Sarmento: O Promotor da Alegria - “Sem propaganda não se faz nada”... Fernando Brandão de Moraes Sarmento, brasileiro, advogado no fórum do Rio de Janeiro, comerciante inteligente, culto e um dos mais populares automobilistas do Brasil. Participou de inúmeras provas da sua época: Gávea, Amendoeira e subidas da serra. Sempre era destacado pela sua simpatia e excelente “marqueteiro” dos anos 30. O interesse e presença do público nas provas disputadas onde Sarmento participava era sempre maior. Era conhecido como “Camelô do Trampolim do Diabo”, pois Sarmento foi o maior propagandista da maior carreira automobilística da América do Sul dos anos 30: as corridas da Gávea. Seus carros nunca foram de ponta e numa ocasião, declarou aos jornalistas: - Senhores! Nunca falei de tão alto para tão longe. Falo da altura dos meus ideais para o espaço sem fim dos vossos corações... Por isso, espero conseguir chegar à terceira volta são e salvo. Sua única vitória foi na Subida de Ascurra em 05 de maio de 1935. Cheia de curvas e num desfiladeiro perigoso, Moraes Sarmento chegou com seu Bugatti-Studebaker atrasadíssimo e deliberadamente se infiltrou entre os concorrentes no momento que o diretor deu a largada. Isso foi possível, pois o regulamento permitia o pagamento em dobro e dispensa do exame de saúde, caso as inscrições estivessem encerradas. Ele fez isso e venceu a prova em tempo recorde (2’08”02), seguido de Enege e Júlio de Moraes, ambos com Fiat. No Quilômetro de Arrancada, Manuel de Teffé tinha uma moderna Alfa Romeo e Sarmento um “calhambeque”. Teffé o aconselhou a fugir da vergonha de uma derrota e Sarmento retrucou: - Se eu for derrotado, meu velho, não será vergonha, pois vou correr contra um campeão e uma boa máquina. Agora, mesmo correndo de bicicleta, se eu fosse derrotado por você, desistia do automobilismo e ia para a roça plantar mandioca. Moraes Sarmento ficou boa parte na liderança da prova até que Teffé tomou-lhe a ponta. Ao final, Teffé o abraçou dizendo: Fernandinho, que brincadeira feia! Quase que você me venceu com esse dromedário... Ele e suas “latas velhas” contra os últimos modelos dos alemães e italianos se destacava pela esportividade. Sobre isso declarava: - Levo apenas uma vantagem: conheço todos os postes e eles me conhecem também. Os postes da Light não falam nem alemão, nem italiano... Pelas avenidas, mostrava sua audácia e alegria na condução do automóvel. Com carisma e simpatia fazia muito barulho, provocava curiosidade e consequentemente a propaganda da prova em que iria participar estava feita... As mulheres o admiravam era muito conhecida a frase: - Lá vem o Sarmento! E ele respondia: – Estou treinando para a prova. Sergio Sultani E assim, com brincadeiras criativas e fazendo só o bem com suas loucuras, ele promovia as corridas da Gávea e tantas outras em que se inscrevia. A alegria predominava e seu “treino” nas avenidas passava a uma festa popular. Seu pai, o desembargador Moraes Sarmento, era rico não gostava que seu filho corresse, mas Sarmento queria correr. Ele adquiriu um Bugatti Targa Florio T37 e adaptou um motor Studebaker e dizia durante suas aparições: - Preparem-se que vou correr... Sarmento ajudando na Gávea e seus fãs o rodeando. Nas provas da Gávea, Moraes Sarmento ajudava a preparar a pista junto com os operários. Apareciam curiosos, fotógrafos e repórteres. Ele não se importava se algum jornal falava mal dele e justificava com seu refrão “sem propaganda não se faz nada”. Nos treinos, na pista todos se agrupavam com muita alegria para tirar fotos junto de Sarmento. Pilotava seus bólidos com muita pericia e principalmente prudência. O motor de sua “barata” exposto aos fãs. Sergio Sultani Diferentemente dos outros pilotos ele achava que um motor impressionava mais que um carro numa fotografia. Assim, o motor do seu carro estava sempre exposto ao lado do carro e os fotógrafos tiravam inúmeras fotos no seu stand. Ele chamava os outros pilotos, chamava os fãs, as crianças, os jovens e pousava o grupo todo para mais fotos. Na época das corridas da Gávea, Sarmento se entusiasmava demais e promovia a corrida com entrevistas em todos os jornais. Enquanto isso, seu pai ficava muito apreensivo com a arriscada vida de seu filho. Na Gávea de 1934 ele abandonou na 10ªvolta, pois seu Bugatti-Studebaker foi abastecido com água ao invés de gasolina. Ele estava na 9ªposição. No momento do abandono, chorou e sacudindo os braços dirigiu-se para o pavilhão de juízes inconformado, acompanhado por uma multidão. Foi o assunto da corrida e Sarmento achou graça quando disseram que foi seu pai que mandou colocar água em seu tanque: - Vou ter que esperar mais um ano, disse ele. Agora, sempre que eu parar no posto de abastecimento vou provar a gasolina, completou. Sarmento e a satisfação em mais uma foto. A esperança do desembargador para seu filho não correr era que ele fosse reprovado nos exames médicos. Mas, apesar das atitudes extravagantes, Moraes tinha uma “saúde de ferro” e sempre passou nos exames médicos. Sobre o assunto Sarmento disse: – Meu pai devia dar-me o melhor carro para que eu pudesse vencer. Se houvesse corrida o ano todo eu estaria curado, não precisaria mais de médico nem de nada. Na Gávea de 1935 o motor Studebaker de seu Bugatti quebrou na 3ªvolta quando ocupava o 7ºlugar. Em 1936 comprou um carro novo, o vendeu para Nascimento Júnior e correu com um Ford V8 que pertencera a Irineu Corrêa. Terminou a prova em 12ºlugar com 23 voltas percorridas. Gabou-se disso, pois finalmente terminava a corrida da Gávea, a Gávea das Gargalhadas como ele citou. - Esse menino tem um coração enorme. Nele cabemos todos nós, os carros, os boxes e os mecânicos dizia o italiano Carlo Pintacuda. Numa ocasião, no Café Nice, um jornaleiro negro entrou com a roupa molhada, tremendo de frio. Sarmento o chamou: - Quantos jornais você já vendeu; - Três -Quantos tem aí? - Noventa e sete. - Dá-me os. O jornaleiro assustado entregou ao corredor todos os exemplares e recebeu das mãos trêmulas de Sarmento, o dinheiro. Sarmento querendo disfarçar a emoção engrossou a voz: - Agora seu bobo. Vai para casa. Vai mudar de roupa, comer e dormir. Em 1937, Moraes Sarmento comprou o Alfa Romeo B2900 3.200cc, que Manuel da Teffé ganhara do Automóvel Club do Brasil, por 55:000$000 e sabia que dois volantes na Itália haviam morrido pilotando esse carro malsinado. Sergio Sultani Com alguns reparos feitos pelo mecânico do piloto Júlio de Moraes, Moraes Sarmento preparou o Alfa Romeo nº58 para correr em Campinas na 2ªprova do Chapadão, denominada Volta do Chapadão a ser disputada em 19 de setembro de 1937. Lay-Out do Circuito de Chapadão. Na época da prova, ele pagou suas despesas de seiscentos mil réis com o restaurante do Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Entregou o dinheiro ao encarregado Barreira e declarou: - Barreira, eu vou para o Chapadão amanhã e sei que vou morrer. Toma o teu dinheiro; não quero dever a ninguém. Também escreveu para um amigo: - Pretendo disputar no circuito do Chapadão, a maior carreira da minha vida. Sinceramente, vou fazer a máquina voar... Entusiasmado fez a pole-position tendo ao lado, o amigo Benedicto Lopes, Nelson Dahan e Domingos Lopes. Aclamado pelo público e ao lado do seu mecânico Faria, declarou: - Só não vencerei se morrer. Ele não usava capacetes brancos, mas no Chapadão, para cumprir o regulamento, teve que usar boina branca. E sobre sua superstição pelo branco justificava da seguinte forma: - O azul é a cor do céu e deveria ser a cor da esperança. Ele nos faz promessas e é como o horizonte: a vida. O vermelho é a cor do sangue e você sabe que os semelhantes se afastam... Mas o branco é o fim; é o vácuo, meu irmão, o fim de tudo, o mundo vagando no infinito, sem cores, sem vida, sem outra aurora, nem outra noite. Compreendeu? Pouco antes da largada a pista do Chapadão foi irrigada para evitar o excesso de pó. Sarmento estava contrariado com mais de trinta concorrentes numa competição desta natureza... Logo depois da largada, o carro perde o equilíbrio, capota depois de um ziguezague provocado por Sarmento. Bate na pista –com pó e lama- e dá uma 2ªcapotada no ar caindo em cima de seu corpo que havia sido arremessado. Sergio Sultani Sarmento, com o mecânico Farias, pousando no Chapadão. Seu amigo Benedicto Lopes acompanhou tudo de muito perto e descreveu: - Estavam os carros alinhados para a partida. Na margem esquerda da pista, Moraes Sarmento, ao meu lado. Em seguida, Domingos Lopes e Nelson Dahne. Ele, antes de partir, fez de lá uma saudação para mim, contendor e amigo. O juiz da partida abaixa a bandeira e os carros saem vertiginosamente. É uma partida quase de surpresa. Fomos eu, o Dahne, os primeiros a arrancar. O último da primeira fila foi o Sarmento; alguns segundos, mas que chegaram para fazer que ele perdesse muitos metros. A Alfa 3200 atende a pressão que deveria ter sido feita no acelerador e o carro passou por todos nós. Na arrancada, as rodas dianteiras suspenderam-se. Depois foi a vez das rodas traseiras. O choque com o chão foi violentíssimo e o carro deu uma volta no espaço, jogando fora o corredor e indo cair, com todo seu enorme peso, sob Moraes Sarmento. Atravessado na estrada, a Alfa deixava uma passagem estreita, que aproveitei. Uma sensação extra-horrível me dominava. E naquele minuto, eu amaldiçoei o destino que me fizera corredor. O Alfa de Moraes Sarmento momentos depois do acidente. Os carros passaram ao lado do seu corpo e numa forte nuvem de pó, Sarmento foi socorrido e transportado para o Hospital Beneficência Portugueza. Sarmento, 32 anos de idade e solteiro, morreu 10 minutos depois de chegar ao hospital. Depois de 50 voltas em 3h06’40”02 Benedicto Lopes vence a prova com o Alfa Romeo nº54 que pertencera a Hellé Nice, a famosa corredora francesa. Após a vitória e sem saber da morte de Sarmento, Benedicto Lopes declarou: - O acidente com o meu bravo concorrente Moraes Sarmento veio tirar o brilho da prova e encher-nos de tristeza. O desastre se verificou na minha frente e tive a impressão de que fora de natureza grave. Entretanto, até esse momento, não sei o que aconteceu com meu infortunado companheiro. Cumprirei a promessa em dividir o prêmio de vitória com ele, assim como ele faria comigo. José Santos Soeiro (Ford V8 nº44) foi o 2ºcolocado (49 voltas – 3h09’41”08), seguido de Antonio Silva Campos (Bugatti-Ford nº48) o 3º (49v – 3h09’51”06), Geraldo S. Avellar (Ford V8 nº46) o 4º (49v – 3h09’52”04) e Rubem Abrunhosa (Alfa Romeo nº74) o 5º (48v). A seguir classificaram-se: Luis Zanetti (Buick nº66 de Anthero Molinaro), Antonio Pontello (Mercedes nº14 de Pedro Penteado), Luciano Bonini (Fiat nº20), Arthur Bertoni (Ford V8 nº6), Antonio Bertazolli Sergio Sultani (Ford nº42), Sartorelli (Hispano Suissa), Irahy Corrêa (Bugatti nº68), Carlos de Rosa (Diatto nº8), Jayme dos Santos (Reo nº30) e Angelo Gonçalves (Kissel nº76). Não completaram a prova: João B. Amaral Junior nº38, Valentim Luiz Passadore nº50, Domingos Lopes nº84, Antonio Santos Ferreira nº70, Nelson Dahn nº60, Virgilio Lopes Castilho nº44, Ruy A. Frade nº10, Emilio Pacci nº52, Carlos Mendes nº62, João Santomauro nº26, Seraphim Almeida nº80, José Zasá nº40, José Villafranca nº34, Manuel A. Avelino nº36, Irineu Angelo nº2, Julio Ceffaly nº88, Kalil Haddad nº28 e Moraes Sarmento nº58. Morria o corredor mais popular, mais querido do Brasil, embora tivesse conquistado somente uma única vitória em sua carreira. A Gávea perdeu muito com sua morte. Suas provas perderam muito do sucesso e brilho. Sobre a morte de seu filho, o desembargador Moraes Sarmento ao lado do seu outro filho, Dr.Luiz, declarou: - Sempre tive um mal pressentimento. Empreguei os maiores esforços para que Fernando não continuasse a praticar o automobilismo, mas meu filho tinha uma grande atração pelo arriscado esporte. Quando veio da Europa, há anos, trouxe um carro e posteriormente comprou vários outros. O destino chamava-o para as corridas e ele, sempre empolgado, tomava parte nas carreiras. Tenho que sentir muito a sua falta, pois Fernando sempre foi muito meu amigo... Fotos: Folha da Manhã e O Estado de São Paulo. Sergio Sultani