e passei a arrebentação.
Foi uma sessão de surf alucinante. Todos ficaram assistindo eu e mais alguns pegarmos altas ondas.
Entrou um vento maral de nordeste e as ondas emparedadas de uns três metros viravam para cima das
pedras.
Naquele momento havia uns trinta surfistas querendo pular das pedras. Mas não dava. As séries estavam
constantes e o mar não permitia. Eu nunca esquecerei daquela sessão com só mais de quatro caras no mar.
No outro dia passei todas as baterias e me classifiquei para o domingo.
As condições do mar pioraram no domingo. As ondas abaixaram e quebravam na direção das pedras com o
vento leste. O Paulinho do Tombo venceu Rodrigo Resende numa final alucinante.
Fiquei em quinto lugar na competição e a minha prancha mágica quebrou ao meio nas pedras, na minha
última bateria. O mar reinou na Silveira por alguns dias... Nós surfistas ficamos pequenos...
Análise de Waimea
Waimea é uma onda muito perfeita. Surfando lá você está arriscando a vida. Pode encontrar uma série
fechando a baía como aquela que pegou Almir Salazar em 86. O cara pode ser grande, mas em Waimea as
dimensões são outras.
Caso aconteça alguma coisa em Waimea, como perder a prancha, a dica é nadar para as pedras perto do
canto direito da baía, sempre se mantendo na parte branca das ondas, porque ali a correnteza é forte e vai
ajudar você a ser levado para o raso. Nunca se deve tentar sair em direção do canal. A correnteza do canal o
levará para o oceano e lá é muito pior.
Existem vários tipos de onda, mas Waimea é única.
Em mares mais rasos, tipo Pipeline ou Paúba, as ondas perigosas são as menores. Pela falta de água da
bancada, as ondas menores quebram traiçoeiras, podendo esmagar você no fundo. Não é o caso de Waimea,
onde o perigo está no volume de água nas ondas maiores e num possível afogamento.
A força da onda em Waimea chega a ser estúpida.
O line-up de Waimea é um grande segredo para um dropador de lá. A regra é saber sentar no lugar certo e
saber remar do ponto “x”.
Existe um lugar em cima de uma bolha, lá atrás da bancada, que faz a prancha acelerar na remada,
permitindo ao surfista levantar e dropar a onda antes que ela se levante. É por aí que os melhores dropam os
caroços adiantados atrás do bowl.
São muitos segredos que só a experiência revela.
O Hawaii é a meca do surf e o lugar é pequeno. Os havaianos sempre defenderam sua terra. A população
brasileira é grande e ultimamente está fazendo um crowd violento por lá, principalmente em Waimea.
Dá para entrar em harmonia tanto nas bigwaves quanto com os locais, basta ter bom senso e boa educação.
Bons infinitos drops...
Episódio em Maresias - Outubro de 1994
Tudo aconteceu no campeonato ASP em Maresias, em 1994, durante as quartas-de-finais. Numa bateria,
Victor Ribas, ainda garoto, disputava uma vaga para as semis com três gringos.
O mar estava minúsculo e Victor era um forte candidato ao título por causa de sua habilidade e talento nas
condições pequenas das ondas. Vitinho é um cara muito querido pelo público brasileiro e, com certeza, ele é
um de nossos líderes do surf da atualidade. Quem o conhece sabe que é um cara totalmente de paz e “na
dele”.
Assim que a bateria começou, já deu para sentir a maldade de Todd Holland, um surfista veterano de
bateria, para cima do Vitinho. Com seu imenso cavanhaque parecendo um bode rebelde, Todd não parecia
interessado na bateria, mas sim em anular o surf do brasileiro. Ele estava conseguindo o que queria. Desde o
início ele “colou” ao lado do brasileiro não permitindo que ele surfasse.
Eu estava estreando como “comentarista” de campeonato e do alto da torre instintivamente comentei a
verdade do que estava acontecendo.
– Ih! olha lá, o Bode não está deixando o brasileiro surfar.
Falei o absurdo que eu estava vendo. O público começou a acompanhar o apavoro do gringo no brasileiro e
conseqüentemente a se revoltar.
Como só tinha marola no mar, as pessoas começaram a entrar na água a fim de bater no gringo. Quando
Todd saiu da água, foi perseguido por um arrastão de brasileiros injuriados com sua atitude antiprofissional.
Ele corria e a galera bombardeava areia na cara dele. Quando ele já estava quase no palanque, um cara
conseguiu pará-lo e deu uns quatro cascudos bem dados na cabeça dele. Ele conseguiu escapar e fugiu
desesperado para o palanque.
Um cara viajado como Todd Holland deveria ser mais esperto e respeitar mais os brasileiros,
principalmente aqui no Brasil. O brasileiro tem o sangue quente. A nossa terra é suspeita, cheia de crimes
bárbaros como arrastões, saques a supermercados, massacre na Casa de Detenção em São Paulo, matança de
menores, corrupção, rota do narcotráfico.
Aqui é uma terra de costumes tribais e todo mundo sabe disso.
A galera quis me culpar...
O povo brasileiro é hospitaleiro e amigo, mas ninguém gosta de forasteiros agindo com maldade pra cima
dos brazucas em pleno território nacional.
No Brasil, é ruim alguém querer crescer em cima de algum tupiniquim.
Guerra nas Ilhas Reunião
Numa viagem com a galera brasileira para as Ilhas Reunião, para correr o primeiro campeonato
internacional, em 1991, rolou guerra no hotel.
Estava o Joca Júnior, Piu, Teco, Renan, Fernando Graça, Hemerson Marinho, Tatuí, Pedro Müller, Victor
Ribas e Tinguinha, uns dez ao todo.
Fomos todos nós competidores num avião fretado pela ASP, porque havia muita gente e muitas pranchas.
O avião demorou muito para decolar e foi aquela zona. Os australianos bebiam, nós brasileiros mais tímidos
ficamos na nossa.
Saímos segunda à noite e chegamos terça de madrugada.
Na terça-feira dormi até mais tarde ao saber que estava flat.
Todo mundo ficou em um alojamento porque nas Ilhas Reunião, colônia francesa, tudo era muito caro.
Uma Coca-Cola custava três dólares e um hotel, nem pensar...
No alojamento tínhamos um bom desconto. Ficávamos instalados numas casinhas, uma ao lado da outra,
em frente ao pico. No bairro vizinho estava a legião dos australianos, dos americanos e de alguns poucos
japoneses.
Na quarta-feira começou o campeonato em Trois Bassin, uma prainha a vinte minutos dali, com fundo de
pedra, onde quebrava meio metro de onda. Como não tinha swell e o campeonato não podia ser adiado,
começou ali mesmo.
Eram só dois rounds de trials e os brasileiros fizeram a mala nas marolas, quase todos passaram. No dia
seguinte as merrecas continuaram e, no campeonato principal, na marola nós ganhamos de muitos gringos.
Muitos australianos, já desclassificados, estavam meio “putos” por estarem de fora e um monte de
brasileiros dentro. Eles passaram aquela tarde bebendo nas suas casinhas.
No fim da tarde, enquanto conversávamos e ríamos já meio escuro, deu um blackout e apagaram-se as
luzes. Foi só acontecer isso e os malucos australianos, já bêbados, começaram a mandar ovos pra cima da
gente.
Foi declarada a guerra...
Acho que um dos ovos acertou o Renan e o Tinguinha, e os caras já saíram gritando:
– Seus gringos filhos da puta, agora vocês vão ver.
Nos unimos e nos munimos... Pegamos ovos, batatas, tudo atirável que tinha na geladeira e começou o
ataque-resposta.
A molecadinha australiana vinha com cinco ovos nas mãos e jogava na porta da casa onde estava Renan,
Tinguinha, Joca Jr. e Fernando Graça.
A casa deles era meio isolada e, por isso, um excelente alvo. Os australianos encanaram com os caras e
bombardearam muitos ovos na porta, deixando uma “meleca”.
O Tatuí, que já tinha tomado uma ovada na cara e não tinha mais nada a perder, entrou na minha casa
correndo e pedindo munição...
– Me dá uns ovos que os meus acabaram.
Quando saiu na escuridão ele viu um vulto passando com a namorada e meteu uma ovada na cabeça.
No dia seguinte soube que aquele vulto era o Brad Gerlach e que o olho da sua namorada estava
vermelho...
O Tinguinha, revoltado com o ataque sofrido na sua casa, quando pegou a mangueira de incêndio com
vontade de lavar a casa, apareceram uns moleques australianos cercando com más intenções e com alguns
ovos nas mãos.
Tinguinha não pensou duas vezes. Armou a mangueira como se fosse uma metralhadora e disparou em
direção ao território australiano, espantando todos eles pra dentro das casas. A inundação foi geral. A água
entrou por debaixo da porta, pela janela e por todos os buracos.
O Fernando Graça veio com um extintor de incêndio nas mãos e atacou até pelas frestas das janelas dos
gringos, terminando de sujar tudo.
O ataque do Tinguinha finalizou a guerra.
Fomos nós brasileiros que vencemos. Os australianos quietinhos dentro do quarto ainda tiveram que trocar
todos os lencóis, que estavam encharcados.
No dia seguinte só davam cascas de ovos, batatas, cenouras, cebolas jogadas no chão...
Caldo do Peru
Eu já tinha uma boa experiência em ondas grandes, com sete temporadas havaianas, quando fiz minha
primeira viagem ao Peru. Acompanhado por um fotógrafo para fazer uma matéria, embarquei no avião da
AeroPeru, que mais parecia um caminhão “pau-de-arara”.
Lá, fomos recebidos por Magoo de La Rosa e Makki Block, dois surfistas locais. Eles já sabiam que a
nossa presença era para a tal matéria de uma revista brasileira.
Fomos direto para casa de Makki Block, em frente a Peñascal em San Bartolo. Seu pai Pitti Block foi um
dos pioneiros surfistas peruanos, uma lenda viva. Sua casa é um paraíso, com muita sofisticação, comidas
naturais deliciosas, empregados, cachorros, pranchas e até uma lhama (animal nativo, cuja lã é usada para
casacos). Se você mexesse com a lhama e ficasse na frente dela, ela te dava uma cuspida.
A casa era em cima das pedras. Dentro dela nem parecia o Peru, tamanho era o contraste ao olhar para fora
e ver a aridez e a pobreza daquele lugar. O Peru é um lugar para se ficar esperto. Existe o Sendero Luminoso,
a cólera, as ondas grandes, a neblina, um cenário meio pesado.
No Peru a constância de swells é boa. Quando está pequeno, 2 pés de onda, o que é raro acontecer, rola
uma direita com 5 pés na Ilha de San Gallan.
Eu tive sorte de surfar lá, com água azul transparente, gaivotas e leões-marinhos “brabíssimos” te
estranhando no pico. Os únicos humanos eram os tripulantes de nossa embarcação. Pegamos altas e
conseguimos algumas fotos.
De volta a Peñascal, o mar subiu. Um dia acordei mais cedo que todos e do jardim da casa vi o swell
entrando com um tamanho. Achei que o mar estava parecido com um Waimeazinho e deduzi que estava tipo
um Pinball’s limpeza. Não quis ser chato de acordar os outros e fui pra água.
Remei sozinho naquele mar frio. Sentei naquele point sem conhecimento nenhum daquele lugar. Eu nem
havia olhado direito as condições. Calculei que as ondas tinham uns 10 pés. Estava gordo e mushy. Ao olhar
lá fora, tive uma surpresa... Vi uns paredões gigantes se armando e comecei a remar a mil para o outside,
fugindo para o meio da baía.
A série estava servida e gorda. Ela começou a quebrar escorrendo a uns 50 metros de distância de onde eu
estava. As muralhas quebravam em câmera lenta. Tive que largar a prancha e mergulhar. Foi um tremendo
caldo. A água gelada da corrente de Humboldt e o long john complicaram ainda mais minha situação.
As ondas detrás eram ainda maiores e vieram fechando a baía. Tomei umas cinco massarocas na cabeça. O
zíper do long john abriu na segunda onda e a roupa ficou cheia d’água. A água congelante fazia meu cérebro
doer. Eu ainda não tinha tomado o café da manhã e estava fraco. Depois de sobreviver, fiquei esgotado.
Pensei em sair do mar, mas, quando avistei o fotógrafo com sua máquina nas pedras e os peruanos caindo
por ali, fui profissional e peguei umas três ondas para registro. As fotos faliram porque não havia luz. Ali a
neblina é constante.
Passei o resto do dia me sentindo doente. Aquela onda é gorda, mas o caldo é “grosso”. Depois desse
pesadelo, relaxei nas esquerdas “larguíssimas” (longas) de Chicama.
Lição em Sunset
Vocês conhecem aquele cartum Wilbur Kookmeyer da revista Surfer? É o meu favorito. Ele descreve
diversas situações corriqueiras no dia-a-dia do surfista e algumas vezes aparece um Wilbur no cenário...
A humildade é tudo na vida, tudo flui para quem vive em paz. Mark Richards, Tom Curren, Gouveia já
provaram que isso acontece para pessoas especiais. São caras dos quais você sente aquela vibração simples e
positiva. Eles provam isso ao pegar as melhores ondas numa disputa em que o mar manda no cenário.
Muitas vezes nos empolgamos e começamos a gritar emocionados, contando alguma onda épica ou um
tubo que acabamos de pegar. É difícil não se empolgar com a vida, mas se você se flagrar falando das ondas
que pegou naquele mar perfeito acabará se enquadrando no perfil do Wilbur Kookmeyer, pagando mico. Essa
é só uma das muitas situações em que podemos nos transformar em Kookmeyers.
Já me flagrei várias vezes falando dos meus tubos. Isso é coisa de moleque empolgado que está
aprendendo a sentir as primeiras pressões tubulares sobre sua cabeça. Num desses momentos de empolgação
acabei tomando a maior dura de um havaiano.
Era novembro de 1983, arrisquei gastar 100 dólares na inscrição do Pro Class Trials, triagem que abria as
portas para o Triple Crown. Os dez primeiros da competição receberiam o convite para participar do World
Cup e do Pipe Master. Os três primeiros receberiam convite para o Duke Classic.
O campeonato tinha 120 inscritos. Com o rip e a sorte de moleque eu terminei em sétimo no campeonato.
As ondas estavam com 8 a 10 pés no primeiro dia e com 8 pés perfeitos no segundo. Eu já estava
sobrevivendo fora do Brasil há um ano, trabalhando forte e com muita raça. A minha vontade era de gritar
muito alto e expressar toda a minha alegria...
Cruzei com o Ben Aipa naquele momento no estacionamento de Sunset. Eu já o conhecia pois, naquele
verão, havia batido na porta da sua loja, em Honolulu, pedindo ajuda sobre como shapear uma prancha. Ele
não me deu ajuda nenhuma e quando comentei com ele sobre o meu resultado...
– Veja só, eu fiquei em sétimo.
Só escutei três palavras curtas, grossas e objetivas:
– Good for you!
Foi uma lição para eu aprender a guardar os meus sentimentos...
Quem já se acostumou com o interior dos salões terapêuticos, os barrels, não fica gritando nem se abala.
Para todas as emoções que a vida oferece, o ideal é manter-se calmo porque um dia é atrás do outro...
Banzai Pipeline
A minha experiência de ondas grandes em Pipeline aconteceu numa manhã quando fui até Sunset checar e
notei que havia apenas cinco caras na água. De repente veio uma série de west tão grande lá no outside que
varreu todos. Olhei para o meu amigo Anésio e comentei:
– Acho que hoje não vou cair.
Há dias que tinha onda e eu estava exausto.
No dia anterior tinha tomado uma série ali em Sunset e ficado duas ondas submerso. Eu estava meio
“cabreiro” e já arregando de Sunset...
Saímos e fomos checar Pipeline. Demos uma olhada no Ehukai e Banzai, tudo parecia perfeito. Vi uma
série muito grande entrar. Nunca tinha visto nada igual na minha vida. A série era grande e perfeita.
Analisamos mais um pouco. Só dois caras caindo. Deu um tique de loucura em mim e falei:
– Vamos cair nessa antes que encha de gente.
O maluco concordou...
Corremos pro carro. Pegamos as pranchas e fomos direto para a praia. Quando percebemos, já estávamos
na água com o coração quase saindo pela boca.
Em Pipe tem que ser assim:
Se eu pensar muito em cair, não caio.
Foi difícil passar pelo quebra-coco, mas chegamos no outside. Um grandão “goofyfooter”, que morava ali
bem na frente, estava lá fora com mais um amigo. Quando nos viu, indagou a seu amigo:
– Quem será que está chegando?
Certamente pensou que fosse alguém conhecido. Quando notou que eram dois personagens estranhos,
perguntou a seu amigo:
– O que estes caras estão fazendo aqui?
O mar estava casca grossa, com séries entre 15 e 18 pés. Fiquei esperando uma onda. Só me acostumando
com o ambiente. Demorei para surfar a primeira onda e vi mais outros três caras chegando. Era Jorge Pacelli,
Tarzan e Navarro. E novamente o local perguntou:
– Olha lá! Quem será que está chegando?
Quando viu que eram outros de nós, reclamou:
– Pô! Mais destes caras estranhos. O que querem fazer aqui?
Fizemos um crowd de brasileiros.
Logo entrou uma onda para mim muito grande no Banzai. Acho que foi a maior onda de minha vida em
Pipeline. Dropei meio com a perna dura... Quando cheguei na base e me ajeitei, virei. A onda era muito
perfeita.
Na curva, eu olhava uma enorme parede levantando por trás. A onda levantou no inside, na famosa
bancada de Pipeline, e eu completei sem pegar o tubo. Na hora em que saí da onda, encontrei o Navarro
dando risada.
Eu nunca esquecerei aquele sentimento, aquele drop, aquela loucura.
Depois, o mar encheu de gente. Como de costume, as condições no Hawaii variam de uma hora para outra
e nessa hora ficou grande e crowd. Aí, eu fui tomar um café.
Episódio em Waimea
A baía de Waimea não é mais o último desafio em ondas gigantes no Hawaii. Os outside reefs estão sendo
a cada dia mais e mais explorados, conforme nos aproximamos do próximo milênio.
Além das muralhas perfeitas quebrando lá fora, quando todo o North shore está close-out, a praia de
Waimea oferece várias vantagens. É uma tradição surfar ali no point, tem a facilidade para estacionar o carro
na igrejinha e é fácil olhar as ondas das pedras antes de cair.
Além de ser extremamente agradável para se passar o dia, essa praia tem “as vibes”. Lá era o ponto de
trabalho do legendário Eddie Aikau, salva-vidas e exímio big rider. Também foi o lugar onde os pioneiros da
década de 50 desbravaram o bigsurf.
Os antigos havaianos louvavam o point por seu power nas ressacas, tornando-o um lugar sagrado. Eles
provavelmente não surfavam lá. O vale de Waimea com a cachoeira, a praia maravilhosa e o oceano
amedrontador era um lugar perfeito e sagrado para os antigos enterrarem seus reis.
Lá foram realizados campeonatos épicos, como o Smirnoff 74, quando Reno Abellira ganhou com ondas
de 20 a 25 pés, clean e clássico. Quem conhece um pouco a carreira de Mark Richards, tetracampeão mundial,
sabe que ele ganhou o Billabong em 85 e 86, e que houve um dia de competição em Waimea nas duas
edições.
Outra lenda dali aconteceu no Billabong, em 85, na bateria em que estavam Almir Salazar e Mark
Richards. Nessa bateria, na hora em que fechou a baía, o Almir foi pego pela série e foi tomando todas as
ondas na cabeça, agüentando a turbulência debaixo d’água até a areia.
Quando Waimea quebra, as ondas sempre vencem. Em toda série, há ondas em que ninguém vai. Ninguém
se atreve. Nessas horas é Waimea que manda...
Existem alguns brasileiros que humildemente se infiltram no crowd e pegam sua cota. Não citarei nomes
para não politicar mais essa. Tem brasileiro bom hoje.
A real é uma só, quem se garante vai ao outside. Quem dropa mesmo, sabe o que acontece por ali. Quem
apenas sonha, pode curtir o néctar vendo fotos ou ficando nas pedras assistindo seco e seguro.
Um aviso: O caldo de Waimea dói até o osso.
Se quiser encarar, esteja físico-psico-equipo preparado.
Lei do Cão
Era a temporada havaiana de 1987, os brasileiros descobriram a casa da família Keawe’s que alojava
quantos fossem os brasileiros que aparecessem por lá, por um preço bem convidativo. O resultado disso foi a
presença de 60 brasileiros morando na mesma casa e surfando em Rocky Point, que ficava bem em frente.
Isso só podia virar encrenca...
Uma bela manhã de Rocky Point, 5 a 6 pés, a comunidade brasileira do Keawe’s estava toda na água.
Devia ter uns 40. Chegou um local periculoso, chamado Robert, que já estava reclamando do crowd. Ele
remou para uma onda na qual o Almir Salazar já vinha surfando lá detrás.
O Almir deu a curva e rasgou forte, lavando legal a cara do local que tentava entrar na onda. O local ficou
doente. Saiu remando atrás do Almir que já estava indo embora naquela saideira.
Na areia, Robert – que dava dois do brasileiro – correu e chegou no Almir. Arrancou e jogou a prancha
dele na areia, partindo para agressão. Nessa, o seu irmão Picuruta, que estava ali fora vendo tudo, partiu para
cima do local com um pedaço de pau. O cara saiu correndo e foi contar pra turma.
Naquela época, os havaianos davam “tempos difíceis” para nós brasileiros.
O que aconteceu, como conseqüência, foi a chegada de um caminhão lotado de havaianos do lado da casa,
que nos chamava pra porrada. Ninguém foi. Naquele tempo, só tinha surfistas leigos em jiu-jítsu.
A galera brasileira ficou pedida no North shore. Pior ficou quando o falecido Paulo Tendas ligou para a
polícia de Los Angeles, reclamando da polícia havaiana. A polícia do Hawaii foi tirar satisfação com a gente.
Sujou... Muitos brasileiros deram pista do North shore mais cedo.
Na verdade, no Hawaii, rola um lance de respeito que funciona. Ali é a terra deles e os havaianos exigem
ser respeitados. Os estrangeiros que freqüentam a ilha devem ter essa consciência e boa educação.
Todo esse barulho da parte deles era mais para assustar... Aqui no Brasil é muito pior. A campanha do
desarmamento é fundamental para melhorar a nossa segurança. A diferença daqui para lá todos sabem:
Lá rolam socos... Aqui rola tiro.
Hawaii Intenso
No mês de dezembro, o Hawaii entra na ebulição anual.
Como se não bastasse o crowd natural por causa das ondas, o North shore vira o cenário do circuito
mundial da ASP. Os melhores surfistas vão competir em Sunset, Haleiwa e Pipeline. A bancada de Pipe vira o
palco do cenário mundial, onde só a elite pode competir.
Os locais mais cascas grossas têm a oportunidade de disputar vagas numa triagem para 32 surfistas. Essa
triagem, às vezes, é mais empolgante que o próprio “main event”.
Competir em Sunset para mim foi o que houve de melhor na minha carreira. Peguei a época em que Sunset
era bem valorizado no circuito.
Os tempos mudam. Como dizia o Bob Marley: “Nós perdemos muitos amigos no decorrer do caminho”.
Tudo na vida é passageiro, para alguns dura mais, para outros menos, mas a intensidade do Hawaii não
acaba...
Um momento intenso de Hawaii aconteceu num dia em Waimea Bay. Pacelli e eu estávamos no
estacionamento da igrejinha, quando o Mudinho, residente local, nos sinalizou indicando que a baía iria
fechar depois. (Foi mímica porque ele era mudo.) O “depois” dele eu deduzi que fosse no dia seguinte.
Jorge Pacelli, Murilo Brandi e eu fomos para a praia com intenções de cair. A maré estava vazante e o
swell chegava aos 20 pés. Esperei a calmaria do coco e pulei junto com Pacelli. O Murilo já estava lá dentro.
Quando eu estava no meio do canal, senti uma forte correnteza para o fundo, que fez com que uma série
gigantesca fechasse a baía.
Olhei o tamanho da massaroca no pico e me assustei ao ver uma massa gigante quebrando lá atrás. Vi o
Ken Bradshaw surfar uma onda até o canal e remar pro raso quando sentiu o tamanho da encrenca.
Já eram 5 horas da tarde e eu desencanei, resolvi não varar...
O perigo no Hawaii é nos dias grandes, nos picos da maré cheia e rasa.
O Jorge Pacceli passou do meu lado e disse:
– Vamos por ali.
– Tô fora, tô dando área, respondi.
Fiquei uns quinze minutos remando, sem sair do lugar, por causa da tamanha correnteza para o fundo.
Estava no meio do canal, remei em direção às pedras, onde já sabia que a correnteza empurra para a praia. Eu
só consegui sair depois da série, e muita gente saiu remando do outside.
Quando cheguei na praia, vi a prancha do Jorge fincada na areia. Jorge nada... Fiquei preocupado.
Ele teve uma experiência braba. Perdeu a prancha logo que passou por mim e foi dragado para o outside
pelas esquerdas. Depois de um sufoco, ele foi resgatado por um jet-ski. O Zecão estava numa casa em cima de
tudo e assistiu o Jorge nadando para o outside nas esquerdas, tendo que mergulhar para baixo das espumas.
Não é brincadeira o volume de água em Waimea...
Todos sobreviveram...
Taiu Would Go... Taiu Went
Declaração feita em junho de 1998.
“Eu ainda quero ser amarrado num jet-ski e sair para os outer reefs do Hawaii num dia com sol, trade
winds, 15 a 20 pés, para saber qual é a sensação. Me aguardem... Romeu Bruno, eu ainda vou.”
ventura realizada em março de 1999 em Haleiwa, Hawaii.
O Romeu, que é um brasileiro salva-vidas no Hawaii, foi de piloto. Eu fui sentado no meio de duas
pessoas..
Pude surfar de novo, mas de jetski! ...
Foi apenas um teste. As ondas estavam pequenas, com quatro pés de tamanho, em Puena Point, e tinha
muito vento para atrapalhar. O jet-ski era pequeno para nós três, mas mesmo assim percebi que “é possível”,
deu pra pegar umas cinco ondas. Eu senti o drop, a curva, a acelerada e consegui ver a seção da onda por
trás....
O plano futuro é com um jet-ski mais possante, o 1200cc, com um encosto adaptado, tipo Santo Antônio,
tentar pegar uma onda decente.
Sei que tem gente que vai ficar feliz ao me ver fazendo isso. Esses malucos fazem questão de me levar. A
próxima vai ser uma grande. Me aguardem...
Tudo por um pouco de adrenalina no sangue.
Ganhando Respeito
Campeonato em Sunset é a melhor pedida. Apenas quatro pessoas na água, todo aquele espaço, ondas
vazias, sem crowd, os locais trabalhando de water patrol e dando a maior força para você dropar. Dá até para
estranhar ao ouvir um “go brah” de um havaiano. Não é sempre assim, num dia normal eles só mandam você
ir naquelas que o wipeout é garantido.
O Hawaii, para algumas pessoas, é a razão do surf. Por isso, a crowdeada ilha de Oahu, tão cobiçada pelos
surfistas do mundo inteiro, é cuidada pelos Da Hui, que são os Black Trunks que ensinam como é que se deve
se comportar no arquipélago havaiano.
Com esta história de jiu-jítsu, o brasileiro ganhou um pouco mais de respeito fora da água, o que já é muito
bom. O real respeito é ganho dentro da água, nas ondas. Com caras como Pedro Müller, que já deu show em
ondas enormes no Pipeline Masters.
Dropar aquela onda sólida na bancada, virar e botar pra dentro diante do público e dos juízes, fazendo o
locutor gritar, levanta o Brasil nas ilhas. Só que poucos brasileiros já fizeram isso. Conte nos dedos os tubos
épicos dos brazucas nos caroços de 12 pés na bancada. O Pedro brilhou. O problema é que muitos americanos
e australianos fazem isso nos dias épicos.
A presença de um dropador em Waimea vale muito e, hoje em dia, alguns caras do Brasil podem ser
confundidos com qualquer dropador bom. (Um “hottie” em Sunset também é importante para o Brasil ter.)
Sunset é a onda em que, se o surfista sumir nela, não existe respeito... Um ótimo surfista de Rocky Point é
válido, mas não é tão importante para a moral, só para as fotos. Rocky Point é a vala do Hawaii.
O cenário é Sunset, Pipeline e Waimea. Estes são os Big Three do mundo. Se você se sente à vontade
nesses lugares, pode ser considerado alguém de sucesso nas ilhas.
“Bonito” não é só dropar uma boa e grande onda do pico. É, além de pegá-la lá de fora, dar um snap no
caroço, rabiscar a face da onda e botar pra dentro quando for a hora...
Previsão
Nós estamos nos aproximando do próximo século e as mudanças em tudo estão bem claras, principalmente
no clima. No surf, os nomes trocam conforme as gerações, as manobras evoluem, mas as ondas permanecem
as mesmas, até o dia em que o efeito estufa começar a abalar de verdade...
Para nós surfistas, é bom participar da defesa ecológica do nosso planeta e estar disponível para a luta, se
quisermos deixar algo para as próximas gerações.
O texto a seguir escrevi em 1997, durante o fenômeno.
O El Niño está alterando algumas coisas para o bem e outras para a catástrofe. No surf, esse fenômeno traz
altas ondas. Está rolando muito swell de leste grande aqui no hemisfério sul, na costa do Brasil. O inverno,
além de ter entrado atrasado, não foi tão frio.
Estão previstas grandes tempestades e enchentes. Nós teremos que sobreviver, especialistas classificam
esse ciclo de El Niño como o mais forte dos últimos trinta anos. Será que é tudo isso? Previsões são
previsões...
Fazendo uma previsão de guru do surf, seguindo a lógica, trinta anos atrás era 1967/68. Para quem não
sabe, o inverno havaiano de 69 foi o mais épico e o que deu maiores ondas, segundo as lendas. Na Califórnia,
píers foram destruídos pelo big surf.
Trinta anos depois, pode ser o inverno do século no estilo de 1969.
Aqui vai a previsão do cenário no Hawaii.
“Hawaii está sob alerta. Os carros da defesa civil estão circulando pela Kam Hwy, evacuando casas e
bloqueando pistas. Carros são levados pelas ondas para o outro lado da pista, enquanto algumas casas na
Keiki Rd são inundadas. Muitos danos, prejuízos, areia na estrada e ondas gigantes.”
O Hawaii é um alvo no meio de tanto swell e hurricanes no Pacífico Norte. Maverick’s, ao norte da
Califórnia, estará com a garganta faminta para engolir mais alguém...
Essa moda de surf de outside reef, big wave tow-in, vai dar o que falar nas próximas edições das revistas
de todo o mundo, caso o El Niño favoreça o surf.
Torcemos para essa temporada havaiana ser show, com o Eddie Aikau rolando em janeiro num Waimea
épico, o Triple Crown rolando sem crise de falta de swell. Pipeline direto em fevereiro e, enquanto isso, quem
ficar por aqui poderá curtir um verão clássico “aqui no Brasa”.
Cuidem-se e boas ondas.
•
A temporada de 1997/98 foi fraca no início e depois entraram as ondulações gigantes.
O swell de 28 de janeiro de 1998 foi a maior ondulação já surfada no North shore, no outside Log Cabins,
somente de tow-in (jet-ski).
O Eddie Aikau não rolou por estar muito grande...
Naquele ano o Carlos Burle venceu o campeonato mundial em Todos os Santos 30 pés...
Surfer Girls
Do soul surf ao surf competição, longboards, pranchinhas, gunzeiras, strap no pé, tow-in, big surf, surf na
vala, rebolando até a areia. Tuberiders, locais pesados, haoles, surfistas de verão, yuppies, surf favela, surf
ferroviário, skysurf. São tantas as facetas do esporte, que cada um pode se identificar com o que o coração
mandar.
Nas Olimpíadas, seja no vôlei, basquete, natação, futebol, atletismo ou outros esportes, as mulheres estão
presentes. Algumas resolveram se aventurar no line-up. Elas têm a vibe do surf e o espaço reservado no
esporte.
As mulheres sempre tiveram seu espaço, apesar da pouca importância dada pelos machões do surf. Muitas
meninas deixam qualquer surfista de nível regular se sentindo um idiota na água. Hoje na ASP o nível está
bom.
O Brasil já tem uma equipe de surf feminino no cenário mundial. A cearense Tita Tavares e a catarinense
Jaqueline podem surpreender qualquer gringa.
Com o line-up cheio de garotas o surf fica mais colorido.
Garotas de prancha são uma raridade. Elas chamam a atenção e as câmeras adoram focá-las.
O velho chavão – “Lugar de mulher é na cozinha” – já é coisa do passado... Eu, particularmente, gosto de
ver as meninas surfando com pranchas maiores.
A primeira pessoa que surfou na Austrália foi uma mulher. Ela fez Tanden-surf com o Duke Kahanamoku,
quando mostraram o esporte aos aussies no começo do século XX, em 1912.
O surf feminino tem feeling, harmonia, manobras, e o conjunto cria um belo balé. Comparando, seria o
balletsurf para as mulheres e as artes marciaissurf para os homens.
Garotas continuem crowdeando em pé os line-ups do mundo.
Vocês são bem-vindas...
Os Dois Notáveis
O que leva alguém a ter tanta superioridade em alguma coisa perante seus concorrentes?
Talento natural, amor à atividade, dedicação e aura.
Estou falando de Kelly Slater que dominou o surf da década de 90. Ele sempre foi o centro da mídia
americana, desde seus 10 anos de idade. Foi depositado um crédito grande na pessoa certa, pois aquele
garotinho hot virou um monstro do surf, revolucionando desde as manobras até o jeito de entubar.
Hexacampeão mundial (1992/94/95/96/97/98) e um surf de alta qualidade em qualquer condição de onda.
Ficou difícil para Sunny Garcia, que tem surf de campeão mundial, arrumar um título mundial com o Slater
no cenário. Slater venceu constantemente, deixou um recorde difícil de ser batido. O americano superou o
recorde de Mark Richards, obtido nos anos de 1979/80/81/82.
Se MR dominou o início dos anos 80, Slater dominou os anos 90. Será que vai aparecer alguém tão
brilhante e dominador na primeira década do novo milênio?
Mark Richards tinha algo especial, a humildade e a aura, como pessoa, unidas a um surf fluido e radical,
mais o conhecimento de seu equipamento, que ele mesmo construía.
Quando esteve no Brasil, disputando o Waimea 5000 no Rio em 1980, ele só caía de madrugada para evitar
os malucos rabeadores. Durante sua bateria surfou ondas de 2 pés e deu show de fluidez nas marolas, apesar
do seu tamanho.
Seu forte era o Hawaii. Haleiwa era sua onda preferida. MR conquistou vários títulos em águas havaianas.
Em Sunset ele era demais. Levou dois Billabong Pro, em 85 e 86, que eu presenciei. Em 86, num Waimea 20
pés arrepiou. Quando garotão, em 1976, venceu o Smirnoff em Waimea.
Este era um master, tetracampeão e bom shaper. Um forte contribuinte para a evolução do surf.
Eu tive a sorte e a oportunidade de correr uma bateria com ele em Sunset. Ele começou a bateria sentado
perto do canal, na dele com humildade. De repente a “gaivota ferida” começou a funcionar (Wounded
Seagull)... A gaivota começou a voar com um surf sutil de base/lip/snap. Perdi junto com o local Dane
Kealoha.
Tiro o chapéu para Mark Richards e Kelly Slater.
Sorte nossa que eles existem nesta geração e mais sorte ainda é a de nós sermos surfistas...
O Prazer de Vencer
Competir numa bateria é algo inesquecível, principalmente naquelas em que você se dá bem. Cumprir com
a sua tarefa, pegar as três ondas boas necessárias e conseguir superar os oponentes são conquistas que a gente
nunca mais esquece.
Eu nunca dei um WO na minha carreira. Sempre prestei muita atenção a isso. É preciso sempre “double
check”, como me ensinou Mr. Randy Rarick, diretor do Triple Crown.
Numa temporada havaiana eu cheguei para o Triple Crown, só tinha uma 7¢10² Barnfield comprada do
Shaun Tomsom e guardada da temporada anterior.
Eu sou da teoria de que é no Hawaii que o surf está valendo, então, na minha vida de competidor, eu corria
atrás de pontos da ASP o ano inteiro, nas valinhas safadas aí pelo mundo, para poder competir me
expressando nas pistas do Hawaii.
Os patrocínios daquela época (1987) só pagavam a passagem. Eu juntava dinheiro o ano todo e ia embora
tentar a sorte.
Com o mar grande, tudo bem usar a prancha do Tomsom, mas se caso o mar abaixasse eu estaria sem
prancha. Eu precisava de uma menor, boa... Testei umas Heitores Fernandes pequenas, tipo 7¢, numa manhã
em Sunset pequeno e não gostei. Elas não me projetavam para onde eu queria estar na onda. Dentro do mar
decidi. Resolvi correr atrás de uma boa prancha em alguma loja, pois ali era ou não era a meca do surf?
Fui pra Honolulu na mesma hora. Entrei na Surfshop LocalMotion e depois na Town & Country. Analisei
todas as pranchas das duas lojas.
Quando segurei na Denis Pang 7¢, larga, leve e de boa flutuação para mim, olhei o preço, 350 dólares, e
dropei... ou melhor, comprei... O vendedor não quis me dar nem uma parafina de brinde.
Entrei no carro e tomei rumo a Sunset Beach com minha nova aquisição. Quando eu pensava na grana
gasta, olhava para a prancha e raciocinava: “Se ela for boa, tudo bem, não terá preço, agora se eu não gostar...
tô ferrado”.
Ao chegar, estaciono o “North shore cruiser” (carro) na mira do pico de Sunset. Saio e já vou passando
parafina na “criança nova”. Sol quente, ondas de 6 a 8 pés trade winds. A pranchinha prometendo...
No pico vem a primeira onda para mim.
– Fui. Demais...
A prancha entrou fácil, segurou e acelerou bem na curva. Só 7 pés de tamanho. Para um mar como aquele,
8 pés em Sunset, ela era pequena mas segurou.
Agora pelo menos eu estava confiante para a competição.
O campeonato começou em Sunset. No primeiro round rolou 10 pés plus, e eu passei minha bateria de
7¢10² em segundo lugar, atrás do Tony Ray da Austrália.
Foi no segundo round, no dia seguinte, que quase dei o WO. Eu vi que minha bateria era a nona na tarde
anterior, junto com mais três havaianos, o Roni Burns, Dwayne Webster e David Cantrell. O mar abaixou
para 4 a 6 pés.
Nem fui ao palanque pela manhã, já sabendo que a minha bateria era a nona. Fiquei de longe esperando a
hora da minha bateria e vendo de binóculos a ação que rolava em Sunset Point.
“Nona bateria, ainda tem tempo”, pensei enquanto rolava a quinta. De repente vejo algo estranho nos
binóculos. Era o Roni Burns remando pro outside de camiseta de competição. “Pô, mas ele está na minha
bateria”, pensei...
– Last call for Octaviano Bueno, please report.
Não entendi nada. Peguei a prancha, passei parafina e saí correndo. No palanque, antes de pegar a
camiseta, escuto a sirene da bateria que estava na água rolando terminar. Foi o tempo de eu vestir a minha
camiseta e toca a sirene já valendo... Era a minha bateria rolando e eu ali na areia.
O beach marshal Rabbitt Kekai me acalma dizendo: “Tem bastante tempo”. Eram 25 minutos...
Na beira, nem botei a cordinha, fui sem ela. O mar estava pequeno, a bateria estava posicionada mais no
point.
Fui remando no canal e assisti às primeiras ondas de cada um deles surfadas lá no point. Escuto as notas e
nada mais de 5,5 para o melhor deles.
Quando eu estou passando pelo bowl de Sunset, pico que só quebra maior, entra uma série maior de oeste.
Veio certinho pra mim. Peguei uma onda demais e bem longa. Fui parar no Val’s Reef bem na beirada. Sem
cordinha eu me sentia livre na onda e manobrei forte. Tirei um oito na primeira onda. Volto para o pico e de
novo outra onda maior ali, azul para mim.
Escuto o water patrol:
– Go. Go...
De novo fui manobrando até os juízes, solto sem cordinha e com a minha prancha mágica. Fiz duas ondas
que desequilibraram a bateria. Eu me classifiquei para o terceiro round com mais algumas ondas.
Como são as coisas. Se eu não tivesse chegado atrasado, sei que jamais pegaria aquelas ondas que me
fizeram passar...
Eu nem vi os outros competidores...
Depois da bateria, no palanque, vi que a sexta bateria estava invertida com a nona no quadro de avisos.
Eram baterias escritas na ordem: um, dois, três na primeira linha; quatro, cinco e seis embaixo; e sete, oito e
nove na terceira linha. Lia-se um, dois, três, quatro, cinco, nove e sete, oito, seis. Eu mostrei para o Randy
Rarick o erro e ele pôs a culpa em mim.
– You must double check (checar duas vezes). Sorry.
Aprendi dar o double check, mas nesse atraso tudo funcionou para mim...
Lição: Sempre ir ao palanque e confirmar tudo. Na hora de pegar a camiseta perguntar quantos minutos
tem a bateria e quantas ondas estão sendo contadas, porque são fatores que podem mudar durante o dia, e
você é o maior interessado.
Memórias de Mark Foo
Quando eu ouvi falar da morte do havaiano Mark Foo achei que era mentira. Fiquei sem saber ao certo por
alguns dias. Confirmada a tragédia, fiquei horrorizado, pois o meu acidente aconteceu dentro de um tubo em
Paúba e, se não fosse num breachbreak pertinho da praia, seria parecido, pois quem iria me resgatar?
No acidente de Mr. Foo em Maverick’s, ele deve ter apagado no meio daquelas massarocas e para ser
resgatado ficou meio complicado. Ele se foi...
Assisti a onda de Maverick’s num filme. Ali parece ser um pico pesado e ainda mais fica localizado ao
norte de Santa Cruz, na Califórnia, onde a água é muito gelada.
A versão que escutei foi de que estava 15 pés clean quando a maior série do dia entrou... Foo dropou a
primeira e caiu na base, ao voltar com o repuxo foi atingido pela prancha e, provavelmente, a cordinha
enroscou no fundo de pedra, não permitindo que ele subisse. Na segunda onda, Brock Little foi rabeado por
Mike Parsons e teve que ir reto depois que Parsons caiu. Na terceira onda, alguém mais despencou. Ficaram
todos tomando as ondas na cabeça e, na hora de voltar para o fundo, Mark Foo não estava de volta. Alguns
pensaram que ele havia perdido a prancha, jamais morrido...
Na verdade, Mark Foo vivia numa velocidade muito além da maioria. Residente de Waimea, sempre com
bons patrocínios, produtor do programa H30 na TV havaiana, big rider atirado, ainda envolvido com um surf
report computadorizado com a mais avançada tecnologia meteorológica, o que lhe permitia saber com
antecedência a chegada de ondulações grandes pelo mundo todo. Foi assim que ele foi parar em Mav’s.
Eu o conheci no Hawaii, sempre foi muito boa gente comigo, mas bem fominha nas ondas. Um dia eu o
rabeei em Sunset e ele me falou: “Bueno, you owe me one... ” (Bueno, você me deve uma). Normal, naquele
zôo do North shore nego vira bicho.
Ele me chamava de “Bueno”. No Pro Class Trials de 83 eu empatei com ele e com Mark Liddell. Nos
resultados eram Foo, Bueno, Liddell. A velocidade dele era speed e, segundo ele, para se viver no limite tem
que estar preparado para pagar os impostos.
Em um anúncio da Surf Line onde trabalhava (Disk Surf nos EUA), na revista Surfing, ele fez a seguinte
declaração:
“Com as informações que eu tenho hoje, posso saber quando vai quebrar a onda do dia em Waimea, saber
qual outside reef surfar, ou se vou para Todos, Mav’s, ou ficar em casa e trabalhar. Ondas grandes são coisas
raras e especiais, e com essas informações precisas tenho a incrível sorte de ver, sentir e surfar ondas tão
impressionantes como ninguém jamais imaginou. Como podemos descrever essas forças da Natureza que
apenas alguns, dentro de toda raça humana, podem experimentar?”
Ele agradece o pessoal da Surf Line pelas preciosas e apuradas informações e termina: “Obrigado Deus por
essa incrível vida!!”
Ao menos morreu fazendo o que mais amava. Sua morte na curva de Maverick’s foi parecida com a de
Ayrton Senna na curva de Tamborello. Viveu pouco, mas viveu intensamente e, na memória de quem o
conheceu, ele viverá para sempre...
Tributo a Roberto Valério
Mais um legend se foi e um ídolo e referência se tornou.
Tudo é muito rápido quando a missão se acaba.
Agora que o Roberto se foi, restam as memórias. Eu particularmente admiro muito o que ele conseguiu.
Extrema determinação. Ele nos deixa um exemplo de garra, tanto como competidor nas inúmeras baterias em
que participou, quanto na luta dos negócios em que também foi bem-sucedido.
É muito estranho alguém que você admira partir tão de repente, sem chance de se despedir dos amigos...
Uma coisa é certa: Roberto Valério vai viver pra sempre com seus momentos radicais, especialmente no
Hawaii, na minha memória e na dos felizardos que puderam assisti-lo arrepiar nas ondas e receber adiantos de
um cara tão íntegro.
Quando fui para a minha primeira temporada havaiana, era a quarta de Roberto. Ele estava surfando muito
bem. Em particular num Sunset de 10 a 12 pés com tubos no inside, ele estava impossível, pegando várias
ondas boas e botando pra dentro de uns tubos onde poderia caber um fusca.
Roberto era o melhor brasileiro na ilha, seguido de Valdir Vargas, Renan The Crab e Ianzinho. Em
Pipeline era muita disposição. Ele caía nos mares grandes. Em Waimea Bay enfrentou vários mares sem
medo.
Correu também atrás da ASP. Foi um dos primeiros brasileiros a seguir o Tour da ASP. Arrumou bons
resultados no Waimea 5000, no Hawaii e na África, quando ficou em quinto no Renault Pro.
Sua performance no Triple Crown de 85 foi fantástica para um surfista estrangeiro (haole). No Billabong
arrepiou desde as triagens e terminou em nono, surfando Waimea com 20 pés e, no World Cup, ficou em
quinto.
A primeira vez que eu o vi em ação foi em Itamambuca, com uma prancha do Ítalo Marcelo (Capacete),
pisando na rabeta nas manobras e rasgando sem parar.
Sempre foi simples, objetivo e muito sério. De surfista profissional virou um bem-sucedido empresário.
Soube fazer dinheiro. Foi responsável pelo Campeonato Mundial Amador no Rio e também mandou muito
surfista jovem para o Hawaii, porque sabia, por experiência própria, a importância disto. Um bom exemplo é
a ajuda que deu a Victor Ribas e a Peterson Rosa.
Roberto Valério sabia onde estava indo e, com certeza, vai encontrar o caminho certo para o céu.
Vai com Deus irmão, Jesus está te esperando...
Surf Cultural
O mundo é um lugar bizarro quando pensamos nos points alucinantes que existem por aí e nas diferentes
raças que nele habitam. Como surfista e pelo conhecimento que tenho, o mundo tem vários lugares em que o
povo e a cultura os tornam completamente únicos.
A começar pelo próprio Brasil onde os sotaques e os caracteres variam radicalmente de norte a sul. O
brasileiro é uma mistura de europeu (Itália, Portugal, Espanha, Alemanha, Líbano), asiático, africano e índio,
índio nativo. Daí rolam caboclos, mamelucos etc.
Os caracteres brasileiros são clássicos, a começar por mim, um surfista na cadeira de rodas. Tem também o
Fabinho “Little Man” e o Pirata que são exóticos.
Lá do extremo sul vem o Rodrigo Dornelles, gaúcho que não sente problemas com o frio, já que ele
sempre leva consigo o seu tradicional chimarrão.
Felipe Dantas é um potiguar que dispensa comentários...
Fabinho Gouveia preferiria chegar na praia montado num jegue, já que isso é normal na Paraíba.
Renan Rocha nunca sentiu nenhuma dificuldade pelo mundo afora, porque a capital São Paulo deixa o cara
esperto para os aeroportos e hotéis do mundo.
Fabinho Silva poderia usar aqueles chapéus de cangaceiro antes das baterias, pois é moda no Ceará.
Jojó de Olivença gosta mesmo do calor e da água de coco da Bahia, bons tempos em que ele era salvavidas.
Carlos Burle mostra o seu sangue de holandês, guerreiro determinado que venceu o mundial em Todos
Santos em condições de 30 pés aterrorizantes.
Já os cariocas Victor Ribas, Pedro Müller ou Yuri Sodré são produtos da Cidade Maravilhosa,
descontraídos e acostumados com a malandragem carioca, são amarradões na vida em conseqüência do bem
bom das praias do Rio.
E o mundo? Aí começa...
Tirando nós, que somos um mix-cultural, começamos pelos americanos. Acostumados com um país de
economia estável e tecnologia de ponta, eles se acham os melhores. Talvez em tecnologia, mas não em
vibrations... Respeito ao atual campeão mundial WCT. Hexacampeão.
Já os aussies são parecidos conosco um pouco no estilo selvagem e animal. A cultura deles é de origem
britânica, misturados aos cangurus e nativos aborígenos.
Austrália é um país superdesenvolvido. A colonização foi feita por antigos bandidos ingleses – foi o que
me contaram na escola. O lugar é selvagem, deserto no interior, cheio de aborígenes e bastante vegetação na
costa. A população britânica, quase toda, mora na costa. A galera toma bastante cerveja e é bem descontraída.
Os havaianos são outro grupo à parte. Cheios de tradição nas raízes do surf e habitantes da melhor ilha de
ondas do mundo, eles são americanos ilhados, misturados com polinésios, filipinos, japoneses, irlandeses e portugueses. São animais talvez por habitarem numa rocha de lava no
meio do Pacífico.
Muniz e Medeiros são sobrenomes de havaianos portugueses. Jakias e Abubo são filipinos. Dorian é
americano, Foo e Pang são nomes chineses, Aikau é havaiano puro.
Os japoneses são os mais tímidos, pelo fato de serem facilmente reconhecidos, eles são de uma cultura
completamente única que dispensa comentários. Nós já sabemos como eles são... Tímidos, mas educação eles
têm muita e isso conta a favor.
Já na África do Sul, a colonização é inglesa e holandesa. Os ingleses são cools, mas os holandeses foram
os que fizeram as leis do Apartheid. Os zulus nativos são seres bem animais, mas seres humanos, nunca
deveriam passar pelo que já passaram e ainda passam. Foi muito pior antes de o Mandela ser libertado.
Os europeus começando com os portugueses, que têm aquele sotaque, se inspiram no surf brasileiro. Os
espanhóis são bascos muito nervosos e os ingleses, os mais “gente fina”, enquanto os franceses... desculpem...
poucos não são arrogantes.
Finalizando o meu passeio cultural. A única coisa que falta para o povo brasileiro é educação. Desde o
respeito dos políticos no poder conosco, até o nosso respeito ao próximo.
Galera tupiniquim... educação e boas ondas...
Cosmic Surf
... Morando no Hawai eu tive uma experiência extraterrestre...
Em Waikiki, nós trabalhávamos nos pedcabs e numa noite, depois que chegarmos do trabalho, meu irmão
tomava banho e eu estava na sala de nossa casinha em Waimea com o Bruce, um amigo gringo, quando tudo
parou.
Naquela madrugada, Waimea bombava com 25 pés e a vibe estava incrível para um contato imediato. Foi
quando senti alguma coisa muito estranha no ar.
Os grilos e as cigarras se calaram. A luz da sala ficou muito forte e depois se apagou. A água do chuveiro
parou de cair. Meu irmão saiu todo molhado do banho nos contando isso com os olhos arregalados.
Naquele momento apareceram cores muito loucas na janela. Coisa que não é daqui. As cores eram
vermelha, roxa, verde, amarela... Fiquei assustado e curioso. Tive a coragem de abrir a porta da casa para dar
um check it out.
Talvez vocês não acreditem no que eu vi...
Uma nave interplanetária com a porta aberta. Tinha cor azul-celeste e formato de uma onda totalmente
tubular. Possuía um brilho que só quem já pegou um tubo sabe do que estou falando. A nave brilhava em tom
de prateado divino.
De dentro da nave saiu um ser não muito diferente dos seres da Terra. Usava cabelos compridos prateados,
barba roxa e seu físico era animalesco, talvez músculos adquiridos por remar nas ondas cósmicas. Ele fez um
sinal para eu me aproximar. Fui me aproximando, ele tinha uma vibração boa, tipo a do ET.
Entrei na nave sem cerimônia e logo notei alguns quadros nas paredes com fotos de altas ondas
alaranjadas, lilases e vermelhas, entre 10 e 15 pés. O capitão veio falar comigo. Pelo que entendi, eles vinham
de um planeta chamado Vaguy, onde o surf era a política e a ocupação principal.
A hierarquia de governo era diretamente ligada à habilidade do cidadão nas ondas. Eles estavam
pesquisando o potencial das ondas da Terra nessa viagem. Sentiram a vibração do swell de Waimea, no
“Wavecheckómetro” da nave, quando estavam sobrevoando Júpiter. Em seguida, vieram checar e aterrizaram
ali, no quintal de casa, em Waimea Bay.
O comandante se chamava Aikau. Ele me convidou para conhecer seu planeta dizendo que tinha altas.
Perguntei sobre que tamanho de pranchas levar. A resposta foi:
– Pranchas de onda grande.
Levei minha 8¢4² e minha 11¢ Rhino Chaser. Embarquei nessa trip que acredito ter sido a mais louca de
minha vida. Depois de 8 mil anos-luz, já em outra galáxia, chegamos ao planeta Vaguy.
Tiramos as pranchas do rack e fomos direto para a Praia do Pôr da Estrela, a mais popular. Quebravam
ondas de 15 a 18 pés constantemente. As cores eram laranja pela manhã, lilás na hora em que a estrela mais
próxima esquentava e vermelha no final de tarde. Coisa mais linda...
Depois do primeiro surf saí da água que parecia vinagre.
Fui recepcionado pela família real do planeta Vaguy, e porque gostaram do meu surf me tornei um
cidadão especial do Planeta Vaguy. Isso me colocava numa posição onde eu só precisava surfar, do resto eles
cuidavam...
Eu caí na roubada de voltar para São Paulo a fim de resolver uns problemas. Cheguei para encarar a nossa
triste realidade das favelas, miséria, poluição e injustiças do nosso planeta Terra. . A situação tava mal por
aqui, e dancei. Perdi a nave de volta... Fiquei aqui neste planeta onde as pessoas só pensam em trabalho.
Hoje estou morrendo de saudades de Vaguy, daquele planeta tão bizarro que dá mais ondas que o Hawaii.
Não vejo a hora de voltar.
E como já dizia Raul Seixas: “... e pra’quele que provar que eu estou mentindo, eu tiro o meu chapéu... ”.
Prazer Único
Pessoas normais fumam cigarro, tomam cafezinho, jogam boliche, batem uma bola, bebem uma cerveja,
vão ao cinema, saem na night, dão uma nadada, usam uma droguinha, pilotam um carro ou uma moto, fazem
qualquer coisa, mas garanto que nada é igual a deslizar sobre uma onda.
Hoje, encaro o fato de não poder mais praticar o surf fisicamente (só mentalmente) como uma fase
passageira, de transição. É como uma onda... Quem sabe amanhã entra um novo swell para mim e para
algumas raras pessoas que amam o surf mas estão impossibilitadas de praticá-lo.
A vida muda como o mar. Nós surfistas somos seres mutantes e sei que estamos bem preparados para
encarar o desconhecido, o imprevisto. Sabemos lidar com isso. Se um caroço de oeste em Sunset 12 pés
quebrar bem na sua cabeça, você vai sobreviver. Nós somos “survivors”...
O dia 28 de janeiro de 1998 marcou a história do surf em ondas grandes. No North shore, o Eddie Aikau
foi cancelado. Tow-in no outside de Log Cabins em ondas muito perfeitas, 60 pés de face. E os surfistas não
estavam só dropando no rabinho, não. Foi “high performance surfing”...
O posicionamento era muito crítico, com ajuda do jet-ski eram “faded drops” (drop para dentro, no crítico)
rabiscados na face das enormes e perfeitas ondas.
Olhe para o ano 2000. Este é o big wave moderno com ajuda de motores. Na hora em que se solta da corda
puxada pelo jet-ski, o cara já começa dropar a ladeira. A onda é gigante, a velocidade é boa, a prancha é
pequena e está amarrada no pé. Eu só posso imaginar... Só não se pode virar parasita do jet. Tem que cair em
Waimea e remar também.
Eu já li, ouvi e absorvi muita coisa nestes anos de surf.
Antes de aparecer o Curren e o Slater no surf americano, existiu um talento que acabou não despontando
como esses dois, por causa do destino.
O nome dele era Chris O’Rourke. Local de Windansea, um tradicional pico californiano onde os locais, no
início dos anos 80, não deixavam ninguém surfar de roupa colorida. Para pegar onda lá tinha que estar com
prancha branca e roupa de borracha preta.
Chris teve câncer aos 20 anos, lutou contra a doença com a força que o surf lhe deu. Fez quimioterapia.
Arrasado fisicamente, mesmo assim, continuou surfando e mostrando qual era a sua força e a do surf até o
fim...
Vi uma foto dele em seus últimos dias, careca e magro pela químio, mas em pé na prancha. Fiquei
impressionado. O câncer tirou-lhe o surf e a vida.
Deixou escrito na Surfing uma lição na qual falava do prazer de deslizar sobre uma onda, do prazer puro e
simples do ato em si, sem egotrip.
Acredito que todos nós somos bons, independente do talento. Se você já fica em pé na prancha e corta a
onda, já é um surfista. Se divertir e sentir a essência básica do surf já é o feeling. A evolução rápida é
conseqüência do gostar muito ou pouco.
Eu sou o rei do soul surf. Hoje aqui é só na alma. Defendo o surf praticado nos mesmos moldes de Mr.
O’Rourke. Aquele sem tirar onda, sem drogas, sem preocupação, sem dever nada para ninguém. É aí que está
a questão. Só precisamos da cabeça, corpo, alma, calção, prancha e parafina para fazer um surf completo.
Aconselho a todos surfar, surfar até morrer, sem medo de ser feliz. Se um dia você chegar no nível de
pegar um tubão em Grajagan, ou de dropar um caroção em Sunset, vai encarar a vida dando risada. Não
importa onde ou como você estiver.
Finalizando
Durante a vida, ocorrem muitos ganhos mas muitas perdas. Às vezes perdemos alguém amado, algum
amigo, e nunca mais os encontramos aqui na Terra. Eu acho que não deveríamos nos preocupar, pois eles são
luz em algum lugar e os veremos depois...
O que mais importa hoje está além de nossos cinco sentidos. É a fé que temos de ter. Ninguém garante,
mas o meu inconsciente me garante que foi Deus quem criou tudo isto. Ele nos deu a vida. Ele nos ama e
mostra que nos ama em Jesus, que nos falou que a nossa vida é eterna.
A fé está além de nossos sentidos...
Acredito que nós, aqui neste teste na Terra como pessoas, temos a chance de evoluir nosso espírito fazendo
o bem.
O nosso tempo aqui é limitado. Deus nos deu a liberdade de escolher entre ser um cara legal ou não. Você
decide.
A minha grande perda aconteceu exatamente um mês antes de eu completar 29 anos... Foi quando perdi
meus movimentos e o tato de meus pés e minhas mãos. Não foi e nem é fácil aceitar e encarar a vida depois
dessa tragédia. Perdi muito, mas ganhei a chance de me evoluir espiritualmente.
A minha imagem, sentada aqui, já faz parte da minha missão.
Mesmo que eu não queira aparecer, em todo lugar todos me olham, muitos com pena... Enche o saco...
Uma cadeira de rodas é algo assustador para alguém que esteja “sarado”. Aqui é o último lugar em que se
quer parar na vida. Eu mesmo, pilotando a minha cadeira motorizada num corredor de um supermercado,
cruzei com um cara numa cadeira e tomei o maior susto.
Eu fiquei assim. A minha missão já está na minha simples presença. Quando alguém me olhar assim e for
tocado no coração, esta é a hora de agradecer a Deus de como a vida é linda. Agradeça pela perfeição da vida
e saúde e funcionalidade do nosso corpo.
Eu sou da teoria de que a vida deve ser curtida, pois ela é uma bênção, uma dádiva de Deus. Cada dia
devemos encarar como um abençoado presente de Deus. Alguém de alma saudável é alguém feliz. Eu dou
valor até para a minha respirada.
Está todo mundo correndo atrás da felicidade.
Aqui vai a fórmula de ajuda para encontrá-la:
A felicidade é como uma borboleta. Se você correr atrás dela desesperado nunca a alcançará, como em
tudo na vida. Mas, se você sentar, relaxar e contemplar com bons olhos a vida e os momentos, deixando tudo
fluir e acontecer, a borboleta vai pousar em seu ombro... São as boas vibes...
Sorte?
A sorte está em todo lugar. Basta estar receptivo para perceber as oportunidades, deixar as coisas boas
acontecerem e chamar tudo isso de Sorte.
Hoje a felicidade para mim é poder respirar sem ajuda da máquina e será maior ainda no dia em que eu
puder me locomover sem rodas...
A ciência e a medicina estão evoluindo ano a ano. Conto com a inteligência humana iluminada por Deus
para um dia eu me sentir livre.
O ator Cristopher Reeves, quando caiu do cavalo em 1995, ficou também nessa. Ele está fazendo um
trabalho de conscientização das autoridades quanto a esse problema de paralisia e arrumando formas de
arrecadar verbas para pesquisas de cura. Tem muita gente em cadeira de rodas no mundo que pode se
beneficiar.
O Mr. Reeves está conseguindo encaminhar significativos milhões de dólares para as tais pesquisas de cura
da lesão medular, depois que esse problema também passou a fazer parte de sua vida... Seu caso é o que mais
necessita do aparecimento de cura. Eu estou paralisado do ombro para baixo e já é dose, imagina ele
paralisado do pescoço para baixo e dependendo de uma máquina para respirar.
Dependendo do ângulo observado, até que eu estou bem...
Nós somos chamados deficientes físicos. Acho esse termo muito down, apesar de realista. Sendo mais
otimista, prefiro o termo inglês: “Physical Challenged”.
A previsão que deram ao Mr. Reeves, em 1998, foi de que em sete anos haverá uma solução para toda essa
dificuldade passar.
Aguardo ansioso o ano 2005, até talvez 2010... Aí eu vou celebrar, dançar, pular, dar um cut back
rasgando. Vou pra galera...
A maior parte do tempo consigo me manter tranqüilo, acreditando na cura, na saúde, em Deus e no futuro...
Li numa estatística que a ansiedade é o sentimento mais comum entre tetraplégicos. Tenho que produzir, estar
ocupado mentalmente e ter uma condição financeira razoável/boa para não ficar ansioso e louco.
No meio disso tudo, eu ainda adoro curtir, viajar, fazer aventuras e o que for possível. O problema sempre
se volta para a necessidade de ter alguém para me carregar. Ser literalmente arrastado nesta vida não é mole...
Tive a chance de voltar ao Hawaii depois de oito anos pós-acidente. Voltar para a meca do surf, preparado
para somente olhar e absorver com a alma, não foi fácil... no início iria ser muito mais difícil. Foi uma
lavagem na alma, apesar de me queimar de vontade de dropar aquela morra de 12 pés de west, que vi em
Sunset...
Eu já vivi alegrias, segurei ondas, chorei, curti, amei, peguei até umas marolas de jet-ski e fiquei com mais
vontade de sarar.
Passear de barco ou de helicóptero para mim é um programa legal.
No trabalho, no computador, eu esqueço do tempo. Eu posso criar páginas e mexer no meu site, posso
escrever para revistas, criar gifs no Photoshop e estar informado de tudo pela Internet.
Tem algumas adaptações em minha casa para aumentar a minha independência. Tento pedir ajuda o
mínimo possível, mas mesmo assim ainda sobram muitas necessidades.
O meu principal “brinquedo” é a minha cadeira de rodas motorizada Quickie P200, que ganhei de uma
pessoa que está no meu coração todos os dias, pois percebo a alegria e a independência que essa cadeira me
dá...
Eu a piloto controlando pelo queixo. Ela me dá total independência de locomoção. Hoje eu não tenho mais
paciência de ficar na cadeira de empurrar.
Além do carrinho mágico, existem várias outras adaptações.
O apartamento em que eu moro é a adaptação número 1. Ele fica no Guarujá, que é uma cidade plana, e
isso para cadeira de rodas é muito bom. Triste são as calçadas, as ruas, as lojas, os estabelecimentos públicos
e bancos sem acesso e sem facilidades para as cadeiras de rodas, não só aqui como também em todo o Brasil.
O USA é nota dez para cadeira de rodas. Só que eu estou tetraplégico, amo o meu país e não quero e não
pretendo me mudar.
O problema é aturar a falta de cuidados e acessos. No meu país, eu não posso entrar em pelo menos 90
porcento dos estabelecimentos por falta de acesso. Os donos deles que me conhecem ficam se sentindo mal
por isso. Essa é a real e as autoridades de pé infelizmente não estão preocupadas.
Em casa tenho a minha garrafa d’água instalada na parede, com um canudo que já resolve o problema de
tomar a tão importante água.
Eu adaptei a minha nova assinatura com a boca.
Escrevo e comando o computador com um palitinho especial chamado “mouthstick”, com ele dá para ligar
e acender a luz, ligar a TV, desligar, mudar o canal no controle remoto, bater na cabeça do cachorro, atender o
telefone, dá até para fazer um cafuné...
Eu desço o elevador sozinho, basta que alguém abra a porta e aperte o botão do andar. É impressionante
como nós somos adaptáveis às situações adversas.
Eu estou passando por um teste espiritual aqui na Terra. Isso tudo me faz valorizar muito uma vida
simples, saudável, normal e independente. Apesar de tanta roubada, consigo ainda assim levar uma vida digna
graças ao positivismo da minha cabeça.
Poder me mexer novamente, levantar a bunda dessa cadeira, eu já nem imagino a mordomia que seria
novamente...
Os simples atos como o de poder levantar da cama sozinho
de manhã, dar aquela espreguiçada, fazer aquele cocô diário matinal voluntário, dar um abraço, caminhar, ter
a chance de poder sair andando, dar uma remada, fazer um surf, voltar a ser eu pelos meus próprios atos...
Fazem falta...
Sei que eu estou perdendo algumas coisas no momento.
O meu consolo é saber que estou crescendo no lado invisível.
Meu plano para o futuro é grandioso...
Obrigado Senhor pelas expectativas positivas, pelo amor, pela vida e também por eu estar em suas mãos...
Obrigado e Obrigado...
Aloha e Paz do Senhor...
Taiu
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