PANORAMA
Bioenergia
Amigos da onça?
Ignacy Sachs
Luiz Reis
Professor Emérito da Escola de Altos Estudos em
Ciências Sociais em Paris.
A
tribui-se a Voltaire a frase: “Deus, proteja-me
dos meus amigos. Dos meus inimigos cuido eu.”
Três Organizações Não-Governamentais
(ONGs) funcionando no Reino Unido, a
Royal Society for the Protection of Birds (RSPB), assim
como os Amigos da Terra e Greenpeace, uniram-se na publicação de um relatório intitulado Dirtier than Coal? Why Government plans to subsidise burning trees are bad news for the planet
(Mais sujo que o carvão? Por que os planos do governo de
susbsidiar a queima de árvores constitui uma má notícia para
o planeta) atacando os subsídios do governo britânico à produção em grande escala de energia a partir da madeira, lembrando que cada tonelada de lenha queimada numa usina de
energia elétrica vai soltar 1,8 tonelada de gás carbônico na
atmosfera.
Esta crítica só seria procedente na hipótese de que a lenha
a ser queimada proviesse da derrubada das florestas existentes, sem que se providenciasse o replantio imediato destas à
medida que estão sendo exploradas. Não é portanto de estranhar que a Associação da Energia Renovável Britânica
(REA)1 tenha criticado severamente o relatório das três
ONGs mencionadas acima, que no caso se comportaram
como os proverbiais amigos da onça. A REA advoga com
razão a volta ao aproveitamento da energia de biomassa, sempre que se respeite o princípio de replantio sistemático das
árvores abatidas.
O uso em base sustentável da bioenergia proveniente das
florestas é, portanto, condicionado pela manutenção e bom
manejo destas. Vale a pena lembrar ainda que o corte e a queima aproveitam as árvores mais velhas, que sequestram menos
carbono do que as novas mudas pelas quais serão substituídas. Ademais, a produção da bioenergia consegue aproveitar
aquelas partes da árvore que não têm outros usos produtivos
(galhos, etc.).
Dito isto, a experiência mostra como é difícil na prática
assegurar que cada árvore abatida seja, sistematicamente,
susbtituída pelo replantio de uma nova muda, evitando dessa
maneira que as florestas produtoras de recursos renováveis
se transformem em minas esgotáveis de lenha e futuramente
terrenos baldios e matagais.
Temos, portanto, fortes razões para privilegiar, simultaneamente, outras fontes de energia de biomassa que até
podem ser mais eficientes que a madeira.
Cientistas da Universidade de Califórnia, em San Diego2
acabam de publicar um estudo sobre a viabilidade da produção de biocombústiveis a partir de algas marinhas, tema da
maior importância para um país como o Brasil, dada a extensão do seu litoral marítimo, sem falar da possibilidade de agregar à produção de algas marinhas a de algas de água doce nas
bacias fluviais e nos lagos.
Os autores do estudo estimam em 10 milhões de acres a
superfície de solos nos Estados Unidos que não se prestam
mais à agricultura tradicional pelo excesso de salinidade,
porém poderiam ser destinados à produção das algas marinhas a serem utilizadas para a produção conjunta de combustíveis e de um aditivo proteínico à ração alimentar do gado. A
Universidade de Califórnia, em San Diego, está estudando o
assunto em colaboração com uma fazenda de algas marinhas
em Columbus no estado do Novo México.
Vale a pena mencionar ainda neste contexto a descoberta
por cientistas da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, da
surpreendente propriedade da microalga verde Chlamydomonas
reinhardtii, capaz de secretar enzimas que, na ausência de
outras fontes de carbono, “digerem” a celulose de outras plantas. Como bem diz o professor Olaf Kruse, chefe do projeto:
“O fato de as algas poderem digerir a celulose contradiz todos os manuais
existentes. Até um certo ponto, estamos vendo plantas comendo plantas.” 3
É provável que esta descoberta abra novos caminhos
para a produção de bioenergia mediante o fracionamento biológico da celulose com perspectivas de reutilização e valorização de vários resíduos da produção vegetal que hoje em dia
não estão sendo bem aproveitados.
Pelo visto, o Brasil está bem colocado na busca de novas
formas de aproveitamento energético em base sustentável
dos recursos renováveis das florestas, campos e das águas territoriais e marítimas.  
1 News from the REA –Back Biomass campaign, 13/11/2012.
2 Ver “Algae Biomass”, Organization Hails New UCSD.
3 Ver “Algae Biomass”, Organization Hails New UCSD Study
Showing Saltwater Algae Viable for Biofuels”, Algae Biomass
Organization, 26/11/2012, (http://www.algaebiomass.org/algaebiomass-organization-hails-new-ucsd-study-showing-saltwateralgae-viable-for-biofuels/).
RUMOS - 24 – Novembro/Dezembro 2012
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