AspotencialidadesdoAdestramento
Cientı́ficocomumCã oAdoptado
Lançaram‐me o desafio de escrever sobre um assunto que outrora considerava banal: falar de cães abandonados e a experiência que tenho com eles relativamente à sua educação. Isto para mim sempre foi uma situação mais ou menos regular uma vez que, de há uns anos para cá, decidi adoptar animais de rua ou de canil e proporcionar‐lhes uma vida de qualidade que considero terem todos direito. Estive sempre longe de pensar que iria passar por uma experiência impressionante e olhar com outros olhos e com outra percepção para a real definição de “vida de qualidade” que um cão realmente merece e o impacto que esta qualidade nas suas vidas tem na nossa relação com ele. Enquanto fui apenas dona de cães anteriormente abandonados considerava que essa “vida de qualidade” era proporcionada pela atenção, liberdade, segurança e dedicação que lhes dava. No início deste ano, contava já com 3 cães (1 cão e 2 cadelas) seniores, aos quais nada julgava faltar. Tinham um lugarzinho no sofá, um lugarzinho no quarto da dona, boa comida sempre disponível, tinham uns arrufozinhos onde eu intervia mas no geral estavam sempre sossegadinhos pois a idade já não permite grandes aventuras. Aos fins‐de‐semana, aí sim!, dávamos grandes passeios na praia ou pelo pinhal e eles dormiam o resto do tempo para recuperar as energias. Cães fantásticos! No entanto, a reviravolta na forma de entender as necessidades do cão enquanto espécie aconteceu de forma abrupta com a chegada a casa de um novo elemento canino com cerca de 1 ano de idade – a Fisga. No final de Junho, já durante a minha formação no 10º curso de monitores de adestramento do Centro Canino de Vale de Lobos, a Fisga cruzou‐se literalmente no meu caminho. Por ter coleira, recolhi‐a e tomei logo as diligências possíveis para encontrar o dono e proporcionar‐lhe o regresso a casa. Foi talvez dos dias mais complicados que passei com um cão: a Fisga apresentava problemas devido ao abandono ou ao facto de estar perdida, não podia ficar sozinha, ficava num estado de ansiedade enorme e quase que deitava a casa abaixo sempre que me perdia de vista; fazia as necessidades em casa; atirava‐se para cima de mim quando eu estava no sofá; roía tudo; estragava tudo; tirou toda a terra dos canteiros e vasos…. O stress e ansiedade com que andava sempre e a rapidez com que deixava de fazer uma asneira para fazer outra levou‐me a colocar‐lhe o nome “Fisga”. Eu ainda não tinha terminado de desfazer a ultima asneira, já a Fisga tinha feito mais qualquer coisa… Era impressionante. Good Dog – Em Boa Cãopanhia Telf: 924 290 031 www.gooddogonline.weebly.com Email: [email protected] https://www.facebook.com/GoodDogEmBoaCaopanhia Um mês depois, nem um sinal dos donos... Tive consciência que ninguém iria aparecer e que a adopção desta cadela por outra pessoa ia ser muito complicada… A Fisga seria possivelmente educada com a vassoura ou o sapato ou acabaria possivelmente abandonada ou entregue em canil. Foi assim que tomei a decisão de a adoptar e de iniciar o meu trabalho e desenvolver a minha experiência como adestradora com ela. Esta decisão, no entanto, acarretou outras que me forçaram a deixar de ser a tradicional “dona” que apenas proporcionava uma “vida de qualidade” aos seus cães, para passar a ser uma dona mais consciente das necessidades básicas de um cão, do funcionamento desta espécie, com conhecimentos para entender a sua comunicação e de analisar e corrigir com métodos positivos o seu comportamento. E foi assim! Meti mãos à obra. Tive que fazer um “reset” na minha forma de pensar e ganhar coragem para adoptar medidas e regras às quais eu tinha sido sempre céptica até então. A primeira grande mudança foi a introdução da caixa transportadora na educação da Fisga, proporcionando‐lhe um local fixo para dormir, onde ela estivesse em segurança, se sentisse bem, de modo a minimizar a ansiedade para estar ao pé de mim a todo o momento. Por ter já sofrido um abandono, ou por se ter perdido, as probabilidades de desenvolver ansiedade por separação eram muito grandes e já evidentes nos ataques violentos que fazia às portas da casa na divisão onde me encontrava. Tive que a ensinar a estar sozinha e a desenvolver a sua auto‐confiança e a caixa teve um papel muito importante neste processo. Foi necessário fazer o processo de habituação, claro, de forma gradual, ela rapidamente se adaptou e a caixa passou a ser o seu local de eleição para dormir. Ainda hoje é assim! Por volta das 23h da noite, a Fisga levanta‐se dos meus pés, eu pergunto‐lhe “caminha?”, e ela segue em direcção à cozinha para irmos buscar os biscoitos e depois corre para a caixa onde lhe dou os miminhos da noite. Ninguém a ouve mais…. De manhã abro‐lhe a porta da caixa, se está sol ela sai, se ouve o barulho da chuva permanece lá dentro mais uns minutos, até ganhar a vontade de ir para a rua fazer as suas “coisinhas”. E foi com este processo que lhe ensinei também a fazer as necessidades na rua. Para além da necessidade de estar no seu espaço, a introdução da caixa permitiu também minimizar os estragos nos momentos em que eu não a podia controlar visualmente, como na hora do banho ou quando saia de casa para fazer qualquer coisa rápida, momentos suficientes para a Fisga destruir qualquer coisa. Durante esses períodos, ela ficava na caixa entretida com algum biscoito ou um osso, o que me permitia fazer o que tinha a fazer sem preocupações, sabendo que ela estava em segurança e entretida. Hoje falo muito na utilização da caixa, e incentivo muito os donos a fazerem o mesmo. É que o benefício tirado com o uso deste equipamento foi de facto significativo para os dois lados: para a Fisga, que diminuiu o constante e elevado nível de ansiedade e de excitação, passando a ter o espacinho dela para dormir e estar sossegada, e para mim que deixei de entrar em conflito com ela por causa do seu comportamento Good Dog – Em Boa Cãopanhia Telf: 924 290 031 www.gooddogonline.weebly.com Email: [email protected] https://www.facebook.com/GoodDogEmBoaCaopanhia destrutivo, do seu excesso de excitação e das necessidades em casa, permitindo‐nos tempo de muito melhor qualidade quando estamos juntas. (Em caso algum a caixa foi utilizada para a castigar) Aliás, todo o processo de integração da Fisga no grupo e em casa foi feito desta forma – sem entrar em conflito e com muita paciência. É que apesar do seu comportamento “louco” e absolutamente desobediente, a Fisga não era uma cadela expressiva: a cauda nunca abanava, as orelhas estavam sempre em pé e o corpo sempre tenso. Não tinha qualquer ligação às pessoas, não se chegava mas também não fugia, e apresentava ter medo sobretudo de homens. Brincava muito com os meus cães, principalmente com o mais velhinho, o Simão, mas não interagia comigo. Aproximava‐se quando os outros o faziam mas, apesar de não conseguir estar sozinha, não estabelecia qualquer contacto mais próximo. Por não termos um vínculo de ligação e ser visível a fragilidade na confiança desta cadela, percebi que tinha de ser bastante cautelosa na minha aproximação e que este trabalho só podia ser feito com paciência e com o condicionamento operante com reforço positivo. Foi nesta altura que comecei a ensinar‐lhe os exercícios de obediência básica, com a utilização do cliquer e a sua motivação extrema por comida, uma vez que por bola ela não tinha nenhuma (nem sabia brincar…). Diariamente treinava com ela, e quando falhávamos um treino, notava‐se logo a nível comportamental, no excesso de excitação, a falta de exercício. Então, mesmo por muito cansada que estivesse, passei a não dispensar dos 20min diários para a treinar e ensiná‐la a brincar. A brincadeira foi fundamental para a aproximação e sobretudo para lhe desenvolver a autoconfiança. Haviam de ver a Fisga agora a brincar, tão feliz. Semanas depois de meter as mãos ao trabalho, comecei a ver transformações na Fisga. Por detrás daquela cadela louca, havia um animal medroso, bastante sensível, e muito muito inteligente no que à sua sobrevivência dizia respeito. Percebi que não podia, de forma alguma, entrar em conflito com ela fosse qual fosse a sua asneira ou desobediência, com o perigo de perder a confiança da Fisga em mim impedindo‐lhe a qualidade de vida que lhe queria proporcionar… Assumi por isso a responsabilidade de todos os tapetes e almofadas desfeitas e dos bancos de jardim destruídos quando eu não estava em casa. Aceitei todos estes comportamentos como minha responsabilidade, porque ou não lhe deixava brinquedos suficientemente estimulantes para a entreter, ou então porque tinha deixado à disposição aquilo que não devia. Tive que começar a antever possíveis comportamentos para, por um lado, não ficar sem casa e, por outro, para não entrar em conflito com ela. Mas há regras e limites e obviamente que em todas as alturas que a apanhei em flagrante, lhe chamei sempre a atenção e ela sem problemas deixava de fazer a asneira que andava a aprontar naquele momento. E nunca lhe bati ou ameacei fazê‐lo… Ao longo destes 6 meses a experiência tem sido fantástica. Vi esta cadela chegar “sem ponta por onde se lhe pegasse” e hoje é o cão que trabalha Good Dog – Em Boa Cãopanhia Telf: 924 290 031 www.gooddogonline.weebly.com Email: [email protected] https://www.facebook.com/GoodDogEmBoaCaopanhia comigo não só em demonstrações de adestramento com reforço positivo, mas também na socialização dos outros cães. É extremamente obediente, muito dócil e está muito mais sociável com as pessoas, pedindo inclusivamente afecto a quem conhece. Comigo? Que dizer… Do cão distante que adoptei e que me deixava de cabelos em pé, e que não tinha qualquer comunicação e ligação com o mundo que a rodeava, vi transformar‐se numa cadela muito comunicativa, muito interactiva e super feliz. Com uma boa dose de paciência, muito trabalho e muita brincadeira, vi‐a começar a aproximar‐se, a ganhar confiança, a criar vínculos e a estabelecer contacto físico do qual anteriormente fugia. Hoje sento‐me no sofá e a Fisga deita‐se aos meus pés com a cabeça sobre eles, e não é muito raramente que me pede colo e fica abraçada a mim, sem medo e sem ansiedade. No entanto, o nosso trabalho continua! Todos os dias treinamos e brincamos. As regras e limites continuam a ser aplicados diariamente sem excepção. A dose de paciência continua sempre presente. Mas a melhor parte é a de procurar sempre compreender este cão, perceber o que a pode ter levado a fazer o que fez, e corrigir‐me. É que a Fisga é um cão e, como todos, faz as coisas sem pensar. É por isso meu dever pensar pelas duas, antecipar situações, prevenir problemas, educa‐la de forma positiva, ensiná‐la com motivação e proporcionar‐nos dias de grande qualidade que, confesso, temos. E ela é tão feliz… A Fisga criou o caos na minha casa na altura certa! Enquanto eu me formava, ela apareceu e foi exigente comigo. Fui forçada a aplicar a parte teórica na prática de forma abrupta, e a mudar radicalmente a minha forma de pensar sobre uma vida de qualidade para os cães. A qualidade de vida para um cão é aquela que eu lhe devo proporcionar para que seja totalmente sociável com todos e com o seu meio envolvente, para que seja totalmente feliz como cão, e seja absolutamente saudável física e psicologicamente de acordo com as suas características especificas, em total respeito pela espécie a que pertence, sem confrontos e sem castigos. Como dona, esta foi uma aventura totalmente louca... Como adestradora, uma das experiências mais fantásticas que podia passar. Obrigada, minha linda e louca Fisga, por me acompanhares nesta etapa tão importante para mim, por fazeres parte deste projecto, por seres tão exigente comigo e por todos os dias me fazeres melhorar, como dona e como adestradora... Obrigada por seres como és, pela tua alegria genuína e pelo teu coração tão doce. É um orgulho enorme ter‐te comigo, Fisga. Good Dog – Em Boa Cãopanhia Telf: 924 290 031 www.gooddogonline.weebly.com Email: [email protected] https://www.facebook.com/GoodDogEmBoaCaopanhia 
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O Adestramento Científico na Educação de um cão adoptado