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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
O questionamento da inconstitucionalidade da Lei
Maria da Penha.
CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA SOB A ÉGIDE DA CARTA
MAGNA DE 1988: ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº. 122/2006
Monografia apresentada à Banca examinadora
da Universidade Católica de Brasília como
exigência parcial para obtenção do grau de
bacharelado em Direito.
Orientador: Doutor Márcio José de Magalhães
Autora: Patrícia
Almeida. Mara Barbosa Chaves
Orientadora: Profª. MSc. Lauriana de Magalhães Silva
Brasília - DF
2010
PATRÍCIA MARA BARBOSA CHAVES
CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA SOB A ÉGIDE DA CARTA MAGNA DE
1988: ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº. 122/2006
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profª.
Magalhães Silva
Brasília
2010
MSc.
Lauriana
de
Ao meu Senhor Jesus que nunca me abandonou
durante essa árdua jornada.
Aos meus pais e irmão, fiéis escudeiros, sempre
pacientes e compreensivos ante minha ausência no
convívio familiar.
Ao meu amor, pelo companheirismo, lealdade e
paciência.
AGRADECIMENTO
À minha orientadora, professora Lauriana de Magalhães Silva, pelo compromisso,
pela dedicação e pela paciência durante a realização deste trabalho.
Aos colegas de curso, por terem trilhado por esse caminho comigo.
Aos meus professores, verdadeiros mestres.
Aos chefes e amigos Ivan Carlos e Márcio Simões, pela compreensão.
“Violência gera violência, os fracos julgam e
condenam, porém os fortes perdoam e
compreendem.”
Augusto Cury.
RESUMO
Referência: CHAVES, Patrícia Mara Barbosa. Criminalização da homofobia sob a égide da
Carta Magna de 1988: análise do Projeto de Lei nº. 122/2006. 2010. 115 p. Monografia de
Direito. Universidade Católica de Brasília, Taguatinga/Distrito Federal, 2010.
Monografia de conclusão do curso de Bacharelado em Direito sobre a criminalização da
homofobia face à Carta Magna de 1988, fazendo-se análise do Projeto de Lei nº. 122/2006.
Apresentação da inserção política e social alcançada pelo segmento homossexual no Brasil
em decorrência das liberdades sexuais conquistadas pelos movimentos feministas. Com o
advento da Constituição Federal de 1988, as lutas e conquistas feministas pelos direitos à
igualdade possibilitaram aos homossexuais sua afirmação perante a sociedade, de forma que
se sentiram confortáveis em assumir sua real condição, apesar de todos os preconceitos que
vivenciavam. O trabalho foi dividido em três capítulos discutindo o tema. No primeiro, foi
abordada a evolução dos direitos homossexuais desde a Revolução Sexual de 1960, passandose por importantes avanços sociais e decisões judiciais que contribuíram fortemente para a
conquista do reconhecimento de direitos ao segmento. No segundo capítulo, a evolução
normativa é delineada a partir da Constituição Federal de 1988, que possibilitou a diminuição
de preconceitos e corroborou com a inclusão da minoria homossexual no plano legislativo,
por meio da proposição de projetos de lei de proteção ao segmento. Por fim, tem-se a análise
do Projeto de Lei nº. 122/2006 com dispositivos constitucionais, verificando-se quais
conformações e colisões há entre essas normas e se os parâmetros normativos utilizados são
suficientes para resolver, em definitivo, a questão da discriminação. Tem-se, em conclusão,
que o projeto, embora intencione a diminuição ou o fim da violência homofóbica, não é
parâmetro normativo suficiente para por fim à situação da violência e marginalização sofrida
por homossexuais. Sem ações estatais com caráter educativo, que visem proporcionar
conhecimento à população, o projeto não tem o condão de resolver em definitivo tais
aspectos, se tornaria apenas mais uma lei do ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: movimento homossexual, preconceito, homofobia, Projeto de Lei nº.
122/2006.
ABSTRACT
Reference: CHAVES, Patrícia Mara Barbosa. Criminalization of homophobia under the
aegis of the Magna Carta of 1988: analysis of the Bill nº. 122/2006. 2010. 115 p.
Monograph of Law. Universidade Católica de Brasília, Taguatinga/Distrito Federal, 2010.
Monograph of completion of the course of Bachelor of Laws on the criminalization of
homophobia in the face of the 1988 Constitution, by making analysis of the Bill nº. 122/2006.
Presentation of the political and social integration achieved by homosexual segment in Brazil
as a result of sexual freedoms won by the feminist movement. With the advent of the 1988
Federal Constitution, the feminist struggles and victories to equal rights permitted for
homosexuals allowed his claim to the society, so they felt comfortable in taking their real
condition, despite all the prejudices they experienced. The work was divided into three
chapters discussing the topic. At first, dealt with the evolution of gay rights since the Sexual
Revolution of 1960, rising to important social developments and court decisions that have
significantly contributed greatly to the achievement of recognition of rights to the segment. In
the second chapter, the regulatory changes is outlined from the 1988 Federal Constitution,
which allowed the reduction of prejudice and confirmed with the inclusion of the homosexual
minority in the legislative, by proposing bills to protect the segment. Finally, there is the
analysis of the Bill nº. 122/2006 with constitutional, verifying which conformations and there
are collisions between these norms and the normative parameters used are sufficient to
address, ultimately, the issue of discrimination. There is, in conclusion, that the project,
although intends to decrease or end of homophobic violence, is not normative parameter
enough to end the situation of violence and marginalization suffered by homosexuals.
Without state action to be educational, aimed at providing knowledge to the population, the
project will not have the power to ultimately resolve these issues and become just another law
of the Brazilian legal.
Keywords: homosexual movement, prejudice, homophobia, Bill nº. 122/2006.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................9
1.
A REVOLUÇÃO SEXUAL E A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA .............................14
1.1. DECADAS DE 60 E 70 .....................................................................................24
1.2. DÉCADAS DE 80 E 90 .....................................................................................27
1.3. DECADA DE 2000 ............................................................................................30
2.
EVOLUÇÃO NORMATIVA DOS DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS NO
BRASIL ...................................................................................................................................40
2.1. SITUAÇÃO DA CF/88 ......................................................................................40
2.1.1. O projeto de lei nº. 1.151/95 e a união homoafetiva.......................................43
2.2. PRECONCEITOS ..............................................................................................46
2.2.1. Interpretação constitucional............................................................................52
3.
O PROJETO DE LEI 122/2006 FRENTE À CF/88...................................................60
3.1. LIMITAÇÃO DE DIREITOS POR PRECONCEITOS.....................................65
3.2. COLISÕES E CONFORMAÇÕES DO PLC Nº. 122/2006 VERSUS CF/88 ...70
3.3. EFETIVIDADE DOS PARÂMETROS NORMATIVOS .................................88
4.
CONCLUSÃO ...............................................................................................................96
5.
REFERÊNCIAS ............................................................................................................99
6.
ANEXO A – O PROJETO DE LEI Nº. 122/2006.....................................................109
9
INTRODUÇÃO
A abertura social relativa a termos sexuais iniciou-se com a revolução na estrutura da
sociedade patriarcal e foi sendo solidificada por movimentos homossexuais. Tais movimentos
iniciaram uma nova história a partir das conquistas feministas relativas às igualdades e às
liberdades sexuais. O que antes era proibido e difícil de assumir na sociedade começou a se
tornar uma realidade cada vez mais próxima.
Esses movimentos homossexuais engajaram lutas por reconhecimento de seus direitos,
com intuito de obter cidadania e, com o passar dos anos, conseguiram que a visão da
sociedade a seu respeito fosse sendo modificada, aos poucos, assim como ocorreu em relação
às mulheres.
Durante muitos anos, as mulheres viveram oprimidas pela sociedade conservadora,
que não as admitia como sujeitos de direitos, com capacidade para terem autonomia sobre
suas vidas e sobre seus corpos.
Longas décadas sob o mando da figura masculina, que era o senhor do lar e que
detinha todos os poderes sobre sua família, exercendo o papel de pater família, em que era o
provedor da casa, as mulheres apenas lhe deviam respeito e obediência.
Com o passar do tempo, diante das transformações sociais, as mulheres passaram a se
“rebelar” contra o modelo tradicional e o mesmo foi perdendo força, o homem da casa
deixava, aos poucos o papel principal no lar e, a mulher assumia uma posição cada vez de
maior de ascensão social.
Iniciava-se um ciclo de movimentos feministas que buscavam ter seus direitos
reconhecidos, direitos esses que propiciaram a abertura social para as mulheres no âmbito
político também, era o reconhecimento das mulheres em patamar de igualdade com os direitos
que os homens detinham.
Diante do contexto, essa modificação possibilitada pelos movimentos feministas,
propiciou o surgimento de outros segmentos, como os movimentos de contracultura, que eram
compostos, especialmente por jovens e hippies, os quais contestavam o modelo familiar
existente na época.
Conforme as mudanças iam ocorrendo, o poder familiar masculino se enfraquecia, a
voz de comando na família não era mais apenas do pai, este não mais detinha o poder sobre o
corpo de sua esposa, novos modelos de vida surgiam.
10
Nessa perspectiva, conforme ocorriam as mudanças e o reconhecimento de direitos de
igualdade, os movimentos homossexuais se afirmavam, passavam a lutar pelos seus direitos,
objetivando uma vida digna e respeitada por toda a sociedade, iniciando-se uma nova fase
social para essa minoria.
Surgiam assim, na esfera legislativa e política, inovações, entre as quais, cumpre
destacar, o Projeto de Lei nº. 5003/2001, que mais tarde se transformaria no atual Projeto de
Lei da Câmara nº. 122/2006, bem como o Programa do Governo Federal, chamado Brasil
Sem Homofobia.
Com o objetivo de minimizar ou, até mesmo, anular as estatísticas que apontam para o
crescimento de crimes direcionados aos homossexuais, tais inovações vieram para conceder
direitos de cidadania à minoria a que se destinam. Porém essas novas normas encontraram e
ainda encontram dificuldades para serem aceitas com naturalidade, diante da sociedade ainda
tímida quando se trata desse assunto.
Por motivos de preconceitos que ainda permeiam a sociedade, esta ainda subjuga os
homossexuais, muitas vezes, como não sendo dignos de reconhecimento jurídico.
Diante do histórico desse segmento, até os dias atuais, não houve normatização que
inspirasse o suficiente respeito ao grupo e, as legislações aplicáveis a heterossexuais, que
também o são aos homossexuais, têm gerado muitas controvérsias em alguns aspectos,
principalmente quando no trato de reconhecê-las como destinadas a esses também.
Assim, diante, muitas vezes da falibilidade da norma, por não acompanhar as
realidades com a mesma velocidade de suas modificações, o Poder Judiciário se posiciona
com legítimo e decisivo poder de regrar os conflitos, por meio da adoção de medidas que
promovam o bem-estar da minoria homossexual. A promoção desse bem-estar ocorre, muitas
vezes, por meio de julgados de grande relevância social e jurídica, reconhecendo que a norma
posta não acompanha a realidade pela qual a sociedade passa, mas que ainda assim não pode
deixar de ser moldada à época atual.
Portanto, em linhas gerais, este trabalho visou proporcionar ao leitor o conhecimento a
respeito da efetividade dos parâmetros normativos que têm sido utilizados, com o passar dos
anos, para conferir aos homossexuais, ao menos, a garantia de direitos que lhe estão postos,
mas que por falta de legislação adequada, muitas vezes, são suprimidos ou não reconhecidos.
Por meio da descrição da evolução de aplicações de direitos à minoria homossexual,
este estudo objetivou promover uma posição crítica acerca do atual Projeto de Lei nº.
122/2006 – que está em tramitação no Senado Federal – em face de direitos fundamentais
constitucionais.
11
O projeto também tem se tornado uma manifestação normativa para estabelecer os
parâmetros mínimos de respeito, de não discriminação a homossexuais, por meio de uma
força máxima que visa protegê-los, estabelecendo a criminalização de algumas condutas
consideradas violência homofóbica.
Especificando-se a abordagem do tema, esta pesquisa vislumbrou demonstrar como se
deram as modificações sociais e decisões judiciais que impulsionaram o movimento
homossexual a se fortalecer, a ponto de se sedimentar como uma força para o alcance de seus
direitos de cidadania, apesar de ser uma minoria.
Também quis trazer ao leitor uma reflexão, acerca dos aspectos constitucionais que
permeiam as disposições do Projeto de Lei nº. 122/2006, a fim de que a problemática –
quanto à aplicação de direitos a homossexuais e sua resolução, em definitivo por meio de
parâmetros legais e jurisprudenciais – seja compreendida.
Atualmente, quanto mais o Estado de Democrático de Direito se solidifica e se
reafirma, mais se percebe que segmentos da sociedade, tratados por “minorias”, tendem a se
organizar em prol de alcançar seus direitos e, muitas vezes exigem a aplicação de normas que,
inevitavelmente, vêm a colidir com direitos de outras categoriais ou, até mesmo, com direitos
de toda uma sociedade.
Assim, é importante que se discutam os vários aspectos relacionados à aplicação das
normas positivadas e de direitos previstos na Constituição Federal que são de relevância para
o segmento homossexual, mas que não são tão interessantes, em princípio, para os demais
membros da sociedade, buscando-se compreender quais são e como suas necessidades se
apresentam.
Este estudo tende a contribuir para uma melhor compreensão do mundo jurídico pelo
qual os homossexuais têm que enfrentar, bem como explanar o que se trata o Projeto de Lei
nº. 122/2006 e em que podem interferir.
Para a elaboração desta pesquisa, foi utilizada a proposta do tipo pesquisa
bibliográfica, de caráter exploratório, que visa aproximar mais o pesquisador do universo
pesquisado, com a finalidade de proporcionar maior familiaridade com o problema, a fim de
torná-lo mais claro.
No trabalho, o estudo foi desenvolvido mediante pesquisa jurisprudencial sobre o
reconhecimento de direitos aos homossexuais e sua aplicação, como também por meio de
outras pesquisas já desenvolvidas que abordaram temas gerais relacionados a direitos
homossexuais. Buscaram-se informações por meio de pesquisa bibliográfica, incluindo-se a
utilização de periódicos, para se verificar se as normas e soluções jurisprudenciais,
12
apresentadas nos últimos tempos, têm sido suficientes para guarnecer a minoria homossexual
e se tais parâmetros se mostram efetivos para resolver, em definitivo, a questão frente à
Constituição Federal e se guardam fundamento na literatura técnica respectiva.
Portanto, a preocupação maior foi de demonstrar o estudo da forma mais completa
possível, encarando a realidade da sociedade e da minoria homossexual, para melhor
apreendê-las e compreendê-las.
Ao final, avaliar-se-á se as posições da literatura técnica e da jurisprudência que
versam sobre direitos homossexuais, bem como das normas constitucionais e do Projeto de
Lei nº. 122/2006 são conflitantes entre si. Assim, também se analisará se já existe algum
posicionamento dominante ou tendente a sê-lo que estabeleça critérios para que os direitos se
apliquem com segurança jurídica, proporcionando a efetividade dos parâmetros, garantindo o
bem-estar de todos.
O presente estudo é dividido em três capítulos, no qual o primeiro relata como se deu a
Revolução Sexual da década de 60 e como foi a evolução para o segmento homossexual nas
décadas seguintes, em relação à aplicação e reconhecimento de seus direitos, principalmente
no que tange às decisões exaradas pelo Judiciário pátrio. Revela-se que apesar de não haver
legislação diferenciada para esta classe, já ocorriam mudanças na concepção social que antes
era machista e autoritária, possibilitando manifestações judiciais históricas, que se tornaram
referências para as conquistas dessa minoria.
O segundo capítulo elenca uma evolução normativa dos direitos dos homossexuais no
Brasil, relatando a transição da Constituição de 1967, que passou pela ditadura militar, à
Constituição Federal de 1988. A Carta Magna de 1988 abriu o ordenamento jurídico brasileiro
para avanço no reconhecimento da minoria homossexual como sujeito de direito e possibilitou
o exercício de sua cidadania. Entretanto, apesar da Revolução Sexual ter ocorrido com mais
veemência na década de 60, a Constituição anterior, que já havia passado por esse processo,
era obsoleta e não previa direitos a homossexuais, mas apenas o estabelecia o direito de
igualdade, timidamente.
Ainda no segundo capítulo, há a demonstração da evolução da produção legislativa
sob a égide da atual Constituição, que culminou na proposição de alguns projetos de lei, como
o PL nº. 1.151/95, que previa a regularização da união homoafetiva – por meio da Parceria
Civil Registrada –, como também o PL nº. 122/2006. Além dessa linha evolutiva, esse
capítulo demonstra o que é e como se dá a discriminação direcionada a homossexuais, fruto
de preconceitos, que pode render o que se chama de violência homofóbica. Aborda-se como
que a ausência de proteção ao segmento infringe seus direitos fundamentais, trazendo uma
13
interpretação constitucional sobre o tema, demonstrando que também são cidadãos que
recebem a mesma proteção constitucional que os heterossexuais e não podem ser
marginalizados por sua orientação sexual.
O último capítulo visou confrontar as propostas inseridas no PLC nº. 122/2006, que
trata da criminalização da homofobia, com os direitos fundamentais inseridos na Constituição
Federal, demonstrando ao final qual a efetividade dos parâmetros normativos que são
utilizados para assegurar direitos aos membros dos movimentos homossexuais.
14
1. A REVOLUÇÃO SEXUAL E A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA
A chamada “Revolução Sexual” teve início com os movimentos feministas1, que
envolviam diversas teorias e filosofias em prol de interesses desta classe, visando,
principalmente, a igualdade entre homens e mulheres. Tais movimentos se destacaram entre
os anos de 1945 e 1964.
Os movimentos feministas objetivavam minimizar a submissão das mulheres em
relação aos homens, membros da família com a dominação. Esse era o modelo familiar,
estrutura patriarcal, com dominação do homem sobre a mulher, como chefe do lar.
A confusão de papéis foi ficando cada vez mais evidente e, gradativamente, mulheres
foram conquistando espaços e saindo do jugo masculino. Essas alterações foram sendo
sentidas ao longo de muitos anos, refletindo-se no que se tinha como conceito de família. 2
A questão da sexualidade tornava-se cada vez mais comum, pois o modelo patriarcal
começava a entrar em declínio e via-se ameaçado pela ascensão feminina – principalmente na
questão sexual para além da procriação, para o deleite. 3
A virilidade masculina, à época prova maior de masculinidade, ficava exposta com
tantas erupções sociais; o chefe do lar foi perdendo o posto para uma representação
substancialmente feminina, aos poucos deixava de ser o único e suficiente provedor da casa e
da família:
o surgimento do preconceito e da discriminação se originou através do poder do
pater, que dava amplos poderes e honras ao ser masculino e desprezava a figura do
feminino, com respaldo religioso.4
Havia no Brasil uma ênfase na questão da liberdade reprodutiva, principalmente entre
as décadas de 1960 e 1970:
[...] a castidade e a virgindade são desmistificadas pela reivindicação de liberação do
corpo feminino para a vivência do prazer de forma desvinculada da reprodução.
Os contraceptivos tornaram possível essa revolução sexual que lançou novas bases
para a relação das mulheres com o próprio corpo, com a sexualidade e com a
1
2
3
4
Movimento Feminista: movimento social e político de defesa de direitos iguais para mulheres e homens,
tanto no âmbito da legislação (plano normativo jurídico), quanto no plano da formulação de políticas públicas
que ofereçam serviços e programas sociais de apoio a mulheres.
HORSTH, Lidiane Duarte. Uniões homoafetivas: uma nova modalidade de família?. De Jure - Revista
jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Seção III, Subseção I, Belo Horizonte, n. 9
jan./dez. 2007.
ALVES, Maíra Uchôa Rodrigues et al. O indivíduo homossexual: contexto histórico-social e as relações
acadêmicas. Goiânia, 2007. 30 f. Artigo Científico (Especialista em Docência) – Faculdade de Goiás –
FAGO (Estácio de Sá), Goiânia, 2007.
Ibidem.
15
maternidade que deixa de ser para as mulheres uma fatalidade da vida sexual para
torna-se uma possibilidade. [sic] (Alves, Branca M.; PITANGUY, Jacqueline, 1985)
5
. [Grifo nosso].
Nessa mesma perspectiva, Maria Berenice Dias6 diz que “o exercício da sexualidade
não está restrito ao casamento – nem mesmo para as mulheres – pois caiu o tabu da
virgindade.”
Essa nova realidade que permeava a sociedade neste período conclamava uma
emergencial liberação de desejos sexuais reprimidos até então pela cultura do país7, a
contenção das mulheres já não era mais possível, o controle sobre suas vidas sexuais,
tampouco.
Naquele momento, rompiam-se os tabus há tanto tempo cultuados e interiorizados em
cada indivíduo, a figura masculina deixava o primeiro posto, oportunizava-se às mulheres
uma posição social diferenciada daquela vivenciada pela maioria.
Toda essa repressão a personalidade própria do indivíduo trouxe a tona,
paulatinamente, o desejo de liberdade, o desejo de amor e ser amado, o desejo de
realização fosse pessoal ou profissional, desejos esses que sempre existiram, se não
abertamente ao menos no íntimo de cada indivíduo. [sic] [...]
O pai que era o centro do universo familiar perdeu o “status” de senhor todo
poderoso e detentor do conhecimento. [...] Deu-se uma revolução cultural onde o pai
deixou de escrever o futuro dos filhos e a estrutura familiar modificou-se
definitivamente.8 [Grifo do autor]
Estas décadas foram de grande expressão, pois ao mesmo tempo outros aspectos
assumiam suma relevância para esse processo de mudanças: tanto a alteração no papel do
homem na família – poder de chefe familiar sendo reduzido – como o aumento da autonomia
sexual feminina, com a descoberta da pílula anticoncepcional, vieram seguidas da organização
política do movimento feminista e, conseqüentemente, de movimentos sociais que
deflagraram a visibilidade homossexual. 9
Essas mudanças quanto aos direitos reprodutivos e sexuais ilustrou um grande avanço
na seara de papéis sociais masculinos e femininos, tanto que culminaram na afirmação da
diversidade sexual, assim como em lutas e conquistas de direitos dos movimentos
homossexuais.
5
6
7
8
9
1985, apud ROCHA, Olívia Candeia Lima. Escritas desejantes: deslocamentos de fronteiras. Feminismo,
relações de gênero e subjetividades – ST 33. UFPI.
DIAS, Maria Berenice. Tirar guarda de mãe transexual é homofobia escancarada. In: Conjur-Consultor
Jurídico. 10 jan. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-jan-10/tirar_guarda_mae_transexual
_homofobia_escancarada>. Acesso em: 09 ago. 2010.
ROCHA, Olívia Candeia Lima. Loc. cit.
SILVA, Raquel Marques. Evolução histórica da mulher na legislação civil. In: Pai Legal. Disponível em:
<http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-499837583> Acesso em: 08 set. 2010.
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura no
Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II. 3 v. Jan – Jun. 2008.p.131.
16
A constante busca pela valorização de formas diferentes de se viver e as lutas em
busca do respeito, mínimo, como pessoas quaisquer que são, culminaram em movimentações
sociais cada vez maiores, tanto as relacionadas aos grupos feministas quanto àquelas advindas
de movimentos anti-discriminação homossexual.
Com isso, a eclosão de ondas de feminismo e de movimentos homossexuais trouxe
uma ampla visibilidade a estes grupos sociais, aquelas viabilizaram uma libertação sexual e
possibilitaram que os homossexuais se assumissem perante a sociedade e também se
organizassem para atingirem objetivos semelhantes: uma colocação social respeitosa e a
queda de padrões tradicionalmente impostos como corretos.
Conforme a autora Rebecca Walker,10 a história do feminismo divide-se em três fases,
ou ondas: a primeira onda teria iniciado em meados do século XIX e se prolongou até o início
do século XX, a segunda onda ocorreu nas décadas de 60 e 70, momento em que atingiu seu
auge; e a terceira onda teve seu início na década de 90 e se prolonga até os dias atuais.
O objetivo das aliadas aos movimentos feministas era o alcance dos direitos legais, da
autonomia feminina, bem como assegurar a todas as mulheres a integridade de seu corpo,
principalmente sobre o aspecto sexual. Visavam libertar-se das condições de repressão
impostas pela sociedade patriarcal, machista e conservadora.
No primeiro momento, nasce o movimento feminista que (surgiu como movimento
liberal de luta das mulheres) lutava pelos direitos de igualdade das mulheres no que diz
respeito aos direitos civis, políticos e educativos11 – ao sufrágio – a grande preocupação do
momento era que as mulheres também tivessem o direito ao voto.
Este período ficou marcado pela intensa luta e atividade do movimento feminista,
principalmente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e na Espanha, onde se
solidificou; era conhecido por movimento sufragista.12 Apesar de ter como foco os direitos
políticos, nessa época, ativistas já delineavam campanhas pelos direitos sexuais, reprodutivos
e econômicos femininos, conforme Freedman.13
No ano de 1918, no Reino Unido e na Irlanda, o voto fora concedido às mulheres que
tivessem acima de 30 anos de idade e que possuíssem ao menos uma casa. Dez anos mais
tarde tal direito foi assegurado àquelas que estivessem acima dos 21 anos de idade.
10
11
12
13
1992, apud WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Feminismo. Disponível em <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Feminismo>. Acesso em: 13 ago. 2010.
NARVAZ, Martha Giudice; KOLLER, Silvia Helena. Metodologias feministas e estudos de gênero:
articulando pesquisa, clínica e política. Psicologia em estudo, Maringá, v. 11, n. 3, set/dez. 2006, p. 649.
Ibidem.
2003, apud WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Feminismo. Disponível em <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Feminismo>. Acesso em: 13 ago. 2010.
17
Em direção a este caminho também prosseguiam os Estados Unidos que, em 1919,
aprovando a 19ª Emenda a sua Constituição, concederam o direito ao voto a mulheres em
todos os seus estados.14
A segunda onda do feminismo foi um marco social ainda maior, ressurgindo
principalmente nos Estados Unidos e na França, as ações eram voltadas para a liberação
feminina, iniciada em meados dos anos 60, teve como enfoque a igualdade social e legal e
perdurou até a década de 80.
Enquanto as americanas visavam denunciar a opressão imposta pelos homens e a
busca da igualdade, as francesas almejavam a própria valorização das diferenças entre homens
e mulheres, dando atenção, especialmente, à negligência para com elas e suas peculiaridades.
Dividiu-se o feminismo nessa época em “feminismo da igualdade”, conforme as americanas;
e “feminismo da diferença”, de acordo com a concepção das francesas.15
A atenção nesta época estava direcionada, essencialmente, para as questões que
envolvessem o fim da discriminação, pois a corrente feminista se espalhava pelo mudo de
forma que apenas a luta pela igualdade já não era suficiente.
No Brasil, as lutas dos movimentos feministas se relacionavam à redemocratização do
país que, até então estava sobre o regime ditatorial. Inicialmente, as ativistas denunciavam as
desigualdades sociais em âmbito trabalhista, pois a legislação subordinava as mulheres aos
seus maridos e ainda as excluía da vida política do Estado.
À época, não só a questão das mulheres era foco de atenções, mas a homossexualidade
era reprimida sobremaneira em vários pontos do mundo, de modo que, em muitos países (Irã,
Sudão, Zimbábue e Iraque), era considerada como crime e tinha a pena de morte.16
Vale ressaltar que no Brasil, os homossexuais foram, durante muito tempo, alvos de
perseguições e difamações, a homossexualidade foi considerada como doença por longos anos
e não como orientação sexual. Porém, logo após a independência, a homossexualidade deixou
de ser considerada crime.17
A terceira onda feminista emergiu corroborando com os fundamentos da segunda.
Ambas passaram a coexistir. Aquela surgiu em meados da década de 80, como protesto às
14
15
16
17
2003, apud WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Feminismo. Disponível em <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Feminismo>. Acesso em: 13 ago. 2010.
NARVAZ, Martha Giudice; KOLLER, Silvia Helena. Metodologias feministas e estudos de gênero:
articulando pesquisa, clínica e política. Psicologia em estudo, Maringá, v. 11, n. 3, set/dez. 2006, p. 649.
Orientação Sexual: Em geral, define-se a orientação sexual como a atração e o desejo sexuais (paixões e
fantasias) de indivíduo por outro de um gênero particular.
FILHO, Alípio de Sousa. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude.
Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.102.
18
falhas encontradas na segunda onda, com intuito de sanar as definições de conceitos
essenciais à feminilidade, tais como mulheres brancas e de classe média-alta:
A maioria das mulheres que mais se destacaram na federação e representaram seus
estados nos congressos tinha pais intelectuais, militares e políticos, ou dedicados a
profissões urbanas da elite, como medicina, direito, engenharia. [...] Todas também
foram destacadas profissionais e, em que pese a presença de um número grande de
professoras, havia entre elas um surpreendente número de advogadas e jornalistas
[...].18
Em suma, as lutas feministas prosseguiam porque tinham a contribuição de mulheres
com elevado grau de instrução e com senso crítico autônomo, mas também porque contavam
com apoio das classes dominantes. Nesta mesma idéia, Céli Regina bem elucida que
[...] se a luta das mulheres cultas e das classes dominantes se estruturava [...] não era
tão-somente porque esta se colocava como a luta do momento nos países centrais,
mas também porque encontrava respaldo entre os membros dessa elite e conseguia
respeitabilidade até na conservadora classe política brasileira.19
Líderes feministas da segunda onda e ativistas negras passaram a ocupar um espaço
cada vez maior na esfera de movimentos feministas.
O grande eixo tornou-se, também, o estudo tanto sobre as mulheres, quanto em relação
aos sexos, para enfocar as relações de gênero.20 Buscava-se pensar, ao mesmo tempo, nos
ideais de igualdade, bem como nos ideais das diferenças.
Cabe ressaltar que as todas as propostas, das três fases do movimento feminista,
sempre estiveram como objetivos do movimento, coexistindo até os dias atuais. Não se fala
mais apenas em feminismo, mas em feminismos, pois são várias correntes dispersas pelo
mundo.
Já no Brasil, nessa mesma década de 80, começaram a surgir organizações de
mulheres negras que eram participantes tanto de movimentos negros quanto de movimentos
feministas. As mulheres deste grupo traziam à tona a especificidade da dupla discriminação:
tanto eram do sexo feminino – inscrição natural, quanto eram negras.21
Assim, também demonstravam a desigualdade entre as mulheres, um subgrupo dentro
de uma categoria já excluída. As desigualdades sociais e políticas eram vistas como
intimamente ligadas e refletiam a rígida estrutura patriarcal.
18
19
20
21
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2003 – Coleção História do Povo Brasileiro. p. 26.
Ibidem.
Ibidem.
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. p.36.
19
A dupla ou tripla discriminação, incluindo-se neste contexto as mulheres pobres
também, fez com que mais grupos surgissem, a fim de fortalecer a voz feminina perante a
sociedade brasileira e findar a exclusão social das mulheres, de forma geral.
O movimento feminista, considerado como o grande responsável pelas diversas
alterações ocorridas na segunda metade do século XX, demonstrou a toda sociedade que as
mais diversas discriminações estavam sobre as mulheres, desde a submissão às vontades da
“autoridade” masculina mais relevante (pai, irmão, esposo) até a submissão física em casos de
guerra, instantes em que eram vítimas de barbáries, como estupros e mutilações.22
Essa fase abriu caminho para estudos de gênero, pois foi capaz de revisar conceitos e
categorias de análise de relevância, como, por exemplo, as concepções rejeitadas de sexo23 e
gênero24.
Como frutos dessas manifestações, surgiam movimentos gays que lutavam por uma
nova concepção desta situação por eles vivenciada, que antes os aprisionava a uma falsa
sexualidade, tida como desviante e anormal, posição tipicamente preconceituosa.
O autor Alípio de Sousa Filho explica que é simples ver o preconceito:
A homossexualidade é a priori encarada como “inversão”, “desvio”,
“anormalidade”, perversão” etc. [sic], suas supostas “determinações” não são
compreendidas como determinações de uma escolha [...], mas, diferentemente, como
“causa” de um “problema”, de um “desvio” no âmbito da sexualidade dos
indivíduos. [...] a homossexualidade foi, durante um século, combatida ao mesmo
tempo como doença, vício, crime e pecado.25 [Grifos do autor]
O advento do pós-feminismo fora uma reação também à segunda onda, apesar de
reconhecer o alcance de suas metas. Redefiniu, com termos próprios, o que realmente é o
feminismo, pois entende que a segunda onda separou os sexos com seus pontos de vista,
tornando-se sexista26, ao invés de uní-los, assim explica Katha.27
22
23
24
25
26
27
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. p.36.
Sexo: descrevia aspectos puramente biológicos.
Gênero: Conceito formulado nos anos 1970 com profunda influência do pensamento feminista. Era definido
a partir do sexo, enquanto categoria natural, binária e hierarquizada, como se houvesse uma essência
naturalmente masculina ou feminina inscrita no indivíduo. Para as ciências sociais e humanas, o conceito de
gênero refere-se à construção social do sexo anatômico. Ele foi criado para distinguir a dimensão biológica
da dimensão social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana, no entanto, a
maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Assim, gênero significa que homens e
mulheres são produtos da realidade social e não em decorrência da anatomia de seus corpos.
FILHO, Alípio de Sousa. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude.
Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.102.
Sexismo: atitude preconceituosa que prescreve para homens e mulheres papéis e condutas diferenciadas de
acordo com o gênero atribuído a cada um, subordinando o feminino ao masculino.
1995, apud WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Feminismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Feminismo>. Acesso em: 13 ago. 2010.
20
Quanto ao comportamento sexual, a liberdade feminina passou a ser mais ampla, as
mulheres passaram a ter o controle sobre seus corpos e suas vontades, passaram a exteriorizar
seus desejos sexuais em parte, pois ainda haviam restrições.
O surgimento da pílula anticoncepcional, em 18 de agosto de 1960, nos Estados
Unidos, foi o responsável por este comportamento sexual mais liberal, pois na época as
relações sexuais eram apenas vias de reprodução. A partir de então, como o contraceptivo
dava maior liberdade para as mulheres, poderiam elas passar a manter relações por prazer,28
além disso, foi esse método que tornou possível essa revolução sexual.
Passava-se por um momento de emergente liberação de um desejo reprimido pela
cultura social de contenção, da castidade.29 O controle da vida sexual ia, aos poucos,
rompendo os limites tradicionalmente impostos. Mais tarde, essa liberação se refletiria como
reivindicação de direitos para o livre exercício da homossexualidade.
Em contrapartida, o sexo masculino passou a preocupar-se com a situação, pois não
teriam mais controle sobre a fidelidade de suas companheiras, os homens estavam com medo
e passaram a duvidar de serem os pais dos filhos nascidos neste período.30
Estavam perdendo o controle da situação e, inevitavelmente, ficaram vulneráveis aos
desejos de suas mulheres, elas agora tinham o domínio sobre o próprio corpo e sobre seus
desejos mais íntimos.
Apesar desta conquista, ainda há feministas que argumentam ter sido a revolução
sexual benéfica apenas aos homens, já que ainda se vê de maneira diferente a vida sexual
masculina da feminina – ele é o “garanhão”, ela é a “sem vergonha”, “galinha”, dentre tantos
outros termos chulos utilizados para denegrí-la.
O auge da revolução da pílula anticoncepcional veio logo em seguida, com o Festival
de Woodstock que ocorreu em agosto do mesmo ano e com os hippies, a euforia dos
movimentos estudantis e feministas.31
Os jovens representavam a inovação de estilos até então estabelecidos, voltavam-se
para o lado anti-social, segundo as famílias mais tradicionais, tinham ideal libertário e faziam
parte de uma nova cultura, marginalizada à época, em que se enfatizavam transformações de
28
29
30
31
HARTL, Judith. 1960: A revolução da pílula. Disponível em: <http://www.dw- world.de/dw/ article/0,,
611248,00.html>. Acesso em: 13 ago. 2010.
ROCHA, Olívia Candeia Lima. Escritas desejantes: deslocamentos de fronteiras. Feminismo, relações de
gênero e subjetividades – ST 33. UFPI.
HARTL, Judith. Loc.cit.
Ibidem.
21
consciência e de valores, bem como novas formas de comportamento em que o indivíduo
pudesse se expressar.32
O movimento Hippie representou o auge desse estilo jovial, almejava uma
transformação social por completo, essa busca se refletia basicamente por meio de seus
comportamentos, de suas atitudes e de interferências políticas por meio de protestos: “Os
hippies se opunham radicalmente aos valores culturais considerados importantes na
sociedade: o trabalho, o patriotismo e nacionalismo, a ascensão social e até mesmo a ‘estética
padrão’.”33 [Grifos do autor]
Os padrões de comportamento se libertavam das amarras sociais, a “rebelião da
juventude” se instalava e já fugia ao controle, não mais havia como ignorar esse novo estilo
de contestação social, os meios de comunicação cada vez se tornavam mais importantes para a
instalação de uma nova era libertária.
Após tantos anos de repressão às mulheres, que eram consideradas objetos masculinos,
devendo total submissão e se colocando na posição de donas-de-casa e mães enquanto os
homens eram encarregados da chefia da família, o grito de liberdade chegou.
Portanto, a década de 60 foi de quebra de tabus, em especial, foi o grande “boom” de
mudanças comportamentais da sociedade, foi a explosão da juventude influenciada pelos
ideais de liberdade, a busca de liberdade de expressão e pela liberdade sexual, tudo culminou
na liberdade que hoje vivemos, em todos os sentidos.
Foi o momento inaugural para grandes conquistas femininas e abertura social, ainda
que
com
fortes
reprovações
externalizadas
por
preconceitos
diversos,
para
o
homossexualismo.
Os movimentos sociais que posteriormente surgiram, engajaram-se contra o
preconceito relacionado a homossexuais, instauravam-se na sociedade visando à proteção
deste grupo de pessoas e ao fim da discriminação.
A intolerância passava a ser combatida e a constante busca pelo reconhecimento da
liberdade de orientação sexual alcançava magnitude com a fragilização da estrutura do poder
patriarcal.34
A abertura alcançada pelos movimentos homossexuais era ainda motivo de repressão e
sofria retaliações, pois cada vez ampliava a descontinuidade do modelo familiar tradicional:
32
33
34
WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Contracultura. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Contracultura>. Acesso em: 22 ago. 2010.
Ibidem.
MELLO, Luiz. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis, 14(2). Maio-Ago. 2006. p.502.
22
“O comportamento homossexual continuou ameaçando o funcionamento da família patriarcal,
de tal maneira que teve que ser regulado, perseguido e em alguns casos eliminados.”35 [sic]
Restrições que antes pesavam sobre os homossexuais passaram a ser paulatinamente
contestadas, pois houve um aumento da visibilidade de novas expressões sexuais.36
As mulheres e os homossexuais (gays e lésbicas) são apontados como construtores
dos direitos sexuais, procurando transformar a transgressão em conduta socialmente
aceita, a partir do entendimento de que a igualdade não quer dizer idêntico, mas sim
o que tem o mesmo valor. 37
Pouco depois no Brasil, com a abertura política que ameaçava o final da ditadura,
aliado aos Movimentos Feministas e Negros, surge também o primeiro Movimento
Homossexual (no final da década de 70), este movimento também se dividia em ondas.
A primeira grande onda do Movimento Homossexual no Brasil trazia como proposta
uma transformação para todo o conjunto social, objetivando extinguir toda e qualquer
hierarquia de gênero e lutar contra as diferentes formas de repressão sexual – que
alimentavam o autoritarismo, a opressão, a violência, a desigualdade, enfim, a discriminação.
Nesse mesmo contexto, buscava introduzir o incentivo à reflexão sobre como os indivíduos
eram encarados e postos frente a uma sociedade sexista, objetivando a geração de espaços de
afirmação da diversidade sexual.
O que se pretendia era que a sociedade os acolhesse como são acolhidos os
heterossexuais, pois o fato de terem inscrições sociais diferentes não os impedia de serem
cidadãos, também eram merecedores de respeito, como qualquer pessoa.
Como as sociedades ocidentais tinham um modelo padrão sexual e hierarquizava os
sujeitos, o vértice, ponto principal, gravitava entorno da figura masculina.38
As práticas homossexuais ganhavam uma nova roupagem. Como sempre existiram,
neste momento passavam a ser reconhecidas de modo diferenciado, revelando-se em formas
ocultas do indivíduo, mas não os tornando menos seres humanos. O quê antes haveria de ser
punido e rechaçado da sociedade, nesse contexto iniciava definições relevantes quanto à
sexualidade:
35
36
37
38
CONLUTAS. Hyro Okita. Homossexualidade: da opressão à libertação. Disponível em: <http://www.
conlutas.org.br/downloads/gt_mulheres_Glbt_%20Homossexualidade.rtf >. Acesso em: 06 out. 2010.
MENS, Viviane Filard. Uma análise constitucional da união homossexual no Direito de Família.
Universidade Estácio de Sá – UNESA, 2008.
MELLO, Luiz. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis, 14(2). Maio-Ago. 2006. p.502.
LOURO, Guacira Lopes. Heteronormatividade e homofobia. Diversidade sexual na educação:
problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.89.
23
Tendo sido nomeados os homossexuais e a homossexualidade, ou seja, o sujeito e a
prática desviantes, tornava-se necessário nomear também o sujeito e a prática que
lhes haviam servido como referência. Até então, o que era “normal”, não tinha um
nome. [sic]
[...] Estabelecia-se, a partir daí, o par heterossexualidade/homossexualidade [...],
como oposição fundamental, decisiva e definidora de práticas e sujeitos.39 [Grifo do
autor]
A segunda onda do movimento desencadeou um período de ampliação da visibilidade
pública do homossexualismo, datada na década de 80, com um mercado de consumo
destinado e aberto ao público homossexual e a descoberta da AIDS40 que se tornou uma
questão de saúde publica, uma verdadeira epidemia.
O advento dessa doença determinou a intensificação do preconceito contra os
homossexuais, os sujeitos e a enfermidade passaram a ser reconhecidos como sinônimos;
fincando conhecida no meio científico e na imprensa como “câncer gay, peste gay ou peste
rosa”.41
Difundida essa enfermidade, os próprios adeptos passaram a tomar as iniciativas de
contenção da doença, pois as ações do governo não surgiram em tempo hábil, com a urgência
que o caso requeria.
Diante do crescimento dos casos de Aids e da demora em ser produzida uma
resposta governamental, a exemplo da maioria dos países ocidentais, os militantes
homossexuais foram os gestores das primeiras mobilizações contra a epidemia, tanto
no âmbito da assistência solidária à comunidade, quanto na formulação de demandas
para o poder público, tornando o Brasil pioneiro na resposta comunitária e
governamental à Aids, e provocando ainda um aumento do número de grupos e de
tipos de organizações e a expansão do movimento por todos os estados do país.42
Nos anos 90, os homossexuais foram se dividindo em subgrupos, cada qual com suas
especificidades, diferenciando-se entre gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais. Esse
fenômeno de fragmentação em subgrupos foi se intensificando com o passar dos anos e, no
final da década já havia o reconhecimento de sigla própria: segmento LGBT [lésbicas, gays,
bissexuais e travestis].
39
40
41
42
LOURO, Guacira Lopes. Heteronormatividade e homofobia. Diversidade sexual na educação:
problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p. 87.
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. p.107.
RIBEIRO, Paula Regina Costa; SOARES, Guiomar Freitas; FERNANDES, Felipe Bruno Martins.A
ambientalização de professores e professoras homossexuais no espaço escolar.Diversidade sexual na
educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.192.
BRASIL. Ministério da Educação. Loc.cit.
24
Atualmente, este movimento conta com as “Paradas”, consideradas conquistas de
visibilidade pública, que têm o apoio das respectivas prefeituras, de programas nacionais de
Direitos Humanos, de combate à AIDS e à discriminação. Tais paradas podem ser
consideradas um grande fenômeno no Brasil, pois demonstram a abertura social para que um
primeiro passo de respeito seja dado.
As Paradas do Orgulho LGBT constituem talvez o fenômeno social e político mais
inovador do Brasil urbano, unindo protesto e celebração e retomando, desse modo,
as bandeiras de respeito e solidariedade levantadas pelos movimentos que
reivindicam o direito à livre expressão da sexualidade como Direito Humano.43
Esta inserção dos homossexuais na sociedade, objetiva transformar este espaço e
perpetrar uma contínua conscientização da população, é uma ação voltada para integrar a
categoria e também alcançar cada vez mais espaço no campo político, pois trata-se de um
grande fenômeno, um importante instrumento de mobilização.
Nesse sentido, Francis Deon Kich
Uma das estratégias pertinentes nesse projeto de ação pode ser visualizada nas
paradas LGBTs, que vem cumprindo um propósito mobilizador e cultural expressivo
na medida em que tem se mostrado como um instrumento político de grande
amplitude.44
Portanto, o que está em foco é a questão da ampliação política e de inserção social
desta nova inscrição de sexualidade definida, com a aplicação de mecanismos que defendam e
protejam os homossexuais.
Apesar destas conquistas, muitas outras são desejadas, principalmente no plano
legislativo, já que os homossexuais não contam com nenhuma legislação que lhes garanta
direitos e lhes promova uma vida de qualidade, como aos demais cidadãos.
1.1.
DÉCADAS DE 60 E 70
Com a efervescência da política e da cultura mundiais, nasce o momento propício para
se deflagrar movimentos sociais.
Logo em 1964 surge o regime ditatorial, período em que muitas militantes doaram
suas vidas em prol da construção de uma sociedade melhor para as mulheres, livre da
43
44
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. p.108.
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura no
Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II. 3 v. Jan – Jun. 2008. p.133.
25
opressão consagrada contra as mesmas. O que antes estava a todo vapor, de repente deu uma
esfriada, os movimentos passaram a ser mais perseguidos ainda.
Com o fim deste regime militar, o contexto mudava, o otimismo da sociedade era
notável, assim, a abertura política foi, aos poucos, ganhando espaço neste cenário e
viabilizando a democracia tão almejada.
Surgia, naquele momento, a grande oportunidade dos movimentos sociais que haviam
tido suas atividades minimizadas ou encerradas retornarem.
A abertura política possibilitava sonhar com uma sociedade mais democrática,
igualitária e justa e, mais especificamente, trazia a esperança para o movimento gay
de uma sociedade em que a homossexualidade poderia ser celebrada sem
restrições.45 [Grifo do autor]
Reiniciava assim, a luta pela quebra de tabus que a sociedade tinha internalizado, a
articulação pela garantia de espaço e pela construção de uma nova roupagem relacionada aos
homossexuais e aos seus direitos.
Esse movimento se fortaleceu aos poucos, inspirando-se nos movimentos de
contracultura46 (movimentos hippies) que deixavam as liberdades se sobreporem ao
comportamentos ditados pelo conservadorismo. Passaram, portanto, a lutar pelo
reconhecimento da sociedade, de que a diversidade sexual era possível:
Apenas nas últimas décadas do século XX os estudos críticos [...] iniciaram a
desconstrução do discurso do preconceito, estudos que foram nascendo e se
fortalecendo a partir da entrada em cena dos movimentos feministas, da
contracultura e do movimento gay. Em diferentes países, o movimento gay
transformou o homossexual de (inventado) sujeito clínico, em sujeito de desejo e
sujeito político.47 [Grifos do autor]
Nas palavras de Anderson Ferrari,48 “o que estava em construção era uma alteração na
relação entre homossexualidade e sociedade.”
No ano de 1966, em 16 de dezembro, o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o qual
garantiu a todos os indivíduos sujeitos à jurisdição dos países que o assinassem a aplicação de
suas normas. Seu artigo 26 previu que
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a
igual proteção da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de
discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer
45
46
47
48
FERRARI, ANDERSON. Revisando o passado e construindo o presente: o movimento gay como espaço
educativo. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr. 2004, nº 25. p.105.
Movimentos de Contracultura: movimentos que têm seu auge na década de 1960, quando teve lugar um estilo
de mobilização e contestação social e utilizando novos meios de comunicação em massa.
FILHO, Alípio de Sousa. Teorias sobre a gênese da homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude.
Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.103.
FERRARI, ANDERSON. Op.cit., p.106.
26
discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou
qualquer outra situação.49 [Grifos nossos]
Os movimentos homossexuais então transcenderam a outro nível de discussão,
passando a gozar de proteção no Brasil décadas mais tarde, quando este o ratificou.
Essas décadas foram épocas de grande repressão, pois não havia qualquer liberdade
política, em 1968 foi publicado o Ato Institucional nº. 05,50 a maior expressão da ditadura
brasileira, o qual permitiu que general-presidente tomasse qualquer atitude, os poderes eram
vastos, até mesmo o Congresso Nacional sofria retaliações.
Segundo o autor Zuenir Ventura, acompanhados do maior ato ditatorial que, a priori,
duraria de seis a oito meses e findou somente após dez anos de vigência, houve muita censura
e muitos inocentes foram considerados culpados pela contra-revolução51 que se instaurou nas
ruas, assim como uma grande quantidade de perseguições que, conseqüentemente tiveram
como fim a censura a tudo que se manifestavam, ainda que indiretamente, sobre o ato e sobre
o governo, como era o caso de novelas, músicas e peças teatrais. Além disso, as liberdades
que eram garantidas pela Constituição, já não eram mais asseguradas:
Em dez anos de vigência, o AI-5 já tivera tempo de punir 1.607 cidadãos, dos quais
321 cassados: seis senadores, 110 deputados federais e 161 estaduais, 22 prefeitos,
22 vereadores - mais de seis milhões de votos anulados. Além da cassação, todos os
senadores e 100 deputados federais tiveram seus direitos políticos suspensos por 10
anos. Entre as punições a funcionários públicos, estavam o afastamento de três
ministros do Supremo Tribunal Federal - Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e
Vítor Nunes Leal - e de professores universitários como Caio Prado Júnior condenado a quatro anos e meio de prisão por uma entrevista a um jornal estudantil Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Mário Schemberg, Vilanova
Artigas, Hélio Lourenço de Oliveira e uma dezena de pesquisadores do Instituto
Oswaldo Cruz, entre outros, muitos outros.
Paralelamente a essa caçada aos criadores, o AI-5 desenvolveu um implacável
expurgo nas obras criadas. Em dez anos, cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro,
200 livros, dezenas de programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de
música e uma dúzia de capítulos e sinopses de telenovela foram censurados. Só
Plínio Marcos teve 18 peças vetadas. O índex reunia um elenco variado, que ia de
Chico Buarque, um dos artistas mais censurados e perseguidos da época, a Dercy
Gonçalves e Clóvis Bornay.52 [Grifos nossos]
49
50
51
52
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Presidência da República. <http://www2.mre.gov.
br/dai/m_592_1992.htm>. Acesso em: 22 ago. 2010.
[S/N]. A ditadura militar. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/ditadura.htm>. Acesso em: 22 ago.
2010.
Contra-revolução: Inconformismo da população, principalmente dos estudantes, diante do Golpe militar de
1964.
VENTURA, Zuenir. Disponível em: <http://literal.terra.com.br/zuenir_ventura/por_ele_mesmo/livros/
04_1968.shtml?porelemesmo>. Acesso em: 08 out. 2010.
27
Apesar de todas as perseguições, torturas e mortes, o cenário brasileiro nestas décadas
evoluiu bastante, foram anos de gradativo declínio dos posicionamentos essencialmente
machistas e do conservadorismo.
Reportagem da revista Veja, do ano de 1978, relata o clima de abertura que estava se
instalando quando da edição do AI nº. 05 e que nesta data, chegava ao fim:
Quem poderá, com efeito, sentir saudade da mais draconiana lei de exceção do
período republicano, superior em dureza a qualquer norma do Estado Novo? Quase
ninguém -sobretudo num momento em que os ventos políticos sopram
decididamente a favor da abertura. Na semana passada, ouvidos por VEJA,
políticos de todos os matizes e tendências demonstraram partilhar a tese de que o
Brasil de hoje já não pode conviver com as trevas do envelhecido AI-5, baixado há
dez anos pelo presidente Arthur da Costa e Silva. E até mesmo os remanescentes da
radical "linha dura", que em 1968 patrocinaram a edição do AI-5, agora já admitem
que os novos tempos vividos pelo país prescindem de atos institucionais.53
A partir da década de 70, houve um crescente aumento do número de grupos e
organizações homossexuais, movidos pelos movimentos da Stonewall Riots (em 1969), que
foi um marco histórico que deu propulsão às paradas do orgulho gay, ocorridas até os dias
atuais.
Tal evento originou o “Dia Internacional do Orgulho Gay e Lésbico”,54 comemorado
todo dia 28 de junho.
Em âmbito interno, nesse período, houve o início efetivo da história de um movimento
homossexual. A política voltava à normalidade e foi o movimento feminista que abriu o
caminho para o movimento especificamente homossexual surgir, a partir de 1976, e
concretizar-se dois anos mais tarde.
1.2.
DÉCADAS DE 80 E 90
Com o fim do jornal “O Lampião da Esquina” na década de 80, que foi o primeiro e
principal veículo de informação da comunidade homossexual e transexual no Brasil, e de
outros acontecimentos, o movimento perde visibilidade.55 56
53
54
55
56
[S/N]. Sem choro nem vela. 13 dez. 1978. In: Revista Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/
arquivo_veja/capa_13121978.shtml>. Acesso em: 10 out. 2010.
[S/N]. História do movimento LGBT brasileiro. Disponível em: <http://lgbtt.blogspot.com/
2010/04/historia-do-movimento-lgbt-brasileiro.html>. Acesso em: 23 ago. 2010.
[S/N]. História do movimento LGBT brasileiro. Disponível em: <http://lgbtt.blogspot.com/2010/
04/historia-do-movimento-lgbt-brasileiro.html>. Acesso em: 23 ago. 2010.
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura no
Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II 3 v. Jan – Jun. 2008.p.135.
28
Em 1980 também, ocorreu no país a primeira passeata, que contou com apenas 800
pessoas, contra a repressão policial no centro da cidade de São Paulo.57 Nesta mesma data,
surge o Grupo Gay da Bahia, a organização latino-americana mais ativa no cenário.
Uma grande conquista ocorreu no ano de 1985, quando o Conselho Federal de
Medicina retirou a homossexualidade do rol de doenças, não mais considerando essa situação
sexual como enfermidade – desvio e transtorno sexual.58
Assim como ganhou expressão por causa daquele meio de comunicação, a
comunidade homossexual é revitalizada nos anos 90 por conta da participação de novos
ativistas que trabalhavam na prevenção da AIDS.
Renascia o movimento, sendo caracterizado esse momento pelas mudanças no plano
legislativo, ganhavam-se novos espaços sociais e surgiam novos movimentos e entidades de
defesa dos mesmos.
No Brasil, em 1995, em prol da comunidade homossexual, foi proposto o Projeto de
Lei nº. 1.151, tratando da Parceria Civil Registrada, em que se propunha à sociedade o
reconhecimento de direitos homossexuais, dando-lhes garantia de cidadania plena.
Por volta de 1997, no âmbito do legislativo, o Conselho Federal de Medicina, por
meio da Resolução 1482/97, reconheceu e expôs os requisitos para a cirurgia de
transgenitalização, definindo com isso tanto aspectos legais, como também aspectos éticos.
Atualmente, após a cirurgia, transexuais podem obter novo registro e carteira de identidade
adequando-os à nova condição, por meio de processos judiciais.59
Já em meados de 1999, foi aprovada, pela Assembléia Geral da Associação Mundial
de Sexologia; a Declaração dos Direitos Sexuais, sendo amplamente divulgada pela imprensa
e utilizada como base para ações afirmativas para a minoria. Elaborada em 1997, no
Congresso Mundial de Sexologia e composta de 11 artigos, a Declaração foi disponibilizada a
todos de forma traduzida para o vernáculo:
Embora tenha sido elaborada no sentido generalizado, no que concerne às diversas
identidades sexuais, a Declaração pode ser vista como um documento político, de
reivindicações conquistas, reconhecimento aos grupos e/ou sujeitos subordinados e
de respeito a eles.60
57
58
59
60
GATTI, José. Mais amor e mais tesão: história da homossexualidade no Brasil. Ponto de Vista. Entrevista
com James Green. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, v.8, n. 2, 2000.
MOTT, Luis. Homo-afetividade e direitos humanos. Estudos feministas, Florianópolis, 14(2). Maio-Ago.
2006. p.512.
FURLANI, Jimena. Direitos Humanos, sexuais e pedagogia queer: o que essas abordagens têm a dizer à
educação sexual? Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO,
2009.p.307.
Ibidem, p.301.
29
Precedentes jurisprudenciais começavam a apontar na ordem jurídica brasileira, ainda
que voltados às mulheres, mas já representavam grandes avanços e demonstravam a abertura
que se instaurava.
Em 1982, antes mesmo da atual Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal
havia assentado entendimento, em Recurso Extraordinário Eleitoral – número 98.935 – que
era possível a interpretação que considerava inelegível esposa casada apenas no religioso com
o titular do cargo à época, não permitia o STF a extensão da inelegibilidade a quem estivesse
fora da relação concubina, in verbis:
‘que quem analisa detidamente os princípios que norteiam a Constituição na parte
atinente às inelegibilidades, há de convir que sua intenção, no particular, é evitar,
entre outras coisas, a perpetuidade de grupos familiares, ou oligarquias, à frente dos
executivos’. Seria ilógico conceder-se à concubina casada no religioso, o que se
nega à esposa legítima.61 [Grifo nosso]
A produção de jurisprudência e de novas normas tentou viabilizar diferentes formas de
relação indivíduo/sociedade. Casos que buscavam solução judicial foram aparecendo com
mais freqüência e sendo analisados sob uma ótica de progresso.
Um tanto quanto inesperado para momento, no ano de 1992 surgiu um caso que
pleiteava a declaração de uma sociedade de fato por convivência homossexual. Houve, pois,
a confirmação do reconhecimento da sociedade, mas foi refutada a hipótese de concubinato
entre dois homens.
O Desembargador Celso Guedes explica o porquê do não reconhecimento de
concubinato entre os parceiros, em trecho de seu voto:
O concubinato, por seu turno, é a união livre e estável de um homem com uma
mulher, na linha do direito brasileiro, que não altera o estado civil dos
concubinários, na qual são mantidas relações e da qual é constituída uma família
(natural ou ilegítima), em que os concubinários convivem notoriamente sob o
mesmo teto (more uxório), como se marido e mulher fossem com fidelidade
recíproca, sem embargo do disposto no art.226, § 3º, da Constituição Federal. [...]
concubinato entre “dois homens”, é ostensiva esdruxularia contrastando com a
índole do povo brasileiro. [...] A posição do apelante em demonstrar a prolongada
convivência “homossexual” com o falecido [...], conspira, a todas as luzes, com o
conteúdo escorreito da “sociedade de fato”.62 [Grifos do autor]
Logo em seguida, em 1998, no Superior Tribunal de Justiça, surgia um fato novo, que
relacionava a partilha de bem comum por parceiros homossexuais.
61
62
BRASIL. Legislação e jurisprudência LGBTTT: Lésbicas – Gays – Bissexuais – Travestis – Transexuais –
Transgêneros. Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília. Letras Livres,
2007. p. 168.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Processo: 1992.001.03309. Classe: AC – Apelação Cível.
Relator: Des. Celso Guedes. Julgamento: 24/11/1992. Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível. Publicação:
05/03/1993.
30
Restou configurada a sociedade de fato, como pressuposto para a partilha de bens; e o
direito de um dos parceiros de receber a metade do patrimônio que era comum e que havia
sido construído por ambos.63 Essa decisão foi unânime e, mais uma vez a evolução os
tribunais pátrios iam frente às normas, acompanhando a evolução da sociedade.
Seguindo essa mesma linha de aplicabilidade extensiva das normas reguladoras das
relações heterossexuais, surge um ano mais tarde, em 1999, processo de Tribunal Regional
Federal colocando em voga a questão dos planos de saúde.
Tratou-se de um caso de servidor público que queria manter como dependente sua
concubina, mas o plano queria excluí-la, com cláusula abusiva de contrato. O pedido
prosperou, pois foi argüido que a Constituição reconhecia como entidade familiar tal
instituição e inadmitia a discriminação da concubina.64
Com todas as demandas que vinham à tona, o Judiciário foi se adequando, mas ainda
permaneceu o modelo heteronormativo, em que a produção legal ainda mantém as formas
familiares, por exemplo, estabelecidas conforme a sociedade assimila.
Assim, os anos 90 foram marcados pelos avanços e progressos no que tange ao
reconhecimento de cidadania a homossexuais, dentre eles as normatizações para a minoria
homossexual começava a surgir e ganhar um espaço cada vez maior no Brasil:
[...] em Salvador, por iniciativa do Grupo Gay da Bahia, pela primeira vez em toda a
história continental, é aprovada a Lei Orgânica Municipal proibindo a discriminação
baseada na orientação sexual, exemplo seguido por 74 municípios [...] e por três
constituições estaduais, de Mato Grosso, Sergipe e Distrito Federal. 65
1.3.
DÉCADA DE 2000
Apesar do transcurso de mais de 20 anos desde o início dos movimentos homossexuais
no Brasil, ainda há falar em mudanças, pois a discussão deste tema ainda não saiu de cena.
As experiências da sociedade e, em especial, da juventude, atualmente, são moldadas
por meio das diversas formas de como as questões relacionadas à sexualidade são encaradas.
63
64
65
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo: 148897. Registro: 1997/0066124-5. Classe: RESP Recurso Especial. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar. Julgamento: 03/02/1998. Órgão Julgador: Quarta
Turma. Publicação: DJ, 06/04/1998.
BRASIL. Tribunal Regional Federal. Processo: 96.04.42869-1. Acórdão Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL /
RS. Relatora: Marga Inge Barth Tesseler. Julgamento: 16/09/1999. Órgão Julgador: Terceira Turma. Fonte:
DJU, 20/10/1999.
MOTT, LUIS. Homo-afetividade e direitos humanos. Estudos feministas, Florianópolis, 14(2). Maio-Ago.
2006. p.512.
31
São as mais diferentes influências sociais que agem na vida do indivíduo, o qual se adequará a
determinado grupo, por ter se identificado com suas práticas e, se integrará com os demais
membros que valorizam as mesmas situações.
Contudo, apesar de serem os indivíduos unidos pelas semelhanças, há uma imposição
social de que o que está inserido em padrões previamente impostos é habitualmente
considerado correto e tudo aquilo que foge às regras, outrora estabelecidas, é contrário e,
consequentemente, anormal.
Nesse contexto, o normal e aceitável é o relacionamento entre pessoas de sexos
opostos, apenas. Todas as demais atitudes que fujam a essa consideração geral da sociedade é
anormal.
Aborda assim, também, uma publicação realizada pelo do Ministério da Educação:
Na manifestação da diversidade sexual há padrões percebidos como “normais” e
naturais, estando estes associados às relações heterossexuais entre homens e
mulheres. Estes padrões servem à produção de uma hierarquia que desqualifica as
mulheres e desaprova toda forma de expressão ou desejo sexual considerada
“desviante”, como as relações homo e bissexuais e a “inversão” dos papéis de
gênero.66
Com certeza, além da discriminação por causa da conduta tida como desviante, o
pobre e o negro sofrem duplamente, pois compõem outras categorias que sofrem os efeitos da
exclusão social.
Tal diferenciação é demonstrada ao longo da história do legislativo que, até pouco
tempo não debatia assuntos relacionados a homossexuais, a grande prova desta omissão é
demonstrada por meio da ausência de normas regulamentadoras das situações em que essa
minoria se encontra, bem como diante das normatizações paralelas, realizadas pelo Poder
Judiciário, por suas decisões, a fim de sanar as lacunas e interrogações de situações concretas
que lhes são postas à apreciação.
Pierre Bourdieu,67 citado nesta mesma publicação, explica que aqueles que fogem à
regra, estão sujeitos à discriminação homofóbica que, de forma mais ampla, é considerada
uma maneira hostil de tratar pessoas que não se encaixam àquilo que a sociedade espera, no
que diz respeito a gênero. Isso significa dizer que aqueles que não entram nos padrões sociais
de envolvimentos sentimentais estão, muitas vezes, reféns de desprezo e desrespeito ou até
mesmo do ódio de pessoas heterossexuais.
66
67
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. 2009.p. 113.
Idem, p.114.
32
A violência que busca a morte de homossexuais é uma trágica realidade, face da
homofobia no Brasil. Essa agressão é direcionada especialmente a travestis68, e transgêneros69,
e tem sido alvo de muitas denúncias.
Um fato que merece ser lembrado foi a sentença exarada pelo juiz Luís Fernando
Camargo de Barros Vidal, a qual condenou os assassinos de Édson Néris, que foi linchado em
via pública no ano de 2000, no centro da grande São Paulo pelo fato de estar andando de mãos
dadas com seu namorado.70
Há falar que não existe apenas esse tipo de violência, mas tantas outras têm sido
apontadas, tanto as que envolvem questões privadas quanto questões que são suscitadas em
outras instituições até mesmo públicas. São humilhações, são exposições a vexames que
também são enquadradas nesse contexto.
O Judiciário brasileiro tem refletido avanços em defesa de direitos sexuais, muitos
casos serviram de subsídio, precedentes para resolução de outras demandas, apesar destes
posicionamentos serem necessário, face à ausência de posicionamento legal; não são
suficientes para assegurar aos homossexuais uma vida normal, como cidadãos que são.
A insegurança e o medo os perseguem dia a dia e as demandas levadas ao Judiciário
variam conforme cada juiz, pois não há normas que estipulem caminhos a serem percorridos
para solucionar os casos.
Neste mesmo ano, o Brasil levou o tema da não-discriminação com base em
orientação sexual para a Conferência Regional das Américas, realizada no Chile, em Santiago.
A Declaração comprometeu todos os países do continente que mencionassem em seu texto a
orientação sexual como base de forma agravada da discriminação racial, exortando-os a
prevení-la, bem como também a combatê-la.71
Com isso, o Brasil assume de vez a postura de proteção às minorias homossexuais e
cria, no ano seguinte, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação.72 Essa foi uma
forma de implementar as recomendações contidas na Conferência de Durban, durante a qual o
Brasil levou o tema à plenária e apresentou a situação do país e as propostas de melhoria.
68
69
70
71
72
Travesti: pessoa cujo gênero e cuja identidade social são opostos ao de seu sexo biológico, e que vivem
cotidianamente como pessoas do seu gênero de escolha.
Transgênero: terminologia utilizada que engloba tanto as travestis quanto as transexuais. É um homem no
sentido fisiológico, mas se relaciona com o mundo como mulher.
BRASIL. Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção à Cidadania
Homossexual. Brasil sem Homofobia. Ministério da Saúde/ Conselho Nacional de Combate à
Discriminação. Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH.2004. p. 12.
Ibidem.
Ibidem. p.13.
33
Nos anos seguintes, várias ações foram sendo implantadas para que os direitos
homossexuais fossem respeitados e pudessem ser legalmente exercidos.
Assim, em 2003, por resolução administrativa, o Conselho Nacional de Imigração
reconheceu a união homoafetiva, desde que comprovada a união estável, para concessão de
vistos.73
Ou seja, os companheiros ou as companheiras de cidadãos, brasileiros ou estrangeiros,
que residam no Brasil e desejem vir para o país com intenção de se unirem aos pares, poderão
receber qualquer dos vistos, conforme cada caso.
Atualmente, o foco de políticas públicas tem sido o Programa do Governo chamado
“Brasil Sem Homofobia”, que articula diversas ações com a finalidade de promover o bem
estar da comunidade “LGBT” [lésbicas, gays, bissexuais e travestis] brasileira, estabelecendo
e implantando estratégias de fortalecimento da participação desta comunidade na sociedade; e
promove formas de proibir a discriminação causada pela discriminação por orientação sexual,
seja a discriminação seguida de violência ou não.
Porém, a carência legislativa ainda não foi suprida, pois mecanismos efetivos de
proteção a homossexuais e de garantia à ampla convivência social de forma harmoniosa não
foram criados, reafirmando-se a hesitação quando este é o tema.
Mesmo que a sociedade esteja, a passos tímidos, caminhando para um reconhecimento
total de diversidade sexual, ainda há fortes influências dos padrões acima considerados.
Um caso recente, ocorrido no exército brasileiro, por exemplo, ilustra bem essa
questão. Quando se trata da área militar, o assunto é ainda mais restrito e configura
claramente crime, pederastia.
Os sargentos Laci Marinho de Araújo e Fernando Alcântara de Figueiredo assumiram
na capa da revista Época que mantinham um relacionamento homossexual e viviam em união
estável desde 1997. O sargento Laci foi considerado um desertor74 e, por causa disto, já tinha
mandado de prisão expedido.
Depois, em entrevista em canal aberto na televisão, reafirmaram a situação, quando
foram comunicados pela emissora de que a Polícia do Exército os aguardava para efetuar a
prisão e assim aconteceu.
73
74
BRASIL. Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção à Cidadania
Homossexual. Brasil sem Homofobia. Ministério da Saúde/ Conselho Nacional de Combate à
Discriminação. Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH.2004.p.13.
Desertor: aquele que comete crime de deserção. Deserção: ausência não autorizada do serviço militar, por
parte de um oficial ou de um soldado com a intenção de não mais voltar. Definição legal contida no artigo
187 do Código Penal Militar: Ausentar-se o militar, sem licença, da Unidade em que serve, ou do lugar em
que deve permanecer, por mais de oito dias.
34
Esse foi apenas um dos diversos casos não relacionados pela mídia, pois há tempos o
Superior Tribunal Militar tem tomado decisões que enfocam esta mesma questão.
Em um caso, datado em 1996, o Capitão foi denunciado por ter assediado Soldados
para que estes praticassem, de forma ativa, pederastia com o mesmo. Os Soldados foram
condenados a seis meses de prisão e ao Capitão não houve aplicação de pena por motivo
extinção da punibilidade por prescrição, mas caso contrário, todos seriam punidos, tanto pelas
ações, quanto pelas omissões decorrentes da prática de pederastia.75
Porém, quando se trata da mesma situação, cometida por heterossexual, o tratamento é
evidenciado de maneira distinta e com um peso menor. É o que traz o trecho a seguir, no caso
em que uma mulher adentrou as dependências militares para a prática de atos libidinosos com
um soldado. Em um primeiro momento, a denúncia foi rejeitada pelo Juiz-Auditor Substituto,
alegando-se manifesta atipicidade dos fatos e não constituição de crimes de competência da
Justiça Militar ou Comum, tendo o Ministério Público Militar recorrido:
Outrossim, a denúncia está acompanhada do suporte probatório mínimo.[...] Assim,
tem-se a confissão do denunciado, que certamente não foi coagido para tanto, uma
vez que não só confessou como apontou o colega [...] como aquele que
testemunhou o ato libidinoso.Se coagido fosse, certamente não o faria, ou seja, não
apontaria [...]. Além da confissão, tem-se prova do ingresso da mulher com
quem o soldado manteve relações.76 [Grifo nosso]
A Procuradoria-Geral Militar manifestou-se pelo provimento do recurso, após a
elaboração de parecer por um de seus membros, em que assevera:
Com efeito, a prova é suficiente para autorizar a abertura do processo contra o
soldado infrator. [...] A prática de [relações sexuais] em local sujeito à disciplina
militar, vale dizer, em quartéis e outras áreas específicas onde se exerce a atividade
castrense, é motivo de repressão de lei, cujo tipo está descrito no artigo 235 do
Código Penal Militar. [...] A modernidade dos costumes ocasionada por certa
liberalidade nos relacionamentos heterossexuais não operou modificações nesse
aspecto. Portanto, a atividade sexual permitida ou praticada por membro das Forças
Armadas – com o mesmo sexo ou com sexo oposto – ‘em lugar sujeito à
administração militar’, caracteriza, em tese, crime militar.77 [Grifos nossos]
É a mesma prática, o mesmo crime, mas o deslinde da história é diferente, apesar de
também ter um conjunto probatório dos fatos que permite concluir pela transgressão ao
mesmo dispositivo, artigo 235 do Código Penal Militar.
Isso prova que a sociedade, ainda é muito preconceituosa e carrega em seu bojo uma
discriminação pesada, pois até a aplicação de obrigações relativas a homossexuais tem uma
75
76
77
BRASIL. Superior Tribunal Militar. Processo nº. 47.676-8/AM. Apelfo – APELAÇÃO (FO). Ministro
Relator: Olympio Pereira da Silva Junior. Ministro Revisor: Germano Arnoldi Pedrozo. Julgamento:
10/11/1998. Publicação: DJ 26/02/1999.
Ibidem. Processo nº. 2008.01.007602-1/RJ. Rcrimfo - RECURSO CRIMINAL (FO). Ministro Relator:
Olympio Pereira da Silva Junior. Julgamento: 07/04/2009Publicação: DJ 09/11/2009.
Ibidem.
35
carga maior do que aquela aplicada a heterossexuais, mesmo quando se tratam de situações
análogas.
O próprio Judiciário, que tem competência para dar um rumo diferenciado e em prol
da igualdade de direitos, ainda é viciado e muitas vezes toma decisões maculadas por
preconceitos e discriminações.
No ano de 2000, foi proposto o Projeto de Lei nº. 2.77378 que tem como objeto a
exclusão de parte do artigo 235 do Código Penal Militar79 que trata da pederastia ou outro ato
de libertinagem em ambiente militar: “Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se
pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena:
detenção, de seis meses a um ano.”
O legislador visou não dar margem a qualquer ato homossexual, pois pederastia e
homossexualismo já são sinônimos,80 caracterizando-se discriminação na administração penal
militar:
Ao destacar a prática de ato libidinoso homossexual, passivo ou ativo, em lugar
sujeito à administração militar, dentre os demais atos libidinosos, fica clara a
discriminação na concepção da norma penal. A legislação, é possível inferir,
objetivou mais que reprimir condutas libidinosas em estabelecimentos militares. Ela
foi concebida especialmente considerando a repressão da homossexualidade.81
A punição desta prática ainda é realizada, frize-se que apenas em âmbito militar, o que
não tem impedido a continuidade de relacionamentos assim caracterizados.
Portanto, é fato que, por mais que já tenha reconhecimento de casais que vivam nesta
condição, a legislação brasileira não consegue acompanhar os avanços sociais, a abertura de
conceitos e aumento de liberdades individuais; e isto tem gerado grande desconforto e
exposições das pessoas envolvidas, que permanecem sem o adequado amparo legal.
O Judiciário brasileiro tem se manifestado de maneira bastante considerável em muitas
situações, a fim de reconhecer que a padronização do “normal” e do “desviante” está fora da
realidade, proporcionando a todos, principalmente aos que compõem grupos contrários às
normas sociais, o acesso a direitos e suas garantias, mas isso não e suficiente e tampouco
esgota a necessidade de regulamentação legislativa.
78
79
80
81
GADELHA, Patricia Silva. A prática da pederastia é crime militar . In: Jus Navigandi. 6 abr. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8206>. Acesso em: 09 out. 2010.
BRASIL. Código Penal Militar. Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 09 out. 2010.
Pederastia: homossexualismo entre indivíduos do sexo masculino. (Dicionário Brasileiro Globo. 39 ed., São
Paulo: Globo, 1995).
RIOS, Roger Raupp. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre
preconceito e discriminação. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas
escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
UNESCO, 2009.p.75.
36
Recentemente, o judiciário brasileiro – Superior Tribunal de Justiça – por unanimidade
de votos, concedeu a uma dupla homossexual o direito de registrar o filho adotivo tendo as
duas como mães. Noticiada em 27 de abril deste ano de 2010, tal decisão é um novo passo
que o Brasil dá para o reconhecimento desta união.
Segundo a desembargadora Maria Berenice Dias,82 “é um efeito que se expande”.
Esta decisão ocorreu numa alta Corte do país e a partir disso já é possível visualizar
qual a linha que será seguida pela justiça pátria no que diz respeito a este tema. É uma
revolução silenciosa, em que há casos parecidos aguardado decisões dos tribunais.
Segundo Maria Berenice Dias83 “Agora, tribunais de 1ª e 2ª instâncias devem dar a
casos semelhantes [...] o mesmo entendimento do STJ.” Muito mais do que um avanço, já que
em outros tempos, nem mesmo as mulheres tinham quaisquer liberdades.
No ano de 2005, um Procurador do Ministério Público Federal, na cidade de São
Paulo, em Taubaté, ajuizou uma ação civil pública com pedido liminar para que houvesse
permissão de casamento homossexual em todos os estados, bem como no Distrito Federal.
Logo em seguida, tal pedido foi negado pela Justiça Federal, sob o argumento de que não
seria conveniente que tal permissão fosse dada por medida liminar.84
Na época, o Ministro Nilmário Miranda – da Secretaria Especial de Direitos Humanos,
manifestou seu apoio e concordância com a iniciativa, pronunciando-se a favor de que a
permissão fosse concedida, pois seria o começo da efetivação de igualdade de direitos: “uma
medida importante para a efetivação dos direitos e cidadania dos homossexuais no Brasil.”85
Outro caso ganhou espaço no âmbito internacional no ano de 2004. O Tribunal
Superior Eleitoral impugnou a candidatura de Eulina Rabelo à prefeitura do município de
Viseu, no Pará. Por decisão unânime, foi declarado que o fato dela manter relacionamento
estável com a prefeita atual na época era caso de inelegibilidade86, configurando plena
obrigação de se abster da eleição.
Apesar desse reconhecimento, não restou caracterizada a união estável, pois esta
somente decorre da união entre homem e mulher, o suposto “direito” não lhe foi concedido.
82
83
84
85
86
MAGGI, Lecticia. Uma esperança aos homossexuais: decisão histórica do STJ traz esperança a casais gays
para que direitos ignorados até pela Constituição sejam revistos. In: Portal Ig Noticias. 01 maio 2010.
Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/uma+esperanca+aos+homossexuais/n1237602909199
.html>. Acesso em: 14 ago. 2010.
2010, apud MAGGI, Lecticia.
MELLO, Luiz. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis, 14(2). Maio-Ago. 2006. p. 497.
Ibidem.
Ibidem.
37
A decisão restou clara, apesar de várias opiniões contrárias e inclusive a interposição
de diversos recursos.87 Aqueles que adotaram esta corrente, em oposição à decisão, afirmavam
ser inconstitucional a ampliação da interpretação da norma pelo julgador e que não seria lícita
a aplicação extensiva da norma destinada a heterossexual com finalidade de restringir efeitos
do direito de cidadania.
Portanto, restou concluído que os sujeitos de uma relação homossexual estável
submetem-se à regra constitucional de inelegibilidade, assim como ocorre nas relações
estáveis de concubinato e de heterossexuais.
Com isso, abriu-se espaço para a discussão de que a Constituição Federal não
vislumbra a relação homossexual no que tange aos diretos, mas sim às obrigações. Os deveres
devem ser cumpridos, mas os direitos não são devidamente assegurados.
A comparação com casais heterossexuais é comum quando se trata do cumprimento de
deveres constitucionalmente impostos, os homossexuais são tratados de forma normal, como
se heterossexuais também fossem, porém, quando a seara é no campo de direitos e garantias
legais, o tratamento diferenciado vem à tona e deixam de aplicar a norma regular, que é
direcionada a heterossexuais, aos homossexuais também.
Seguindo a evolução dos tribunais pátrios, mais um fato chama atenção. No ano de
2007, o Rio de Janeiro, pioneiramente, concedeu pensão a parceiros homossexuais.88
Até maio deste ano de 2010, segundo um estudo de levantamento de casos realizado
pela desembargadora Maria Berenice Dias, foram 700 casos ganhos, em tribunais de todo o
Brasil, por casais homossexuais e várias são as situações, dentre elas reconhecimento de união
estável, partilha dos bens seguida da separação, pensões, a dependência do titular em planos
de saúde e adoção de crianças.89
Assim, pudemos ressaltar algumas que foram relevantes para o sistema
jurisprudencial.
No Supremo Tribunal Federal, alguns processos tornaram-se de relevo, no que se
refere às questões de reconhecimento de relacionamento, como é o caso do processo de nº
87
88
89
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Processo: 24564. Classe: ERESPE - Embargos de Declaração em
Recurso Especial Eleitoral. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. Julgamento: 13/10/2004. Publicação:
13/10/2004.
MAGGI, Lecticia. Uma esperança aos homossexuais: decisão histórica do STJ traz esperança a casais gays
para que direitos ignorados até pela Constituição sejam revistos. In: Portal Ig Noticias. 01 maio 2010.
Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/uma+esperanca+aos+homossexuais/n1237602909199
.html>. Acesso em: 14 ago. 2010.
Ibidem.
38
330090, em que ficou reconhecida que a exclusão de benefícios previdenciários com base em
orientação sexual é discriminatória, além de retirar a proteção estatal de pessoas que deveriam
estar acobertadas por este manto; também restou configurado o desrespeito à dignidade da
pessoa humana a discriminação que leve em conta essa mesmo orientação, motivo pelo qual
não se deve ignorar a condição da pessoa do indivíduo.
Afirmou-se que a aceitação de uniões homossexuais é um fato mundial e que tem
prosperado a noção familiar, de modo que seja permissível a união entre pessoas do mesmo
sexo para constituir essa instituição.
O Poder Judiciário deve, muitas vezes, se antecipar às novas legislações, não cerrando
suas portas para a evolução social, mas tentando acompanhá-la e emitir decisões mais justas
possíveis.
Em 2005, tempos mais recentes, o STJ homologou sentença estrangeira que versava
sobre retificação de registro civil de transexual, o qual queria modificar o assento após ter
passado pela cirurgia de transgenitalização.
Decisão foi tomada e já havendo precedentes de outros tribunais, até porque em nada
seria preservada a ordem e a moral se um indivíduo aparenta ser física e psicologicamente
uma mulher, mas está com registro civil masculino.
A manutenção do registro causaria desconforto e estaria expondo o indivíduo à
ridicularização, ao desrespeito. Nesse mesmo sentido, o magistrado Ênio Santarelli Zuliani,
em Apelação Cível nº 052.672-4/6, da Comarca de Sorocaba:
Como a função política do Juiz é de buscar soluções satisfatórias para o usuário da
jurisdição - sem prejuízo do grupo em que vive -, a sua resposta deve chegar o mais
próximo permitido da fruição dos direitos básicos do cidadão (Artigo 5°, X, da
Constituição da República), eliminando proposições discriminatórias, como a de
manter, contra as evidências admitidas até por crianças inocentes, erro na conceituação do sexo predominante do transexual.91
Muitos casos relacionados a estes temas correm em segredo de justiça e, portanto, são
de acesso restrito, mas não têm impedido que os tribunais passem a reconhecer e aplicar a
homossexuais normas socialmente destinadas a heterossexuais, até porque o ordenamento
jurídico brasileiro carece de leis nesse sentido.
Apesar destas decisões inovadoras, dentre tantas outras ocorridas até então, o país
ainda passa por dificuldades normativas que permeiam a atualidade, a legislação não é
90
91
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo: 3300. Classe: MC ADI - Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 03/02/2006. Publicação: 09/02/2006.
BRASIL. Legislação e jurisprudência LGBTTT: Lésbicas – Gays – Bissexuais – Travestis – Transexuais –
Transgêneros. Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília. Letras Livres,
2007. p.162.
39
suficiente para assegurar a aplicação de todos os direitos que deveriam sê-lo, as fragilidades
vivenciadas por pessoas homossexuais ainda não ascenderam ao plano legislativo, como era
esperado, e os mesmos ainda estão à mercê de decisões judiciais, em sua maioria,
preconceituosas, quando não homofóbicas.
40
2. EVOLUÇÃO NORMATIVA DOS DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS NO
BRASIL
2.1.
SITUAÇÃO DA CF/88
A Constituição, como norma suprema de um estado, tem por objetivo a preservação da
sociedade e de seus valores.
Assim, Hamilton Hudson Lacerda92 define Constituição como sendo um conjunto de
normas fundamentais dotado de supremacia na ordem jurídica, que se funda em idéias de
harmonia, tendo por base valores jurídicos que são fundamentais para o domínio de uma
sociedade, envolvendo todos seus valores.
Mesmo com toda luta engajada em prol da igualdade de direitos entre homens e
mulheres, a Constituição Federal de 1967 não assegurou, como o desejado, as liberdades
femininas, mas apenas iniciou a igualdade entre homens e mulheres; nesse sentido, Raquel
Marques da Silva93 afirma que “Podemos dizer que a partir da Constituição de 1967, começou
a firmar-se a igualdade jurídica entre homens e mulheres.”
A Constituição de 1967, até então, apenas mencionava em seu artigo 150 o texto de
que todos eram iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e
convicções políticas. Além disso, previa também que o preconceito de raça fosse punido por
lei.94
Paralelamente à nova ordem constitucional vigente, surgiam atos institucionais95 que
acabavam com quaisquer liberdades individuais, encaradas como excesso, elucidando-se a
situação à época vivenciada tem-se o seguinte posicionamento:
Estes assumiram o papel da constituição, transformando-a em uma mera
formalidade que era submetida e anulada pelos AIS. Eram “leis ordinárias”
92
93
94
95
LACERDA, Hamilton Hudson. Transexualismo. BDjur, Brasília, DF. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/9880>. Acesso em: 27 set. 2010. p. 8.
SILVA, Raquel Marques. Evolução histórica da mulher na legislação civil. In: Pai Legal. Disponível em
<http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-499837583> Acesso em: 08 set. 2010.
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Presidência da
Republica. Brasília, DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui
%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.
Atos Institucionais: eram decretos emitidos durante o regime militar com objetivo de legitimar as ações
políticas dos militares que estavam no poder.
41
governando e virando de cabeça pra baixo a hierarquia do ordenamento jurídico. Por
isso pode se considerar que o Governo obtinha sua legitimidade nos AIS [...]. 96
No ano seguinte, 1968, foram grandes as transformações na sociedade brasileira,
descrito como “’o ano que não acabou’, ficou marcado na história mundial e na do Brasil
como um momento de grande contestação da política e dos costumes.”97
Apesar dessa nova ordem constitucional, em 13 de dezembro desse mesmo ano, foi
instituído o Ato Institucional nº. 5, como a maior expressão da ditadura militar brasileira, que
perdurou entre 1964 a 1985. Com vigência até 1978 , concedeu aos governantes o poder
sobre o país e sobre os demais poderes, limitando suas atuações:
foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da República, em caráter
excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a: decretar o recesso do Congresso
Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares;
suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o
confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus. No
preâmbulo do ato, dizia-se ser essa uma necessidade para atingir os objetivos da
revolução, "com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de
reconstrução econômica, financeira e moral do país". No mesmo dia foi decretado o
recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado - só em outubro de 1969 o
Congresso seria reaberto para referendar a escolha do general. 98 [sic]
Pode-se considerar que o AI-5 foi instrumento de opressão e tirania, em que os
poderes absolutos do Poder Executivo ameaçavam aqueles que se opussessem ao regime, bem
como cerceava as liberdades individuais de todo indivíduo, os opositores declarados sofriam
as consequencias dessa nova “norma”.
Assim, durante a ditadura militar , “O poder arbitrário do sistema desnudou suas reais
intenções quando os dispositivos formais dos textos que garantiam a liberdade de expressão,
de reunião, de imprensa, foram violados pela censura e pela repressão.”99
96
97
98
99
Giovanna; Gustavo; LUIZA, Anna; PEQUENO, Paula. Qual foi a verdadeira Constituição do Brasil no
período da ditadura militar? Disponível em: <http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/Qual_foi_a
_verdadeira_Constitui%C3%A7%C3%A3o_do_Brasil_no_per%C3%ADodo_da_ditadura_militar%3F>.Ace
sso em: 08 set. 2010.
[S/N]. Ato Institucional Número 5. In: Portal São Francisco. Disponível em: <http://www.
portalsaofrancisco.com.br/alfa/ditadura-militar/ato-institucional-numero-5.php>. Acesso em: 08 set. 2010.
Giovanna; Gustavo; LUIZA, Anna; PEQUENO, Paula. Loc.cit.
Ibidem.
42
As garantias dos cidadãos, que até então pareciam existir, foram sensivelmente
diminuídas ou ressalvadas. A qualquer tempo, o Executivo poderia suspendê-las, eram
critérios próprios do governante.100
Em resposta à crescente onda de autoritarismo e repressão, a sociedade civil se
organizava. Estudantes, trabalhadores e mulheres se movimentavam e manifestavam seu
desapreço quanto aos atos arbitrários do governo.101
Nesse contexto, somente a partir de 1975 que novos movimentos foram se arriscando e
ganhando espaço, participando mais ativamente da vida política do país, por meio de grupos
de discussão e de jornais.
A autora Daniela Auad assim descreve a época:
A partir de 1975, tornaram-se pontos importantes das discussões públicas, nos
partidos políticos e nos movimentos sociais de modo geral, o direito à creche para os
filhos, a descriminalização do aborto, a licença maternidade, os direitos das
mulheres trabalhadoras nas áreas urbana e rural, a saúde das mulheres e a violência
contra elas.102
Essa inserção política dos movimentos, principalmente das feministas, foi essencial
para afirmação dos grupos homossexuais no país e responsável pela conquista de direitos à
igualdade logo em seguida com a Constituição de 1988, de forma que, com as liberdades
sexuais femininas conquistadas, os homossexuais se sentiram à vontade para exporem sua
opção, apesar de todos os preconceitos, e passaram a encarar a real situação que vivenciavam.
Somente com a edição da nova Constituição (1988) houve um ponto final na discussão
de igualdade entre homens e mulheres, igualando-os no que se refere a direitos e a obrigações.
De igual forma Raquel Marques da Silva continua,
Com a Constituição Brasileira de 1988, que definitivamente reconheceu a igualdade
de direitos e deveres entre homens e mulheres, os movimentos feministas,
associados a líderes políticos, ganharam força e garantiram à mulher seu espaço na
sociedade. Apesar disto, ainda existem resquícios de uma sociedade conservadora.103
100
101
102
103
COSTA, Emília Viotti da. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania. UNESP, 192 p.
Disponível
em:
<http://books.google.com.br/books?id=-7CMRfVCtcQC&printsec=frontcover&dq=
.+O+Supremo+Tribunal+Federal+e+a+constru%C3%A7%C3%A3o+da+cidadania.&source=bl&ots=txLkm
4EnrB&sig=xt5D6nVAICHi9KLJB-9FWHWL1r4&hl=pt-BR&ei=YfajTK2ZL4WBlAe6iLSiDA&sa=X&o
i=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CBUQ6AEwA A#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 12 set.
2010.
Ibidem.
AUAD, Daniela. Feminismo: que história é essa?. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 73.
SILVA, Raquel Marques. Evolução histórica da mulher na legislação civil. In: Pai Legal. Disponível em
<http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-499837583> Acesso em: 08 set. 2010.
43
Mesmo assim, somente com essa nova Constituição Federal é que houve uma
evolução da conquista de situações menos desiguais entre os sexos, conseqüentemente,
incluindo-se a garantia de direitos a homossexuais.
Os atuais dispositivos constitucionais preceituam, de forma mais abrangente, a
igualdade, não restringindo a determinado grupo a aplicação das demais normas referentes à
questão.
Segundo Lisandra Silveira Bonachela,
Tentou-se introduzir na CF/88 uma norma que vedasse expressamente a
discriminação de homossexuais, mas não houve um consenso na utilização de uma
expressão que fosse isenta de qualquer possibilidade de ofensa a quem quer que seja.
Por isto, preferiu-se utilizar expressões genéricas, como “distinções de qualquer
natureza” e “qualquer forma de discriminação”.104 [Grifos do autor]
No entanto, embora a Constituição não tenha se referido em nenhum momento a
relacionamento homossexual, há princípios mínimos que devem ser respeitados, tais como a
dignidade da pessoa humana, a igualdade e aquele cuja discriminação por qualquer orientação
sexual é vedada.105
Tendo em vista tais princípios, pode o Poder Judiciário deles se valer para aplicar a lei
aos casos concretos que digam respeito a homossexuais.
2.1.1. O projeto de lei nº. 1.151/95 e a união homoafetiva
Diante dessa situação em julho de 1995, surgiu o Projeto de Lei nº. 1.151/95, proposto
pela, na época deputada, Marta Suplicy que visou dar disciplina legal à união civil entre
homossexuais.106
Essa era a reação mais concreta que nascia em defesa de direitos homossexuais,
constitucionalmente garantidos. Visava conceder formas mínimas de uma possível igualdade
da homossexualidade com os demais gêneros sexuais.
104
105
106
BONACHELA, Lisandra Silveira. Anotações sobre o princípio da igualdade na Constituição Federal.
Faculdade de Direito de Bauru, Instituição Toledo de Ensino - ITE. p. 61.
SILVA, Raquel Marques. Evolução histórica da mulher na legislação civil. In: Pai Legal. Disponível em
<http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-499837583> Acesso em: 08 set. 2010.
BIAGIONI, Juliana Salate. União homoafetiva e seus aspectos jurídicos. Faculdade de Direito de Bauru.
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos n. 44. p. 632.
44
Bastante comentado, esse projeto foi vulgarmente instituído como projeto da Parceria
Civil Registrada – PRC.107
Foi esse período um momento de grandes e significativas mudanças que possibilitaram
a proposição do projeto, que objetivava uma proteção exclusiva a homossexuais. A sociedade
avançava no assunto que até pouco tempo não era sequer cogitado.
Conforme a própria autora do Projeto de Lei,
Alguns juristas apontam a necessidade do Direito não mais se omitir ou deixar de
avançar em consonância com os movimentos e transformações políticas e sociais. É
necessário sair do encastelamento e do formalismo e garantir o direito à orientação
sexual como direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana.
E como direito fundamental surge o prolongamento dos direitos da personalidade,
imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa,
democrática e igualitária.108
Esse projeto dispunha, basicamente, sobre questões de sucessão, benefícios
previdenciários, direito à nacionalidade aos estrangeiros, seguro saúde conjunto, declaração
conjunta de imposto de renda e também sobre renda conjunta de ambos para aquisição de bem
imóvel.109
Não se limitava a disciplinar tão somente a união estável homossexual, mas demais
aspectos que poderiam gravitar em torno do tema.
Conforme esse projeto, a parceria deveria ser registrada em Cartório de Registro Civil
das Pessoas Naturais, apesar de não se mencionar, em momento algum a expressão
“casamento”, não conceder permissão para a utilização de sobrenome do parceiro e nem
autorizar a alteração do estado civil adotado no ato da celebração do contrato, durante o
período de sua vigência.110
Esse instituto permaneceu com limitações quanto ao gozo dos direitos que assegurava,
mas nada que impedisse o progresso do tema, e isto é facilmente verificado, haja vista que
para que o registro se efetuasse, seria necessária a comprovação de desimpedimento (condição
de solteiro, viúvo ou divorciado).
Posteriormente ao registro, haveria a lavratura do contrato, conforme Juliana Salate
Biagioni,111 “O contrato, já registrado, será lavrado em Ofícios de Notas, devendo constar
neste as disposições sobre o patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas.”
107
108
109
110
111
MELLO, Luiz. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis, 14(2): 248. Maio-Ago. 2006. p.497.
Apud LACERDA, Hamilton Hudson. Transexualismo. BDjur, Brasília, DF. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/9880>. Acesso em: 27 set. 2010. p. 23.
BIAGIONI, Juliana Salate. União homoafetiva e seus aspectos jurídicos. Faculdade de Direito de Bauru.
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos n. 44. p. 632.
Ibidem.
Ibidem.
45
Com o passar dos tempos, o projeto veio a sofrer algumas intervenções, com
finalidade de alterar a proposição inicial, pois o mesmo ampliou as hipóteses de incidência
dos direitos a homossexuais, objetivando viabilizar maiores e melhores resultados à categoria.
Tratou-se de se fazer um Substitutivo do Projeto de origem, que, segundo a autora
supra mencionada,
faz-se menção a alterações que deverão ser feitas na Lei de Registros Públicos (Lei
n. 6.015/73) para que se possa adequar os Registros Públicos ao novo instituto bem
como á possibilidade de inserção de um parceiro como dependente do outro perante
a Previdência Social, e prevendo ainda o direito à sucessão.”112
Aparentemente, esse projeto não difere do casamento, legalmente estabelecido, pois
ambos contratantes seriam igualmente responsáveis pela união, portanto, há sim
diferenciações entre os dois institutos citados, pois o Projeto de Lei não cuida rigorosamente
das questões proibitivas, por exemplo, de união entre parentes, entre tutelados/ curatelados e
seus respectivos pares:
No casamento, os nubentes aderem à cláusulas já existentes, as quais irão regular a
vida dos casal,somente podendo estes escolher o regime de bens que vigorará. No
que concerne ao Projeto de Lei, tais cláusula poderão ser estipuladas livremente
pelos contratantes.113 [sic]
Apesar da intenção em colaborar com os grupos homossexuais, o Projeto de Lei não
verificou as condições mínimas e dignas de atenção, pois não foi detalhista, o que poderia ter
gerado um maior desconforto para a categoria com o aumento de demandas que chegariam ao
Poder Judiciário por força de uma regulação incompleta da causa.
Restou caracterizado o insucesso do Projeto de Lei, não houve a inserção esperada na
seara de minorias estritamente protegidas pelo ordenamento pátrio; os homossexuais – com
legislação independente, própria, especialmente no que diz respeito ao âmbito familiar.
Com essa idéia, coaduna Luiz Mello ao afirmar que
[...] o que se observa é que os homossexuais brasileiros ainda não adentraram a
arena dos sujeitos socialmente reconhecidos como cidadãos no âmbito dos direitos
conjugais e parentais.114
112
113
114
BIAGIONI, Juliana Salate. União homoafetiva e seus aspectos jurídicos. Faculdade de Direito de Bauru.
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos n. 44. p. 632.
SILVA, Raquel Marques. Evolução histórica da mulher na legislação civil. In: Pai Legal. Disponível em
<http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-499837583> Acesso em: 08 set. 2010.
MELLO, Luiz. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis, 14(2). Maio-Agosto/2006. p. 506.
46
Necessário é o reconhecimento de direitos a homossexuais, respeitando-se a dignidade
do indivíduo, como ser humano que é, buscando-se a evolução e adaptação das normas à nova
realidade.
Anos mais tarde, especificamente em 2001, surgiu uma nova proposta de assegurar os
direitos constitucionais a homossexuais, o Projeto de Lei nº. 5003/2001, o qual teve como
mentora a ex-depurada Iara Bernardi.
Considerado o mais importante instrumento protetivo para a comunidade
homossexual, o Projeto tratou de criminalizar a homofobia em amplitude nacional: “O Projeto
de Lei nº. 5003/2001, [...], prevê punição para a discriminação e para o preconceito
relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero, nos mesmos termos em que se faz
em relação ao racismo.” 115
Foi o mesmo arquivado e, posteriormente refloresceu como Projeto de Lei nº.
122/2006, que ainda está em tramitação no Senado Federal e trata da criminalização da
homofobia, tema que será oportunamente abordado.
2.2.
PRECONCEITOS
Embora sejam semelhantes, preconceito e discriminação designam percepções
diferenciadas, apesar de serem, por vezes, interdependentes.
Bem observa Roger Raupp Rios116 que “preconceito e discriminação são termos
correlatos que, apesar de designarem fenômenos diversos, são por vezes utilizados de modo
intercambiado.”
Preconceito pode ser entendido como todo e qualquer conceito preestabelecido, é um
pré-juízo assimilado por uma pessoa.117
115
116
117
MELLO, Luiz; GROSSI, Miriam Pillar; UZIEL, Anna Paula. A escola e @s filh@s de lébiscas e gays:
reflexões sobre conjugalidade e parentalidade no Brasil. Diversidade sexual na educação: problematizações
sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.167.
RIOS, Roger Raupp. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre
preconceito e discriminação. Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas
escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
UNESCO, 2009. p. 54
Heteronormatividade: Termo que se refere aos ditados sociais que limitam os desejos sexuais, as condutas e
as identificações de gênero que são admitidos como normais ou aceitáveis àqueles ajustados ao par binário
masculino/feminino. Identidade de Gênero: Diz respeito à percepção subjetiva de ser masculino ou feminino,
conforme os atributos, os comportamentos e os papéis convencionalmente estabelecidos para homens e
mulheres.
47
É, portanto, uma pré-percepção que se tem de alguém, com cunho negativo,
discriminatório, habilitando posturas que minimizem os destinatários desta conduta
preconceituosa.
Há entendimento também de que preconceitos são percepções mentais negativas
direcionadas a pessoas e grupos socialmente inferiorizados (minorias), além de outras
representações sociais decorrentes de tais percepções.118
Conforme Francis Deon Kich119, o preconceito funciona como regulador social, de
forma que busca assegurar que as relações subordinadas permaneçam onde estão, não se
admitindo que se transformem em políticas, tendo como uma forte estratégia o emprego de
atributos negativos de origem tanto moral, quanto religiosa, ou, até mesmo vindo das ciências,
com finalidade de estabelecer certa hierarquia sexual, em que a heteronormatividade120 surge
como ponto de referência regulador das relações mais diversas, relações essas entre
indivíduos ou entre estes e o governo.
Isso significa dizer que o modelo heterossexual está enraizado nas sociedades,
dificultando que os homossexuais tenham acesso às mesmas condições que as demais pessoas
que se encaixam neste modelo têm.
Enquanto isso, para Roger Raupp Rios, discriminação
designa a materialização, no plano concreto das relações sociais, de atitudes
arbitrárias, comissivas ou omissivas, relacionadas ao preconceito, que produzem
violação de direitos dos indivíduos e dos grupos. [...] mais difundido no vocabulário
jurídico.121 [Grifo nosso].
A discriminação é a exteriorização do preconceito, por meio de atitudes ou sua
ausência diante de uma violação de normas aplicáveis aos grupos que são vítimas desse
preconceito.
O conceito de discriminação encontra reprovação jurídica das violações ao princípio
da isonomia, focando-se nos prejuízos advindos aos destinatários de tratamentos
diferenciados.
Isso porque qualquer exclusão, rejeição, restrição ou preferenciação que vise preterir,
anular ou restringir o reconhecimento de direitos ou seu gozo e exercício de forma igual, no
118
119
120
121
RIOS, Roger Raupp. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre
preconceito e discriminação. Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas
escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
UNESCO, 2009. p. 54.
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura
no Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II. 3 v. Jan – Jun. 2008. p. 132.
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. p. 175.
RIOS, Roger Raupp. Loc. cit.
48
que tange a direitos humanos e liberdades fundamentais; será ilegítima, já que a diferenciação
legítima é somente aquela decorrente de elaboração e aplicação de normas juridicamente
válidas, em face de realidades desiguais.122
Dessa forma, toda e qualquer relação social, caracterizada como discriminatória,
deverá ser contrária às normas jurídicas para que seja qualificada como tal. Caso não colida
com o direito, não há falar em discriminação, mas em diferenciação de tratamento.
As práticas homofóbicas advêm de integrações com o mundo social que faz o
entrelaçamento de tratamentos desiguais, ou menos iguais, mostrando a vulnerabilidade
dessas relações.
A inclusão do preconceito direcionado a homossexual na esfera política, significa não
só modificar este campo, como também atuar em processo continuado de conscientização
pública, focando-se neste debate.123
Nestes termos, conforme Roger Raupp Rios124 salienta, para que a homofobia tenha
fundamentação jurídica como sendo discriminatória, necessária se faz a presença de dois
aspectos: a contrariedade ao direito dos tratamentos homofóbicos, bem como as formas de
manifestação de violência discriminatória homofóbica.
A primeira significa dizer se há ou não injustiça quanto aos tratamentos diferenciados,
assim considerados aqueles discriminatórios homofóbicos e o segundo aspecto diz respeito a
toda e qualquer forma de violência, seja por agressão física, moral, psicológica ou qualquer
outra.
Muitas vezes, a homofobia, expressão visível do preconceito contra homossexuais,
inicia no âmbito escolar e, assim, prejudica todo o processo de formação do indivíduo
vitimado:
Embora produza efeitos sobre todo o alunado, é mais plausível supor que a
homofobia incida mais fortemente nas trajetórias educacionais e formativas e nas
possibilidades de inserção social de jovens que estejam vivenciando processos de
construção identitária sexual e de gênero que os situam à margem da “normalidade”.
É difícil negar que a homofobia na escola exerce um efeito de privação de direitos
sobre cada um desses jovens.125
122
123
124
125
RIOS, Roger Raupp. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre
preconceito e discriminação. Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas
escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
UNESCO, 2009. p. 70.
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura no
Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II 3 v. Jan – Jun. 2008. p. 132.
RIOS, Roger Raupp. Op. cit., p. 71.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. UNESCO, 2009.p. 25.
49
Mas não sofrem discriminação e violência apenas em nível escolar, há falar também
que grande parte dos homossexuais, que não se encontram no ambiente escolar, são alvos de
outras formas de violência e, os que fazem parte deste ambiente, têm agressões somadas por
fatores externos.
Conforme Rogério Diniz,126 “A essas experiências costumam se somar outras formas
de violência por parte de vizinhos, conhecidos, desconhecidos e instituições.”
Ressalte-se que, qualquer que seja a agressão sofrida por homossexuais, toda
expressão de repúdio, mediante situações constrangedoras a este grupo, será considerada
violência homofóbica.
Seja a homofobia por meio verbal ou físico, a mesma é reafirmada quando a
sociedade, ao se deparar com tal situação, cala-se, consentindo com o que está sendo firmado
como correto.
Nesse mesmo entendimento, o autor supra, continua ao conduzir o assunto:
À violência propriamente dita soma-se a “violência simbólica”, fazendo com que a
própria vítima contribua para a legitimação da agressão e favoreça o agressor e os
seus difusos cúmplices. A falta de solidariedade por parte de profissionais, da
instituição e da comunidade escolar diante das mais corriqueiras cenas de assédio
moral contra estudante LGBT pode produzir ulteriores efeitos nos agressores e nos
seus cúmplices. Além de encorajados a continuarem agindo, aquiescendo ou
omitindo-se, são aprofundados em um processo de alheamento [...].127
Esse claro desrespeito deve ser extinto do convívio social desses indivíduos
estigmatizados, pois a homofobia traz dor e mal-estar a quem é direcionada. O mesmo autor
ressalta que “[...] é preciso não descurar que a homofobia, em qualquer circunstância, é fator
de sofrimento, de injustiça.”
Argumentos não faltam para demonstrar a recorrência de condutas homofóbicas, pois
recentemente tem-se falado muito em grande número de agressões contra homossexuais:
“Pesquisas recentes revelam que é bastante alta a expressão de idéias e imagens homofóbicas,
bem como atitudes de intolerância para com a homossexualidade [...]”.128
Para um efetivo combate à discriminação, faz-se mister o respeito às diferentes formas
de vida e, consequentemente, de orientação sexual. O fato de não concordar com atitudes de
determinadas categorias não faz jus a uma implementação desrespeitosa de conceitos
126
127
128
JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. UNESCO, 2009.p.25.
Ibidem, p. 27.
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero,
sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. 2009. p. 108.
50
contrários pré-ajustados, mas, oposto a isso, torna-se essencial o respeito às diferenças, à
diversidade.
Deve-se buscar a alteridade, isto é, o respeito ao próximo, entendendo as diferenças
existentes e levá-las em consideração, pois todos merecem ser tratados com dignidade, haja
vista ser a sociedade naturalmente plural, em diferentes aspectos, não apenas no que tange à
diversidade sexual.
Respeitar é diferente de aceitar, respeitar é necessário, é a forma mais sublime de
proteção à vida.
Quanto a esse princípio da alteridade, encontra-se apoio em Wellington Nery , que se
manifesta, considerando-o como
[...] o caráter do que é outro, a diversidade, a diferença. Sim, o antônimo de
identidade. É preciso contemplar a diferença em todas suas nuances. [...] e sem o
outro não sei quem sou, pois só sou em sociedade. E as sociedades devem ser
múltiplas como a vida o é. [...] Não nos cabe o preconceito, a intolerância, a
estupidez, a barbárie.129
Resta claro que princípios constitucionalmente garantidos são frontalmente violados
todos os dias por situações que se amoldam e/ou se assemelham às descritas, conseqüência da
inobservância ao princípio supra mencionado.
A ausência de parâmetros estatais mínimos, por motivo de preconceito, que lhes
garantam uma vivência mais segura e digna, deixa margem a uma exclusão social cada vez
mais enraizada, que vai se solidificando com o passar dos anos no seio social, afastando-os da
atenção do poder público.
A inclusão do preconceito direcionado a homossexual na esfera política, significa não
só modificar este campo, como também atuar em processo continuado de conscientização
pública, focando-se neste debate.130
É, pois, necessário que haja um direcionamento normativo a este grupo que sofre as
mais diversas práticas homofóbicas, haja vista a vulnerabilidade e invisibilidade social a que
estão diariamente sujeitos.
Não podem ficar à mercê do aumento da violência, pois, como bem expressa a
Desembargadora Maria Berenice Dias,
Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao
exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, albergando a
liberdade de livre orientação sexual. 131
129
130
NERY, Wellington. O princípio da alteridade. 06 out. 2007. Disponível em <http://falandonalata.
wordpress.com/2007/10/06/o-principio-da-alteridade/>. Acesso em: 20 set. 2010.
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura no
Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II. 3 v. Jan – Jun. 2008. p. 132.
51
As liberdades individuais devem ser enfocadas, pois são as que reúnem todos os
direitos de se viver dignamente, somando-se a poderes assegurados a cada indivíduo,
permitindo que cada um viva e exerça suas próprias atividades livremente, claro que
respeitando os limites legais.132
Assim, o direito à homoafetividade inclui-se entre aqueles que são abrangidos pelas
liberdades individuais e devem ser incluídos no rol de direitos de personalidade,
principalmente no que se refere à identidade pessoal e a integridade individual, tanto psíquica
quanto física.133
Esse, portanto, é um direito que, além de ser amparado pelo princípio da igualdade,
que tem como fundamento a vedação de discriminações injustas; também está sob a égide da
liberdade de expressão134, e isso não deve servir de motivo para qualquer tipo de
discriminação baseada na orientação sexual, tampouco atitudes que lhes retirem a proteção
estatal.
Debater esse eixo temático com vistas a combater essas agressões, ameaças e
violências é dever de todo cidadão, ainda que o deslinde desses acontecimentos se dê em
ambientes privados como, por exemplo, hospitais e empresas;
Maria Berenice Dias135 se posiciona da seguinte forma: “Necessário é pensar com
conceitos jurídicos atuais, que estejam à altura de nosso tempo.”
Somente por meio deste tipo de intervenção é que a sociedade estará, aos poucos,
abolindo a discriminação sexual, enfatizando o respeito ao próximo e, principalmente, o
respeito à vida, independentemente de como cada qual deseja conduzí-la.
131
132
133
134
135
DIAS, Maria Berenice. Uniões homoafetivas e os direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito de
Campos, Ano II, nº. 2 e Ano III, nº. 3 – 2001-2002, p. 194.
ALVES, Maíra Uchôa Rodrigues et al. O indivíduo homossexual: contexto histórico-social e as relações
acadêmicas. Goiânia, 2007. 30 f. Artigo Científico (Especialista em Docência) – Faculdade de Goiás –
FAGO (Estácio de Sá), Goiânia, 2007.
DIAS, Maria Berenice. Direito fundamental à homoafetividade. Disponível em: < http://www.maria
berenice.com.br/uploads/24_-_direito_fundamental_%E0_homoafetividade.pdf >. Acesso em: 08 set. 2010.
Ibidem.
Idem. Uniões homoafetivas e os direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano II, nº.
2 e Ano III, nº. 3 – 2001-2002, p. 194.
52
2.2.1. Interpretação constitucional
A Carta Magna, como fundamento, traz em seu artigo 1º, inciso III o princípio da
dignidade da pessoa humana, o maior norteador dos demais direitos e garantias do Estado
brasileiro.
Nesse aspecto, todo ser humano deve ser respeitado em sua integridade, como pessoa
humana que é, não se admitindo a preterição de direitos legalmente assegurados, sejam eles
quais forem, por condições outras que tendem a inviabilizar uma existência digna.
A Desembargadora Maria Berenice Dias expressa seu posicionamento frente ao tema
Firmando a Constituição a existência de um estado democrático de direito, o núcleo
do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade humana, atentando nos princípios
da liberdade e da igualdade.136
Em um país que carrega a marca da democracia, é inviável a aceitação ou omissão do
estado nesse aspecto de tolher ou minimizar direitos fundamentais, devendo os homossexuais
gozar da mesma proteção estendida aos heterossexuais.
Rogério Diniz continua,
[...] uma sociedade democrática e suas instituições (inclusive a escola) devem
envidar esforços para coibir ou impedir que a selvageria intolerante cause ulteriores
sofrimentos e para diminuir os efeitos que ela possa ter (até mesmo na alimentação
do desprezo e do ódio em relação a outros grupos).137
Não se pode simplesmente ignorar a presença de homossexuais nos diversos
ambientes que são por eles freqüentados, mas sim encarar a situação, assegurando-lhes todos
os direitos que lhes pertencem, respeitando-se às normas e trilhando uma convivência social
harmônica.
Não se deve deixar imperar o princípio da heterossexualidade presumida – assim
considerando aquele que faz crer que não haja homossexuais em um determinado ambiente, e
caso ocorra, pensar que é por tempo determinado e que logo irá se evadir do local.138
Tal presunção conduz ao silêncio e à invisibilidade destas pessoas, dificultando mais
ainda o seu reconhecimento como forma legítima de se viver – é uma mera opção, escolha de
cada indivíduo – e de se expressar afetuosamente.139
136
137
138
DIAS, Maria Berenice. União estável homossexual. Faculdade de Direito de Bauru, Instituição Toledo de
Ensino – ITE. p. 58.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. UNESCO, 2009.p. 29.
Ibidem. p. 31.
53
O fato de simplesmente ignorar a situação não finda o sofrimento e tampouco assegura
proteção equivalente àquela recebida por heterossexuais.
A sociedade deve encarar a real posição em que se encontra o grupo homossexual e
estabelecer parâmetros mínimos de efetividade de seus direitos.
Conforme Amanda Brito Meira,140 “uma sociedade compreendida como democrática
não pode estar arraigada em idéias preconceituosas, que desconsideram ou ignoram a
necessidade de aceitar e respeitar as diferenças.”
Já em seu artigo 3º, inciso IV, a Constituição expressamente proíbe a desigualdade por
motivo de sexo: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.”.
Este é mais um momento em que o texto constitucional menciona igual proteção a
todos que vivem em território brasileiro, estipulando que seja observado o princípio da
igualdade – ressalte-se que dentro dos limites legais –
e, portanto, expõe a necessidade que se efetive o respeito de igual modo para todos.
Porém, o preconceito é a principal obstáculo para que haja uma evolução no Direito,
em que se garanta o mínimo necessário a essa categoria
esse preconceito que emana de grande parte da sociedade ganha terreno já que não
existe uma lei específica que proteja e garanta direitos ao segmento GLBTT. A favor
dessa parte da população existem preceitos constitucionais que garantem a todos o
direito à igualdade, dignidade e privacidade, que apesar de não serem obedecidos,
fundamentam a defesa de direitos, inclusive ações indenizatórias pela prática de atos
discriminatórios. [...] Os atos homofóbicos partem de todos os lados, de todas as
maneiras, de uma palavra vulgar a assassinatos.141
Não há razão para que qualquer mitigação de direitos seja aplicada, muito embora a
homossexualidade seja apresentada como “anormal”. A não aceitabilidade da condição
homossexual pela sociedade, de maneira geral, não restringe a proteção efetiva dos direitos
que podem e devem, a este grupo, ser aplicada; ao contrário, cria requisito a mais para uma
previsão normativa diferenciada.
139
140
141
JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. UNESCO, 2009.p. 31.
MEIRA, Amanda Brito. O exercício da alteridade e o combate á homofobia: os direitos homossexuais.
2010. Disponível em: < http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_artigo/o_exerccio _da_alteridade
_e_o_combate__homofobia.pdf >. Acesso em: 17 set. 2010.
AMARAL, Sylvia Maria Mendonça. Preconceito é a principal barreira contra a evolução do Direito. In:
Conjur: Consultor Jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/ 2008-jun-25/preconceito_
principal_barreira_evolicao_direito>. Acesso em: 09 ago. 2010.
54
Segundo a Desembargadora Maria Berenice Dias,142 esse dispositivo expressamente
assegura direitos à liberdade e à igualdade; mas de nada adiantará assegurar o respeito à
dignidade humana e tampouco à liberdade, pois enquanto existirem seguimentos sujeitos a
exclusão social, tratamento desigual e enquanto a homossexualidade for vista unicamente de
forma preconceituosa, não estará diante de um real Estado Democrático de Direito.
Há quem entenda que “aquele que não admitir essa liberdade e com isso não respeitála estará praticando um ato de pura discriminação”.143 Embora a proteção constitucional do
artigo 3º não mencione expressamente os homossexuais, pode-se dizer que estes gozam de
proteção indireta.
A idéia é que o Estado deva garantir e assegurar o respeito a todos os cidadãos,
indistintamente, conforme a própria previsão constitucional, proporcionando uma existência
digna, com oportunidades e espaços comuns, contemplando, além da dignidade da pessoa
humana, outro grande princípio, o princípio da igualdade.
Para Maria Berenice Dias,144 “o grande pilar que serve de base à Constituição é a
consagração dos princípios da liberdade e da igualdade”.
Tais princípios norteiam a situação dos homossexuais na órbita jurídica nacional,
ainda que se tenha influência de outros setores sociais.
A atual Constituição Brasileira prevê, em seu artigo 5º, caput, esse basilar princípio ao
mencionar em seu texto que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
O legislador constituinte, ao estabelecer esse princípio, abriu margem a todos de
gozarem da mesma proteção, dos mesmos direitos e obrigações; se estiverem no Brasil.
Assim, há que se observar que somente a própria Constituição pode criar distinções entre os
diversos grupos sociais, neles inserido o dos homossexuais.
Mesmo com todos os avanços sociais e respectivas transformações, as discussões
acerca da questão da homossexualidade vêm ganhando cada vez mais visibilidade e
conquistando uma cobertura diferenciada nos meios de comunicação. Isso significa que os
grupos antes marginalizados começam a se inserir socialmente como detentores de direitos
também.
142
143
144
DIAS, Maria Berenice. Direito fundamental à homoafetividade. Disponível em: < http://www.maria
berenice.com.br/uploads/24_-_direito_fundamental_%E0_homoafetividade.pdf >. Acesso em: 08 set. 2010.
YOSHIURA, Vanessa; VASCONCELOS, Douglas Borges de; AMARAL, Sergio Tibiriçá do. Os direitos
humanos dos homossexuais.
DIAS, Maria Berenice. Uniões homoafetivas e os direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito de
Campos, Ano II, nº. 2 e Ano III, nº. 3 – 2001-2002, p. 194.
55
Contudo, a CF/88 ainda resta preconceituosa quando o assunto é igualdade de direitos
a homossexuais. Saliente-se que, os temas mais arrolados encontram-se na esfera dos direitos
civis de casais de gays e de lésbicas.
Uma questão bastante suscitada é relativa à família, a qual demanda uma série de
decisões do Poder Judiciário face ao desejo de reconhecimento de união homoafetiva e da
adoção por estes casais, ou seja, de igualdade dos vínculos afetivo-sexuais entre
homossexuais como dimensão familiar. 145
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, preceitua a questão da união
estável heterossexual, ou seja, apenas entre homem e mulher, silenciando-se no que diz
respeito à união homossexual.
Com essa norma, abriu-se o leque de interpretações. Com argumentos a favor e contra
a exclusividade das entidades familiares descritas no artigo 226, passou-se a questionar se
relações homoafetivas constituíam entidades familiares também, nos termos deste novo
preceito legal.
Nesse mesmo sentido, Eliane Gonçalves assevera que
[...] o modelo heterossexual familiar é muito forte e está de tal modo arraigado ao
nosso imaginário social que a invenção de novas formas de vida se torna
praticamente impossível. 146
Assim o texto constitucional também reconheceu como instituição familiar a
monoparental – aquela formada por qualquer dos ascendentes com seus descendentes – e a
família formada pela união estável entre homem e mulher. Essas formas de família passaram a
ser reconhecidas como entidades familiares com o gozo da tutela estatal.147
No Brasil, ainda não há regulamentação quando o assunto se trata de convivência entre
pessoas de mesmo sexo. Com isso, o país resolve os casos que surgem, diretamente no
Judiciário.
Segundo palavras da Desembargadora Maria Berenice Dias,148 “A homossexualidade
existe, é um fato que se impõe, estando a merecer a tutela jurídica.”
Quanto a esse preceptivo constitucional, há duas formas de encará-lo. Primeiramente
partindo-se da premissa de que o rol é taxativo, admitindo-se apenas as entidades familiares
145
146
147
148
MELLO, Luiz. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis, 14(2): 497-508. Maio-Ago. 2006. p.498.
Apud MELLO. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Estudos Feministas,
Florianópolis. 14(2): 497-508. Maio-Ago. 2006. p.501
HORSTH, Lidiane Duarte. Uniões homoafetivas: uma nova modalidade de família? De Jure - Revista
jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Seção III, Subseção I, Belo Horizonte, n. 9
jan./dez. 2007.
DIAS, Maria Berenice. Direito fundamental à homoafetividade. Disponível em: < http://www.maria
berenice.com.br/uploads/24_-_direito_fundamental_%E0_homoafetividade.pdf>. Acesso em: 08 set. 2010.
56
constituídas pelo casamento, como pela união estável heterossexual, bem como pelos
ascendentes e seus descendentes.
Para a Promotora Lidiane Duarte Horsth,149 caso assim se proceda, conclui-se que tão
somente esses casos são reconhecidos, no ordenamento jurídico brasileiro, como entidades
familiares, abolindo-se, por vedação constitucional, qualquer abertura para se incluir as
relações homoafetivas.
Esse tem sido o entendimento predominante dos juristas, por exemplo, Tomaz e
Azevedo citados pela Promotora Lidiane Duarte, ao afirmarem que a norma constitucional do
§ 3º do artigo 226, ao estabelecer de forma clara e objetiva, impediu a existência de outras
formas de uniões com fim de estabelecer entidade familiar legítima. Segundo a Promotora,
“para afastar tal entendimento e buscar um reconhecimento dessas uniões homoafetivas, os
estudiosos e intérpretes têm feito verdadeiros malabarismos jurídicos”.150
Por outro lado, há aqueles que defendem a não taxatividade do artigo, mas apenas
dizem ser exemplificativo o rol, argumentando que não haveria qualquer impedimento
constitucional tão autêntico e intransponível151 quanto à aceitabilidade desse tipo de
relacionamento como nova forma de entidade familiar. Este é o entendimento minoritário.
Para Paulo Lôbo,152 a exclusão de outras formas de entidades familiares está na
interpretação, tão somente. Informa ainda o autor que o caput do artigo 226 não fez qualquer
referência a um tipo determinado de entidade familiar, assim, tutela-se a família, qualquer que
seja.
Nesse sentido, para o referido autor, esse artigo seria uma cláusula geral de inclusão,
em que não seria possível excluir qualquer das formas citadas, mas apenas somar novos tipos.
Deve-se prestigiar a forma que mais responda, de maneira coerente, à dignidade da pessoa
humana, nada mais a Constituição quis estabelecer:
Se todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem, e têm assegurada a
convivência familiar e solidária é porque a Constituição afastou qualquer interesse
ou valor que não seja o da comunhão de amor ou do interesse afetivo como
fundamento da relação entre pai e filho.153
149
150
151
152
153
HORSTH, Lidiane Duarte. Uniões homoafetivas: uma nova modalidade de família? De Jure - Revista
jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Seção III, Subseção I, Belo Horizonte, n. 9
jan./dez. 2007.
Ibidem.
Ibidem.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus.
Disponível em <http://www.ibdfam.com.br/?artigos&artigo=128>. Acesso em: 19 set. 2010.
Ibidem.
57
Quando se trata de igualdade de direitos, o assunto “homossexuais” se esbarra em uma
hierarquização e inferiorização que tendem a manter as desigualdades sociais, colaborando
para a exclusão social, pois não se garante, efetivamente, a igualdade.154
Seu cumprimento é restrito a outros grupos socialmente não discriminados, e ainda
que um pouco, assegurado também a outras minorias (por exemplo: negros, índios, pobres,
etc.), quando se trata, porém, de homossexuais, os mecanismos sofrem outras interpretações.
Prado e Machado155 sustentam que esses processos de inferiorização possuem amplas
implicações, pois afetam o acesso a direitos sociais, bem como provocam o seu isolamento
quando não reconhecem este processo como uma das formas de opressão.
Mesmo com o maior diploma legal brasileiro dispondo sobre tema que envolva
orientação sexual, ainda há muito que ser colocado em pauta de debates, a categoria
homossexual não goza da efetiva garantia de cidadania. Esta deve ser fortalecida, pois a opção
sexual de cada indivíduo não implica na restrição de prerrogativas legais garantidas
constitucionalmente.
Pode-se dizer que o Judiciário brasileiro está, nos últimos anos, tentando resolver uma
situação que a norma não dá solução por si mesma, legislando paralelamente, por meio de
decisões, interpretando as normas constitucionais e possibilitando o acesso a direitos
igualitários, permitindo que essa categoria homossexual, já inferiorizada, passe a gozar de
pleno daquilo que lhe é concedido legalmente.
Nesse sentido, algumas decisões foram precedentes para a abertura da ordem jurídica
do país.
Importante é demonstrar, como exemplo, recente decisão do Superior Tribunal de
Justiça, em que reconhece a possibilidade de adoção de crianças por duas mulheres.
Primeiramente, uma das companheiras já havia adotado as duas crianças quando ainda
eram bebês, sua companheira decidiu que houvesse a adoção, por ter condições financeiras
que comportariam tal decisão. A adoção foi deferida em primeira e segunda instâncias, porém
mesmo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhecendo a entidade familiar, o
Ministério Público recorreu da decisão, alegando que a união homossexual é apenas sociedade
de fato, sendo muitas as violações legais caso fosse reconhecida como união estável.156
154
155
156
KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de ruptura
no Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II. 3v. Jan – Jun. 2008. p. 132.
Apud KICH, Francis Deon. Da invisibilidade à visibilidade política: homossexualidade e processos de
ruptura no Brasil. Revista Fórum Identidades. Ano II. 3v. Jan – Jun. 2008. p. 132.
Portal Superior Tribunal de Justiça. STJ permite adoção de crianças por casal de mulheres. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96931>. Acesso em:
25 set. 2010.
58
Trechos da decisão confirmam essa postura do Judiciário:
EMENTA:
5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais
homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a
melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são
questões indissociáveis entre si.
[...]
8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os
menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa
situação como a que ora se coloca em julgamento.
[...]
10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica.
[...]
12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos
com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira.
Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a
inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e
superior, por ela ser professora universitária.
[...]
14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática
consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção
integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do
que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na
verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida.
15. Recurso especial improvido. 157
Não só pelo Judiciário tem-se verificado essas inovações de interpretações das normas
relativas a direitos de homossexuais, mas também na esfera administrativa.
Vale destacar que, a partir do mês de agosto deste ano de 2010, foi aberta a
possibilidade de inclusão de nome de companheiro ou companheira no cadastro do Imposto
de Renda da Pessoa Física,
O benefício tributário foi estendido aos homossexuais depois que a ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional (PGFN) deu parecer favorável, em resposta a uma
consulta formal encaminhada ao Ministério do Planejamento por uma servidora
pública que solicitou a inclusão de sua companheira como dependente para efeito da
dedução do IRPF.
De acordo com informações da Receita Federal, as regras para os casais
homossexuais serão as mesmas em vigor. "Basta comprovar que existe o
vínculo, como endereços comuns nos últimos cinco anos, propriedades em
conjunto e outra série de documentos”, disse o supervisor nacional do Imposto de
Renda, Joaquim Adir [...]
Para o coordenador-geral de assuntos tributários da PGFN, Ronaldo Baptista, a
medida tem o objetivo de equiparar os efeitos tributários. “Para os efeitos tributários,
a lei não cria nenhuma discriminação. Os valores da sociedade mudam com o
tempo. Há 30 anos não existia divórcio e há 20 anos a mulher não podia ser chefe de
família. Os conceitos de valores da sociedade se alteram com o tempo e a
157
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 889852 / RS. Relator: Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador: T4 – Quarta Turma. Data do Julgamento: 27/04/2010. Data de
Publicação/Fonte: DJe 10/08/2010.
59
interpretação da lei também deve ser alterada", justificou o procurador.
[Grifos nossos].
158
Essas posições informam para onde a sociedade tem caminhado, os casos mais
buscados no Judiciário são relacionados à adoção e ao reconhecimento das uniões
homoafetivas com vistas ao alcance dos demais direitos a estes relacionados.
Bem explica o posicionamento que tem sido adotado pelas Cortes brasileiras a
seguinte explanação de Maria Berenice Dias, que sintetiza os sentimentos dos magistrados:
A valorização da dignidade da pessoa humana como elemento fundamental do
estado democrático de direito não pode chancelar qualquer discriminação baseada
em características pessoais e individuais, repelindo-se qualquer restrição à liberdade
sexual, não se podendo admitir desrespeito em função da orientação sexual.159
Mesmo com a ausência de normas próprias, direcionadas unicamente à proteção e
efetivação de direitos a homossexuais, os tribunais pátrios, bem como demais órgãos
públicos, têm assentado entendimento de que a sociedade tem evoluído e que é necessária
uma construção legislativa que lhes garanta proteção, pois sua falta não enseja sua
desconstituição.
158
159
Portal Conjur: Consultor Jurídico. Companheiro homossexual pode ser dependente do IR. Disponível em:
< http://www.conjur.com.br/2010-ago-02/companheiro-homossexual-incluido-dependente-ir>. Acesso em:
25 set. 2010.
DIAS, Maria Berenice. Uniões homoafetivas e os direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito de
Campos, Ano II, nº. 2 e Ano III, nº. 3 – 2001-2002, p. 194.
60
3. O PROJETO DE LEI 122/2006 FRENTE À CF/88
O Projeto de Lei da Câmara Federal (PLC) nº. 122, de 2006, originariamente proposto
em 07 de agosto de 2001 como Projeto de Lei nº. 5003, teve como autora a Deputada Iara
Bernardi.
Esse PLC nº. 5003 visou à alteração da Lei nº. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que
prevê os crimes decorrentes de preconceitos de raça ou de cor, bem como veio trazer uma
nova redação ao artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº.
2.848/1940) e a modificação do artigo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho (aprovada
pelo Decreto-Lei nº. 5.452/1943).160
Inicialmente foi designado como Relator o Deputado Bispo Rodrigues. O Projeto,
portanto, foi arquivado em fevereiro do ano de 2003 e posteriormente desarquivado, sendo
designado como novo Relator o Deputado Bonifácio de Andrada, o qual devolveu o Projeto,
sem que fizesse qualquer manifestação a seu respeito, em 24 de março de 2004. Em seguida,
mais um Deputado tornou-se Relator da proposição, desta vez Aloysio Nunes Pereira, que
também se manteve silente quanto ao assunto.161
No dia 17 de março de 2005, o Deputado Luciano Zica assumiu o papel de Relator, o
qual apresentou um substitutivo ao Projeto, em nome da Comissão de Constituição e Justiça,
exarando relatório:
O Projeto de Lei nº. 5.003 de 2001, é bastante meritório [...] e não se trata de algo
contrário à nossa tradição jurídica [...]. Portanto merece ser acolhida a proposição
[...], apenas com algumas alterações visando seu aprimoramento. [...] Diante o
exposto, [...] votamos pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e
pela aprovação do PL nº. 5.003/2001, na forma do Substitutivo que ora
apresentamos, apenas para consolidar e aperfeiçoar os textos dos mesmos. 162 [sic]
Juntamente a este Projeto, foram apensados outros cinco163, que tratavam de assuntos
semelhantes e estavam tramitando na própria Câmara Federal:
• PL nº. 0005/2003164, de autoria da própria Deputada Iara Bernardi, que “Altera os
arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3º do art. 140 do Código
160
161
162
163
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº. 122, de 2006. Sistema de Tramitação de Matérias. Senado Federal.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 jul. 2010.
CAVALCANTI, Roberto. Parecer jurídico do PLC 122/2006 - a lei “anti-homofobia”. 13 jun. 2007.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 out. 2010.
ZICA, Luciano. Relatório - Comissão de Constituição e Justiça. Câmara dos Deputados. Disponível em:<
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/385469.pdf>. Acesso em: 12 out. 2010.
Ibidem.
61
Penal, para incluir a punição por discriminação ou preconceito de gênero e
orientação sexual.”
• PL nº. 0381/2003,165 de autoria do Deputado Maurício Rabelo, que “Altera a
redação do art. 1º e do art. 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que ‘Define
os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor’.” Incluindo-se a
possibilidade de punição legal da discriminação envolvendo a cultura ou os valores
culturais.
• PL nº. 3143/2004,166 de autoria da Deputada Laura Carneiro, que “Altera a Lei nº
7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceitos de
raça ou de cor”, propondo a inclusão dos crimes resultantes de preconceito ou de
orientação sexual.
• PL nº. 3770/2004,167 de autoria do Deputado Eduardo Valverde, que “Dispõe sobre
a promoção e reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação,
identidade, preferência sexual e dá outras providências.”
• PL nº. 4243/2004,168 de autoria do Deputado Edson Eduardo, que “Estabelece o
crime de preconceito por orientação sexual, alterando a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro
de 1989.”
O mencionado projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em 23 de novembro
de 2006, sem maiores reformas em seu texto,169 e introduziu novos tipos penais relativos à
discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.
Porém a proposição não foi encaminhada para a devida e legal análise de mérito, que
deveria ser feita na Comissão de Direitos Humanos, conforme previsão em Regimento Interno
da Casa Legislativa.170
164
165
166
167
168
169
170
BRASIL. Projeto de Lei nº. 5, de 2003. Câmara dos Deputados. Disponível em:<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=104327>. Acesso em: 12 out. 2010.
Idem. Projeto de Lei nº. 381, de 2003. Câmara dos Deputados. Disponível em:<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=106927>. Acesso em: 12 out. 2010.
Idem. Projeto de Lei nº. 3143, de 2004. Câmara dos Deputados. Disponível em:<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=156327>. Acesso em: 12 out. 2010.
Idem. Projeto de Lei nº. 3770, de 2004. Câmara dos Deputados. Disponível em:<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=257757>.Acesso em: 12 out. 2010.
Idem. Projeto de Lei nº. 4243, de 2004. Câmara dos Deputados. Disponível em:<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=266196>. Acesso em: 12 out. 2010.
CAVALCANTI, Roberto. Parecer jurídico do PLC 122/2006-a lei “anti-homofobia”. 13 jun. 2007.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 out. 2010.
Ibidem.
62
A história do Projeto já iniciou com vício de formalidade, haja vista a não observância
dos aspectos que deveriam ser regularmente seguidos. A análise de sua constitucionalidade
procedeu como o previsto, porém o Projeto não passou pela comissão temática para a emissão
de parecer e possível aprovação.
O autor Pedro Lenza explica que,
Iniciado o processo legislativo, o projeto de lei passa à apreciação da Comissão de
Constituição e Justiça, que analisará sua Constitucionalidade, seguindo para as
comissões temáticas (de acordo com a matéria do projeto de lei), que emitirão
pareceres. [...] Lembramos que as comissões, em razão da matéria de sua
competência, poderão, além de discutir e emitir pareceres sobre o projeto de lei,
aprová-los, desde que, na forma do regimento interno da Casa, haja dispensa da
competência do Plenário, inexistindo, também interposição de recurso de um décimo
dos membros da Casa, hipótese em que será inviável a votação do projeto de lei pela
comissão temática [...], sendo, necessariamente, transferida para o Plenário da
Casa.171 [Grifo Nosso]
Cerca de um ano depois, houve pedido de urgência, elaborado pelo Deputado Rodrigo
Maia, o qual somente foi apreciado sete meses depois. Como conseqüência, deu-se a
aprovação em uma quinta-feira, dia em que normalmente não há deliberações de projetos
polêmicos, sem que houvesse discussão sobre a matéria e mediante votação simbólica.172 173
Assim, após passar pela aprovação do Plenário da Casa Legislativa mencionada, o
Projeto de Lei seguiu para o Senado Federal, adquirindo nova numeração, tornou-se PLC nº.
122/2006, que teve como Relatora da Comissão de Direitos Humanos, no dia 07 de fevereiro
de 2007, a Senadora Fátima Cleide.174
Conhecido vulgarmente como “Lei da Mordaça Gay”,175 e também como “Lei da
Homofobia”, o Projeto tem sido foco de fortes polêmicas, principalmente no que diz respeito
aos aspectos constitucionais, direitos garantidos a todos os brasileiros.
171
172
173
174
175
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11 ed. São Paulo: Método, 2007.p.394.
Votação Simbólica: Votação em que não há registro individual de votos. O presidente da sessão pede aos
parlamentares favoráveis à matéria que permaneçam como se encontram, cabendo aos contrários
manifestarem-se. Expediente geralmente usado para votação de projetos sobre os quais há acordo. (Câmara
dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/70077.html>. Acesso em: 12
out. 2010.)
CAVALCANTI, Roberto. Parecer jurídico do PLC 122/2006-a lei “anti-homofobia”. 13 jun. 2007.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 out. 2010.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº. 122, de 2006. Sistema de Tramitação de Matérias. Senado Federal.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 jul. 2010.
COSTA JR, Emanuel de Oliveira. PLC 122/2006: os homossexuais e as garantias inconstitucionais por via
ilegal, imoral e totalitária. In: Clubjus, Brasília – DF. 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.clubjus.
com.br/?artigos&ver=2.12122>. Acesso em: 13 out. 2010.
63
Desde sua chegada ao Senado Federal, o Projeto tem suscitado acirrados debates,
posicionamentos tanto a favor de sua aprovação, como contra. O tema gravita por diversos
aspectos da Constituição Federal e sua polêmica seria inevitável.
Durante o ano de 2007, o PLC tramitou pela Comissão de Direitos Humanos e
Legislação participativa, onde foi posto em debates e foram abertas audiências públicas sobre
sua matéria. No final do ano, o Deputado Gim Argello teve aprovada sua solicitação de
análise do Projeto pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) também, indo então a esta
Comissão no dia 20 de dezembro do mesmo ano.176
Ficando um curto período de tempo com a Relatora, para emissão de parecer, o Projeto
retornou à Comissão com a minuta de parecer pela aprovação do mesmo. No dia 26 de março
de 2008, foi concedida vista coletiva ao Projeto, mas, findo o prazo em 03 de abril daquele
ano, não houve manifestações a respeito do Projeto pelos Senadores membros da Comissão de
Assuntos Sociais.177
No mês seguinte, foram recebidos pela Presidência da Casa, e juntados ao Projeto,
documentos que manifestavam apoio à sua aprovação: Ofício da Câmara Municipal de Várzea
Paulista, como também uma Carta do Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH.178
Nesse mesmo mês, o Senador Magno Malta apresentou voto em separado, pela
rejeição do Projeto, ao contrário do Senador Marcelo Crivella, que se manifestou por sua
aprovação, com a propositura de dez emendas.179
Em 02 de julho de 2008, a “Frente da Família” apresentou à Presidência da Comissão
uma manifestação que também foi juntada ao PLC nº. 122/2006. Nos meses seguintes, mais
manifestações de várias outras entidades foram apresentadas e também passaram a integrar o
processado do Projeto:
Anexado folha 144, correspondência encaminhada pelo estudante Fabiano Melo
Quirino, assim como Moção de Apoio ao Projeto da parte da Universidade Federal
de Alagoas-UFAL [...] Anexado folha 146, conforme despacho da Presidência do
Senado Federal, Ofício nº 073/08, da Câmara Municipal de IBIAM - SC,
encaminhando Moção de Apoio pela rejeição ao Projeto.180 [Grifos nossos]
Porém, posições dentro dos movimentos “LGBT” [lésbicas, gays, bissexuais e
travestis] não são unânimes. Enquanto há quem lute pela aprovação imediata do PLC nº.
176
177
178
179
180
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº. 122, de 2006. Sistema de Tramitação de Matérias. Senado Federal.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 jul. 2010.
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
64
122/2006, também existem outros que questionam se essa seria a maneira mais legítima de
combater essa realidade preconceituosa, histórica e social, como é o caso do projeto “Pai
Legal”, que executa um Centro de Referência de Enfrentamento à Homofobia, conveniado ao
programa Brasil Sem Homofobia do governo federal.181
Em 04 de maio do ano seguinte, finalmente o Projeto foi incluído na pauta da 13ª
Reunião Extraordinária da Comissão de Assuntos Sociais, que se realizaria dentro de dois
dias, porém, por decisão da Presidência, a pauta de deliberações da reunião foi cancelada.182
Muitas também foram as audiências públicas realizadas nesse período em que o
Projeto esteve na Comissão de Assuntos Sociais, a fim de instruir o processado e de dar
prosseguimento às análises do mesmo. Tais audiências tinham por finalidade subsidiar os
discursos que dariam sustentação ou não, viabilidade ou não à continuidade do Projeto.
Portanto, em 14 de outubro de 2009, a Relatora apresentou nova minuta de Parecer
pela aprovação do Projeto na forma do Substitutivo (Emenda nº 1), a Comissão de Assuntos
Sociais aprovou o relatório da Senadora e este passou a constituir o seu Parecer favorável ao
Projeto.183
No mês de novembro, o Projeto retornou à Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa para que o trâmite tivesse continuidade, sendo confirmada a relatoria
da Senadora Fátima Cleide; o Presidente da Comissão, Senador Cristovam Buarque, concedeu
ao Senador Magno Malta pedido de vista ao Projeto, que por sua vez apresentou pedido de
nova audiência pública.184
Em 08 de dezembro do mesmo ano de 2009, o Senador Arthur Virgílio apresentou
requerimento, no qual solicitava a inclusão da Procuradora-chefe da Procuradoria Regional da
República da 3ª Região (Estado de São Paulo), Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, na lista de
convidados, por ser a mesma, atualmente, coordenadora do Grupo de Direitos Sexuais e
Reprodutivos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.185
Nesse ano de 2010, no dia 04 de fevereiro, ambos os requerimentos, por ora
mencionados, foram aprovados e, até então, aguarda-se a realização da audiência pública. A
última tramitação do Projeto de Lei foi no dia 11 de agosto desse ano, em que se anexou ao
181
182
183
184
185
NASCIMENTO, Cláudio. Criminalização da homofobia em debate. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 8.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº. 122, de 2006. Sistema de Tramitação de Matérias. Senado Federal.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 jul. 2010
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
65
processado uma documentação aprovada em sessão pela Assembléia Legislativa de Goiás,
solicitando, mais uma vez, apoio à sua aprovação.186
3.1.
LIMITAÇÃO DE DIREITOS POR PRECONCEITOS
A sociedade brasileira passa por um momento em que os preconceitos não têm sido
suficientes para, isoladamente, limitar a abertura de direitos às mais diversas categorias
socialmente inferiorizadas, como há alguns anos. O que se tem proposto é uma postura de
respeito às diferenças, apesar de ainda não ser absoluto, mas isso já é o suficiente para que
muitos direitos igualmente garantidos sejam da mesma forma aplicados também.
Esse quadro tem se firmado especialmente no âmbito de decisões judiciais que, para
garantir certa justiça aos casos reais que lhes são postos, têm se manifestado em suas decisões,
muitas vezes de forma contrária à opinião pública, mas em consonância com as regras
jurídicas, como todo.
Nos dias atuais, as estratégias de discussão dos movimentos homossexuais estão,
especificamente, dando ênfase na luta pela igualdade de direitos e de reconhecimento jurídico
de demandas, como cidadãos que são, que têm vivenciado a exclusão social.187
Esses grupos sociais que são postos à margem da sociedade são chamados de
minorias. São compostos de pessoas que sofrem diariamente preconceitos e discriminação e,
juridicamente, podemos falar que são pessoas que não gozam da proteção integral de seus
direitos, apesar de tê-los previstos como também os têm os demais cidadãos.
Nesse sentido, segundo Ester Kosovski,188 “Quando falamos em minorias, referimonos a todas as pessoas que de alguma maneira são objeto de preconceito social e/ou não têm
respeitado os seus direitos de cidadania.”
186
187
188
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº. 122, de 2006. Sistema de Tramitação de Matérias. Senado Federal.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604>. Acesso em:
10 jul. 2010.
RIBEIRO, Paula Regina Costa; SOARES, Guiomar Freitas; FERNANDES, Felipe Bruno Martins. A
ambientalização de professores e professoras homossexuais no espaço escolar. Diversidade sexual na
educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.193.
1987/1991, apud SÉGUIM, Elida (Coord.). Direito das minorias. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.1.
66
Assim, para que se sintam mais seguros e respeitados, grande parte das minorias faz
pressões políticas, realizadas no âmbito das casas das leis, para que sejam viabilizadas
maneiras justas e proporcionais de incidirem direitos e suas garantias a esta classe.
Nesse aspecto, encontra-se respaldo na afirmação:
[...] o movimento vem atuando junto ao Congresso Nacional, para que aprove o
projeto de lei que criminaliza as práticas de discriminação em razão da orientação
sexual e da identidade de gênero, do mesmo modo como já prevê o crime de
racismo.189
Contudo, muito criticada tem sido tal postura adotada pelos movimentos
homossexuais, haja vista que seus direitos já estão declarados nas normas brasileiras, assim
como estão para os demais cidadãos que são heterossexuais.
Existem divergências de opiniões quando o assunto é o Projeto de Lei nº. 122 de 2006
que está tramitando no Senado Federal, pois há quem diga até mesmo que tal projeto estaria
criando uma desigualação desproporcional e arbitrária, estar-se-ia valorando comportamento
de certas pessoas como mais merecedor de privilégios estatais.190
Fato que não pode ser ignorado é que as minorias dependem de uma proteção estatal
diferenciada, pois sofrem diariamente as conseqüências da exclusão e marginalização sociais
e, o mínimo que o Estado deve oferecer-lhes é uma normatização que lhes permita viver da
mesma forma que os heterossexuais vivem, teoricamente, com segurança e proteção contra a
fragilidade social que é inerente ao grupo.
Porém, não significa que essa normatização venha para tolher demais direitos de
outros grupos também socialmente discriminados, por motivo outro que não a orientação
sexual. Pelo contrário, as normas direcionadas aos homossexuais devem levar em conta tanto
os aspectos legais, quanto os aspectos sociais, não possibilitando a criação de uma classe mais
merecedora de direitos que as demais e, tampouco permitindo uma ascensão social pautada na
limitação de direitos de outras categorias.
Se assim fosse, perpetuaria uma “ditadura da minoria”,191 em que os demais grupos
seriam reféns da minoria equivocadamente protegida.
A limitação de direitos começa quando há um preconceito constante e um aumento de
sua exteriorização, por meio da discriminação. A sociedade brasileira, por meio das relações
189
190
191
RIBEIRO, Paula Regina Costa; SOARES, Guiomar Freitas; FERNANDES, Felipe Bruno Martins. Op. cit.
SEVERO, Júlio. O uso e o abuso gay da palavra preconceito. 07 maio. 2006. Disponível em: <http://julio
severo.blogspot.com/2006/05/o-uso-e-abuso-gay-da-palavra.html>. Acesso em: 10 out. 2010.
SANTANA, Uziel. Homofobia ou heterofobia? (I). Disponível em: Disponível em: < http://uziel
santana.pro.br/pastas/producaoacademica/artigosjornais/2007-2008/homossexualismo/Projeto%20122.2006
.Homofobia%20ou%20Heterofobia..pdf>. Acesso em: 22 set. 2010.
67
de poder, hierarquiza as diversas camadas sociais, cria estigmas e propicia fértil ambiente para
a discriminação.
Como a autora Ester Kosovski192 bem menciona, “a capacidade de discriminar está
ligada ao poder; o poder político, muitas vezes, dá a algumas pessoas a ilusão de que são
melhores do que as outras.”
É sabido, pela história do Brasil, que desde sempre há discriminação baseada nas
relações de poder. São minorias fáceis de serem dominadas por sua fragilidade e,
consequentemente, a situação leva a uma inferiorização destas classes.
A mesma autora esclarece que, tanto o preconceito, como a discriminação,
relacionados às minorias, fazem com que as mesmas sejam e se sintam inferiorizadas, como
em uma relação de hierarquia de classes, passando-lhes a sensação de incapacidade, de
deslocamento, afirmando-as como supérfluas.193
Contudo, as minorias, por mais simples que sejam, já sabem que são sujeitos de
direitos e têm noção que ainda que se encontrem em desvantagem quanto a determinado
aspecto, são pessoas detentoras de direitos de cidadania. Não abandonam as oportunidades
que lhes possibilitem viver mais “humanamente”.
Dessa forma, a autora194 continua elucidando que “Elas falam de seus direitos e estão
cada vez mais decididas a não aceitarem menos do que merecem.”
Essa situação pode ser exemplificada com as lutas engajadas pelos movimentos antidiscriminação homossexual que vêm se afirmando nas últimas décadas, tentando, a qualquer
custo, romper com os tradicionalismos sociais.
Porém, o reconhecimento de igualdade de direitos não deve ser imposto, pois já está
descrito na Carta Política do Brasil. O que se faz necessário é que toda e qualquer
diferenciação de tratamento venha ser dada conforme o direito, não se tornando, assim, algo
injusto e ilegítimo.195
É fato que, em se tratando de uma sociedade mais aberta à concepção de práticas
homossexuais, a influência será diversa daquela em que tais práticas não são bem vistas.
192
193
194
195
1987/1991, apud SÉGUIM, Elida (Coord.). Direito das minorias. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.1.
Ibidem.
Ibidem.
RIOS, ROGER RAUPP. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos
sobre preconceito e discriminação. Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, UNESCO, 2009. p.71.
68
Assim sendo, a decisão dos sujeitos de se assumirem ou não como homossexuais
poderá implicar maiores ou menores conflitos sociais, em face da homofobia existente.196
Já restou claro que o método adotado até então não tem sido suficiente regulador da
vida de pessoas homossexuais, vislumbra-se que não se trata de uma proteção desmotivada e
não pode ser ditatorial, como muitos esperam que seja, mas deve ser o necessário para uma
existência digna de um ser humano que, mesmo por escolhas próprias, não o deixa de ser.
Deve-se levar em consideração que há entidades brasileiras que realmente se
preocupam com o bem estar das minorias, que se preocupam com os índices de discriminação
e que estão elaborando leis que visem proteger o direito de ser diferente, sem que sofram
preconceitos, como, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil, que tem incluído em
suas programações palestras e cursos197 direcionados à defesa da minoria homossexual.
Somente após o advento da Constituição de 1988 é que houve a promulgação de
normas que efetivamente visaram garantir uma severa punição quando se trata de violação de
respeito às minorias.198
Com vistas a desinibir práticas discriminatórias às minorias, há estudos que estão
sendo desenvolvidos para que sejam elaborados projetos que possibilitem o aumento da
proteção aos direitos dos cidadãos contra essas práticas.
Para Ester Kosovski,
Tais projetos incluem proteção para deficientes, homossexuais e ex-convictos,
em particular as minorias que são dispensadas dos empregos ou que são
marginalizadas de qualquer outra maneira porque são diferentes por causa de sua
orientação sexual ou por ter estado na cadeia.199 [Grifos nossos]
A autora afirma, porém, que as minorias em desvantagem no Brasil incluem grupos
religiosos, negros, os incapacitados e outros que também sofrem alguma rejeição por serem
diferentes.200 São os membros de uma sociedade que, de uma ou de outra maneira, são vítimas
de preconceito.
196
197
198
199
200
RIOS, ROGER RAUPP. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos
sobre preconceito e discriminação. Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia
nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, UNESCO, 2009. p.71.
MENDES. Léo. Direito - OAB capacita advogados para defender homossexuais. 30 abr. 2008. Disponível
em:< http://lgbtt.blogspot.com/2008/04/direito-oab-capacita-advogados-para.html>. Acesso em: 23 out.
2010.
1987/1991, apud SÉGUIM, Elida (Coord.). Direito das minorias. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.3.
Ibidem.
Ibidem.
69
Exemplifica-se: por mais que exista no Brasil o direito à liberdade religiosa, muitas
religiões ainda não são aceitas pela unanimidade da sociedade, como é o caso das religiões
místicas e espiritualistas afro-descendentes.201
Portanto, as diferenças não estão apenas postas para os homossexuais. As liberdades já
alcançadas por outras minorias, como é o caso dessas minorias religiosas, não implicam em
ausência de discriminação para as mesmas.
A legislação em prol desses grupos religiosos, no caso, não impediu que os mesmos
não sofressem opiniões opostas de como conduzem a própria vida espiritual. Dessa mesma
forma acontece e irá acontecer com a minoria homossexual, que tanto luta pela quebra dos
tabus sociais relacionados ao assunto.
Nessa posição se encontram as causas homossexuais tão pleiteadas, as opiniões a favor
da aprovação de qualquer lei, especialmente do tão almejado PLC nº. 122/2006, não terá o
condão de extinguir condutas de exclusão, a normatização não impedirá atos discriminatórios,
mas se colocará como uma norma a mais no sistema jurídico brasileiro, apenas, sem o alcance
de um efeito educativo real.
Há muito mais minorias que sofrem preconceito do que se costuma imaginar e, para as
mesmas, as normas legais são aplicadas como o são a qualquer outro cidadão brasileiro, não
há nada de muito especial.
A solução para que se eliminem esses preconceitos, direcionados a quaisquer
minorias, que acabam por trazer uma mitigação de direitos, limitando sua aplicabilidade, não
é fácil; mas também não é impossível.
É necessário que se estabeleça entre a sociedade e as minorias uma relação de respeito
e compreensão, que se mude a concepção de cada membro social, e que por último se mude a
lei,202 não o inverso, como se está pretendendo fazer com a aprovação do Projeto de Lei nº.
122/2006.
Diante dessas situações, é preciso que se busquem alternativas cabíveis e socialmente
aceitáveis, que ofereçam compreensão e respostas aos apelos desta minoria homossexual, que
possibilite uma concreta reação aos direitos que vêm, ao longo do tempo, sendo violados,
desrespeitados e tolhidos por discriminação.
O objetivo não deveria ser punir, mas sim educar, ensinar desde as bases da infância a
necessidade de se respeitar o próximo, para que um dia a sociedade alcance um nível
diferenciado do qual se vive atualmente.
201
202
1987/1991, apud SÉGUIM, Elida (Coord.). Direito das minorias. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.3.
Ibidem.
70
3.2.
COLISÕES E CONFORMAÇÕES DO PLC Nº. 122/2006 VERSUS CF/88
O Projeto de Lei nº 122, de 2006, desde seu surgimento, tem como argumento
principal, que lhe dá sustentação, a questão do grau de violência homofóbica que vem sendo
sentida pelos homossexuais ao longo dos últimos anos.
O combate ao preconceito e a inclusão social desses indivíduos como detentores de
direitos humanos e cidadania, tais como os demais, fazem parte de sua estrutura e de sua
bandeira.
Entretanto, o argumento falha quando se conhece que “São homossexuais que estão
mais envolvidos com a criminalidade, como a prostituição e o tráfico de drogas, ficando mais
expostos à violência.” 203
Reconhecer que os homossexuais não são apenas vítimas, mas também infratores e
que, grande parte, está envolvida em ambientes que propiciam ações criminosas, facilitando
sua vitimização, é essencial na abordagem do tema homofobia.
Contudo, há que se levar em consideração que nem todo estereótipo enraizado na
concepção da sociedade é verdadeiro, por exemplo, nem todo gay é efeminado e frágil, nem
toda lésbica é masculinizada e nem todo travesti é praticante de prostituição.204
Segundo o psicólogo Alexandre França,205 “A questão é que a imagem que se vende
não é a imagem que corresponde à experiência em sua integridade.” [Grifo nosso].
A sociedade está acostumada a vivenciar uma realidade que deprecia a classe
homossexual, por inteiro, olvidando-se de que há muitos deles que se encontram em posições
de destaque social, como em altos escalões da vida profissional, a classe não é composta
apenas por pessoas que se encaixam em padrões socialmente inferiorizados.
Os membros do segmento estigmatizado crêem que a aprovação do PLC nº. 122/2006
possa contribuir para o alcance de outras soluções mais sociais e educativas, quer a
comunidade homossexual que o Brasil se comprometa a protegê-los, reconhecendo-os como
cidadãos.
Diante desse cenário de debates com opiniões das mais diversas possíveis, há certa
demora para que se dê a rejeição ou aprovação do PLC nº. 122/2006. As diferentes classes
203
204
205
BRAGA, Oswaldo. 2007, apud SEVERO, Júlio. O uso e abuso gay da palavra preconceito. 07 maio 2010.
Disponível em: <http://juliosevero.blogspot.com/2007/05/quando-os-que-no-aceitam-o.html>. Acesso em: 14
out. 2010.
FRANÇA, Alexandre Nabor Mathias de. Psicologia e diversidade sexual. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 4.
Ibidem.
71
sociais têm se manifestado a respeito deste tema, alguns alegando o cabimento de sua
aprovação, outros lutam e pelejam pela rejeição de imediato, por entenderem ser um projeto
de lei que restringe direitos fundamentais individuais, principalmente previstos no artigo 5 º,
da Constituição Federal.
De acordo com Maria Berenice Dias, em resposta à questão de quais são as maiores
dificuldades jurídicas encontradas no campo da homossexualidade, a autora menciona que
O Legislador tem muita dificuldade de se manifestar a respeito. [...] E também há
medo de desagradar o eleitorado. Fica um círculo vicioso: não há lei porque o
legislador não consegue aprovar e, se não tem lei, como vamos aplicar e reconhecer
direitos? 206
A desembargadora explicou ainda que há projetos de leis tramitando há algum tempo,
mas não conseguem ser aprovados. A resposta a essa situação é recorrer ao Judiciário, mas
ainda há preconceito e medo de se expor, por parte dos homossexuais interessados.
O debate que cerca o tema deve ser ampliado para que se chegue à melhor situação
possível, as correntes a favor e contra a aprovação do PLC nº. 122/2006 apresentam
argumentos válidos, principalmente por envolverem direitos de toda uma sociedade.
Justamente por conta disso é que há grande polêmica, ficam no embate a aprovação do PLC
nº. 122/2006 e o respeito à Constituição Federal.
Dentre tantos motivos relacionados ao PLC nº. 122/2006, a corrente que adota
posicionamento favorável à aprovação da lei, diz que não há qualquer motivo que faça crer
que a aprovação trará um significativo aumento de homossexuais na sociedade, já que são
vários os fatores que interferem nessa decisão quanto à orientação sexual.207 Não seria uma
mera legislação que provocaria a libertação homossexual na sociedade.
Em contraposição a esse argumento, muitos outros grupos, principalmente cristãos,
têm afirmado que a aprovação deste projeto de lei seria um estímulo às práticas
homossexuais.208
Isso acaba sendo contestado pelos ativistas do segmento “LGBT” [lésbicas, gays,
bissexuais e travestis] prontamente, por contrariar o que pensam a respeito da dificuldade que
um homossexual encontra para se assumir.
206
207
208
DIAS, Maria Berenice. Direito nas relações homoafetivas. Jornal do Conselho Regional de Psicologia. Rio
de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 7.
MELLO, Luiz; GROSSI, Miriam Pillar; UZIEL, Anna Paula. A escola e @s filh@s de lésbicas e gays:
reflexões sobre conjugalidade e parentalidade no Brasil. Diversidade sexual na educação: problematizações
sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. UNESCO, 2009.p.193.
SEVERO, Júlio. O uso e o abuso gay da palavra preconceito. 07 maio. 2006. Disponível em: <http://julio
severo.blogspot.com/2006/05/o-uso-e-abuso-gay-da-palavra.html>. Acesso em: 10 out. 2010.
72
Não tem como abandonar o fato de que o ordenamento jurídico brasileiro, apesar de
ser laico, está inserido em uma órbita em que prevalece o cristianismo (segundo o IBGE, mais
de 90% da sociedade brasileira é católica ou evangélica). 209 Assim sendo, é inegável que tais
laços invisíveis de pensamento comum da sociedade não interfiram no modo de se fazer a
norma.
Nesse sentido, José Lopes,210 “Assim, alguém que vive em uma sociedade cristã não
pode ser obrigado a se converter ao cristianismo, mas está obrigado a aderir à moralidade
cristã, que é a moralidade social de seu meio.”
Os padrões da sociedade brasileira ainda repugnam as práticas homossexuais e, por
mais que haja o reconhecimento legal das liberdades individuais, isto não altera a visão social
quanto a este modo de se conduzir as relações afetivas. Por isso também é que gravitam tantas
críticas acerca do referido projeto.
Essa é a concepção da maioria, mantida pelos laços religiosos cristãos,
substancialmente. A minoria homossexual foge à condição reconhecida como de homens
“comuns”.
Por mais que se discutam as questões morais das condutas homossexuais, reprováveis
ou não, o que deve ser ressaltado é que o legislador deve se basear não apenas nesses
aspectos, mas também nos princípios norteadores das relações jurídicas que envolvem os
direitos pleiteados e seu reconhecimento.
Porém, o que não pode existir é a ausência do Estado – seja por omissão ou por falta
de reconhecimento dos direitos – nas relações que envolvem a minoria homossexual, pois,
segundo José Lopes,
A negação de direitos, os discursos que publicamente afirmam que não se pode
condenar os homossexuais, mas também não se deve estimulá-los, têm como
resultado o estímulo contrário, isto é, o estímulo a violências físicas e morais contra
eles.211
Vislumbra-se que os homossexuais são vítimas de violações de seus direitos
fundamentais, e as mais diversas formas de desprezo que sofrem são de cunho violador de
direitos, de respeito à pessoa, a honra e a intimidade de um homossexual, estão todos os dias
expostos à invasão por conta da ausência de segurança estatal, por sua omissão.
209
210
211
SANTANA, Uziel. Homofobia ou heterofobia? (IV). Disponível em: Disponível em: < http://uziel
santana.pro.br/pastas/producaoacademica/artigosjornais/2007-2008/homossexualismo/Projeto% 20122.2006.
Inconstitucional.%20Ileg%a6timo.Heterof%a5bico..pdf>. Acesso em: 22 set. 2010.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito ao reconhecimento para gays e lésbicas. Revista Internacional
de Direitos Humanos. Ano 2, nº. II, 2005.p. 77.
Ibidem.
73
Abster-se de legislar e de criar programas que permitam à minoria homossexual ter um
novo posicionamento frente à sociedade não é o melhor, pois se criam mais estigmas e maior
vulnerabilidade contra essa classe.
Em contrapartida, não deve haver legislação a favor do segmento homossexual que
restrinja direitos da maioria que compõe a sociedade, pois se estaria violando o ordenamento
jurídico brasileiro também.
Ao abordar o PLC nº. 122/2006 face à Constituição Federal, tem-se sempre que
admiti-la como sendo uma carta principiológica, que tem por escopo fundar uma ordem
jurídica e criar uma ordem política.212
Ao se falar em discriminação, tem-se, inicial e essencialmente, a abordagem dos
direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.
Para José Afonso da Silva,213 os direitos fundamentais designam “no nível do direito
positivo, aquelas prerrogativas e instituições que o [ordenamento jurídico] concretiza em
garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.” [Grifo do autor].
Em primeiro momento, ressalta-se que os direitos fundamentais são normas
obrigatórias, inerentes a todos que habitam em território nacional e que, com o tempo, vão se
modificando por meio da evolução social para se adequarem às novas realidades que vão
surgindo.
A ordem constitucional de hoje resulta da afirmação desses direitos como sendo o
núcleo da proteção da dignidade da pessoa, a Constituição é o instrumento que assegura esta
pretensão. O reconhecimento da Constituição como a norma estatal cunhada de supremacia
jurídica revela que os valores relacionados à vida humana devem estar resguardados em
documento jurídico que detenha máxima força vinculativa.214
Não foge, portanto, dessa apreciação, o PLC nº. 122/2006, já que a própria CF/88
explicita em seu preâmbulo a intenção do Estado Democrático em “[...] assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça [...]”.
212
213
214
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. A igualdade entre os sexos na Constituição de 1988. Brasília,
maio, 1997. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/
14568/14132>. Acesso em: 29 set. 2010.
1992, apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.237.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.231.
74
As posições que são pela aprovação do PLC Nº. 122/2006 anunciam que esta lei trará
à minoria homossexual a possibilidade de terem respeitados seus direitos fundamentais, sem
afronta à sua dignidade humana.
Ao se posicionarem dessa maneira, afirmam serem os direitos individuais tratados
como direitos fundamentais que qualquer membro da sociedade brasileira detém, sendo,
portanto, suficientes para estabelecer uma indicação do que há de ilícitos jurídicos quando se
institucionaliza os estigmas contra os homossexuais.215
Contrariamente, Paul Krause,216 como outros tantos autores desfavoráveis ao projeto,
ressalta: “Não se diga que a discriminação baseia-se no princípio da dignidade humana [...].
Ademais, os outros seres humanos também são dignos.”
Desta forma, quem não acata a possibilidade de aprovação baseia-se em reais
fundamentos, que não cumprem serem rechaçados, haja vista que defendem o tratamento que
é dado a qualquer um na órbita jurídica brasileira. Considera que os homossexuais não são
uma classe tão vitimada como alardeiam, mas detentores dos direitos já previstos, sem que
necessitem de legislação própria, já que a Constituição é um documento jurídico que detém
força vinculante.
Destarte, há autores que sustentam que os direitos fundamentais já estão dispostos no
texto constitucional, o que está escrito deve ser cumprido, não havendo necessidade de
qualquer regulação extra para assegurá-los a quem de direito, pois assumiram o risco de
contrariarem a opinião da sociedade.217
Em opinião favorável à aprovação, os homossexuais também ocupam a condição de
cidadania e merecem uma norma que lhes assegure direitos; entretanto, dentre os que se
opõem, encontram-se aqueles que negam a constitucionalidade do Projeto de Lei, por diversos
motivos.
A grande preocupação de quem é contra, diz respeito à medida do que será
considerado como violência homofóbica com o PLC nº. 122/2006:
[...] os militantes gays reivindicam leis especiais. Segundo eles, essas leis são
necessárias para ‘protegê-los’ da violência. O problema maior é qual o ‘padrão’
que utilizarão para definir e interpretar o que é violência. [...] A lei cumpre
215
216
217
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito ao reconhecimento para gays e lésbicas. Revista Internacional
de Direitos Humanos. Ano 2, nº. II, 2005.p. 77.
KRAUSE, Paul Medeiros. Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia): a lei da mordaça gay, os
superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo. In: Jus Navigandi. Teresina, 22 dez. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306>. Acesso em: 08 set. 2010.
CRUZ, Luis Carlos da. O perigo do PLC 122/2006. Um perigo mais iminente do que o da legalização do
aborto. 07 jun. 2007. Disponível em: <http://juliosevero.blogspot.com/2007/06/o-perigo-do-plc-1222006.
html>. Acesso em: 10 ago. 2010.
75
imparcialmente seu papel para todos os cidadãos, sejam eles homossexuais ou
não.218 [Grifo nosso]
Há ainda posicionamentos mais agressivos e avessos à aprovação do referido projeto
de lei, como o de Olavo de Carvalho, que diz ser esse desejo uma ambição injustificável de
uma minoria:
Basta observar esse fenômeno para perceber imediatamente que a alegação
característica do discurso gay, de proteger uma comunidade oprimida, é apenas uma
camuflagem, um véu ideológico estendido por cima de objetivos bem diferentes,
incomparavelmente mais ambiciosos. 219
Adentra-se então, efetivamente, na seara da dignidade da pessoa humana, princípio
que vem sendo o núcleo das reivindicações do movimento homossexual, pois permeia todos
os demais princípios e é norteador basilar do Estado brasileiro.
Esse princípio, previsto na Constituição Federal como fundamento da República
Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, inciso III, diz respeito ao valor de cada ser humano,
que não pode ser trocado por nada, tampouco comprado e muito menos servir de instrumento
para qualquer situação. Para José Lopes220, “Nenhum ser humano pode ser utilizado por outro
ou pela coletividade [...].”
Não pode servir de massa de manobras políticas a situação vivenciada por
homossexuais, pois se assim o fosse, a sociedade estaria todo o tempo à mercê dos interesses
políticos, sofrendo agressões à sua dignidade e constante afronta aos direitos dela decorrentes.
Por não haver conceito fechado do que seria a dignidade da pessoa humana, surgem
diversos questionamentos sobre o que realmente estaria em consonância com esse instituto.
Tem-se adotado a posição de que
a norma da dignidade da pessoa humana não é um princípio absoluto e que a
impressão de que o seja resulta do fato de que esse valor se expressa em duas
normas – uma regra e um princípio – , assim como da existência de uma série de
condições sob as quais, com alto grau de certeza, ele precede a todos os demais. 221
218
219
220
221
SEVERO, Júlio. O uso e o abuso gay da palavra preconceito. 07 maio. 2006. Disponível em:
<http://juliosevero.blogspot.com/2006/05/o-uso-e-abuso-gay-da-palavra.html>. Acesso em: 10 out. 2010.
CARVALHO, Olavo de. Consequências mais que previsíveis da ideologia homossexual. Diário do
Comércio. 04 jun. 2007. Disponível em: < http://www.olavodecarvalho.org/semana/070604dc.htmll>.
Acesso em: 10 out. 2010.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito ao reconhecimento para gays e lésbicas. Revista Internacional
de Direitos Humanos. Ano 2, nº. II, 2005.p. 77.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.151.
76
Para José Lopes, a democracia no Brasil adota os devidos cuidados para que não seja
perpetrada entre os grupos sociais a intolerância ou a opressão social, mas garante e valoriza
as formais plurais de vida e de pensamento.222
Assim, mesmo com a proteção constitucional já descrita, o PLC nº. 122/2006 visa
ampliar a proteção aos homossexuais, prevendo punição àqueles que contrariem sua
dignidade humana.
Em terreno brasileiro, tal princípio tem sido bastante valorizado (apesar de não ter
conceito fechado), o qual tem direcionado tanto o plano legislativo, quanto os planos
jurisprudencial e doutrinário, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas para que seja
respeitado, a fim de que seja feita a justiça.
Segundo Gilmar Mendes,
Em todas as decisões, conscientes das múltiplas dimensões e dos inúmeros
significados desse sobreprincípio constitucional, as cortes que as proferiram [...],
nada mais fizeram do que assumi-lo como o referente fundamental das idéias de
Justiça e de Direito [...].”223
Passando-se à análise de que a Constituição prevê como objetivo fundamental a
promoção do bem de todos, sem que haja preconceitos por motivo de origem, de raça, de
sexo, de cor, de idade ou quaisquer outras formas de discriminação, a comunidade “LGBT”
[lésbicas, gays, bissexuais e travestis] justifica a necessidade da lei para que esse objetivo,
previsto no artigo 3º, inciso IV, seja totalmente alcançado.
O PLC nº. 122/2006 seria o início de uma nova realidade, pois conforme opinião de
membro da militância homossexual, “a lei de criminalização é importante para acabar com
posturas homofóbicas de grupos que tentam impor visões preconceituosas a toda a
sociedade.” 224 [sic]
Mesmo com essas posições que são a favor da aprovação do projeto para a garantia da
real promoção do bem de todos, deve-se recordar que enquanto maior parte da sociedade se
satisfaz com o preceptivo da Constituição, o segmento homossexual insiste em permear a
idéia de que somente com essa aprovação concretizada é que terão esse direito de não
sofrerem discriminação, e de terem, dentre tantos outros, direitos eficazmente garantidos.
222
223
224
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito ao reconhecimento para gays e lésbicas. Revista Internacional
de Direitos Humanos. Ano 2, nº. II, 2005.p. 77.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.231.
NASCIMENTO, Cláudio. Criminalização da homofobia em debate. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 8.
77
O PLC nº. 122/2006 suscita polêmicas na maioria de seus dispositivos. As maiores
críticas apontam para direitos constitucionalmente garantidos a todos que, com a aprovação
daquele, seriam tolhidos, por expressa redação.
Com a aprovação do projeto, estaria a sociedade sofrendo violação aos direitos de
igualdade, de manifestação do pensamento, de inviolabilidade de consciência e de crença, de
liberdade de expressão, dentre outros.
Em seu artigo 1º, o PLC nº. 122/2006 prevê que as alterações serão feitas nas
legislações anti-racismo, penal e trabalhista, definindo os crimes resultantes de discriminação
ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.
A primeira questão abordada é a legitimidade de se tratar de homofobia em
equiparação ao racismo. Para a corrente contrária a essa possibilidade, não há qualquer razão
para que o projeto seja aprovado, haja vista que não se coaduna com a prescrição dessa norma
anti-racismo.
Nas palavras de Paul Krause, não é viável e proporcional que a homofobia seja tratada
como o é o racismo, pois este tem previsão constitucional expressa de sua punição:
O homossexualismo por acaso é raça, para ser tratado na Lei anti-racismo [...]? É
razoável que a suposta ‘homofobia’ seja equiparada ao racismo, crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos do art. 5º, XLII, da
Constituição? 225
Em segundo momento, passa-se à abordagem literal do texto do projeto que, no artigo
2º define a nova redação da ementa da Lei nº. 7.716, de 05 de janeiro de 1989 (Lei antiracismo), prevendo a inclusão dos termos destacados a seguir: "Define os crimes resultantes
de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional,
gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”.226 [Grifos nossos]
Já no artigo seguinte, há a modificação do caput do artigo 1º da Lei anti-racismo, que
passa a prever a possibilidade de aplicação de punição a todos que incorrerem nos crimes que
resultem das condutas acima descritas.
Há quem afirme que o projeto já inicia seu texto com uma falácia no que diz respeito à
promoção dos direitos, pois não há falar que a orientação sexual é uma condição natural do
225
226
KRAUSE, Paul Medeiros. Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia): a lei da mordaça gay, os
superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo. In: Jus Navigandi. Teresina, 22 dez. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306>. Acesso em: 08 set. 2010.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
78
ser humano, como o é a raça e a etnia, por exemplo. Com essa redação, segundo Uziel
Santana, faz-se apologia ao homossexualismo.227
O PLC nº. 122/2006, ao estabelecer em seu artigo 4º a inclusão do artigo 4º-A na Lei
anti-racismo, foi foco de discordâncias ainda maiores. Passará a vigorar a Lei com a nova
redação: “Art. 4º-A: Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou
indireta. Pena: Reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.” 228
Esse artigo tem sido palco de debates entre quem concorda e quem desaprova o
projeto. A maior crítica que se faz é que o texto não deu elementos normativos do tipo
suficientes para estipular tal conduta, deixou a previsão muito ampla e incondicionada.
Ironizando o dispositivo, Paul Krause questiona se um homossexual pode ou não ser
demitido e se a homossexualidade seria causa de estabilidade vitalícia no emprego já que há
ausência de elementos definidores do tipo, como por exemplo, “injustamente” ou “sem justo
motivo”. 229
Além desta discussão, o artigo 4º, ao tratar da vedação à dispensa direta ou indireta,
por motivo de discriminação, segundo Paulo Costa, não especifica quais atos de dispensa
serão baseados no critério de “discriminação”, alvos de punição. Caso o projeto não seja
corrigido,
[...] pode ensejar contradições na interpretação da norma, criando a figura da
estabilidade e vitaliciedade em virtude orientação sexual. A única hipótese que
poderia considerar-se haver o dolo específico do empregador na demissão do
empregado, em face do preconceito, seria a dispensa direta sem justa causa. A justa
causa condiz sempre com uma hipótese de demissão terminante, já autorizada por
lei.230
Não se pode admitir que a liberdade de uma pessoa ou empresa contratar um
trabalhador seja ameaçada por ser este um homossexual. Ainda adverte o mesmo autor que o
fato de não se empregar uma pessoa por sua orientação sexual pode ensejar uma acusação e
também permitir que outros demitidos se passem por homossexuais com intenções de
prejudicar o empregador. 231
227
228
229
230
231
SANTANA, Uziel. Homofobia ou heterofobia? (III). Disponível em: Disponível em: < http://uziel
santana.pro.br/pastas/producaoacademica/artigosjornais/2007-2008/homossexualismo/Projeto%20122.2006.
Homofobia%20ou%20Heterofobia.3..pdf>. Acesso em: 22 set. 2010.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
KRAUSE, Paul Medeiros. Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia): a lei da mordaça gay, os
superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo. In: Jus Navigandi. Teresina, 22 dez. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306>. Acesso em: 08 set. 2010.
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
Ibidem.
79
Contudo, de acordo com Paulo Vecchiatti, em réplica às idéias acima mencionadas,
assevera que,
Primeiramente, reitere-se que a lei não pune exclusivamente o preconceito contra
homossexuais: a lei pune o preconceito por orientação sexual, donde se um
heterossexual for demitido unicamente em virtude de sua sexualidade também
incidirá o crime de racismo pretendido pelo PL 5003/2001. No que tange à homo e à
bissexualidade, é evidente que o PL 5003/2001 não visa a erigi-las como causas de
estabilidade vitalícia, assim como não o pretende com a heterossexualidade... Em
outras palavras, não proíbe dito projeto de lei a demissão de homossexuais, proíbe
apenas a demissão oriunda de preconceito por orientação sexual – ou seja, a
demissão pelo simples fato de ter a orientação sexual "x" ao invés da orientação
sexual "y".232 [Grifo do autor]
Vale ressaltar que o referido autor entra em contradição, pois afirma também, em
outro momento, que heterossexuais não sofrem preconceito por orientação sexual, sendo
desiguais dos homossexuais, merecendo estes últimos um tratamento diferenciado, uma
proteção a mais.233
Em análise a esse dispositivo, cabe anunciar também a redação do artigo 11 do PLC
nº. 122/2006, que objetiva acrescentar parágrafo único ao artigo 5º da Consolidação das Leis
do Trabalho. O referido parágrafo único dispõe que
Parágrafo único. Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por
motivo de sexo, orientação sexual e identidade de gênero, origem, raça, cor, estado
civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao
menor previstas no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.234
[Grifos nossos]
O texto desse preceptivo não descreve qualquer novidade, teoricamente, pois proíbe o
que já é vedado no ordenamento jurídico e previsto na Constituição Federal: a discriminação,
de qualquer natureza, salvo previsão legal.
Surge a discussão acerca do princípio da isonomia constitucional, o qual proíbe
discriminações e, ao mesmo tempo, exige para o estabelecimento de diferenciações,
fundamentação lógico-racional que as justifique. Conforme Paulo Vecchiatti,235 “fica evidente
que a população GBLTT [gays, bissexuais, lésbicas, travestis e transexuais] [...] precisa de
proteção do Estado, tendo em vista o preconceito contra ela existente.” [Grifo nosso]
232
233
234
235
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 5.003/2001. Uma réplica a
Paul Medeiros Krause.In: Jus Navigandi, Teresina, 7 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2. uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=10248>. Acesso em: 08 set.2010.
Ibidem.
BRASIL. Projeto de Lei nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Loc. cit.
80
Tal necessidade de proteção é inegável, mas as ações de combate à homofobia devem
ser bem elaboradas para que os demais membros da sociedade não sejam prejudicados, a
ponto de se infringir o mesmo princípio da isonomia.
Pois bem, cumpre ressaltar que o tratamento pleiteado por meio do PLC nº. 122/2006,
até o momento, não está em conformidade com o princípio da isonomia, que é previsto no
artigo 5º, inciso I da Constituição, pois é indiscutível que a intenção é punir quem se levante
contra as práticas homossexuais, somente, mesmo que se afirme que a proteção é para todos
que sofram por sua orientação sexual.
Tal instituto de conteúdo principiológico deve ser aplicado a qualquer norma e se
destina a quem lida diretamente com a disposição legal, pois, conforme José Afonso da
Silva,236 o princípio da isonomia “tem como destinatários tanto o legislador, como os
aplicadores da lei.”
A Constituição Federal não mitigou o direito a homossexuais, pois mesmo os
homossexuais são, em gênero, ou homens ou mulheres. A incriminação de quem discorda das
condutas homossexuais culminaria no reconhecimento de uma classe de iguais
(homossexuais), mais iguais que os demais, maioria que compõe a população.237
Não há como ignorar que todas as classes diferenciadas estão sujeitas a julgamentos,
quer positivos, quer negativos, de qualquer um.
A nova legislação criaria para iguais, tratamento diferenciado, pois opção sexual não
desmerece nenhum ser humano de ter garantido o que lhe é devido e semelhante ao restante
da sociedade, são iguais a qualquer cidadão, independentemente de expressa previsão legal.
Porém, a nova norma tornaria os heterossexuais diferentes, por não gozarem da mesma
proteção permeada no PLC nº. 122/2006 aos homossexuais.
De acordo com Forsthoff, citado por Gilmar Mendes, o princípio da igualdade guarda
em si mesmo tanto força normativa quanto social que, ainda que não estivesse no texto
constitucional, deveria ser respeitado, pois é anterior ao Estado.238
As problemáticas são muitas e também se situam nos artigos seguintes do PLC nº.
122/2006. Seu artigo 5º, dá nova redação à Lei anti-racismo, estabelecendo novos crimes,
modificando os artigos 5º, 6º e 7º em seu texto:
236
237
238
1992, apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.157.
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
1986, apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.158.
81
Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer
ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público: Pena: Reclusão
de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer
sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou
profissional: Pena: Reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis,
pensões ou similares: Pena: Reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.239
Esses dispositivos fomentaram fortes comentários a respeito do projeto. No primeiro
caso, retira-se do dono do estabelecimento o direito de reservá-lo ao público que deseja, a um
público mais tradicional, por exemplo.
Se os princípios de vida do dono do estabelecimento não aprovarem condutas
homossexuais e por isso ele não aceitar em seu estabelecimento essa classe, tem-se um
problema instalado, pois incorrerá em crime de homofobia pelo simples fato de recusar o
ingresso da classe em seu estabelecimento.
No caso do artigo 6º, um dos mais comentados, há afronta à Constituição Federal, pois
o tipo está sobremaneira aberto, sem conteúdo que verifique certa razoabilidade do projeto.240
Nesse contexto, várias são as dúvidas, bem como as críticas, pois ao se colocar
“qualquer sistema de seleção educacional” não há possibilidade de se negar aos homossexuais
acesso a locais, por exemplo, de educação cristã.
Conforme muitos autores afirmam, configurar-se-ia um totalitarismo homossexual,
pois nem mesmo uma escola de seminário teológico de formação de padres e pastores estaria
livre dessa norma, podendo ser apenados por qualquer conduta que inviabilize essa
proteção.241
Outro aspecto frontalmente violado é a liberdade de expressão, prevista no artigo 5º,
inciso IV, ao dizer “livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Esse é um dos mais valiosos direitos fundamentais, nas palavras de Gilmar Mendes,
pois é instrumento que viabiliza a preservação da democracia, sendo de suma importância o
pluralismo de opiniões.242
Continua o autor ao destacar que
239
240
241
242
BRASIL. Projeto de Lei nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
KRAUSE, Paul Medeiros. Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia): a lei da mordaça gay, os
superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo. In: Jus Navigandi. Teresina, 22 dez. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306>. Acesso em: 08 set. 2010.
Ibidem.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.361.
82
a garantia da liberdade de expressão tutela [...] toda opinião, convicção, comentário,
avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa,
envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não
[...]. A liberdade de expressão, contudo, não abrange a violência.243
Ao dispor sobre esses novos crimes, o PLC nº. 122/2006 estabelece, de certa forma,
uma censura aos direitos constitucionais a todos assegurados,244 pois assume uma
característica de tentar inibir as liberdades de expressão sobre qualquer coisa que envolva o
tema “homossexualismo”.
Há ainda outros entendimentos a favor do projeto, como ele se encontra. Para um dos
militantes do movimento homossexual, quando se trata do PLC nº. 122/2006, existem setores
mais conservadores da sociedade que tentam barrá-lo, mas
O projeto deixa bem claro que liberdade de opinião e expressão foi uma grande
conquista da sociedade brasileira que nós defendemos radicalmente. Porém, não se
pode confundir liberdade de opinião com incitação à violência. Também é preciso
deixar claro que não queremos criar uma nova casta, uma ‘ditadura gay’, ou ter
direitos privilegiados, como alguns grupos dizem.245
Gilmar Mendes assevera que, como direito fundamental, a liberdade de expressão tem
um caráter que pretende o não exercício de censura por parte do Estado. Assim, considera
ainda que não deva ser o Estado quem ditará quais opiniões são válidas ou inválidas,
aceitáveis ou não, essa é uma tarefa que, antes de qualquer coisa, cabe ao público destinatário
exercer.246
Observa-se que esse direito assegura não apenas a linguagem verbal, sendo protegidas,
pelo mesmo dispositivo, outras maneiras de se expressar. Ao se falar em liberdade, prevê-se
que cada qual procure viver conforme suas preferências, porém, tal decisão não obriga que os
demais coadunem com a mesma abordagem ou com situações análogas.247
Em seguida, por meio do artigo 6º do PLC nº. 122/2006, tem-se a disposição do artigo
7º-A, que será acrescentado na Lei anti-racismo caso seja aprovado o projeto de lei.
Esse artigo, mencionado a seguir, dispõe sobre a questão que envolve o direito de
propriedade e sua não disponibilização a qualquer pessoa homossexual é causa que possibilita
243
244
245
246
247
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.361.
KRAUSE, Paul Medeiros. Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia): a lei da mordaça gay, os
superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo. In: Jus Navigandi. Teresina, 22 dez. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306>. Acesso em: 08 set. 2010.
NASCIMENTO, Cláudio. Criminalização da homofobia em debate. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 8.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Loc.cit.
JUNIOR, Emanuel de Oliveira Costa. PLC nº. 122/2006: os homossexuais e as garantias inconstitucionais
por via ilegal, imoral e totalitária. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em:< http://www.ambitojuridico.com.br/pdfsGerados/artigos/3118.pdf>. Acesso em: 23 out. 2010.
83
aplicação de sanção: “Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a
aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis e imóveis de qualquer finalidade.
Pena: Reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.” 248
A garantia constitucional do direito de propriedade, conforme Gilmar Mendes249
ressalta, “assegura uma proteção das posições privadas já configuradas, bem como dos
direitos a serem eventualmente constituídos.”
Porém, a Constituição não informa um conceito fechado do que vem a ser
propriedade, mas ainda assim, não significa afirmar que a forma como o projeto de lei traz a
redação do artigo 7º-A seja plenamente viável, proporcional e adequada.
O direito de propriedade abrange não só a propriedade sobre bens móveis e imóveis,
mas também abrange demais valores patrimoniais, decorrentes ou não das mais diversas
relações de direito privado.250 Isso significa que o proprietário tem liberdade de uso e
disposição sobre o que lhe pertence.
No caso desse artigo, restringe-se o direito do proprietário a fim de que este se sinta
compelido a dividir ou disponibilizar seu espaço com interesse de uma minoria.
A questão não deve ser vista como uma norma que tenta viabilizar a função social da
propriedade, pois ser compelido a dispor de um bem, muitas vezes deixando de aferir
vantagem lícita – como maior lucro no aluguel, por exemplo – por motivo de o interessado ser
um homossexual, não caracteriza o instituto, mas sim agressão à norma constitucional contida
no artigo 5º, inciso XXII.
Conforme Paulo Costa,
Não menos inconveniente é a pretensão contida no artigo 7º-A, [...], onde também
quer impor pena de prisão àquele a quem é garantido o direito de propriedade,
conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal. O proprietário de
um imóvel ser obrigado a locá-lo, tendo em vista exclusivamente a orientação
sexual da pessoa que se apresenta como interessada na locação, ainda que em
detrimento de comezinhas normas comerciais (renda, garantia, cadastro, etc.).251
[Grifos nossos]
Não se mostra viável a pretensão desse dispositivo, pois o proprietário não é obrigado
a dispor de ser bem a nenhuma pessoa que não queira, tem autonomia para decidir como
utilizá-lo, não sendo diferente quando se altera o sujeito, por conta de sua orientação sexual.
248
249
250
251
BRASIL. Projeto de Lei nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.438.
Ibidem, p.361.
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
84
Registra-se também a redação do artigo 7º do próprio projeto, que visa acrescer os
artigos 8º-A e 8º-B, na Lei anti-racismo:
8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais
públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no
art. 1º desta Lei: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão
homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações
permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco)
anos.252
A grande crítica tecida a respeito de tais dispositivos é a questão de qual seria o limite
para essas manifestações de afetividade. Afirma-se que a medida é inconcebível, pois nem
mesmo os heterossexuais têm o direito de demonstrar qualquer tipo de afeto em público, de
forma irrestrita.
A situação piora quando é vista sob o prisma cristão, Uziel Santana suscita o seguinte
exemplo:
Imagine que um padre, pastor ou monge queira repreender um casal [homossexual]
que esteja se beijando dentro do santuário ou capela. O que aconteceria com eles?
Poderiam ir para a prisão [...]. Se fosse um casal de heterossexuais, os eclesiásticos
poderiam exortar, repreender, chamar a atenção, mas como é um casal de
homossexuais, não podem.253
Em outro sentido, Paulo Vecchiatti revela que, o entendimento supra, afronta a
isonomia, pois segundo o autor, a repressão será aplicada apenas em casos que o local permita
afetividade pública para heteroafetivos. Elucida que, “A expressão ‘manifestação da
afetividade’ precisa ser genérica, indefinida legalmente, justamente para se permitir uma
elasticidade do conceito [...]”.254
Há que se levar em consideração que a liberdade de expressão, conforme previsão no
artigo 5º, inciso IX, da Constituição, diz respeito, por vezes, a comportamentos que tenham
por intuito passar alguma mensagem, comunicar-se de alguma forma, abrindo espaço para
indagações a respeito da abrangência da proteção fornecida pela Carta Magna.
Por liberdade de expressão, afirma Gilmar Mendes que
Os termos amplos como a liberdade de expressão é tutelada no Direito brasileiro –
reconhece a liberdade de “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença” [...] – permitem afirmar
252
253
254
BRASIL. Projeto de Lei Nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
SANTANA, Uziel. Homofobia ou heterofobia? (III). Disponível em: Disponível em: < http://uziel
santana.pro.br/pastas/producaoacademica/artigosjornais/2007-2008/homossexualismo/Projeto% 20122. 2006.
Homofobia%20ou%20Heterofobia.3..pdf>. Acesso em: 22 set. 2010.
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 5.003/2001. Uma réplica a
Paul Medeiros Krause.In: Jus Navigandi, Teresina, 7 ago. 2007. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=10248>. Acesso em: 08 set.2010.
85
que, em princípio, manifestações não verbais também se inserem no âmbito da
liberdade constitucionalmente garantida. [...] É possível, porém, que
comportamentos expressivos (as também chamadas expressões simbólicas)
recebam uma ponderação menor quando confrontados com outros valores
constitucionais [...]. Percebe-se, é bem que se diga, que o grau de tolerância para
com as expressões simbólicas varia de cultura para cultura, de país para país, como
também de tempos em tempos numa mesma localidade.255 [Grifos nossos]
Como no Brasil, situações que envolvam expressões demasiadamente atentatórias ao
pudor público, consideradas como forma de se comunicar, são contestadas, há que se observar
que uma manifestação de afetividade, dependendo como ocorra, seja um ato que mereça ter
limitada sua expressão.
Alguns sustentam que a aprovação do projeto atingirá, de alguma maneira, as
entidades religiosas, sob o argumento de que há garantia constitucional à liberdade de crença,
de credo e de culto, proteção à liberdade religiosa, também contida no artigo 5º, incisos VI,
VII e VIII, da Constituição Federal.256
Cumpre informar que a liberdade de crença, tanto para aderir a alguma religião,
quanto para exercer o culto, estão contidas na liberdade de religião. Ainda que o PLC nº.
122/2006 tenha a intenção de proteger o segmento, Gilmar Mendes257 explica que “as liturgias
e os locais de culto são protegidos nos termos da lei.”
Com isso, ainda esclarece qual é a regra de proteção às entidades religiosas, bem como
o limite de proteção: “A lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a
não ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na
hipótese considerada.” 258 [Grifo nosso]
Porém, esse não é o caso do projeto em comento, pois o PLC nº. 122/2006 visa
proteger uma minoria e, levando-se em consideração a quantidade de entidades religiosas
espalhadas pelo país, não há como argumentar que o direito à liberdade de expressão
homossexual se sobreponha à liberdade religiosa, em análise inicial, é desproporcional.
Estaria o Estado, por meio do projeto, impondo uma situação que contraria dogmas de
muitas religiões, causando insegurança para a sociedade a como e em que medida professar
sua fé?
255
256
257
258
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.361.
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p.417.
Ibidem.
86
Seria o projeto, no mínimo, uma imposição estatal ao funcionamento das instituições
religiosas que não concordam com as práticas homossexuais, apenas visando atingir os
anseios dessa minoria homossexual?
O posicionamento abordado é apoiado também por Paulo Costa que cita o ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal, Themístocles Brandão Cavalcanti. Este muito bem expõe que
“o constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar s fé representa o desrespeito à
diversidade democrática de idéias, filosofias e a própria diversidade espiritual”.259 [sic]
Explica-se ainda que qualquer valor que esteja abrigado pela Carta brasileira pode
entrar em conflito a liberdade de expressão, possibilitando que, segundo o critério da
proporcionalidade, descubra-se qual princípio deve ser honrado.260
Seguindo o projeto de lei, está descrito em seu artigo 8º que a Lei anti-racismo terá
também seus artigos 16 e 20 alterados por nova redação, este último é também um dos focos
do PLC nº. 122/2006.
Analise-se que o novo artigo 20 e seu parágrafo 5º dispõem que tanto a prática, a
indução como a incitação, à discriminação ou ao preconceito, significam “qualquer tipo de
ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou
psicologia.” 261
Essa redação é de duvidosa constitucionalidade, pois “ação constrangedora,
intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica” se manifestam
com conceitos bastante subjetivos, sem definição fechada, uma vedação à exposição de idéias
que contrariem as ideologias e posicionamentos homossexuais.
Conforme Paul Krause,262 “Qualquer oposição a esta verdade [...] estão proscritas.
Trata-se de delito de opinião.” [sic]
O grande problema é saber a exata medida dessas ações descritas, que não envolvem
uma violência homofóbica palpável, passíveis de verificação direta. Assim sendo, o Brasil,
nas palavras de Paulo Costa,
estaria instituindo o delito de opinião, o que é inadmissível. É a face mais horrenda
do totalitarismo: o Estado decretando uma suposta ‘verdade absoluta’ – e qualquer
proibição ou oposição a esse corolário de ‘verdade’ (é passível de prisão), nada
259
260
261
262
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.361.
BRASIL. Projeto de Lei Nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
KRAUSE, Paul Medeiros. Projeto de Lei nº 5003-b/2001 (crimes de homofobia): a lei da mordaça gay, os
superdireitos gays, inconstitucionalidade e totalitarismo. In: Jus Navigandi. Teresina, 22 dez. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306>. Acesso em: 08 set. 2010.
87
importando que a oposição seja de cunho moral, ético, filosófico ou religioso.263
[Grifos do autor]
Para Paulo Vecchiatti, o Estado não está tratando o homossexualismo como um
supervalor, mas apenas proibindo o preconceito. Afirma ele ser pacífico que não há qualquer
direito que seja absoluto e que a liberdade filosófica e a liberdade religiosa sofrem
limitações.264
Os limites impostos a essas liberdades se referem ao respeito ao próximo, à dignidade
da pessoa, pois o ser humano não pode ser exposto. Assim, não se deve proteger, sob o manto
da liberdade de expressão homossexual, a violação a direito fundamental consagrado.
Além desses artigos, por ora mencionados, o artigo 10 do projeto visa acrescentar no
parágrafo 3º, do artigo 140 do Código Penal Brasileiro os termos destacados a seguir:
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia,
religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de
gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena: reclusão
de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.265
Essa disposição contraria muitos autores, pois temem que a manifestação de opinião
possa acarretar na imposição de pena por crime de injúria, pena essa maior que a imposta a
outros crimes mais graves.
Essa questão é de má técnica legislativa, segundo Paulo Costa, pois não há sentido ter
o legislador cominado pena mais grave a esse caso em relação a crimes como o de aborto, de
lesão corporal, por exemplo.266
Não se pode tolher a liberdade religiosa e a liberdade filosófica por sua manifestação
pura e simples, como se revelam, promovendo com isso a criminalização das pessoas que se
manifestam contra as ações homossexuais, pois os mesmos são pessoas normais como todo o
restante da população e já se encontram protegidos legalmente em mesmo peso e medida que
a sociedade em geral.
Também não se podem albergar, sob as liberdades de pensamento, filosóficas e
religiosas, condutas que gerem violência, que ofendam as pessoas. Entretanto, também não é
necessário que condutas negativas sejam previstas em lei especificamente voltada para
proteção de homossexuais, pois já se incorre em ilícito todos que se manifestem de forma
263
264
265
266
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 5.003/2001. Uma réplica a
Paul Medeiros Krause.In: Jus Navigandi, Teresina, 7 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.
com.br/doutrina/texto.asp?id=10248>. Acesso em: 08 set.2010.
BRASIL. Projeto de Lei Nº 5.003-B, de 2001. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.
gov.br/sileg/integras/429491.pdf>. Acesso em: 17 out. 2010.
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Loc. cit.
88
errônea e desarrazoada contra qualquer pessoa (homossexual ou não), possibilitando,
inclusive a reparação do dano causado.
Tanto é assim que, Paul Krause267 explica que “o projeto de lei [...] é desnecessário
porque agressões físicas ou injúrias a quaisquer pessoas, homossexuais ou não, já configuram
crime, sendo despicienda a lei contra a alegada homofobia”.
Ressalte-se que a Constituição repudia a censura, portanto,
Dada a relevância e a proeminência dos valores em entrechoque, é claro que se exige
a máxima cautela na apreciação das circunstâncias relevantes para solver o
conflito. Mas, se é possível, de antemão, – sempre na via judiciária, de acordo com
o devido processo legal –, distinguir uma situação de violência a direito de
outrem, não atende à finalidade do Direito deixar o cidadão desamparado
[...].268 [Grifos nossos]
Ocorrendo violações, é possível que se recorra ao Judiciário, para que dê a solução do
conflito. Portanto, o PLC nº. 122/2006 deve ser muito discutido, pois antes mesmo de ser
aprovado já contém vícios que possibilitam várias interpretações, o que, consequentemente,
aumentará, por má técnica legislativa, a demanda judicial. 269
Portanto, são esses os preceitos descritos no projeto de lei que tanto têm tido sua
constitucionalidade questionada, muitas vezes defendida, mas significativamente protestados
os dispositivos, por colidirem com direitos fundamentais que, inicialmente, são de maior peso
e relevância para a sociedade.
3.3.
EFETIVIDADE DOS PARÂMETROS NORMATIVOS
Considerando que o PLC nº. 122/2006 surgiu como um modo de garantir aos
homossexuais uma proteção diferenciada, no que tange a seus direitos fundamentais, há falar
que estes são inerentes a qualquer indivíduo e, qualquer ação que os inviabilizem ou
restrinjam, deve ser repudiada, assim como o é quando se trata dos mesmos direitos de
heterossexuais.
267
268
269
KRAUSE, Paul Medeiros. A inconstitucionalidade do projeto de lei da homofobia (PLC nº 122/2006) e
o estado totalitário marxista: tréplica a Paulo Roberto Iotti Vecchiatti. In: Jus Navigandi. 29 set. 2007.
Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10468>. Acesso em: 07 mar. 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.376.
COSTA, Paulo Fernando Melo da. Criminalização da homofobia. 17 jul. 2008. Disponível em:
<http://conteudo.com.br/providafamilia/criminalizacao-da-homofobia>. Acesso em: 23 out. 2010.
89
Direitos fundamentais no Brasil representam os bens e as vantagens prescritos na
norma constitucional.270 São resultado da maturação histórica, que os tornou obrigatórios.
Hoje, significam o reconhecimento de que os indivíduos possuem, primeiramente, direitos e
depois, obrigações.271
São preceitos descritos na Constituição Federal que muitas vezes não se harmonizam
entre si, gerando colisões de interesses, por isso não são absolutos, mas devem ser plenamente
respeitados enquanto não houver conflitos.
Assim, afirma Gilmar Mendes272: “A variedade de direitos tidos como tais
[fundamentais] e a possibilidade de que entrem em linha colidente evidenciariam que não se
pode falar em fundamentos imperiosos e incontrastáveis para esses direitos.” [Grifo nosso]
Com o passar dos tempos, os direitos fundamentais se avolumam, suprindo-se as
aspirações sociais do momento. Geralmente desenvolvem diversas funções sociais,
possibilitando uma melhor compreensão do conteúdo de diversos direitos, bem como de sua
eficácia.273
São normas que detém posição privilegiada no ordenamento jurídico, pois ocupam o
topo de hierarquia das normas, possuem força vinculante e eficácia imediata.274 Obrigam tanto
o Estado, como também os particulares a observarem seus ditames.
Quando dois ou mais princípios estatuídos por direitos fundamentais se colidem,
significa que a proteção de um exclui a aplicação do outro ou então possibilita uma conclusão
contraditória entre os mesmos.275
Nesses casos, deve-se buscar uma conciliação, a fim de que se uniformize a situação,
não deixando de lado as circunstâncias que indiquem e propiciem a satisfação de ambas as
partes, viabilizando que a melhor justiça seja concretizada.
Para que as circunstâncias sejam devidamente valoradas, deve-se fazer uma “medição”
dos direitos que estão em pauta, pontuando-se critérios de proporcionalidade para que seja
obtida a melhor opção, e não o benefício de um direito em total detrimento de outro,
O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade,
que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema,
que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja
270
271
272
273
274
275
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11 ed. São Paulo: Método, 2007.p.695.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.233.
Ibidem.
Ibidem, p.254.
Ibidem.
Ibidem.
90
proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não
sobreleve o beneficio que se pretende obter com a solução.276 [Grifos nossos]
Não é isso que o PLC nº. 122/2006 propõe, pois é de fácil verificação que a proteção a
ser destinada ao segmento homossexual acaba por restringir, senão extinguir, os direitos
relativos à liberdade, principalmente, de expressão, de toda uma sociedade que discorde das
condutas por eles praticadas.
Sob o manto de que a violência homofóbica tem alcançado níveis altos nas estatísticas,
os homossexuais se afirmam como uma minoria que necessita de mais proteção; mas é sabido
que toda a população é vítima de violência, não necessariamente homofóbica, mas de tantos
outros níveis, às vezes até mais cruéis, porém o conteúdo já está previsto em normas penais.
O consultor jurídico, Zenóbio Fonseca,277 diz que “Dessa forma não seria razoável a
aprovação deste projeto de lei como garantia de efetividade dos direitos das minorias sexuais,
em razão dos instrumentos jurídicos já existente no Brasil.” [sic]
No entanto, a cada discussão a respeito da aprovação do projeto de lei, novas
informações são reveladas, há necessidade de uma proteção efetiva, que realmente garanta
direitos, pois os parâmetros normativos utilizados até então não têm sido suficientes para
suprir a demanda de que deve haver uma proteção diferenciada, mas não mais especial, aos
homossexuais.
A homofobia não necessariamente será solucionada apenas por uma lei que queira
criminalizá-la, deve-se perceber que homofobia é uma questão cultural e institucional,
advinda também de discursos e omissões.278
Por isso que o Projeto de Lei em tramitação no Senado Federal tem provocado todas
essas discussões. Minorias outras se sentem prejudicadas com sua possível aprovação,
afirmam que há outras formas de viabilizar os direitos que os homossexuais desejam ter
assegurados (não todos), sem que, contudo, valham-se de uma normatização que agrida os
direitos constitucionais da sociedade e ainda não seja tão eficiente quanto se pensa ser.
Surgem colisões de direitos fundamentais entre os homossexuais e o restante da
sociedade, aqueles não se conformam com a proteção advinda apenas das outras normas, que
não uma legislação específica para tal.
276
277
278
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 285.
FONSECA, Zenóbio. A criminalização da homofobia no Brasil e as igrejas cristãs. Disponível
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FRANÇA, Alexandre Nabor Mathias de. Psicologia e diversidade sexual. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 4.
91
A sociedade, se posiciona contra o projeto de lei, pois percebe que estabelece direitos
que somente os homossexuais possuirão, enquanto pessoas que se igualam às demais.
Nesse contexto, não há qualquer concordância prática de como conciliar ambos
direitos, a não ser com a inclusão no ordenamento pátrio de norma voltada para uma proteção,
segundo o segmento homossexual, integral e absoluta.
A devida ponderação dos direitos a serem protegidos, pode ser tanto para o juiz,
quanto para o legislador,279 porém, melhor seria que se fizesse uma norma que, ao invés de
criminalizar condutas por emissão de opiniões, visasse proteger a categoria sem que, contudo,
perturbasse direitos fundamentais dos demais membros da sociedade ou então que
fomentassem políticas públicas preventivas, até por que
Nada justifica [...] ofender uma pessoa, salientando que o ofendido tem todo direito
de buscar a solução de seus conflitos em todas as esferas do direito. Compreende-se
que nesse ato todos estão resguardados pelas leis, não necessitando de mais uma
lei penal sobre o assunto.280 [Grifo nosso]
Em havendo colisão dessas normas fundamentais, deve-se partir para uma análise dos
direitos envolvidos, buscando uma proporcionalidade quanto à decisão a ser tomada, haja
vista que todo e qualquer direito fundamental sofre limitações.
Mai uma vez, Gilmar Mendes explica que
O exercício de direitos individuais pode dar ensejo, muitas vezes, a uma série de
conflitos com outros direitos constitucionalmente protegidos. Daí fazer-se mister a
definição do âmbito ou núcleo de proteção e, se for o caso, a fixação precisa das
restrições ou das limitações a esses direitos. 281
Se o projeto de lei fosse aprovado como está, nas palavras de Ednaldo Ribeiro282, “iria
de encontro à liberdade de expor idéias e opiniões, haja vista que ninguém pode hoje ser
privado desse direito. Todos são livres para expor seus pensamentos com responsabilidade.”
Essa liberdade é, nada menos, que um direito constitucional, que pode sofrer
limitações se extrapolado, porém, mais uma vez ressalte-se que já há norma que dispõe sobre
seu uso em consonância com demais preceitos, bem como decisões judiciais que em algum
momento reduziram sua carga axiológica em prol de outra de maior peso, naquele caso.
No trato dessas questões, é necessário que o princípio da proporcionalidade permeie a
aplicação harmoniosa dos direitos que se inserem no âmbito da proteção dos direitos
fundamentais, sem que o Estado imponha como devem ser as condutas sociais, pautadas na
279
280
281
282
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.285.
RIBEIRO, Ednaldo Batista. O PL 122/2006 é constitucional? Disponível em: <HTTP://reveednaldo
batista.blogspot.com/2009/11/artigo-sobre-lei-da-homofobia-pl.html>. Acesso em: 17 out.2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Loc.cit.
RIBEIRO, Ednaldo Batista. Loc.cit.
92
imposição de respeito absoluto, pleno, irrestrito do segmento “LGBT” [lésbicas, gays,
bissexuais e travestis]. Respeitar os direitos de qualquer indivíduo é essencial para se viver em
uma sociedade democrática, como a sociedade brasileira é.
Diante dessa abordagem, “Quanto mais amplo for o âmbito de proteção de um direito
fundamental, tanto mais se afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como
restrição.” 283 [Grifos do autor]
Entende-se que o princípio da proporcionalidade tem se firmado no âmbito desses
direitos fundamentais por meio das diversas decisões judiciais que consideram que algumas
medidas extrapolam os postulados constitucionais.284
A proporcionalidade para o legislador deve balizar a elaboração da norma, a fim de
que se empreguem meios suficientes e necessários para se alcançar o resultado pretendido.
Por meio adequado, compreende-se a possibilidade de que se alcance o objetivo pelo que está
se elaborando e por meio necessário, entende-se se não há outro meio eficaz e menos danoso
aos direitos fundamentais.285
Assim, o PLC nº. 122/2006, até o momento não demonstrou tal adequação e
necessidade frente ao ordenamento jurídico brasileiro, pois sua aprovação não impediria que
as condutas tipificadas ocorressem e, ainda, se realmente cessassem, não seria de forma
menos gravosa, pelo contrário, seria de maneira impositiva e restritiva de liberdades
fundamentais, duramente conquistadas.
Conforme Uziel Santana,286 a provação desse projeto seria “o estabelecimento de uma
imunidade comportamental jamais vista, em tempos de democracia, na história do direito
brasileiro.”
Quando se trata de imposição de restrições a determinados direitos fundamentais,
cumpre analisar se as restrições são ou não constitucionais. As várias normas editadas que
visaram à proteção dos homossexuais, até então, não prosperaram por ausência de elementos
que revelassem sua adequação ao ordenamento jurídico.
A criminalização da homofobia não é a única solução, tampouco suficiente, para que a
sociedade não se enverede pelas práticas discriminatórias; esse argumento não procede
quando se sabe que há punição no país.
283
284
285
286
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p.329.
Ibidem.
Ibidem, p.330.
SANTANA, Uziel. Homofobia ou heterofobia? (IV). Disponível em: Disponível em: < http://uzielsantana.
pro.br/pastas/producaoacademica/artigosjornais/2007-2008/homossexualismo/Projeto%20122.2006.Incons
titucional.%20Ileg%a6timo.Heterof%a5bico..pdf>. Acesso em: 22 set. 2010.
93
Essa posição também encontra respaldo da psicóloga Paula Smith Peixoto, que
trabalha nesse campo – do homossexualismo –, pois concorda que há sim que se repudiar
práticas homofóbicas, porém, questiona se a criminalização seria o caminho mais viável para
alcançar o objetivo pretendido.287
Para Ednaldo Ribeiro,
O princípio da proporcionalidade é de suma importância, pois atua como
instrumento para a promoção da perfeita aplicação dos princípios constitucionais,
principalmente quando esses interesses individuais ou sociais estiverem em conflito.
288
Inequívoca é a questão de que o projeto de lei trata com muito mais rigor as condutas
tidas como delituosas, que discriminam homossexuais, do que o Código Penal, na maior parte
das vezes, pois legitima uma minoria, desnaturando-se outros direitos fundamentais, figurados
na Constituição Federal.
Nota-se que o que está faltando é política pública que vise ensinar a respeitar, não que
seja estimulando, mas possibilitando e valorizando o conhecimento do assunto, o que,
consequentemente, não dá margem à ignorância, permitindo que se sobressaia a compreensão.
Conforme a psicóloga, “O Brasil é um dos países que mais prendem, ou seja, [...] não
podemos falar em impunidade, mas em seletividade do sistema penal. Se você coloca um
sujeito na cadeia, ele vai deixar de ser homofóbico?”.289
Em oposição, para o seguimento a favor da criminalização da homofobia, os
homossexuais são tratados como seres secundários, cidadãos de segunda classe no país e há
impunidade quando se trata de violências sofridas por eles. Apesar disso, Cláudio
Nascimento290 confirma que, “A lei não vai mudar uma realidade de homofobia e intolerância
de uma hora para a outra”.
A ausência de legislação e políticas, muito mais educativas e preventivas, proporciona
certa insegurança ao segmento homossexual, bem como ao Judiciário que, por vezes, toma
decisões unicamente baseadas em suas próprias convicções, apesar de ter que fundamentá-las.
Percebe-se que não há, até os dias de hoje, um complexo normativo e político que dê
efetividade aos parâmetros normativos empregados para conceder reconhecimento de direitos
ao segmento homossexual, o que gera disparidades nas decisões e nas interpretações das
normas postas a todos os cidadãos, heterossexuais e homossexuais.
287
288
289
290
NASCIMENTO, Cláudio. Criminalização da homofobia em debate. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 8.
RIBEIRO, Ednaldo Batista. O PL 122/2006 é constitucional? Disponível em: <HTTP://reveednaldo
batista.blogspot.com/2009/11/artigo-sobre-lei-da-homofobia-pl.html>. Acesso em: 17 out.2010.
NASCIMENTO, Cláudio. Loc.cit.
Ibidem.
94
Os direitos são iguais, porque não é a orientação sexual que deve modificar o que já
está posto.
Se os homossexuais hoje têm direitos que lhes são aplicáveis, é porque são seres
humanos, que devem ser respeitados por serem pessoas, cidadãos, mas não porque
simplesmente optaram ser homossexuais.
Este não é motivo da proteção que lhes é direcionada, assim aborda Luiz Carlos Lodi
da Cruz,291 ao explanar que “Se um homossexual praticante tem algum direito, conserva-o
apesar de ser homossexual, e não por ser homossexual.” [Grifo do autor].
As conquistas no plano do Judiciário brasileiro não balizam quaisquer outras, pois não
são suficientes para garantir maior guarnição aos indivíduos que são potenciais vítimas de
homofobia. Em já havendo duras normas, com sanções pesadas, não se faz necessário que se
repita em lei própria o que já se sabe ser proibido, equivocado e inadequado.
Necessário é que haja políticas públicas de inclusão do segmento na sociedade, sem
que sejam desrespeitados, mas também, sem que imponham a aceitação do que os
homossexuais têm por certo e, consequentemente, sem que ocorram punições desarrazoadas e
desproporcionais a todos, decorrentes de manifestações de pensamentos ou de princípios de
vida próprios de cada indivíduo da sociedade.
O militante Cláudio Nascimento também acredita que a criminalização da homofobia,
por si só, não é suficiente, devendo ser acompanhada de políticas públicas que promovam a
cidadania “LGBT” [lésbicas, gays, bissexuais e travestis].292
Ao se sedimentar o projeto de lei, estar-se-ia corroborando para uma discriminação
inversa, em que os homossexuais seriam insuscetíveis de críticas, de opiniões contrárias e de
distinção, somente por motivo de orientação sexual, e os heterossexuais ocupariam o pólo de
discriminados, já que qualquer atuação que envolvesse abordagem ao tema de
homossexualidade configuraria crime.
São necessárias formas de educar a população a respeitar a diversidade, a respeitar
àqueles que são considerados “anormais” perante a sociedade, anulando-se assim, quem sabe,
o cenário de homofobia.
Não há necessidade de que se imponha uma norma em que toda a sociedade passe a ter
medo, pois este não muda a concepção da não-discriminação, mas apenas tem causa paliativa,
291
292
CRUZ, Luis Carlos da. O perigo do PLC 122/2006. Um perigo mais iminente do que o da legalização do
aborto. 07 jun. 2007. Disponível em: <http://juliosevero.blogspot.com/2007/06/o-perigo-do-plc-1222006.
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NASCIMENTO, Cláudio. Criminalização da homofobia em debate. Jornal do Conselho Regional de
Psicologia. Rio de Janeiro. Ano 5, nº. 19, Outubro 2008.p. 8.
95
para estancar surtos de violências homofóbicas e, só isso, não altera a essência preconceituosa
e discriminatória, fruto, muitas vezes, da falta de esclarecimento da sociedade.
Todos, porém, devem aprender a conviver em uma sociedade plural, sem que haja
intolerância às diferentes maneiras. Não será por meio desse tipo de sanção que haverá o fim
da discriminação.
Por mais que o Judiciário, muitas vezes, se posicione a favor dos homossexuais, isso
não garante a padronização na aplicação de direitos garantidos, pois também há necessidade
de se fixar parâmetros mínimos para direcionar as decisões judiciais, sem que com isso restem
prejudicadas as partes e a sociedade.
96
4. CONCLUSÃO
Diante dos objetivos de propostos, para promover ao leitor o conhecimento sobre o
tema abordado neste estudo, pode-se verificar que todos os parâmetros normativos, até os dias
atuais utilizados para proporcionar aos cidadãos homossexuais direitos que lhes são devidos,
não tiveram a completa repercussão social esperada. A legislação atual não prevê normas que
estabeleçam critérios mínimos para que ao menos seja delineada uma posição a respeito do
assunto.
Por essa perspectiva, é de fácil visualização que o preconceito sofrido pelos
homossexuais, também se insere no plano político e legislativo, em que há posicionamentos
retardatários no sentido de estabelecer regras, por mais simples que sejam, que visem conferir
a real garantia de gozo dos direitos que lhes pertencem.
Por meio deste estudo, os posicionamentos críticos relacionados ao atual Projeto de
Lei nº. 122/2006, foram atingidos, pois houve o alcance das pretensões que objetivaram a
verificação das disposições contidas neste projeto, como a análise, por meio de diversos
autores, dentre advogados e psicólogos, das colisões e conformações desse texto normativo
com a Carta Magna do país.
Dessa forma, apesar da intenção do projeto ser, única e exclusivamente, a antidiscriminação homossexual, e conseqüente diminuição da violência homofóbica, foi
constatado que por insuficiência de elementos normativos, o projeto de lei mais colide com a
Constituição do que com ela tem conformações.
A técnica legislativa utilizada não permitiu que o projeto se torne viável e adequado a
um Estado Democrático como o Brasil, pois muitos de seus dispositivos ferem preceptivos
constitucionais elencados como direitos fundamentais, consagrados no ordenamento jurídico.
A maior contestação quanto à legitimidade do projeto situa-se na abordagem de que a
tanto o princípio da igualdade, quanto o direito às liberdades de expressão, de consciência e
de crença, seria tolhidos da sociedade, já que todos estariam reféns de uma norma que
protegeria apenas os homossexuais, apesar de citar que a aplicação seria contra quaisquer
situações que atingissem uma pessoa por sua orientação sexual.
A
aprovação
do
projeto,
como
se
encontra,
causaria,
verificando-se
constitucionalmente, um privilégio ao segmento homossexual, em detrimento das liberdades
já asseguradas aos demais da sociedade que não se encaixem nesses padrões, que se
97
manifestem e que exerçam seus direitos garantidos na Carta Magna, ainda que dentro dos
padrões da normalidade, pois mesmo sem essa lei, hoje, já se limitam direitos que ofendam
outrem, além de tal manifestação desproporcional ensejar reparação do dano.
Essa não seria a melhor forma de se proteger o segmento homossexual que ainda é
marginalizado por ausência de meios que lhes proporcionem o livre e digno exercício de seus
direitos.
Apesar das conquistas alcançadas, ressalte-se que os homossexuais ainda sofrem
exclusão social e, por causa dessa fragilidade, o Estado tem o dever de cumprir seu papel,
oferecendo-lhes uma normatização adequada, pois são sujeitos de direitos dignos de
exercerem seus direitos como os heterossexuais o fazem.
Com o decorrer dos anos, várias foram as decisões e interpretações de normas postas a
todos que concederam a garantia de direitos aos homossexuais, mesmo que ainda estejam
ultrapassadas, foram adaptadas à nova realidade, proporcionando conquistas ao segmento
homossexual.
Os avanços foram tão significativos que, possibilitaram à minoria a promoção de
projetos de lei que visassem protegê-la das mais diferentes externalizações de preconceito, a
fim de viabilizar uma vida digna e livre de violências.
Porém, apesar de ter essa intenção, o projeto de lei que visou conceder essa nova
realidade não alcança esse objetivo da melhor maneira, haja vista que quando confrontado
com os parâmetros do texto constitucional, verifica-se que não há viabilidade e adequação
necessárias à ordem jurídica nacional.
O PLC nº. 122/2006, ao aplicar direitos aos homossexuais e dispor sobre delitos a
quem pratique a homofobia, não particularizou vários de seus dispositivos, com isso,
legitima-se uma ordem inversa de discriminação, acionando como responsável qualquer
indivíduo que contrarie os ideais homossexuais e colocando como discriminados os
heterossexuais, isso não resolve a discriminação.
Assim, os parâmetros normativos utilizados até então, não têm sido suficientes
reguladores da questão, bem como da aplicação de direitos a homossexuais, pois não têm o
condão de resolver em definitivo tais aspectos, seja por decisões judiciais que solidificam
entendimento, seja pelas normas legais que não prevêem os a situação dos que têm
relacionamentos homoafetivos.
Ambas as formas de protegê-los são válidas, mas também não exercem o papel que
deveriam. O projeto de lei, ao tentar condicionar as ações homofóbicas com suas respectivas
punições, acaba por gerar um desconforto e insegurança sociais, colocando-se como uma
98
norma que não é desmotivada, mas que também não supre o que lhe é pleiteado, a existência
digna do ser humano homossexual.
Por mais que tais parâmetros normativos não tenham alcançado o fim necessário, não
será com a aprovação desse projeto que tudo se resolverá e que esses parâmetros suprirão, em
definitivo, o que é almejado para que se alcance o fim desejado. Tal projeto, se aprovado,
também não terá o poder de promover o fim de toda e qualquer conduta de exclusão dos
homossexuais e não colocará um fim na discriminação. Ele apenas será uma norma a mais,
solta no sistema jurídico brasileiro, à espera da atuação estatal educativa, que elucide a
população, retirando-a da ignorância, proporcionando o conhecimento.
Assim, espera-se que, com o passar do tempo, haja a internalização do respeito ao
próximo e, consequentemente, a redução ou, até mesmo, o fim das práticas de violência
homofóbica.
99
5. REFERÊNCIAS
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110
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Patricia Mara Barbosa Chaves - Universidade Católica de Brasília