VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015 A inserção da Educação Ambiental na escola pública: disputas e contradições Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis - UNESP, campus Bauru/SP Carlos Eduardo Gonçalves - UNESP, campus Bauru/SP Daniele Cristina de Souza - UFTM, campus Uberaba/MG Helena Maria da Silva Santos - UNESP, campus Bauru/SP Jandira Líria Biscalquini Talamoni - UNESP, campus Bauru/SP Jorge Sobral da Silva Maia - UENP, campus Jacarezinho/PR Juliana Pereira Neves Junqueira - UNESP, campus Bauru/SP Lilian Giacomini Cruz - UEMS, campus Ivinhema/MS Lucas André Teixeira - UNESP, campus Bauru/SP Marcela de Moraes Agudo - UNESP, campus Bauru/SP Marina Battistetti Festozo - UNESP, campus Bauru/SP Nadja Janke - UNESP, campus Bauru/SP Pâmela Buzanello Figueiredo - UNESP, campus Bauru/SP Regina Helena Munhoz - UDESC, campus Joinville/SC Resumo Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa em EA (GPEA), vinculado ao Programa de Educação para a Ciência da UNESP campus Bauru/SP. O tema da investigação é a inserção da Educação Ambientla na escola pública de educação básica e reúne diferentes estudos de mestrado e doutorado dos participantes do GPEA. Assim, é trazida uma síntese dos principais pontos provenientes dessas dissertações e teses nos últimos sete anos que, de uma forma geral, contemplam a preocupação com a temática em questão, analisando-as desde a perspectiva crítica. As principais categorias que emergem das pesquisas em seu conjunto são: conteúdos curriculares, políticas públicas e atuação e formação de professores. Palavras-chave: Dissertações e teses; Materialismo Histórico-Dialético; Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental. Abstract This paper presents the results of a study conducted by the Research Group in Environmental Education - EE - (GPEA), under the Education Program for Science of UNESP campus Bauru / SP. The theme of the research is the insertion of the EE in the public schools of basic education and brings together different studies, master's and doctorate of the members of GPEA. Therefore, we organized a summary of the main points from these dissertations and theses that in the last seven years are concerned with this issue, analyzing them from the critical perspective. The main categories that emerge from the research as a whole are: the content of the curricula, public policies and teacher's perfomance and training. Keywords: Dissertations and theses; Historical Materialism-Dialectic; Research Group on Environmental Education. 1. Introdução Se considerarmos a história - embora relativamente recente - da educação ambiental (EA) no Brasil, sua inserção na escola de educação básica não é um tema novo. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) de 1995, por exemplo, já tratava da implementação de ações em vários níveis governamentais com o propósito de 1 Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ incentivá-la e promovê-la. Então, mais do que a necessidade de inserir a EA no contexto escolar, o que ainda mobiliza nossas preocupações são as relações da escola com a EA, ou mais especificamente, com as formas de sua inserção, e com que propósito ela vem sendo trabalhada na escola, e mais, quais os programas propostos pelas diferentes esferas de governo e como vem sendo sua incorporação (CRUZ, 2014). Alguns estudos que trazem um diagnóstico da inserção da EA nas escolas no Brasil mostram sua crescente expansão. Assim, podemos afirmar que, do ponto de vista formal, a EA está praticamente universalizada na educação básica. As principais modalidades identificadas no período de 2001 a 2004 foram: Projetos, Disciplinas Especiais e Inserção da Temática Ambiental nas Disciplinas (VEIGA; AMORIM; BRANCO, 2005). Além disso, o estudo de Trabjer e Mendonça (2006) indica que o desenvolvimento da EA nas escolas está relacionado à: iniciativa de um professor ou grupo de professores; um problema ambiental na escola; o interesse dos alunos. Assim, notamos que esse desenvolvimento relaciona-se muito mais aos interesses da comunidade escolar do que aos subsídios de políticas públicas. Dentre os fatores que contribuem para a inserção da EA na escola, os mais citados foram: a presença de professores qualificados, com formação superior e especializados; professores idealistas, que atuam como lideranças e a formação continuada de professores. Aqui vemos indicada a centralidade do docente no desenvolvimento da EA. Dito de outra forma, os estudos demonstram que as práticas de EA nas escolas de educação básica tendencialmente estão centradas no professor que, geralmente, trabalha por iniciativa própria. Em outro estudo Loureiro e Cossío (2007), apesar de reafirmarem a sua disseminação pelo país, apresentam o aprofundamento de algumas contradições e lacunas a serem consideradas pelas políticas públicas de EA. Todos esses estudos – além de muitos outros que tratam da EA escolar – demonstram que ainda estamos distantes de uma forte presença de práticas educativas ambientais em todos os níveis de ensino. Nossa análise é de que a inserção da EA nas escolas de educação básica no Brasil ainda é frágil - formal e conceitualmente. Se destacarmos a escola pública, assim como afirmam Lamosa e Loureiro (2011), a inserção da EA não é resultante apenas das fragilidades das políticas educacionais, mas está associada à histórica situação da escola pública brasileira, que em busca da importante universalização do ensino fundamental, secundariza as funções educativas prioritárias para a formação humana. Ainda de acordo com esses autores, a escola pública de educação básica atual é resultante da confluência de diferentes projetos contrapostos, não havendo uma finalidade comum entre os mesmos, mas a união de diferentes conceitos, objetivos e finalidades, o que contribui para sua maior fragilização. A universalização do ensino fundamental caminha junto com a inserção da EA nas escolas brasileiras e nesta perspectiva educacional sofre influência dos diferentes problemas que se colocam para a educação básica. Assim, o Grupo de Pesquisa em EA (GPEA), vinculado ao Programa de Educação Para a Ciência da UNESP campus Bauru, composto por docentes, estudantes e egressos do curso de pós-graduação em Educação para a Ciência, tem dado ênfase à temática da inserção da EA na escola pública de educação básica no Brasil. Então, reunimos aqui para análise os resultados de diferentes estudos de mestrado e doutorado dos participantes do GPEA que tratam da EA em escolas públicas de educação básica, tendo como sujeitos das pesquisas, principalmente, seus professores e estudantes. As 2 principais categorias que emergem das pesquisas em seu conjunto são: conteúdos curriculares, políticas públicas, e atuação e formação de professores. Desta forma, discutimos aqui que a inserção da EA na escola pública encontra-se ainda fragilizada e, assim, indicamos como necessária a compreensão das contradições presentes na escola pública no Brasil e a necessidade de formação dos professores pela e para a práxis. Para sustentar esta tese abordaremos algumas destas categorias a partir dos resultados das pesquisas e teorizaremos sobre os pressupostos de organização e funcionamento da escola pública como fundamentais para a inserção da EA, bem como a formação de professores como intelectuais críticos. 2. Metodologia Compreendemos por metodologia de pesquisa não apenas os procedimentos metodológicos de caráter mais técnico e instrumental, como geralmente encontramos nos trabalhos apresentados em eventos da área da educação e do campo da EA, entre outros, mas, principalmente, aqueles relacionados à nossa compreensão sobre pesquisa, pesquisa em educação, produção de conhecimentos, formas de compreensão sobre a realidade estudada, etc. Isto significa que, embora seja importante explicitar no relato de nossos estudos esses procedimentos, é mais importante ainda que explicitemos nossos referenciais teóricos metodológicos de identificação e análise dos fenômenos sociais e humanos com os quais nos ocupamos. Assim, o estudo agora apresentado tem como referencial teórico e metodológico o Materialismo Histórico-Dialético, formulado por Marx e Engels no conjunto de sua obra. Trata-se, assim, de um Método – compreendido como teoria - de interpretação da realidade que, como nos apresenta Saviani (1997), parte do empírico (a realidade como se apresenta de forma imediata) e pelo movimento do pensamento (abstrações que buscam uma compreensão mais elaborada, teórica e praticamente, pela práxis dos fenômenos estudados), consegue chegar à compreensão concreta da realidade (atingindo o real pensado, realidade concreta e plenamente compreendida). Dessa forma, compreendemos a inserção da EA na escola pública no Brasil a partir da análise da organização das relações sociais em uma sociedade como a nossa, dos condicionantes históricos que determinam a instituição escolar e a EA, e dos conflitos e contradições que emergem dessa realidade. O Método desenvolvido por Marx e Engels é de interpretação da realidade, visão de mundo e práxis. A reinterpretação da dialética que fizeram estes pensadores diz respeito, principalmente, à materialidade e à concreticidade. Para eles o caráter material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história) de um método de interpretação da realidade são fundamentais para compreendê-la. Além das obras dos próprios formuladores deste Método, muitos estudos têm sido empreendidos para a identificação e análise desta metodologia como Kosik (1976); Kopnin (1978); Konder (1988, 1992); entre muitos outros. Então, a lógica dialética é o próprio pensamento, o processo de busca de compreensão do concreto (lógica concreta) como superação da lógica formal (lógica abstrata). Uma das maiores contribuições desse Método para os educadores - e educadores ambientais -, é auxiliar na compreensão dos fenômenos educativos de forma mais elaborada, isto é, nos auxilia a identificar nesses fenômenos a categoria mais simples (o empírico) para, movimentando o pensamento, chegar à categoria “síntese de múltiplas determinações” (o concreto pensado). Isto significa dizer que a análise da inserção da 3 EA na escola pode ser empreendida quando conseguimos descobrir sua mais simples manifestação para que, ao nos debruçarmos sobre ela, elaborando abstrações, possamos compreendê-la plenamente. Identificada a categoria simples, empírica, quanto mais abstrações (teoria) pudermos pensar sobre ela, mais próximos estaremos da compreensão plena do processo educacional em questão. Nessa análise, a base das relações sociais são as formas organizativas do trabalho humano, compreendido de forma mais ampla possível. Sabemos que na sociedade capitalista o trabalho – como atividade vital - é explorado, determinando assim um processo de alienação. Se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a possibilidade de realização plena do homem enquanto tal (humanização), a exploração do trabalho determina um processo inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho, os sujeitos explorados tornam-se menos humanos, pois rompe-se a possibilidade de promover a humanização plena desses sujeitos. E, é este movimento contraditório humanização/alienação que interessa à educação. É, segundo entendemos, a questão fundamental para a organização do processo educacional. Compreendemos que é preciso decidir, nos processos educativos, se a educação estará “a serviço” dos processos de humanização ou de alienação. Assim, a definição do Método Materialista Histórico-Dialético para nós é referencial teórico e metodológico que nos exige não apenas a constatação da situação histórica, política e social dessa inserção, mas a nossa contribuição para sua superação. O maior desafio que o Método nos coloca é permitir e exigir que nossas análises sobre nosso tema em estudo coloquem o pensamento em movimento lógico-dialético na interpretação dessa realidade, com o objetivo de compreendê-la para transformá-la. Com esse referencial, refletimos sobre a escola pública no Brasil como o cenário de nosso problema em estudo e, a partir dos estudos dos autores das teses e dissertações do GPEA, a EA nas escolas. Desta forma, reunimos 11 estudos realizados entre os anos de 2007 a 2014, que se constituíram nos dados empíricos da análise neste artigo. Dos 11 trabalhos coletados, 01 se dedicou a formulação de uma EA Histórico-Crítica (JUNQUEIRA, 2014), 08 investigaram a formação de professores na escola pública – de diferentes níveis e modalidades (SANTOS, 2007, MUNHOZ, 2008, MAIA, 2011, AGUDO, 2013, GONÇALVES, 2013, TEIXEIRA, 2013, SOUZA, 2014, FIGUEIREDO, 2014), – 01 investigou a implantação de políticas públicas de EA nas escolas públicas estaduais de ensino fundamental numa região do estado de São Paulo (CRUZ, 2014) e 01 uma política pública nacional (JANKE, 2012), chegando também ao problema da formação de professores. Além disso, destes, 04 são dissertações de mestrado e 07 são teses de doutorado. Os níveis e modalidades estudados variaram nos 09 estudos que se referem diretamente à organização escolar: 08 foram realizados nos níveis fundamental e/ou médio da educação básica e 01 no ensino técnico em nível médio. Os trabalhos foram lidos e seus resultados sistematizados para análise neste estudo. Todos os estudos tem como referência teórica e metodológica o Método Materialista histórico-dialético e a Pedagogia Histórico-Crítica. 3. A escola pública no Brasil: o espaço de inserção da EA Nosso referencial teórico e metodológico nos leva a necessidade de explicitar nossa compreensão sobre escola, ou seja, qual o papel da escola pública numa sociedade como a nossa, organizada sob o modo capitalista de produção? A resposta, segundo entendemos, está na Pedagogia Histórico-Crítica, uma teoria da educação que, desde a década de 1970 do século XX, vem buscando aproximar o debate sobre a educação e a 4 escola na realidade histórica, política e social no Brasil. Essa teoria da educação vem sendo construída coletivamente, mas tem em Dermeval Saviani (1945-) seu principal representante. O ponto de partida, sugerido pela Pedagogia Histórico-Crítica é o conceito de formação humana formulado por Marx em muitas de suas obras, em especial os “Manuscritos Econômicos e Filosóficos” de 1844 (MARX, 2010). Partindo do pressuposto da incompletude humana, o processo de formação diz respeito a uma característica essencialmente humana (no sentido de fazer parte de nossa essência como ser humano), dado que ao nascer (essência biológica) somos inacabados. Esse inacabamento exige, portanto, um processo intencional de formação, de apropriação dos elementos da cultura (essência histórica – social). Para Marx, a formação plena do sujeito humano se dá, portanto, pela apropriação dos elementos da cultura em sua atividade vital, que para esse autor era o trabalho (um conceito muito mais complexo do que sua dimensão mais conhecida, a econômica). O conceito de formação humana em Marx, portanto, base de formulação da Pedagogia Histórico-Crítica, é essencial para pensarmos a educação e a escola. A educação – mais, ou menos, sistematizada - é o próprio processo de formação humana, então, vejamos suas contradições. É preciso considerar que, sob as formas históricas de organização das sociedades, esse processo pode ser plenamente (omnilateralidade) ou parcialmente (unilateralidade) desenvolvido. A omnilateralidade, como desenvolvimento pleno da pessoa humana, está na base da concepção de ser humano de Marx. Ela é uma possibilidade humana que sob o historicamente definido modo capitalista de produção, não se realiza plenamente, pois as condições objetivas da realização da atividade vital humana, o trabalho, é aviltante, explorada, criando uma realidade alienada. Essa possibilidade de desenvolvimento pleno humano que se dá pelo trabalho, exige a superação da alienação e é o princípio fundamental da transformação da sociedade sob o modo capitalista de produção para uma sociedade socialista. Portanto, é na teoria de alienação de Marx que encontramos seu oposto: a formação humana plena dos seres humanos, base do processo educativo. Nos Manuscritos, Marx (2010) desenvolveu essa concepção de homem como ser natural, universal, social e consciente. Isto é, embora ao nascer ele conte com uma base biológica, natural, para se objetivar como gênero humano – para o “vir a ser” humano – necessita de um processo de humanização, que seja direto e intencional, um processo social e consciente, de um processo educativo. Assim, a educação tem como objetivo realizar esta tarefa de formação por um processo de apropriação de conhecimentos, interpretação e ação sobre a realidade que nos permite construí-la, mantendo-a ou transformando-a. Assim, o processo educativo, ao mesmo tempo em que constroi o ser humano como humano, constri também a realidade na qual ele se objetiva como humano, constroi a humanidade. É histórico e social, o que quer dizer intencionalmente dirigido, pelos próprios seres humanos em suas relações entre si e com o ambiente em que vivem. Considerada desta forma a educação, podemos afirmar que o desenvolvimento pleno da pessoa humana para e na superação do modo capitalista de produção, é a própria educação crítica e transformadora. Foi nesta perspectiva que se desenvolveu a Pedagogia Histórico Crítica que problematiza, de forma central, um determinado tipo de educação historicamente definido pela humanidade, aquele que se dá na escola. 5 Então, o papel da escola é para Saviani (2005) a “sistematização dos saberes elaborados pela cultura”, ou seja, a escola é o lugar privilegiado - histórica, social e politicamente -, de apropriação de um conjunto sistematizado de saberes que instrumentalizam os sujeitos para a prática social transformadora. Assim, não é a educação – nem a escola - que realizará a transformação social, mas os sujeitos que, instrumentalizados pelos saberes culturais, que criam condições históricas para a prática social transformadora. A perspectiva histórico crítica nos leva a conceber, portanto, que a especificidade da educação escolar consiste em instrumentalizar os educandos para uma compreensão crítica da realidade no sentido de sua transformação. Assim, podemos afirmar que o que é próprio da escola é a garantia da transmissão – não mecânica, mas ativa – compreendida como apropriação, do saber elaborado pela cultura. Um outro ponto importante para compreendermos a escola pública no Brasil, diz respeito ao significado de pública, ou seja, o que faz pública a escola pública? Saviani (2008), problematizando o significado concreto da expressão “escola pública”, nos ensina que essa expressão teve primeiramente o sentido da escola que se organizava pelo “ensino coletivo” em períodos históricos que se encerraram no século XVII, segundo o autor, para somente mais tarde, no século XIX, ter o significado de popular, escola de massas, “destinada à educação de toda população”. O autor também traz uma terceira concepção de escola pública: a estatal, que segundo ele tem origem no século XX e é a que prevalece atualmente. Então, a dimensão pública da escola pública a caracteriza como uma instituição social dual, porque contraditória, responsável pela formação de todas as crianças e jovens de uma sociedade complexa e desigual voltada para o mundo do trabalho e sob a responsabilidade do Estado. Não podemos trazer aqui reflexões mais aprofundadas sobre a organização do Estado no Brasil, mas é importante afirmar que este foi reformado sob a lógica neoliberal a partir da ultima década do século XX, o que nos leva a pensar que este Estado, que vem diminuindo sua responsabilidade na garantia dos direitos sociais em geral, é o responsável pela educação escolarizada. Isto é, como um Estado que se organiza e funciona orientado pela doutrina neoliberal pode dar a um bem social tão importante como a educação pública a atenção que necessita a população que nela tem a praticamente única possibilidade de educação sistematizada? Então, como a escola pública, contraditória no atendimento dos interesses das diferentes classes sociais, que por essa razão deveria ter no Estado o mediador destes conflitos de interesses, pode ser fortalecida num Estado – neoliberal - que vem se afastando desse papel mediador? É neste contexto que precisamos pensar a inserção da EA na escola pública de educação básica no Brasil. 4. A inserção da EA na escola pública no Brasil: o que dizem os estudos As dissertações de mestrado e teses de doutorado trouxeram dados para análise da inserção da EA na escola pública de educação básica analisadas neste artigo e tratam, principalmente, dos seguintes temas: concepção de EA dos professores, papel dos conteúdos escolares, políticas públicas de EA na/para as escolas públicas e atuação e formação de professores na/para a inserção da EA nessas escolas. Sobre a concepção de EA, embora ela esteja presente na maioria dos estudos que tomamos para análise, os resultados não são diferentes daqueles já exaustivamente realizados por muitos trabalhos do campo da EA. A maioria dos professores – e/ou alunos -, entrevistados ou observados, expressam concepções simplistas de EA – e/ou 6 de meio ambiente. Essas concepções têm, em geral, características biologistas, ingênuas, pragmáticas e outras próximas a essas abordagens e demonstram, com clareza, o distanciamento delas daquelas mais críticas, que os articulam às formas históricas, sociais, políticas e econômicas das relações das sociedades com o ambiente. Por outro lado, consideramos que os conteúdos escolares para a inserção da EA que estamos aqui a analisar é um tema bastante relevante e que ainda não foi suficientemente tratado nos estudos do campo da EA, merecendo destaque nesses estudos. Lembremos que esses estudos tem a Pedagogia Histórico-Crítica como referencial teórico e metodológico, então, essa preocupação dos conteúdos é bastante coerente com o referencial que expressam. Já vimos aqui neste artigo que para essa teoria da educação, o papel da escola é a socialização do saber histórica e coletivamente produzido pela humanidade (SAVIANI, 2005). O que é então este saber senão o conjunto de conhecimentos produzidos através dos tempos sistematizados na educação escolar como conteúdos curriculares? Neste sentido, pode parecer que essa teoria da educação é “conteudista” nos mesmos moldes da tão criticada educação tradicional. Mas, podemos identificar nos estudos que existem entre elas enormes diferenças. Enquanto a educação tradicional tem pressupostos filosóficos políticos que a caracterizam como uma abordagem de ensino que busca reproduzir as relações sociais estabelecidas pelas sociedades organizadas sob o modo capitalista de produção, a Pedagogia Histórico-Crítica tem pressupostos opostos. A Pedagogia Histórico-Crítica é uma teoria de educação socialista que toma o conceito de práxis como orientador da prática pedagógica: a unidade entre teoria e prática para a transformação social. Sobre isso, vejamos o que diz Junqueira (2014, p. 131-132): Uma pedagogia inspirada no método materialista histórico dialético como a Pedagogia Histórico-Crítica permite-nos compreender que a sociedade em que está inserida a escola é marcada pelo antagonismo de classes inerente ao sistema capitalista, e onde a marginalização, a opressão e a exclusão de parcela da sociedade sempre será necessário para sua manutenção, compreensão essencial para pensarmos a inserção da EA na escola numa perspectiva crítica. E ainda mais, a pedagogia histórico-crítica se posiciona radicalmente como um instrumento de luta essencialmente pela superação da ideologia dominante na escola capitalista. Mesmo sabendo ser grande o desafio da inserção da EA crítica desta natureza na escola de educação básica no Brasil, sabemos que a realidade é histórica e dialética, e que em seu movimento e contradições gera espaços para luta e transformações. Isso significa que os conteúdos escolares, o saber elaborado pela cultura, definido por Saviani (2005) como o conjunto de conhecimentos, ideias, conceitos, valores, símbolos, atitudes e habilidades, sistematizados, tem papel central nesta teoria da educação. Então, o processo de instrumentalização dos educandos para uma prática social transformadora é a apropriação destes conteúdos que emergem dos currículos escolares. Encontramos em Saviani (2005, p. 55), mais argumentos para defender a centralidade dos conteúdos numa perspectiva crítica e transformadora: Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar sua dominação. Eu costumo, às vezes, enunciar 7 isso da seguinte forma: o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação. Essa discussão sobre os conteúdos escolares nos remete ao conceito de mediação no papel do professor. Para a Pedagogia Histórico Crítica esta também é uma questão fundamental. Se, por um lado é importante que os educandos se apropriem, na escola, dos conteúdos culturais necessários à compreensão crítica da vida – em todas as suas dimensões, inclusive a socioambiental – por outro é importante que o professor exerça um papel de mediador nesse processo de apropriação crítica. Isso significa dizer que o professor tem o papel de transmissão – no sentido de garantir a apropriação crítica por parte dos educandos – dos saberes elaborados pela cultura. Sobre mediação Saviani (1997, p. 120), escreve: Um processo que se caracteriza por uma atividade mediadora no seio da prática social global. Tem-se, pois, como premissa básica que a educação está sempre referida a uma sociedade concreta, historicamente situada. [...] A fim de determinar o tipo de ação exercida pela educação sobre diferentes setores da sociedade, bem como o tipo de ação que sofre das demais forças sociais é preciso, para cada sociedade, examinar as manifestações fundamentais e derivadas, as contradições principais e secundárias. Assim, diferentemente de outras teorias da educação como a tradicional, escolanovista, tecnicista, construtivista, e outras, a Pedagogia Histórico-Crítica não abre mão, na educação escolarizada, da sua especificidade: a de garantir aos educandos – pela função mediadora da escola e do professor – o acesso aos bens culturais, aos saberes elaborados historicamente na e pela sociedade contraditória onde vivem e se desenvolvem. Passemos agora a examinar o terceiro tema tratado nas teses e dissertações analisadas: as políticas públicas de EA. Elas foram analisadas em dois estudos aqui referidos: a Lei da “Política Nacional de EA” (PNEA) no nível federal, a “Agenda 21 Escolar” também no nível federal e estadual. No primeiro estudo (JANKE, 2012), temos uma minuciosa análise do processo de tramitação e do conteúdo da PNEA. Nesse sentido, é discutido que a ação política, a partir da instrumentalização dos gestores públicos pela PNEA, precisa avançar no estabelecimento de políticas públicas. As análises realizadas nos permitem afirmar que a lei da PNEA não pode ser compreendida fora do contexto histórico, econômico, social, político e cultural no qual ela foi gestada. Toda a complexa trama de sua tramitação, votação e aprovação nos remete a um movimento contraditório, marcado por disputas políticas. As forças hegemônicas neoliberais que avançavam na organização da sociedade brasileira nos anos noventa atingiram o campo das políticas plúbicas da educação, e, no caso aqui examinado, das ainda tímidas iniciativas de tematizar o ambiente e seus problemas. Mas, as posições críticas e contra hegemônicas, mesmo assim, penetraram nos movimentos sociais pela educação e pelo ambiente e se fizeram presentes de forma bastante evidente no Fórum das ONGs que produziu o Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, paralelamente à Rio-92. Esse documento histórico para a EA crítica, teve grande influência na formulação do texto da PNEA. Neste sentido, Janke (2012), destaca tanto os fortes sinais da abordagem reprodutora da educação e da sociedade na PNEA quanto os de abordagem mais crítica 8 e transformadora. Essa análise considera que a PNEA trata o ambiente de forma mais ampla e complexa e, por outro lado, mantém princípios do atual padrão civilizatório que, segundo entendemos, estão na origem dos problemas ambientais: [...] ainda persistem elementos de manutenção, uma vez que a educação continua a ser discutida de forma polissêmica, tanto numa perspectiva transformadora, como numa perspectiva capitalista de adaptação, de ajuste, de educação para o trabalho. Essa polissemia reforça e institui, como dito anteriormente, a educação (ambiental) como palco de disputa (JANKE, 2012, p. 158). Tendo como referência a PNEA, o Programa Nacional de EA (ProNEA), foi lançado em 1994 e reformulado em 2004 com base na PNEA e no Tratado, e compreende a EA articulada aos aspectos sociais. Superando as tendências biologizantes, neutras, disciplinatórias e racionalistas de EA, parecem situar-se no âmbito da EA crítica. Porém, quando os princípios orientadores do ProNEA (BRASIL, 2005) são analisados mais detidamente, configuram-se, segundo entendemos, num conjunto desarticulado de princípios expressando as disputas e contradições na fundamentação de políticas públicas para a EA próprias de uma sociedade organizada sob o modo capitalista de produção. Sobre a Agenda 21 escolar, analisando sua implantação no estado de São Paulo através dos documentos Formando COM-VIDA: construindo a Agenda 21 na Escola (MEC/MMA) e Água Hoje e Sempre: consumo sustentável (SEE/SP), Cruz (2014) considera que a inserção da EA na escola pública não pode se dar de maneira diferente que a sua inserção no currículo. Embora quase em todas as escolas – mais de 90% - os entrevistados tenham afirmado que implantaram a Agenda 21 Escolar, o aprofundamento nas análises permitiu perceber muitas fragilidades, entre elas destaca-se o fato de que ela não foi incluída no Projeto Político Pedagógico das escolas (PPP). Isso significa que, Sem a inserção da EA nos PPPs, ou seja, sem fazer parte do currículo, a implantação da Agenda 21 Escolar nas escolas da DERO, concluo, para grande parte daquelas escolas, dos professores envolvidos no processo, foi compreendida como um “apanhado” de projetos pontuais, isto é, como uma reunião de ações educativas ambientais pontuais, cujos temas se relacionam (CRUZ, 2014, p.155). Além desse aspecto, as análises orientadas pelo Materialismo HistóricoDialético e pela Pedagogia Histórico-Crítica indicam que as políticas públicas de EA – e de currículo escolar – numa sociedade contraditória, de classes, reproduzem a regulação autoritária que caracteriza as políticas públicas, mas podem ser enfrentadas pela regulação dialética, democrática, de mediação dos conflitos sociais. Assim, conclui, em concordância com as análises da PNEA aqui apresentadas, que [...] as contradições presentes na proposta da Agenda 21 Escolar, como parte das políticas públicas de EA para a educação básica, impediram que o processo educativo ambiental se concretizasse porque as escolas, e principalmente os professores, não foram convocados para arbitrarem sobre o seu fazer educativo (CRUZ, 2014, p. 159). 9 Lembremos que, dos estudos analisados, 08 deles tratam da formação de professores e contribuem para um diagnóstico da formação e atuação dos professores como educadores ambientais nas escolas públicas de educação básica no Brasil. De certa forma, é possível identificar o contexto institucional, político e teórico pedagógico predominante e a ser superado para a inserção da EA na escola. Sobre as condições de formação dos professores de nível técnico para a atuação com temas de EA em cursos técnicos que tem a temática ambiental como eixo organizativo, por exemplo, está intimamente relacionada com a ideologia da reprodução social do modo capitalista de produção, cujo principal objetivo é a formação de mão de obra através da perspectiva pedagógica de construção de habilidades e competências. No estudo que trata deste tema, este modelo de educação profissional que prioriza as relações de mercado, discute a formação do individuo voltada diretamente para o mercado de trabalho como formação alienada. Os dados desta pesquisa apontam que muitos professores deixam de procurar atividades de formação continuada, ou até desistem por falta de tempo, devido ao esgotamento físico e mental provocados por diversos fatores oriundos do trabalho com a escola pública (GONÇALVES, 2013). Já em outro estudo, focando as séries iniciais do ensino fundamental as condições de formação e atuação dos professores foram identificadas como principais dificuldades de inserção da EA. Nas análises, considerou a participação dos professores e da comunidade como extremamente importante, não somente no desenvolvimento de tarefas, mas principalmente na tomada de decisão na e sobre a escola para enfrentar as relações hierárquicas autoritárias. As condições precárias de trabalho dos professores, que vão do aviltamento salarial até a perda de autonomia didático pedagógica, contribuem enormemente para as condições profissionais desfavoráveis à melhoria da qualidade do ensino. Essas condições foram discutidas no estudo analisado neste artigo como componentes de um processo de “proletarização do trabalho docente”. O estudo concluiu, assim, que as formas organizativas das escolas observadas não favorecem a participação como também não valoriza – nem cria condições objetivas – para estudos importantes e necessários as práticas pedagógicas de maior qualidade, com destaque para a perspectiva transformadora. Se considerarmos o espaço do ATPC como uma oportunidade de trabalho coletivo e participativo, por exemplo, as observações do estudo demonstram sua desvalorização na discussão e enfrentamento da realidade escolar (AGUDO, 2013). Neste mesmo nível de ensino, e reforçando o cenário delineado, Santos (2007) analisou a visão de professores da 4 série (atual 5º ano) envolvidos no projeto “Aprendendo com a Natureza” do Estado de São Paulo. Os resultados destacam as necessidades e dificuldades na visão dos professores para se trabalhar as atividades do material didático da referida politica pública. Frente ao diagnóstico, foi proposta uma intervenção formativa para subsidiar os professores focando nos conteúdos curriculares. Dentre as principais dificuldades explicitadas estão: colocar em prática o conteúdo e a forma das atividades presentes no material, o pouco suporte da Secretaria de Educação proponente do projeto, falta de diálogo e planejamento entre os professores da própria escola pela falta de tempo e espaço institucional adequado, falta de material didático e falta de conhecimentos específicos. O estudo sobre formação de professores para a inserção da EA na escola de educação básica que foi realizado no nível fundamental – séries avançadas - e ensino médio, coletou dados num curso de formação continuada ministrado pela pesquisadora, 10 com o objetivo de problematizar a EA crítica e o currículo oficial – implantado pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo em 2008. A análise dos dados mostrou que o processo de formação dos professores para a implantação desse currículo configuraram-se como intervenções de controle do Estado na formação dos professores e nas práticas escolares, não favorecendo a superação de suas limitações, pois foram intervenções dirigidas para garantir a reprodução mecânica dos conteúdos. Assim, é coerente encontrarmos articulações entre as concepções e práticas dos professores com relação à EA com o currículo oficial implantado. Destaca-se ainda que, embora existam conflitos e negação por parte dos professores do que é prescrito pelo Estado, há na escola o reforço à ele e, consequentemente, à predominância às abordagens não críticas de EA. Além disso, o estudo observou que muitos professores demonstram interesse em avançar em suas concepções e práticas, mas indicam não dispor dos elementos necessários para tanto. Nas observações na escola, o estudo observou que as práticas educativas predominantes favorecem a reprodução das relações de submissão e poder. (SOUZA, 2014). Num outro estudo em que também emerge como tema central a formação e atuação dos professores do ensino fundamental municipal e estadual, a análise dos dados evidenciam a prática pedagógica em EA fragilizada relaciona-se diretamente com as condições de sua formação, que, em geral ocorre em cursos de graduação de baixa qualidade acadêmica e científica, além da ausência de processos de formação permanente em EA em abordagem crítica. A falta de materiais didáticos e informativos concernente à temática ambiental também foi indicado pelos professores como dificuldades encontradas. Nesse sentido destaca-se também o fato de que as propostas de ação pedagógica sobre a temática ambiental são dirigidas – ou determinadas - pela Secretaria Municipal de Educação ou Diretoria de Ensino, demonstrando, mais uma vez, a falta de autonomia didático pedagógica dos professores. As discussões aqui também apontaram para a organização escolar hierárquica e autoritária e o “processo de proletarização docente” como fatores que prejudicam, ou praticamente inviabilizam, o desenvolvimento de ações educativas mais consistentes e coerentes para a inserção da EA nessas escolas (FIGUEIREDO, 2014). Esse processo de proletarização do trabalho docente onde a questão da autonomia profissional tem que ser compreendida também foi sentido num estudo que investiu na formação de um grupo de professores para um processo de reflexão-açãoreflexão sobre suas práticas e, a partir daí, construir coletivamente um projeto de EA na perspectiva sócio-histórica. Orientando-se pela metodologia da pesquisa-ação e atuando em uma escola estadual junto a professores do ensino fundamental, o estudo organizou um conjunto de estratégias que permitiu identificar os problemas socioambientais presentes no cotidiano da instituição. Essas atividades culminaram com a elaboração da agenda 21 na escola e as ações expandiram para a comunidade no entorno (MAIA, 2011). Um estudo original sobre a formação de professores descreveu e analisou o processo de formação do próprio pesquisador como professor fundamentado no materialismo histórico dialético e a pedagogia histórico crítico. A maior discussão é a superação das teorias de formação do professor técnico e, mais ainda, do professor reflexivo. Sobre este último, o autor aponta para a necessidade de formação do professor como intelectual crítico de Giroux (1997) para o desenvolvimento de uma prática pedagógica orientada pela práxis (TEIXEIRA, 2013). 11 E, por último, o estudo que investiu na análise das potencialidades da relação entre a Educação Matemática e a Educação Ambiental, os participantes - professoras de matemática e alunos - formaram um grupo de trabalho e elaboraram o projeto “Depredação do Patrimônio Escolar”, desenvolvido em 2005. Neste trabalho com relação as professoras participantes se reconheceu que as mesmas praticamente não perceberam a possibilidade de contextualizar a matemática com questões socioambientais. Isso pode ser uma consequência das respectivas formações, como também das experiências na realidade concreta destas. Outro ponto que pode ser ressaltado é que estas professoras em uma segunda etapa do projeto em que deveriam trabalhar sem uma coordenação (serem mais autônomas) não desenvolveram o que foi acordado. Isso pode ser reflexo da própria concepção de educação ambiental das participantes, associada às respectivas formações profissionais, as quais se desdobram na ausência tanto na formação como no seu contexto de trabalho de experiências com projetos envolvendo a Educação Ambiental (MUNHOZ, 2008). Portanto, os estudos sobre a formação dos professores para a inserção da EA nas escolas de educação básica tem em comum, segundo nossas análises orientadas pelo Materialismo Histórico-Dialético, a falta de autonomia que resulta num processo de proletarização docente, onde alguns conceitos são fundamentais, mas com destaque para o conceito filosófico de trabalho – e sua exploração nas sociedades sob o modo capitalista de produção. Assim, o processo de proletarização e de alienação, assim como o conflito entre as classes sociais, tem que ser compreendidos dentro da exploração do trabalho que caracteriza a sociedade sob o modo capitalista de produção. Ao propor a autonomia como um processo de emancipação, Contreras (2012) se remete a um professor capaz de se localizar no contexto de sua atividade profissional, não só àquele limitado à sala de aula, mas em um âmbito social mais amplo. Isto é, uma formação e atuação analítica, que os tornem capazes de localizar a função real do ensino e se comprometam com ela; que analisem a sua prática, seus pensamentos e valores, mas também realizem crítica às demandas educativas da comunidade. Esta prática é encaminhada no sentido de direcionar um ensino cujos valores educativos e sociais contemplem uma visão política da escola, um compromisso com a construção de uma sociedade democrática, igualitária e participativa. O professor autônomo, no sentido que o autor defende, compartilha e constroi um projeto social e educativo com valores democráticos e igualitários: Defender, nesse caso, a autonomia dos professores é defender um programa político para a sociedade e um compromisso social com a profissão. E apenas sob este programa, isto é, em benefício de uma democratização maior da sociedade, de suas estruturas e das novas gerações, de suas experiências e aprendizagens escolares, pode-se sustentar uma concepção de autonomia que possa em algum momento opor-se ou resistir às demandas da sociedade. (CONTRERAS, 2012, p.224) As demandas da sociedade – em um projeto democrático e igualitário - precisam ser compreendidas pelos professores, assim como precisam ser compreendidos os interesses dos alunos com seus determinantes sociais e históricos. Com uma prática autônoma, o professor poderá superar a noção de ensino restrito à socialização dos alunos rumo à reprodução social, uma que vez que estabelecerá um compromisso com valores educativos cujas finalidades são críticas. Esta noção de autonomia considera 12 uma relação democrática entre a sociedade e a escola, considerando a autonomia profissional docente vinculada a uma autonomia social (CONTRERAS, 2012). Dessa forma pensando na construção da autonomia docente, concordamos que [...] a autonomia não pode se colocar como um problema exclusivo de um juízo próprio criado em um contexto de diálogo em sala de aula, ou de negociação com a comunidade. Enquanto significado de um processo de busca e construção permanente, caso se queira ultrapassar o sentido limitado da autonomia virtual, é necessário que esta contínua busca esteja alimentada pela análise da própria prática, das razões que sustentam as decisões e dos contextos que as limitam ou condicionam. [...] Uma autonomia madura requer um processo de reflexão crítica no qual as práticas, valores e instituições sejam problematizados. (CONTRERAS, 2012, p. 221-222). É neste sentido que a autonomia precisa se constituir no processo de construção da identidade dos professores, mas, para tanto, os processos formativos necessitam ser direcionados a atingi-la, visto que este processo de análise da prática pedagógica inserida num contexto histórico e social exige conhecimentos, que no nosso entendimento se expressam no que Saviani (2011) reconhece enquanto constituintes da competência profissional e de um compromisso político claro do professor. Dessa forma, é preciso considerar a mediação existente entre a competência técnica e um compromisso político do professor (SAVIANI, 2011). Esta competência técnica abrange um domínio teórico e prático das diferentes dimensões do trabalho educativo, superando a concepção da neutralidade da escola, desempenhando um papel político no processo de viabilização - ou não - da apropriação dos conhecimentos. A competência técnica, portanto, é eminentemente política, independente de o professor ter consciência desta implicação ou não (SAVIANI, 2011). Este caráter político da competência técnica é, para esse autor, um dos motivos pelos quais se esvaziou a competência técnica dos professores no Brasil hoje, que passam a ser incapazes de transmitir o saber escolar para as camadas dominadas, sendo este um mecanismo para garantir a manutenção da atual organização Ao realizar a análise da relação entre competência técnica e compromisso político Saviani (2011) conclui que ambas as categorias são integradas, entendendo a competência técnica como mediação para o compromisso político, ou seja, “é também (não somente) por seu intermédio que se realiza o compromisso político” (p.31). Isso nos leva a pensar numa outra formação para esses professores, concebida na literatura sobre o tema como a do professor como “intelectual crítico”. Nessa perspectiva, os professores tomam sua própria prática como objeto de reflexão crítica e dialética, desenvolvendo e ampliando a autonomia de ação pedagógica por meio da apropriação, por eles, de um método que lhe possibilite interpretar a realidade para além da forma prático-utilitária e das formas hegemônicas de se conceber o trabalho educativo (TEIXEIRA, 2013). Considerações finais Podemos dizer que os estudos analisados produziram conhecimentos para o desenvolvimento de propostas metodológicas que buscam a inserção da EA na escola pública e a formação do educador ambiental, destacando-se a necessidade do enfrentamento do processo de proletarização do trabalho docente para colocá-lo como sujeito do conhecimento, processo que se dá pela práxis. Ou seja, pela apropriação de um método que crie condições objetivas de refletir teoricamente sobre o sentido da 13 prática para reconstruir sua própria concepção de realidade socioambiental para a inserção da EA na escola pública. Além disso, é importante destacar que a escola pública de educação básica no Brasil hoje, para a qual queremos a inserção da EA, expressa a contradição que resulta de políticas públicas de educação básica sob a lógica neoliberal, explicitando como elas não têm conseguido garantir que a escola pública cumpra seu papel formador para a transformação desta sociedade injusta e desigual. Referências AGUDO, M. de M. “A maior flor do mundo” de José Saramago e a EA na escola. 2013. 201f. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru. 2013. BRASIL. ProNEA – Programa Nacional de Educação Ambiental. Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação, Coordenação Geral de Educação Ambiental. – 3 ed – Brasília: MMA, DF, 2005. CONTRERAS, J. A autonomia de professores. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2012. CRUZ, L. G. Políticas públicas de EA: um estudo sobre a agenda 21 escolar. 2014. 201f. 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