UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS GIOVANA VILLA ALVARENGA DETETIVES DA MATA ATLÂNTICA: JOGO COMO PROPOSTA DIDÁTICA PARA SENSIBILIZAÇÃO DE ALUNOS SOBRE O TRÁFICO DE ANIMAIS EM UMA ESCOLA PARTICULAR DE SÃO PAULO. São Paulo 2014 2 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS GIOVANA VILLA ALVARENGA DETETIVES DA MATA ATLÂNTICA: JOGO COMO PROPOSTA DIDÁTICA PARA SENSIBILIZAÇÃO DE ALUNOS SOBRE O TRÁFICO DE ANIMAIS EM UMA ESCOLA PARTICULAR DE SÃO PAULO. Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências Biológicas, apresentado ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito para à obtenção do grau de Licenciado em Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. Adriano Monteiro de Castro São Paulo 2014 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço ao meu orientador Adriano Monteiro de Castro, por estar sempre disposto a me ajudar, por percorrer ao meu lado em todo esse processo e me tranquilizar em cada reunião de orientação. Os seus olhos brilham ao falar de educação. Ao meu pai, por ser meu amigo, por estar presente em todos os acontecimentos da minha vida, me apoiando e me ajudando a concretizar minhas ideias. À minha mãe, minha companheira e confidente que com seu jeito doce me acalmava nos momentos de estresse e nunca deixou de me incentivar. À minha irmã querida, que sempre está ao meu lado e que eu amo tanto. Aos meus amigos da faculdade: Ana Beatriz, Beatriz Murollo, Eduardo Dias, Jéssica Fleming, Inaiá Rodrigues, Larissa Orsolon e Renato Degan. Por todo apoio, pelas risadas, conselhos. Obrigada pela amizade sincera e quero levá-los comigo para sempre. À minha amiga, Tania Basso, por sempre me alegrar e pela ajuda com o Abstract. Ao meu amigo, Leonardo Giusti, por toda ajuda na impressão dos tabuleiros e das cartas. Obrigada pela contribuição, não sei o que seria do meu jogo sem você. Ao meu primo querido e amado, Caio Villa, pelos maravilhosos desenhos dos traficantes e animais. Obrigada! Ao meu companheiro, João Victor Matsui, por ouvir todos os meus problemas, minhas conquistas, me apoiando e dando forças para continuar. Obrigada por sempre estar ao meu lado. À instituição por conter um corpo docente excelente e me proporcionar momentos de muita aprendizagem. 4 Ao colégio Benjamin Constant, por abrir as portas e permitir a aplicação deste trabalho. Gratidão Paola Lupianhes e Ricardo Rosário por aceitarem o convite em participar da minha banca examinadora. É uma honra! E por fim agradeço aos meus queridos professores da Licenciatura, Magda Pechliye, Rosana Jordão e Adriano de Castro, meus mestres responsáveis pela minha formação, por despertarem em mim um amor pela educação, minha eterna admiração e um enorme prazer de conhecê-los e têlos como professores neste processo. 5 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo geral ampliar oportunidades na educação básica para a sensibilização e construção de conhecimentos sobre o tráfico de animais. Para tanto, analisamos a aplicabilidade de um jogo elaborado para tal finalidade, nomeado Detetives da Mata Atlântica, em sala de aula da educação básica de modo a definir orientações para utilizações futuras do jogo. Neste sentido, propusemos uma ação educativa de caráter extensionista, pautada em atividade lúdica e dialógica. Convidamos alunos de duas turmas do Fundamental II de uma escola particular do Município de São Paulo para a aplicação do jogo e participação em uma discussão de fechamento. Organizamos os resultados obtidos em forma de quadros para posterior análise, o que evidenciou que as etapas da atividade possuem potencial para a sensibilização sobre a temática e que o jogo possibilita uma atividade lúdica que desenvolve a criatividade. Além disso, sua aplicação também permitiu a detecção de que abordagens com mais ênfase no bem estar dos animais podem contribuir para reverter o fato percebido de que as maiores preocupações dos alunos voltam-se prioritariamente ilegalidade/legalidade quanto à manutenção de animais silvestres como pets. Palavras-chave: Jogo. Tráfico de animais silvestres. Ensino de ciências. . à 6 ABSTRACT This paper has a general objective to enhance awareness and knowledge in middle school about animal trafficking. Therefore it was analyzed the applicability of a game for this purpose called Detective of Atlantic Forest to be used in middle school classes, which, in such ways define guidelines for future use of games. In this sense it was proposed an extra curriculum activity, guided by a playful and conversational action. We invited middle school students from two classes from of a Private school in Sao Paulo to apply the game and participate in a closing discussion. Organizing the results obtained in charts to be analyzed later and what has been observed that the steps of the activity brought a potential awareness about the theme and that the game enables a playful activity which develops creativity. Furthermore its application allowed detecting a bigger emphasis approach on the well-being of animals which can contribute to reverse the facts that were noticed by the students which were mainly the illegality and legality actions in keeping wild animals as pets. Key Words: Game. Wild Animal Trafficking. Science Education. 7 LISTA DE QUADROS Quadro I – Aplicação do jogo na primeira turma..............................................27 Quadro II – Aplicação do jogo na segunda turma.............................................30 Quadro III – Concepções a partir da discussão................................................32 Quadro IV – Avaliação da atividade..................................................................35 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Cartas dos traficantes......................................................................19 Figura 2 – Cartas dos locais.............................................................................20 Figura 3 – Cartas dos animais..........................................................................21 Figura 4 – Cartas dos animais..........................................................................22 Figura 5 – Tabuleiro.........................................................................................23 Figura 6 – Bloco de anotações.........................................................................25 8 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................... 9 2. REFERENCIAL TEÓRICO:.................................................................... 10 2.1. O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM. .............................................. 10 2.2. O JOGO COMO PROPOSTA DIDÁTICA. ........................................................ 13 2.3. A TEMÁTICA TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES........................................... 15 3. MATERIAL E MÉTODOS....................................................................... 17 3.1. PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO JOGO ........................................................ 17 3.2. DESCRIÇÃO DAS REGRAS DO JOGO. ............................................................ 24 3.3. 4. APLICAÇÃO ........................................................................................... 25 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................. 26 4.1. CONTEXTO DE APLICAÇÃO ...................................................................... 26 4.2 REFLETINDO SOBRE O TEMA ....................................................................... 31 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 36 6. REFERÊNCIAS ...................................................................................... 37 9 1. INTRODUÇÃO A ideia de construir um jogo surgiu após um projeto feito na disciplina Metodologia do Trabalho Científico, no qual desenvolvi um tema para aplicação de atividades para crianças sobre o tráfico de animais. Para o presente trabalho de conclusão de curso eu me inspirei neste projeto realizado e elaborei um jogo para ser aplicado como atividade extensionista em escolas de ensino fundamental. O tráfico de animais silvestres, um problema ambiental e polêmico e a visão antropocêntrica das pessoas me incomoda muito, o que me motivou o desenvolvimento deste trabalho. O objetivo geral é ampliar oportunidades na educação básica para a sensibilização e construção de conhecimentos sobre este tema. Para tanto, meus objetivos específicos foram: elaborar um jogo de tabuleiro sobre o tema a partir da adaptação de um jogo comercial já consagrado, o Detetive, da indústria de brinquedos Estrela; avaliar a aplicabilidade do jogo em sala de aula da educação básica; e definir um conjunto de orientações para utilizações futuras do jogo. Para facilitar a leitura, o trabalho está organizado em cinco tópicos. O primeiro é este, com a introdução, em seguida o referencial teórico subdividido em três itens: processo de ensino e aprendizagem, jogo como proposta didática e o tráfico de animais. O terceiro tópico trata dos materiais e métodos, que mostra com detalhes o desenvolvimento deste trabalho. O quarto apresenta os resultados obtidos com a aplicação do jogo em forma de quadros, incluindo também a discussão que relaciona estes resultados com o referencial teórico. Por último, as considerações finais com conclusões e demandas futuras. 10 2. REFERENCIAL TEÓRICO: 2.1. O processo de ensino e aprendizagem. Há uma diferença entre epistemologia e pedagogia, a primeira é o estudo da origem do conhecimento e já a segunda é o modo como este conhecimento vai ser estudado. Sabemos que a relação entre sujeito e objeto do conhecimento define as oportunidades para a aprendizagem e, em suas diferentes interpretações, acabam por definir diferentes abordagens de ensino. Neste tópico, utilizaremos alguns autores para falar deste processo. Algumas epistemologias e pedagogias foram abordadas por Mizukami (1986), sendo divididas pela autora em cinco abordagens do processo de ensino: Tradicional, Comportamentalista, Humanista, Cognitivista e Sociocultural. Já no texto de Becker (1994) em três teorias: Pedagogia diretiva, Pedagogia não-diretiva e Pedagogia relacional. Enquanto em Pozo e Echevèrria (2001) são abordados três pressupostos sobre aprendizagem: Direta, Interpretativa e Construtiva. E além destas, Mauri (2006) divide em três as concepções da aprendizagem e do ensino mais habituais entre os professores: conhecer as respostas corretas, adquirir os conhecimentos relevantes e construção de conhecimentos. Na primeira concepção descrita por Mauri (2006), o papel dos professores é reforçar positivamente as respostas corretas e confirmar as erradas, identificando imediatamente o acerto ou o erro na resposta dos alunos e atribuindo-lhes um castigo ou um prêmio (notas, por exemplo). Podemos relacionar esta concepção com o Método Tradicional e Comportamentalista de Mizukami (1986). A abordagem tradicional na educação é caracterizada pela autora como transmissão de conhecimento e memorização por parte do aluno, quando o professor diz o conteúdo pronto e o aluno só escuta. Sendo uma arte centrada no professor, o foco está na aquisição de respostas adequadas. O método comportamentalista pode ser muito relacionado com a atribuição de um prêmio, sendo que neste método há a recompensa se o comportamento do aluno for o desejado pelo professor. 11 Na segunda concepção de Mauri (2006), os alunos são processadores de informação e os professores são capacitados informadores que oferecem aos alunos formas de obter o conhecimento (explicação, leitura, vídeos, visitas a museus etc.). Acreditam que o que ocorre nos pensamentos dos alunos é importante para o ensino, porém, o problema desta concepção é a cópia: os professores acreditam que a aprendizagem é reproduzir sem mudanças a informação recebida. Os professores se preocupam que a informação se fixe na memória dos alunos, pedindo que repitam exercícios já feitos até que consigam realizar com autonomia. Este processo de cópia não faz com que o aluno realmente aprenda, cópia de informação é uma memorização mecânica que pode ser esquecida. Comparando com a segunda abordagem de Pozo e Echevèrria (2001), a interpretativa, o resultado da aprendizagem vem da atividade pessoal do aluno mediante certos processos como: motivação, memória. Porém, a meta ou função da aprendizagem ainda é obter cópias mais exatas possíveis do conteúdo apresentado. Contrário às ideias apresentadas, Becker (1994) explica que, pela epistemologia inatista, o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética. A pedagogia não diretiva explicada por Becker (1994) é inatista, pois o aluno já traz o saber que ele necessita, precisando apenas trazê-lo à consciência. Com isso o professor é visto como um facilitador, um auxiliar, não interferindo muito nas decisões do aluno. Deve facilitar caso o aluno peça, acredita que o seu aluno consegue aprender por si mesmo. Muito semelhante a essa ideia temos a abordagem humanista retratada por Mizukami (1986), pela qual a educação está centrada no aluno e tem como finalidade liberar a sua autoaprendizagem, buscando autonomia. E, para isso, o professor é um facilitador quando o aluno quer, não existindo uma técnica para se facilitar. O professor cria seu próprio estilo de “facilitar” para que o seu aluno chegue ao seu objetivo. Voltando às concepções de Mauri (2006), na terceira, os alunos aprendem por um processo de construção pessoal. Longe de ser uma cópia, esta construção é a elaboração de uma representação pessoal do conteúdo de aprendizagem. O professor é um participante ativo desse processo, cujo foco 12 não é a matéria e sim a interação do aluno com objetos do conhecimento. O ensino é entendido como um conjunto de mediações no processo pessoal da construção do conhecimento e no próprio desenvolvimento. Podendo relacionar com as abordagens Cognitivista e Sociocultural de Mizukami (1986), descritas a seguir. Na abordagem cognitivista de Mizukami (1986), o conhecimento é considerado como uma construção contínua, o professor provoca e estimula o aluno a buscar novas estratégias para compreender a realidade. Provoca desequilíbrios, faz desafios, orienta e jamais oferece a resposta pronta para o aluno. Assim, o aluno elabora seu conhecimento. Na abordagem sociocultural de Mizukami (1986), o processo de ensino-aprendizagem é apresentado numa perspectiva interacionista de elaboração do conhecimento, mostra a importância de que o aluno tenha reflexão crítica, e para isso o professor questiona o aluno. Tem como um dos seus maiores representantes o educador brasileiro Paulo Freire, que acredita no ser humano como sujeito transformador da realidade na medida em que aumenta sua reflexão e consciência crítica. Complementando as abordagens descritas acima com Sollé e Coll (1999), o construtivismo não é algo que possa ser acompanhado como um livro de receitas, mas sim um referencial que possa ser analisado e se necessário discutido. Os referenciais teóricos apresentados servem como guia para as ações, mas não para determiná-las, pois deve ser levado em conta as particularidades de cada situação. Nesta concepção construtivista, o professor é um mediador entre o indivíduo e a sociedade, e a escola pode ser compreendida como um espaço que atende à diversidade, levando em conta a individualidade que proporciona o desenvolvimento mental, social, transformando o aluno em uma pessoa única, desenvolvendo uma dimensão socializadora, incluindo-o em um grupo e ajudando o acesso à cultura. Desta forma, aprender não é copiar, mas sim tornar-se capaz de formar uma interpretação pessoal sobre o conteúdo aprendido, o que ocorre por meio de conhecimentos prévios e experiências. Essa busca na individualidade do aluno é intensificada com aulas experimentais, isto é mostrado a partir de ideias de Gaspar (2009), descritas a seguir. 13 Gaspar (2009) acredita, a partir das ideias de Vygotsky, na importância da aula experimental, na qual se reforça a interação social, se permite o envolvimento e participação do aluno, gerando questionamentos e busca da resposta, tendo o professor como o parceiro mais capaz para a discussão sobre a atividade. Com isso, há a formação de uma nova estrutura cognitiva a partir de uma rica interação social. Muitos professores não mudam a forma de ensinar, trabalham em volta da aula teórica e deixam de lado uma prática. E o que impede muitas vezes essa mudança para o construtivismo por parte de alguns professores é uma barreira que, segundo Rosa (2007), surge porque o novo apresenta uma ameaça à ordem, ao estabelecido, ao já absorvido e acomodado. Por outro lado, a mudança vem da necessidade e do desejo; mudar em educação pressupõe incluir-se como pessoa, assumir os riscos da mudança para poder desfrutar do prazer de também aprender. Com base nas ideias apresentadas acima, percebemos que uma ação interacionista é fundamental para a formação de um indivíduo crítico e possibilita uma mediação na construção de conceitos, levando em conta os conhecimentos prévios dos alunos que são importantes nesse processo de aprendizagem. Assim, posta a ineficácia da abordagem tradicional, é preciso abandonar o hábito de reprodução. 2.2. O jogo como proposta didática. O jogo como proposta didática pode ser uma boa estratégia para trabalhar conceitos e alguns temas em sala de aula exatamente dentro de uma perspectiva interacionista, contribuindo para o processo de ensino e a aprendizagem. Nos próximos parágrafos, serão levantadas algumas teorias de alguns autores sobre o jogo. Segundo Kishimoto (2000), definir o jogo não é tarefa fácil, cada jogo tem a sua especificidade. Ele pode ser visto como o resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social, um sistema de regras a um objeto. O jogo assume a imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui, dependendo do lugar e da época, os jogos assumem significações distintas. 14 Antes o jogo era visto como coisa não séria e isso mudou, atualmente o jogo aparece como algo sério e destinado a educar a criança. Conceitualmente o jogo não é diferente da brincadeira, seja tratando do lúdico e como manifestação cultural. Em qualquer época, cultura ou classe social, os jogos e os brinquedos fazem parte da vida da criança, pois elas vivem num mundo de fantasia, onde realidade e faz-de-conta se confundem. O jogo dá a possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo, onde se apresenta justamente o lúdico e, ao contrário do que muitas pessoas podem admitir, é coisa muito séria e necessária, além de ser um direito (HUIZINGA, 1996). Portanto, o jogo antes de tudo é o lugar de construção de uma cultura lúdica. Existe realmente uma relação profunda entre jogo e cultura, jogo e produção de significações, mas no sentido de que o jogo produz a cultura que ele próprio requer para existir. É uma cultura rica, complexa e diversificada. Como qualquer atividade humana, o jogo, só se desenvolve e tem sentido no contexto das interações simbólicas, da cultura. (BROUGÈRE, 1998). Sendo assim, o jogo estimula o desenvolvimento intelectual, moral e social. Ao jogar há acordos em comum por todos aqueles que jogam em relação as regras, pode-se criar novas e/ou adaptá-las, contribuindo para a comunicação e o respeito (BROUGÈRE, 1998). Resumindo, quando alguém joga, está exercendo as regras do jogo e, ao mesmo tempo, desenvolvendo uma atividade lúdica (KISHIMOTO, 2000). Porém, é importante uma boa condução do professor para obter sucesso na aplicação do jogo, baseado na clareza de seus objetivos, da organização e capacidade de lidar com imprevistos em sala de aula. Outro fator é que a aplicação do jogo esteja coerente com as concepções de ensino e aprendizagem do professor (KISHIMOTO, 2000). Finalizando, o lúdico desempenha um papel fundamental no aprendizado e além dele há outros componentes do jogo como a competição e passatempo, entretanto, independentemente se são aspectos bons ou ruins, o 15 que deve ser visto no jogo são seus aspectos criadores, vendo no jogo a possibilidade do exercício da criatividade humana (HUIZINGA, 1996). É possível elaborar jogos de diferentes temas para aplicação em sala de aula e, para o presente trabalho, o tema escolhido foi o tráfico de animais silvestres, descrito no tópico a seguir. 2.3. A temática tráfico de animais silvestres. Atualmente, o comércio ilegal de animais silvestres vem crescendo e está se tornando um dos principais problemas ambientais e econômicos a ser resolvido no mundo (RENCTAS, 2001). No Brasil, esses animais são negociados em diversas feiras livres espalhadas pelo país, que mostram bastante organização no modo como atuam: circulam pela feira crianças e adolescentes, ainda acobertados pela menoridade penal, que anunciam, discretamente, o nome vulgar dos animais silvestres e seus respectivos valores; as crianças levam o interessado ao encontro do animal silvestre, que em geral está em galpões distante do local (CARRERA, s/d). Não há, juridicamente, um crime nas normas ambientais penais intitulado tráfico de animais. Na verdade, o tráfico é um conjunto de ações que, cada uma, por si só, constitui crime. Algumas ações que constitui o crime são maus tratos e o péssimo transporte para não atrair atenção dos agentes fiscalizadores. Este transporte pode ser interno, pelas rodovias brasileiras e pode ser internacional, pelos aeroportos (SÃO PAULO, 2006). A expressão “tráfico de animais” está associada ou ao transporte ou a manutenção em cativeiro, sendo ambas ilegais. Ilegais porque ou tais espécimes não têm origem legal ou o transporte não está autorizado, ou simplesmente porque, o que é mais comum, há as duas situações, tanto a origem como o transporte não estão autorizados pela autoridade competente (SÃO PAULO, 2006). As aves, pela beleza de suas cores e pelos seus cantos suaves e melodiosos são, sem dúvida, o grupo de animais mais procurados. Algumas aves chegam a valer verdadeiras fortunas. Este tipo de comércio já contribuiu 16 para a extinção de algumas de nossas espécies, um exemplo bem recente foi a ararinha-azul (PEREIRA; BRITO, 2005). Esta atividade está ligada a outros tipos de atividades ilegais, como as drogas, armas, álcool e pedras preciosas. Na América do Sul, os cartéis de drogas têm grande envolvimento com o comércio ilegal de animais silvestres, muitas vezes se utilizam da fauna para transportarem seus produtos. Frequentemente, são encontradas drogas dentro de animais vivos ou em suas peles (TOUEFIX, 1993; LE DUC, 1996 apud RENCTAS, 2001). E este comércio ilegal está associado a problemas culturais, de educação, pobreza, falta de opções econômicas, pelo desejo de lucro fácil e rápido, por status e satisfação pessoal de manter animais silvestres como de estimação (RENCTAS, 2001). Animal silvestre é diferente do animal doméstico, o segundo está acostumado a viver com o homem, já o primeiro foi tirado da natureza e reage de forma diferente na presença do ser humano podendo ter dificuldades no crescimento e na reprodução em cativeiro. Qualquer ser vivo necessita da natureza para sua sobrevivência, a partir dela temos de alimentos até remédios. Os seres vivos são essenciais na cadeia e qualquer alteração (extinção, se tornar raro) causa desequilíbrio em toda natureza. Mesmo tratando muito bem o animal silvestre em sua casa, não é uma ação de amor à natureza, pois as pessoas que possuem animais provenientes da natureza contribuem para uma série de problemas (RENCTAS, 2001). Os animais retirados da natureza perdem a habilidade de caçar seu alimento, de se defenderem de predadores ou de se protegerem de condições adversas. Além disso, um animal preso é privado do processo reprodutivo, ficando incapacitado de gerar descendentes, aumentando o risco de extinção de várias espécies (RIBEIRO; SILVA, 2007). O ideal no mundo seria evitar o dano ambiental, porém quando o dano ocorre além de adotar soluções com ações reativas (ações policiais, multas, processos) que não tem longo prazo, deveríamos adotar ações pró-ativas (educação) e estas teriam que ser o foco principal (SAITO, 2009). 17 As ações reativas seguem a legislação do artigo 29 (Lei 9605/98) que diz que quanto maior o nível de ameaça do espécime maior será a multa pecuniária a ser aplicada, variando de cinquenta reais a cinquenta milhões de reais, dependendo do ato há uma detenção de três meses a um ano. Quando são resgatados animais, há uma série de dificuldades, pois há pouco espaço em locais de recepção de animais para a reabilitação destes para serem reintroduzidos na natureza ou encaminhados para centros de conservação (SÃO PAULO, 2006). Segundo Vidolin et al. (2004), o valor ecológico que as espécies da fauna desempenham na estruturação e manutenção dos ecossistemas não é de consciência da grande parte da população e dos governantes. Seria importante a conscientização destes em relação às espécies da fauna, pois depende delas o equilíbrio biológico essencial para todas as formas de vida. 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Processo de elaboração do jogo O presente trabalho iniciou-se com o processo de elaboração do jogo Detetives da Mata Atlântica, para o desenvolvimento deste foram feitas algumas reuniões com o orientador, Adriano Monteiro de Castro, para que fossem implementadas modificações ao longo da criação do jogo. Na primeira reunião, apresentei a minha proposta referente ao tráfico de animais e a demanda foi pela decisão do tipo de jogo (cartas, tabuleiro, etc.) e para que faixa etária, de modo a configurar uma atividade de extensão universitária. Durante o mês de Julho, decidi que trabalharia com o Ensino Fundamental II e foram realizados levantamentos sobre espécies, desenhos de tabuleiros e cartas. O jogo Detetives da Mata Atlântica foi desenvolvido a partir da adaptação de um jogo comercial já consagrado, o Detetive, da indústria de brinquedos Estrela, no qual o objetivo é descobrir o suspeito, a arma e o local do crime. Adaptando para o tema tráfico de animais, decidi primeiramente por um tabuleiro com seis locais (Pet Shop, Feira Livre ou Feira de Rolo, 18 Aeroporto, Estrada, Mata atlântica e Floresta Amazônica) e com as seguintes cartas: cartas destes locais, cartas de alguns animais selecionados a partir de um estudo (Jararaca, Mico Leão Dourado, Papagaio Cara Roxa, Tartaruga Tigre d’água, Tucano) e cartas de compradores (Dona Maria, Joãozinho, Estilista Luiza etc.). Até então, o objetivo do jogo seria descobrir que animal foi traficado, em que local e quem foi o comprador. Portanto, na segunda reunião de orientação, foi discutido sobre o jogo pré-pronto e decidido focar ou na Mata Atlântica ou na Floresta Amazônica; diminuir os locais no tabuleiro (Feira Livre, Pet Shop, Aeroporto e Estrada), lembrando-se da importância em especificar que é uma Banca Ilegal na Feira Livre e um Pet Shop Ilegal; em relação aos animais foi optado escolher quatro animais traficados ou da Floresta Amazônica ou da Mata Atlântica e em cada carta do animal seria composta por um desenho do animal e informações deste e por último em vez de colocar compradores foi decidido colocar quatro traficantes. Finalizando esta reunião, foi pensado na quantidade de alunos por tabuleiro (três duplas) e que os jogadores seriam os “ambientalistas” com o objetivo de investigar quem é o traficante, que animal foi traficado e onde ele foi encontrado. A partir desta reunião escolhi a Mata Atlântica por estar mais próxima de nós e os animais selecionados foram: Mico Leão Dourado, Papagaio Cara Roxa, Caninana e Tiê Sangue. Primeiramente, ia ter ao todo 12 cartas, cada dupla ficaria com 3 cartas na mão e as 3 restantes seriam as “cartas confidenciais” (um animal, um traficante e o local) a serem descobertas. Porém, foi alterado para 15 cartas, continuando a ter 4 traficantes: Pescoço, Bigode, Mano e Tuca (Figura 1); 4 locais: Estrada, Aeroporto, Pet Shop Ilegal e Banca Ilegal na Feira Livre (Figura 2) e aumentando para 7 animais, com isso alteramos para quatro duplas (8 jogadores) por tabuleiro. Os outros três animais selecionados por último foram: Cágado de Hoge, Caranguejeira e Tucano de Bico Verde. 19 Figura. 1 – Cartas dos Traficantes. 20 Figura. 2 – Cartas dos Locais. Em relação aos animais, a ficha com alguns dados destes foi elaborada a partir de pesquisas, principalmente pelo site da ICMBIO1 (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Depois de feita esta pesquisa, mostrei a ficha para a Professora Paola, expliquei a minha proposta e ela sugeriu colocar os nomes científicos e o grau de ameaça de cada animal, foi utilizada a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (Figura 3 e 4). 1 Site do ICMBIO: http://www.icmbio.gov.br/portal/ 21 Figura. 3 – Cartas de animais 22 Figura. 4 – Cartas de Animais. 23 Após a concepção das ideias iniciais foi realizada a aplicação piloto junto a alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas para verificar quanto tempo de duração, e futuras demandas. Utilizamos um tabuleiro rascunho e cartas rascunho para jogar algumas partidas, a primeira partida acabou em menos de 10 minutos, já a segunda foi mais demorada, aproximadamente 20 minutos. Concluímos que seria possível realizar uma partida em uma aula de 45 minutos. Decidimos que o tabuleiro2 (Figura 5) deveria ser equidistante e pensamos em uma forma de finalizar o jogo: após a dupla acusar o traficante, o animal que ele traficou e em que local foi encontrado este animal, os 8 jogadores terão que criar em conjunto uma história para contar como aconteceu este crime ambiental, para após cada equipe socializar com toda a turma. Figura. 5 – Tabuleiro 2 As imagens utilizadas para a confecção do tabuleiro foram obtidas nas seguintes fontes: https://penseverde.wordpress.com/tag/mata-atlantica/; http://navnucleodeartesvisuais.blogspot.com.br/2010_07_01_archive.html; http://www.educolorir.com/paginas-para-colorir-pet-shop-i11589.html; http://coloriredivertido.blogspot.com.br/2010_03_18_archive.html 24 Os desenhos das cartas com as caricaturas para representar os traficantes e mais quatro animais foram confeccionados pelo Caio Villa. Os outros 3 animais restantes e o tabuleiro elaborado pelo Power Point foram produzidos por mim. Estes desenhos foram escaneados e trabalhados em um programa de Photoshop e impressos em papel fotográfico 150g/m² A4 e o tabuleiro em papel A3 pelo Leonardo Giusti. Foram impressos ao todo 4 tabuleiros, 16 cartas com os traficantes, 16 cartas com os locais e 28 cartas com os animais. Portanto 4 kits com 15 cartas e um tabuleiro. 3.2. Descrição das regras do jogo. 1 - Jogo para 4 duplas; 2 - Sorteie um animal entre os sete animais, um local entre os quatro locais e um traficante entre os quatro traficantes e coloque-os em um envelope; 3 - Embaralhe as 12 cartas restantes e distribua 3 cartas para cada dupla; 4 - Anote no bloco (Figura 6) as cartas que você recebeu; 5 - Decidam a regra para saber quem será a dupla que iniciará a partida e a partir disso é em sentido horário; 6 - Jogue o dado e ande o número de casas até chegar em um dos 4 locais; 4 - Ao entrar no local, diga para as outras duplas o local que vocês estão, acuse um traficante e escolha um possível animal traficado; 5 - A dupla que está ao lado direito se tiver algumas destas cartas, mostre somente uma para a dupla que fez as acusações; 6 - Caso esta dupla não tiver nenhuma destas cartas, a próxima dupla em sentido anti-horário se tiver, mostre; 7 - E assim por diante; 25 8 - Se a dupla estiver segura e quiser tentar adivinhar as cartas confidenciais guardadas no envelope, é preciso ter consciência que sairão do jogo caso a acusação esteja errada e a partida continuará. 9 - O jogo acaba quando alguma dupla acertar as cartas confidenciais contidas no envelope. Figura 6 – Bloco de anotações 3.3. Aplicação Este trabalho foi realizado com a participação de alunos de duas turmas do sexto ano do Ensino Fundamental II de uma Escola de Educação Básica da 26 rede privada do Município de São Paulo. Cada turma possui aproximadamente 32 alunos e estes foram convidados a experimentar, em contexto pedagógico, este jogo elaborado. A data para a aplicação e coleta de dados na escola foi de comum acordo com a professora de ciências responsável pelas turmas. Em uma terça feira foi aplicado o jogo em uma aula de 45 minutos para cada turma e depois de uma semana foi feita a discussão para o fechamento. Para a aplicação do jogo dividi a sala em quatro grupos com 8 jogadores; distribui os kits; as regras foram explicadas e ao decorrer da partida os alunos me chamavam para tirar duvidas. Ao final da partida a demanda foi que todos os jogadores em conjunto deveriam inventar uma história me explicando o que tinha acontecido com o animal traficado. Posteriormente, na discussão, as carteiras ficaram organizadas como de costume, enfileiradas e iniciou-se a reflexão do tema com a socialização das histórias e em seguida com perguntas desencadeadoras para a discussão. Para finalizar, os alunos disseram o que gostaram da atividade e o que mudariam. Os dados foram analisados com base na fundamentação teórica. Vale ressaltar que não foram analisadas falas dos alunos individualmente, mas sim do contexto do jogo em geral. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Contexto de aplicação A aplicação do jogo foi feita em duas turmas do 6º ano e obteve resultados diferentes. De acordo com anotações e observações feitas durante as partidas, foi elaborado um quadro para cada turma (Quadro I e II) com os principais eventos que posteriormente foram analisados. 27 Quadro I: Aplicação do jogo na primeira turma. EVENTOS DESCRIÇÃO Evento 1. Professora conversa com os alunos, durante 15 minutos, sobre reclamações de diversos professores referentes ao comportamento deles em sala de aula. Evento 2. Inicio a explicação do jogo e antes de termina-la, a professora sugere que os alunos já se dividam em grupos de 8. Evento 3. Dificuldade em manter a sala prestando atenção na continuação da explicação. Evento 4. Após a distribuição dos kits, explico novamente as regras para os grupos que estão com dificuldade em entendê-las. Evento 5. Durante a partida, os jogadores conversam nos grupos em um tom de voz alto. Muitos grupos me chamam ao mesmo tempo para explicar melhor as regras. Evento 6. Observo uma jogadora “roubando” ao mostrar as suas cartas de baixo da mesa para a dupla adversária. Evento 7. Observo que uma equipe criou as próprias regras mesmo após a minha explicação: quando uma dupla diz as 3 cartas que podem estar no envelope, todas as outras duplas adversárias dizem “Concordo” ou “Discordo”. Evento 8. Ao explicar para um grupo sobre a história que devem escrever contando o que aconteceu com o animal traficado, um jogador pergunta se vale nota. Evento 9. Concepção entre o grupo de que, no tráfico de animais, os animais são vendidos mortos. Evento 10. Um grupo debate sobre a concepção de tráfico de animais, até que um destes jogadores vem até mim e me pergunta se tráfico de animais é o nome que se dá as pessoas que fazem sexo com animais. Explico que não e ele me pergunta se é crime fazer sexo com os animais, eu respondo que sim da mesma forma que é crime o tráfico de animais. Evento 11. De quatro histórias, recebo somente uma. Peço para os grupos que não conseguiram fazer a história, me entregarem depois. No 28 dia seguinte, recebo mais uma história. Como descrito no Evento 1, esses 15 minutos iniciais fizeram falta para a atividade, apesar de todos os grupos conseguirem terminar a partida do jogo, somente um grupo me entregou a história, os outros grupos não fizeram por falta de tempo. A minha intenção era que a elaboração da história fosse em conjunto, entretanto três grupos disseram que me entregariam em outro dia, somente um grupo me entregou e os outros dois não fizeram (Evento 11). Mesmo que todos os grupos tivessem me entregado depois, eu jamais saberia se a criação da história foi realmente elaborada por todos ou somente por um integrante. Do Evento 2 ao Evento 4, descrevo a minha dificuldade em manter a sala prestando atenção nas explicações, acredito que montar os grupos antes das orientações sobre o jogo não foi a melhor ideia, pois eles ficaram agitados e ansiosos para iniciar a partida sendo difícil retomar a explicação. Talvez esta dificuldade para dizer as instruções para todos possibilitou que acontecesse o Evento 7, o que não é ruim. Pois, os jogadores entraram em um acordo comum em relação às regras. Segundo Brougère (1998) o jogo permite acordos em comum por todos aqueles que jogam, podem-se criar novas regaras e adaptá-las, contribuindo para a comunicação e o respeito. No Evento 5, eu descrevo o que eu senti no início da aplicação e percebo que faltou organização. Segundo Kishimoto (2000), ao aplicar um jogo a boa condução do professor é importante para obter sucesso, baseado na clareza de seus objetivos, da organização e capacidade de lidar com imprevistos em sala de aula. Acredito que para explicar as instruções e o objetivo do jogo é preciso de um planejamento para a aula não ficar desorganizada. Talvez, entregar aos alunos um roteiro com as regras possa ajudar. A aplicação do jogo permitiu que os alunos refletissem sobre o tema, além de conversarem sobre as regras do jogo, alguns grupos discutiram sobre a concepção de tráfico de animais, como descrevi no Evento 9 e 10. Essa 29 discussão inicial sobre o tema é de grande importância, pois a partir de conhecimentos prévios os alunos tentam explicar o assunto que está sendo trabalhado o que será essencial para a construção de um conhecimento. No Evento 6, é mencionado uma ação de uma aluna que “rouba” o jogo ao mostrar suas cartas por de baixo da mesa para a dupla adversária, foi um evento pontual. Os possíveis motivos são que não tinha um clima de competição ou por tédio, vontade que a atividade acabe logo. No Evento 8 percebemos o peso que a nota faz no processo de ensino e aprendizagem. No texto de Souza (2008), a autora expõe que o sistema de avaliação focado na nota, na maioria das vezes não incentiva o aluno a aprender. Infelizmente, os alunos agem pela nota, pela aprovação e não pelo aprender. Segundo, Hoffmann (2006) não dá para quantificar a aprendizagem, porque a aprendizagem é do individuo, porém é possível que o professor tenha uma noção da aprendizagem do seu aluno dependendo do instrumento avaliativo. Assim, o jogo e todo o conjunto de ações propostas poderiam se converter em um instrumento de avaliação sem a necessidade de uma nota. Quadro II: Aplicação do jogo na segunda turma. EVENTOS Evento 1. DESCRIÇÃO Logo ao entrar em sala de aula, a professora divide a sala em grupos de 8.Faço a explicação para cada grupo separadamente. Evento 2. Diferente da outra turma, nesta turma os jogadores conversam nos grupos em um tom de voz mais baixo. Evento 3. Dois grupos conseguiram jogar duas partidas. Evento 4. Um jogador pergunta o que é ilegal no “Pet Shop Ilegal”. Explico sobre a autorização do IBAMA. Evento 5. Em um grupo um jogador me chama e mostra que recebeu três cartas e as três cartas são dos locais (Pet Shop Ilegal, Aeroporto, Banca Ilegal na Feira Livre), isso significa que uma das cartas que está no envelope é a Estrada. Porém, ele me diz que uma dupla mostrou a Estrada para ele. Os jogadores 30 interrompem e conferem as cartas, o jogador se enganou. Evento 6. Em dois grupos, as duplas me chamam antes de fazer a acusação das cartas que estão no envelope, aviso que se estiver errado eles são eliminados da partida, é o que acontece e eu distribuo as cartas deles para as duplas adversárias. Evento 7. Um grupo me explica que fizeram um jogo para escrever a história. São 8 jogadoras, uma jogadora escreve uma frase, a próxima escreve outra frase sem saber a frase antiga e assim por diante. Evento 8. Das quatro histórias eu recebi três, no dia da discussão recebi mais duas do grupo que ficou faltando. Nesta turma, tive mais facilidade em explicar o objetivo e regras do jogo, como descrevo no evento 1 a 3. Não tive problemas com o tempo, pois a professora me ajudou a montar os grupos e eu expliquei para cada grupo separadamente. Entretanto, 45 minutos é um tempo limitado, somente um grupo não teve tempo de criar a história (Evento 8), já outros grupos jogaram duas partidas e ainda conseguiram elaborar a história. É possível perceber que a atividade foi menos conflituosa comparada com a outra turma, talvez a característica desta turma é que são mais obedientes em relação as regras. Exemplos dessa ligação que esta turma tem com as regras são descritos nos eventos 5 e 6. Em contrapartida com a primeira turma, esta fica mais comprometida com as regras impostas, nota-se a preocupação em segui-las corretamente. Entretanto, no jogo há a flexibilidade dos próprios alunos entrarem em acordos comuns referentes às regras, portanto, segundo Kishimoto (2000) quando alguém joga, além de exercer as regras do jogo desenvolve uma atividade lúdica. Uma ação lúdica e muito criativa é descrita no Evento 7, as jogadoras criam a história a partir de um jogo. Segundo Huizinga (1996), o que vale ressaltar nos jogos são os aspectos criadores com a possibilidade do exercício da criatividade humana. 31 O primeiro contato com o tema é o jogo e possibilitou que alguns alunos fizessem questionamentos sobre o assunto, no Evento 4 apresento um questionamento sobre a palavra “Ilegal”. Neste evento 4 e em dois eventos da outra turma (9 e 10), percebe-se que o jogo desencadeia nos alunos uma curiosidade referente ao tema. Segundo Freire (1996), é importante que os professores e os alunos se assumam epistemologicamente curiosos, ou seja, que tenham uma postura dialógica, aberta, curiosa, indagadora, e não passiva (enquanto um fala, o outro escuta). Em uma aula expositiva esta problematização não aconteceria, o Método Tradicional abordado por Mizukami (1986), é caracterizado como transmissão de conhecimento, quando o professor diz o conteúdo pronto e o aluno só escuta, portanto, neste método não seria possível surgir questionamentos. 4.2 Refletindo sobre o tema Foi feita uma discussão em cada turma para fechamento do tema, anteriormente houve um planejamento de um roteiro com perguntas chaves, as quais foram baseadas em questões trazidas nas histórias (Apêndice) feitas pelos alunos e também levantadas a partir dos principais aspectos considerados importantes que os jogadores deveriam compreender sobre o tráfico de animais. Por sugestão da professora, as turmas não foram organizadas na forma de roda. A reflexão iniciou-se com a socialização das histórias e após foram lançadas perguntas referente a este problema ambiental e a participação dos alunos permitiu o destaque de suas ideias sobre os temas cercados na discussão. (Quadro III). Quadro III – Temas cercados na discussão. TEMAS Concepções animais sobre IDEIA GERAL o tráfico de - Ato de pegar animais de algum habitat, transportar ilegalmente; e vender 32 - Transporte inadequado e ilegal pelas estradas e aeroportos; - Mercado negro; - Fora da lei; - Venda sem autorização do IBAMA - Com autorização do IBAMA não tem problema. - Animais que vivem na selva; Concepções sobre animais silvestres - Animais com hábitos diferentes dos animais domésticos. - Traficantes se importam somente Considerações sobre o ato de comprar com o dinheiro; - Mesmo tratando bem o animal, é um erro comprar, pois contribui com o tráfico; - Difícil porque estão acostumados a Considerações sobre a reintrodução viver em casa com o homem; - Não pode devolver o animal para qualquer lugar; - Centros de reabilitação: animais vivem como se estivessem em seus habitat, mesmo enjaulados; aprendem a caçar, reproduzir, voar no cativeiro antes de ser devolvido. Inicialmente, a formação de roda para uma discussão é mais interessante do que fazer com os alunos enfileirados, permite uma proximidade dos alunos com o professor e possibilita uma maior atenção por parte dos alunos. Nessa reflexão sobre o tema percebe-se que os alunos relacionam com as poucas palavras que tinham no jogo. Nas concepções sobre o tráfico de animais, no geral aparecem conceitos relacionados com os locais do tabuleiro, 33 ou seja, a estrada e o aeroporto remetem ao transporte, o pet shop e a feira livre à venda e a palavra “Ilegal” como algo proibido, fora da lei. Nas ideias gerais dos alunos em relação à concepção tráfico de animais silvestres não houve falas sobre o bem estar do animal, nem sobre que possam ser vítimas de maus tratos. Percebe-se que a maioria se preocupa mais com a lei do que com o próprio animal, pois surgiram muitas perguntas do tipo “Se eu tiver autorização do IBAMA não tem problema eu ter um macaco né?”. Mesmo eu dizendo para os alunos que o melhor para o animal é viver na natureza, surgiram novamente várias perguntas sobre a legalidade para possuir um animal silvestre. Segundo Guimarães (2005), a tendência ao individualismo gera uma dissolução de uma realidade conjunta e coletiva, para conviver desta maneira há a relação de dominância de um sobre o outro, quando este outro é a natureza pode manifestar uma crise ambiental. A vontade de ter um animal silvestre como de estimação é status, estética. Quanto à concepção de animal silvestre, os alunos mostraram que compreendem que há uma diferença de hábitos dos que vivem na natureza e dos que vivem com o ser humano. Além, dos hábitos como caça e proteção, dei um enfoque em relação à extinção, que quando estes animais são retirados da natureza ficam desprovidos de se reproduzir (RIBEIRO; SILVA, 2007), os alunos compreendem o que é a extinção, porém surgiram falas afirmando que a solução para o animal não extinguir seria possuir dois animais de sexos diferentes para ocorrer a reprodução. Portanto, novamente aparece a ideia antropocêntrica de possuir um animal silvestre sem se importar com o bem estar dele. As considerações sobre o ato de comprar me deixou satisfeita em partes, a ideia que o tráfico existe porque “tem quem compra” ficou clara e é extremamente importante esta noção de que este crime ambiental só terá fim quando não existir mais pessoas que comprem. Porém, a compra com a autorização do IBAMA foi muito enfatizada pelos alunos, segundo os quais assim não haveria nenhum problema. Quando questionei sobre a reintrodução, rapidamente falaram que não é uma tarefa fácil porque os animais estão acostumados a viver com o homem e que não podem ser devolvidos para qualquer região. Logo em seguida 34 perguntei sobre os centros de reabilitação, alguns souberam responder e expliquei que estes centros estão cheios e infelizmente muitos animais não conseguirão mais voltar para natureza e vão viver o resto de suas vidas em cativeiro (SÃO PAULO, 2006). Na discussão não questionei os alunos de que o comércio ilegal está associado a problemas culturais, de educação, pobreza, falta de opções econômicas, pelo desejo de lucro fácil e rápido, por status e satisfação pessoal de manter animais silvestres como de estimação (RENCTAS, 2001). Talvez, este é um ponto importante para ser discutido e refletido com os alunos. 4.3 Avaliação Finalizando a reflexão sobre o tema e o jogo, os alunos disseram o que gostaram e o que mudariam no contexto jogo e discussão (Quadro IV). Quadro IV: O QUE GOSTARAM? O QUE MUDARIAM? Criar histórias Menos jogadores por tabuleiro Cartas com informações dos animais Tabuleiro maior e em papel mais grosso Compreender que este problema ambiental existe Compreender que o tráfico ocorre em vários locais Refletir que estes animais estão susceptíveis há tanta crueldade Desenhos e criatividade Divertido Aprender a jogar Detetive Ao preparar as cartas dos animais me perguntei se realmente os alunos iriam ler as informações durante a partida, muitos alunos gostaram justamente disso. A maioria não sabia deste crime ambiental e nem da grandeza em que acontece. 35 O jogo dá a possibilidade de criar e, como aponta Huizinga (1996), o lúdico, ao contrário do que muitas pessoas podem admitir, é coisa séria e necessária. As etapas da atividade permitiram a aprendizagem e possibilitaram o desenvolvimento da criatividade, visto que muitos gostaram da possibilidade de criar uma história. Segundo Brougère (1998), o aprendizado assimilado com o jogo estimula o desenvolvimento intelectual, moral e social, tornando a prática mais dinâmica e prazerosa. Também despertou a curiosidade dos alunos possibilitando processos reflexivos e cognitivos, a curiosidade é fundamental para o saber, é ela que faz questionar, conhecer (FREIRE, 1996). Em relação às mudanças que eles sugeriram, realmente é melhor que o tabuleiro esteja impresso em um papel mais grosso e a quantidade de alunos por tabuleiro tem que ser repensado se é possível diminuir, devido ao tempo de aula. Finalizando, vale ressaltar que a proposta do presente trabalho teve uma perspectiva interacionista. Segundo, Mizukami (1986), na abordagem sociocultural o processo de ensino-aprendizagem é interacionista para a elaboração do conhecimento incentivando que o indivíduo seja um transformador da realidade através da sua própria reflexão e consciência crítica. O jogo propriamente dito permite uma interação entre os alunos e a criação de uma história logo após o jogo possibilitou que os alunos refletissem juntos sobre o problema do tráfico de animais e colocassem seus conhecimentos prévios no papel. A discussão teve como finalidade questionar os alunos sobre este problema ambiental para que juntos chegássemos a uma conclusão da gravidade deste crime à natureza. Na abordagem cognitivista de Mizukami (1986), o conhecimento é uma construção contínua, o professor provoca desequilíbrios, faz desafios, questiona e jamais oferece a resposta pronta para o aluno e isso é possível a partir de uma mediação com questionamentos. As etapas desta proposta (aplicação do jogo, criação da história e discussão) podem proporcionar aos alunos, a partir de reflexões ao longo de 36 toda a atividade, uma elaboração de conhecimento sobre o tráfico de animais silvestres. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O intuito deste trabalho foi avaliar a construção do jogo didático e sua aplicabilidade para auxiliar em aulas de Ciências, ampliando oportunidades para discussões sobre o tráfico de animais silvestre. Primeiramente, destacamos a importância de dedicação de tempo e esforços na elaboração de um jogo para abordar qualquer tema. A exigência de idas e vindas nas conversas com biólogos-professores e aplicação piloto com retomadas foram constantes de modo a melhor atender à correção conceitual e adequação pedagógica da proposta. Antes da análise do trabalho apresentado, já sabíamos da importância de uma discussão com os participantes sobre o jogo e o tema. Sem ela não faz sentido a aplicação deste jogo, pois somente o jogo não permitiria uma reflexão sobre este problema ambiental. Após a análise, percebemos que a criação da história depois do jogo é de extrema importância para identificar os conhecimentos sobre o tema e planejar a continuidade do exercício dialógico, que, no caso da aplicação relatada, correspondeu ao momento de discussão. Para futuras aplicações deste jogo é de extrema importância repensar no tempo, já que 45 minutos foi um tempo limitado. Além de jogar a partida, é necessário um tempo para elaboração da história em sala de aula, pois é valioso que esta elaboração seja a partir de uma discussão entre o grupo e evita que somente um aluno faça a história por todos. Outro assunto que entra na temática do tráfico é que além da compra para possuir um animal silvestre como de estimação, tem a exploração das partes do animal, ou seja, pele para roupas e calçados, venenos, empalhar, ovos, etc. E isto não foi abordado na etapa de reflexão e para futuras demandas é interessante ser levantado. 37 Por fim, acrescentaria também alguma atividade reflexiva sobre questões sociais e culturais do tráfico de animais. Provavelmente uma tarefa que mostre que muitos indivíduos utilizam o tráfico de animais para gerar renda para sua família e pediria para os alunos proporem soluções. E a questão antropocêntrica, do egoísmo, da satisfação pessoal em possuir um animal silvestre é outro assunto que precisa ser trabalhado com os alunos. Talvez pela dificuldade de abordagem dessas questões, a utilização de um discurso antropocêntrico para combater o tráfico seja a mais facilmente implementada, com alertas do tipo: que o macaco pode transmitir raiva, febre amarela para o homem; que o lagarto pode transmitir verminose e que o pássaro pode causar ornitose no homem. Entretanto, a busca por uma educação ambiental mais crítica deve significar a superação desse caminho mais fácil. 6. REFERÊNCIAS BECKER, F. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. In: BECKER, F. Educação e Realidade. Porto Alegre: Artmed, 1994. p. 89-96. BROUGÈRES, G. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. CARRERA, F. O Tráfico de animais silvestres: A legislação brasileira. Disponível em: <http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/TraficoAnimais02Legislacao.pdf> Acesso em: 15 ago. 2014. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 84 - 90. 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