QUARTA REGIÃO QUARTA REGIÃO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p. 1-304, 2010 Ficha Técnica Direção: Des. Federal Tadaaqui Hirose Assessoria: Isabel Cristina Lima Selau Direção da Divisão de Publicações: Arlete Hartmann Análise e Indexação: Giovana Torresan Vieira Marta Freitas Heemann Revisão e Formatação: Camila Thomaz Telles Carla Roberta Leon Abrão Leonardo Schneider Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1 (jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral. ISSN 0103-6599 1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil. Tribunal Regional Federal 4ª Região. CDU 34(051) 34(094.9) TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 4ª Região Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 CEP 90.010-395 – Porto Alegre – RS PABX: 0 XX 51-3213-3000 e-mail: [email protected] Tiragem: 850 exemplares QUARTA REGIÃO TADAAQUI HIROSE Des. Federal Diretor da Escola da Magistratura TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO JURISDIÇÃO Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná COMPOSIÇÃO Em 7 de maio de 2010 Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994 – Presidente Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994 – Vice-Presidente Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Corregedor Regional Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994 Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994 Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994 Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997 Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998 Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999 – Diretor da EMAGIS Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001 Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001 – ViceCorregedor Regional Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001 Des. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002 Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003 – Conselheiro da EMAGIS Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004 – Conselheiro da EMAGIS Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004 Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004 Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004 Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005 Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006 Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006 Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006 Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007 Des. Federal Fernando Quadros da Silva – 23.11.2009 Des. Federal Márcio Antônio Rocha – 26.04.2010 Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada) Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada) Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado) Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado) Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado) CORTE ESPECIAL Em 7 de maio de 2010 Des. Federal Vilson Darós – Presidente Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Vice-Presidente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Corregedor Regional Des. Federal Tadaaqui Hirose – Diretor da EMAGIS Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – Vice-Corregedor Regional Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Des. Federal Néfi Cordeiro Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Conselheiro da EMAGIS (1º Suplente Quinto Constitucional/MPF) Des. Federal João Batista Pinto Silveira – Conselheiro da EMAGIS (1º Suplente Quinto Constitucional/OAB) Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle (2º Suplente Quinto Constitucional/MPF) PRIMEIRA SEÇÃO Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira Des. Federal Joel Ilan Paciornik Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada) SEGUNDA SEÇÃO Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Des. Federal Fernando Quadros da Silva Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado) TERCEIRA SEÇÃO Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente Des. Federal João Batista Pinto Silveira Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle Des. Federal Rômulo Pizzolatti Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado) QUARTA SEÇÃO Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente Des. Federal Tadaaqui Hirose Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Des. Federal Néfi Cordeiro Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus Des. Federal Márcio Antônio Rocha PRIMEIRA TURMA Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – Presidente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Des. Federal Joel Ilan Paciornik SEGUNDA TURMA Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – Presidente Des. Federal Otávio Roberto Pamplona Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada) TERCEIRA TURMA Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Presidente Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Des. Federal Fernando Quadros da Silva QUARTA TURMA Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado) QUINTA TURMA Des. Federal Rômulo Pizzolatti – Presidente Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado) SEXTA TURMA Des. Federal João Batista Pinto Silveira – Presidente Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle SÉTIMA TURMA Des. Federal Tadaaqui Hirose – Presidente Des. Federal Néfi Cordeiro Des. Federal Márcio Antônio Rocha OITAVA TURMA Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – Presidente Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus SUMÁRIO DOUTRINA ........................................................................................15 A pensão previdenciária por morte e o Direito Civil Rômulo Pizzolatti......................................................................17 DISCURSOS ......................................................................................21 Fernando Quadros da Silva......................................................23 Márcio Antônio Rocha..............................................................29 Élcio Pinheiro de Castro..........................................................35 Fernando Ribeiro Pacheco.......................................................39 ACÓRDÃOS.......................................................................................41 Direito Administrativo e Direito Civil......................................43. Direito Penal e Direito Processual Penal..................................83. Direito Previdenciário.............................................................145 Direito Processual Civil..........................................................195 Direito Tributário....................................................................227 SÚMULAS........................................................................................269 RESUMO...........................................................................................279 ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................283 ÍNDICE ANALÍTICO.......................................................................287 ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................299 DOUTRINA R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010 15 16 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010 A pensão previdenciária por morte e o Direito Civil Rômulo Pizzolatti* Uma rápida pesquisa dos julgamentos dos tribunais em matéria de pensão previdenciária por morte realizados nos últimos anos deixará o pesquisador perplexo pelo elevado volume de orientações diferentes. Uma boa hipótese de explicação parece estar no fato de que o Direito Civil não vem sendo considerado quanto devia, como se os institutos do Direito Previdenciário fossem isolados e refratários aos conceitos de outras disciplinas, especialmente o Direito Civil, que é a base de tudo. Em vez de se aproveitarem as conquistas do Direito Civil, mais amplo, porque a todos diz respeito, e por isso mesmo mais aderente à realidade social, com o que chegaríamos a soluções rápidas, seguras e uniformes, os que defendem o isolamento do Direito Previdenciário acalentam o projeto de fazer inovadora “construção jurisprudencial”, justificando-a com uma simples frase – o “caráter social das normas de Direito Previdenciário”, da qual tiram, como que de uma cartola, o mágico efeito de convencimento. Feita essa reflexão introdutória, examinemos algumas situações importantes, indicativas de que o instituto da pensão previdenciária por morte está ligado como que por um cordão umbilical ao Direito Civil, de cujos institutos e normas não pode prescindir. * Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010 17 Até o Supremo Tribunal Federal (STF) assentar, recentemente (RE nº 397.762, DJe de 12.09.2008), com base na Constituição e no Direito Civil, que a concubina não tem direito a cota de pensão por morte em prejuízo da esposa, com quem o segurado nunca deixou de conviver, sob pena de dar-se chancela jurídica à bigamia, a jurisprudência vinha desconsiderando a distinção entre concubina e esposa e fazia rateio da pensão entre as duas. Os julgadores certamente incorriam em autoengano, decorrente da ilusão de que, com essa partilha à moda de Salomão, estariam fazendo obra de “justiça”, quando em geral o que resultava era o oposto, por isso que a esposa quase sempre superava a concubina, em anos de convivência e em filhos criados. Entre vários semelhantes, certo caso houve em que o colegiado, pretextando o “caráter social das normas de direito previdenciário”, retirou metade da pensão da viúva, uma velhinha “do lar”, que criara oito filhos do segurado, para dá-la à concubina, pessoa mais jovem e com economia própria, que nenhum filho teve com o segurado... Este é o grande perigo do bem-intencionado julgador que “quer fazer o bem” acima de tudo, minimizando os critérios normativos: acaba, o mais das vezes, incorrendo no “paradoxo de São Paulo” (“Não faço o bem que quero, e sim o mal que não quero” – Epístola aos Romanos, 7, 19). Felizmente, nesse ponto o velho mas sempre atual Direito Civil volta a prevalecer, desde que o STF lhe restaurou o prestígio. Tampouco é profícuo tentar, dentro do Direito Previdenciário, estabelecer, por exemplo, quem é “filho”. A filiação é categoria do Direito Civil, que distingue, conforme a exposição do prof. Fábio Ulhoa Coelho, várias espécies: a) filiação biológica, que ocorre quando o filho porta a herança genética de quem consta como pai e mãe de seu registro de nascimento; b) filiação não biológica, que ocorre mediante a perfilhação, ou seja, os pais declaram, expressa ou implicitamente, a vontade de ter certa pessoa como filho(a); b.1) filiação por substituição, que provém do emprego de técnica de reprodução assistida heteróloga, em que os pais, cujos nomes constam do registro de nascimento, contratam o serviço de médicos para concepção in vitro, sem pelo menos um deles fornecer o gameta, podendo ainda ocorrer a geração do filho em útero de outra mulher que não a mãe; b.2) filiação socioafetiva, que provém da relação de afeto paternal ou maternal nascida da convivência duradoura de um 18 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010 adulto e uma criança, sem que haja vínculo biológico entre eles; b.3) filiação adotiva, que é a estabelecida pela adoção, resultante de processo judicial em que um adulto (ou dois adultos casados) aceita outra pessoa, geralmente criança ou adolescente, como seu filho (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5, p. 146148). Recentemente, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, adotando a linha de orientação do Direito Civil, concedeu pensão previdenciária por morte à filha socioafetiva do segurado, prescindindo de fazer “construção jurisprudencial” ou de apoiar-se em “precedentes” (AC nº 2008.71.99.001769-5/RS, julgada em 09.12.2008, in Revista do TRF da 4ª Região, n. 74, p. 273-275). Parece, pois, ser de escassa utilidade fazer pesquisas à cata de “precedentes” sobre quem deve ser considerado filho, pois o máximo conseguível será alguma orientação já superada pela ampla renovação experimentada pelo Direito Civil nos últimos anos. É ainda no Direito Civil que se deve buscar a compreensão do que seja “dependência econômica”, quando esta não é presumida, como é o caso (I) dos pais do segurado, ou (II) da(o) irmã(o) não emancipada(o), menor de 21 anos ou inválida(o), ou (III) da(o) ex-esposa(o) ou excompanheira(o) em união estável que, por ocasião da ruptura da convivência, havia dispensado ou deixado de reclamar alimentos, mas prova que sobreveio necessidade de tais alimentos (e, pois, direito a eles), conforme a Súmula 336 do Superior Tribunal de Justiça, tudo, evidentemente, à época do óbito do segurado. Novamente aqui a pesquisa jurisprudencial aponta a tendência de os julgadores fazerem “construção jurisprudencial”, minimizando o Direito Civil. Tem-se comumente entendido que há “dependência econômica” quando a ajuda em dinheiro ou bens dada pelo segurado vai “fazer falta” ao postulante à pensão por morte. O julgador apieda-se então do suplicante e, por equidade, lhe concede a pensão, a fim de que possa manter seu padrão de vida. Na prática, acabará elevando o padrão de vida do suplicante, porque o valor da pensão por morte (normalmente a totalidade do salário de benefício) é sempre bem superior ao auxílio que era dado pelo segurado (um morto não tem despesas). A solução por equidade parece estar aqui interditada, visto que há critério normativo para o caso, dado pelo Direito Civil. O artigo 1.694 do Código Civil de 2002, com efeito, estabelece: “Podem os parentes, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010 19 os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. Está claro, pois, que alimentos e pensão por morte não têm a finalidade de manter “padrão de vida”, mas sim a finalidade de propiciar vida “compatível com a condição social” do alimentando. Daí se segue que se o alimentando, seja ele pai, mãe, irmã(o), ex-esposa(o) ou ex-companheira(o), mora, por exemplo, em casa própria e possui parcos rendimentos que, em tal contexto, lhe garantem vida compatível com sua modesta condição social, não tem direito à pensão por morte, ainda que sofra alguma diminuição em seu “padrão de vida”, que se elevara temporariamente pelo auxílio em dinheiro ou em bens dado pelo falecido segurado. Não é do Direito dar a alguém aquilo que não é seu, à custa do esforço alheio, individual ou social. Justamente nesse sentido foi a decisão unânime de 10.12.2009, da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao apreciar a Apelação Cível nº 2006.72.08.003408-9/SC (“É indevida pensão por morte à ex-companheira do segurado, de quem ele estava separado de fato à época do óbito, quando ela tinha renda suficiente, consistente em aposentadoria por idade e pensão por morte do marido, para manter padrão de vida compatível com sua modesta condição social”). Em conclusão, o instituto da pensão previdenciária por morte está como que por um cordão umbilical ligado ao Direito Civil, que lhe subministra conceitos, critérios e compreensões, e de cuja maturidade e constante evolução se beneficia, o que vale também para os demais institutos do Direito Previdenciário. Por isso mesmo, parecem ilusórias as já mencionadas “construções jurisprudenciais”, que, fundadas somente no mágico “caráter social das normas previdenciárias”, acabam por levar o Direito Previdenciário a isolar-se do sistema jurídico. 20 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010 DISCURSOS R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 21 22 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 Discurso* Fernando Quadros da Silva** Sr. Presidente, Desembargador Vilson Darós, Sra. Procuradora Regional da República, Srs. Advogados, servidores desta Corte, autoridades, meus colegas deste Tribunal, familiares do empossado, meu caro Desembargador Márcio Rocha: Reúne-se o Tribunal Regional Federal da 4a Região em sessão plenária para, mais uma vez, receber um novo membro no seu corpo de julgadores. Este Tribunal criado em 1989, fruto direto da Constituição de 1988, já empossou muitos julgadores, em suas diversas composições. É um tribunal relativamente jovem, mas já disse a que veio. No último dia 30 de março, completou 21 anos de existência e vem dando mostras de profundo respeito pelos jurisdicionados dos três Estados que integram sua área de jurisdição: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Julgam-se nesta Corte milhares de processos por ano, centenas de sessões de julgamento, horas e horas de discussões para realizar a justiça. Por isso a chegada de um novo membro sempre é uma alegria. É um alento e nova força de trabalho. Sempre estivemos na vanguarda. Na especialização das turmas e varas federais, na implantação dos juizados especiais federais e agora com o Discurso de saudação ao Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha quando da sua posse no TRF da 4ª Região, em 26.04.2010. ** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. * R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 23 processo eletrônico. Sempre fomos pioneiros, mas, por outro lado, a normalidade sempre marcou a história desta Corte. As pessoas se sucedem nos cargos, deixam sua contribuição, e outras vêm, numa sucessiva e salutar alternância que revela de maneira incontestável que vivemos numa plena democracia e num sistema republicano. Somos passageiros, e aqueles que mais se esforçam para serem lembrados são os que mais rapidamente são esquecidos. Aqueles que querem mudar a justiça sozinhos se esquecem de que essa é uma tarefa de todos – juízes, advogados, membros do Ministério Público, servidores, enfim, de toda a sociedade, não de um homem só. O tribunal não é nosso, é da sociedade. A vida e a renovação se impõem inexoravelmente. O que importa são as instituições, porque elas são o fruto do somatório de ideias, sentimentos e ideais. O maior legado do homem público é justamente não se esforçar muito para deixar legado. É cumprir o que a lei espera dele. No nosso caso, prometemos cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis da República Federativa do Brasil, compromisso que Vossa Excelência, Dr. Márcio, acabou de renovar. Essa é a maior tarefa que temos que desempenhar, mesmo que à custa da antipatia de alguns, por vezes da opinião pública; tudo em nome do bem maior que é a justiça. E, quanto a isso, este Tribunal vem inegavelmente dando excelentes exemplos. Vossa Excelência toma posse no cargo que antes foi ocupado pelo inolvidável João Surreaux Chagas, juiz competente e culto, humano e sensível. Quantas vezes presenciei o Dr. Surreaux animadamente perguntar ao Márcio por suas andanças de bicicleta pelo mundo afora. Era como um irmão mais velho, nos dizendo que a vida não é só trabalho. Foi um amigo que perdemos: “A morte espreita em silêncio O vivo jogo dos homens No tabuleiro do tempo Estende, às vezes de repente, A longa mão feita de sombra E tira um peão do tabuleiro” (Helena Kolody) Desta feita, estamos na cerimônia de posse de mais um magistrado desta Corte. O empossado é o Dr. Márcio Antônio Rocha. Natural de 24 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 Ponta Grossa, Estado do Paraná, ainda cedo mudou-se para Curitiba, onde passou a infância e a juventude. Filho de Aroldo Rocha, de saudosa memória, e Tereza Kirylovicz Rocha, nasceu em 13 de junho de 1968. Sempre foi uma pessoa singular. Sempre privilegiou o contato com a natureza. Na sua juventude, foi escoteiro e alpinista. Conhece como poucos as montanhas da Serra do Mar. Encontrou muitas vezes Waldemar Niclevicz nos seus treinamentos para escalar a montanha mais alta do mundo. Tenho certeza de que Márcio poderia escalar o Everest, pois tem a fibra e a determinação necessárias, mas escolheu o Direito. Já na Faculdade de Direito, iniciada em 1987 e concluída em dezembro de 1991, se interessou em exercer atividades ligadas à área jurídica. Inicialmente foi estagiário na Defensoria Pública, onde prestava serviços na Vara de Execuções Penais. Posteriormente fez estágios em escritório de advocacia e, finalmente, fez concurso para o cargo de Auxiliar de Juiz da Justiça Estadual do Paraná, onde permaneceu por dois anos, prestando serviços na Vara Criminal. Foi contemporâneo, nessa época, dos amigos Vicente de Paula Santos e Jorge Vicente da Silva, brilhantes advogados, e Luiz Carlos Canalli, estimado colega Juiz Federal. Com a colação de grau, passou a se preparar para concursos. Foi aprovado no memorável concurso de 1992, em que somente seis candidatos lograram aprovação – além de Márcio Rocha, outros cinco colegas: Néfi Cordeiro, Joel Ilan Paciornik, Otávio Roberto Pamplona, Cláudia Cristina Cristofani e Luciane Amaral Corrêa. Eu, que morava em Porto Alegre na época, tive a felicidade de acompanhar aquele seleto grupo nas últimas fases do concurso. Não estava participando do certame, mas, de alguma maneira, toda aquela movimentação me influenciou. Ainda me recordo daquele grupo que entusiasticamente se preparava para os atos finais do concurso. Aprovado no concurso e empossado na cerimônia presidida pelo então Presidente Cal Garcia, precisamente em 18.12.1992, assumiu como juiz federal substituto em Uruguaiana. De Uruguaiana, o Dr. Márcio Rocha assumiu a Vara Criminal de Curitiba – entusiasmou-se com a matéria criminal. Era um momento novo na Justiça Federal. A especialização de varas criminais era pioneira. O Dr. Márcio Rocha mergulhou fundo na matéria e na jurisdição criminal. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 25 Fazia proposta, redigia modelos de ofícios e precatórias, participava de reuniões para propor novas varas e novos procedimentos. Enfim, deixou um legado de dedicação e exame profundo dos processos criminais. A sua prestação jurisdicional, poderia afirmar, é fruto dessa fase. Cada processo é um processo. Ele os examina meticulosamente. Confere, corrige redação em busca da palavra exata. Não transige com as palavras. Manda refazer várias vezes. Esse é o estilo. Sua mesa sempre é cheia de processos com anotações, tem uma memória invejável. Ali permaneceu de 1991 a 2000. Depois de uns oito anos na vara criminal, foi para a Vara do Sistema Financeiro de Habitação, vara recémespecializada, fruto da visão pioneira do nosso tribunal, sob a presidência dos Desembargadores Fábio Rosa e Vladimir Freitas. Em 2000 foi para a Vara do SFH. E, novamente, seu espírito inquieto se pôs a examinar aqueles milhares de feitos questionando os contratos de financiamento imobiliário. Tanto estudou, tanto discutiu, que terminou por elaborar uma nova tese sobre a amortização dos juros daqueles contratos. Não se contentava em apenas repetir os precedentes, queria solucionar mais profundamente a demanda. Fruto dessa labuta na Vara do SFH é um projeto inteiramente pioneiro de contrato. Publicou obra a respeito: “Sistema Financeiro de Habitação: soluções jurídicas e proposições para o futuro” (Juruá, 2005). Participou da Comissão de Altos Estudos da Justiça Federal, instituída pela Resolução 296 do Conselho da Justiça Federal em 2002. A sua proposta foi encampada integralmente. Preconizava, entre outras coisas, a facilitação do acesso à moradia utilizando as sobras resultantes das operações financeiras. Por ocasião da apresentação do Projeto no Senado Federal, o Senador Álvaro Dias discursou elogiando nosso magistrado e sua pioneira iniciativa que visava solucionar o déficit habitacional no país. O discurso foi publicado no Diário do Senado de 21 de maio de 2005. Integrou o Tribunal Eleitoral do Paraná na condição de suplente, no biênio 2004 a 2006. Quando eu e o colega Nicolau Konkel Jr. estávamos na Direção do Foro da Seção Judiciária, Márcio ocupou o Centro de Estudos e Treinamento – CET, impondo dinamismo e competência. Realizou um dos primeiros encontros de juízes federais do Paraná. Integrou a Turma Recursal do Juizado Especial na Seção Paraná e 26 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 ajudou a consolidar a ideia das turmas recursais. Naquele início dos juizados, tudo parecia difícil e precisávamos de pioneiros e idealistas. Convocado em diversas oportunidades e períodos a partir de 1999, mais recentemente a partir de 2004 está convocado junto a esta Corte, primeiramente em função de auxílio e por último em substituição de membro desta Corte. Um terço de sua carreira está no tribunal. Afora as atividades profissionais, é cidadão com vasta cultura, pois viajou pelo mundo de bicicleta e de motocicleta, além de ser velejador e alpinista. Escalou muitas vezes as montanhas da Serra do Mar no Estado do Paraná. Tais atividades complementam e enriquecem a convivência e melhoram a capacidade de julgar. No trato pessoal com os colegas, sempre é gentil e cortês. Nos trabalhos em colegiado, sempre profere seus votos com tranquilidade e segurança, respeitando as opiniões e conclusões diversas. Tenho certeza de que ganha o tribunal com sua posse e com sua contribuição, que já vem sendo incansavelmente dada, agora com as vantagens e prerrogativas da definitividade. Cumprimento os familiares aqui presentes; sua esposa, Haylleen; sua mãe, Dona Tereza; seus irmãos, Cláudio, Sandra e Claudia. Encerro com versos de Helena Kolody, a maior poetisa do nosso amado Paraná, descendente de ucranianos como nosso empossado e nosso colega Wowk Penteado: “Para quem viaja ao encontro do sol, é sempre madrugada.” “Não é o tempo que voa Sou eu que vou devagar” “Sem aviso, o vento vira uma página da vida” Hoje, Dr. Márcio Rocha, você está virando uma página na sua carreira até agora brilhante. Em nome do Tribunal, dou-lhe as boas-vindas e desejo-lhe felicidade no desempenho da elevada missão que hoje se renova. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 27 28 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 Discurso* Márcio Antônio Rocha** Excelentíssimo Desembargador Federal Vilson Darós, na pessoa de quem saúdo todas as autoridades presentes, Senhoras e Senhores: Assumo com orgulho a vaga deixada pelo saudoso Desembargador Federal João Surreaux Chagas, eminente magistrado, que ocupou com galhardia cargos importantes, dos quais ressalto a Corregedoria-Geral e a Vice-Presidência desta Corte. Tivemos uma mesma trajetória inicial, pois judicamos ao início de nossas carreiras na Subseção Judiciária de Uruguaiana, englobando à época todo o noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e as fronteiras com a Argentina e o Uruguai. Foi esse início comum que me fez próximo de Sua Excelência, vindo conhecer a dedicação pelo trabalho e a inesgotável amizade para com todos que lhe acorriam. Desembargador Surreaux, obrigado pela amizade, e saiba que, embora a sua ausência nos seja um vazio constante, com orgulho novamente seguirei seus passos. Peço licença, ainda, para um agradecimento inafastável. Existem duas pessoas que merecem os tributos deste especial momento: Aroldo e Tereza, meus pais. Pessoas que traduziram suas vidas em trabalho, em amor à família e aos próximos. Meu pai faleceu quando eu tinha 15 anos, cabendo à minha mãe o difícil trabalho de, enxugando as suas e * Discurso de posse como Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, em 26.04.2010. Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. ** R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 29 as nossas lágrimas, prosseguir o bem-estar da família. De meu pai, tenho que seu tempo era tomado por horas extras no trabalho, certamente necessárias para conseguir manter a família e pagar os estudos de seus quatro filhos. Diziam meus pais: “Márcio, o seu futuro está no estudo”. Pai, Mãe, aqui estou, exclusivamente, pelos seus esforços e pelo estudo. Obrigado. Obrigado também a meus irmãos, Cláudio, Sandra e, especialmente, Claudia, que tanto acompanha minha carreira; meus sobrinhos, Dra. Camila, Caio, Dayane e Thiago; e minha cunhada Elizete, pessoas tão importantes para mim. Na pessoa de meus dois amigos de longínqua infância, Cláudio Saldanha e Marcelo Losso, saúdo todos aqueles que aqui estão presentes por apreço e estima. Agradeço ainda a presença dos meus tios Maria, Laertes e Osni e dos meus sogros, Reinaldo e Noeli, nas pessoas de quem saúdo todos os familiares. Especial gratidão vai à Haylleen, minha amada esposa, unida a mim pela generosa confiança em minhas promessas de amor eterno, apanágio do doce mistério que faz um homem e uma mulher, entre tantos, escolherem-se para chamar de amor, compartilharem seus destinos, enfrentarem a vida na alegria ou na dor, se digladiarem no tênis, dividirem uma edícula, o carinho de dois bichos, entre tantas emoções. Obrigado, meu amor. A vocês, familiares e amigos, que me emocionam com as respectivas presenças, meu muito obrigado e minhas desculpas pelos vários momentos em que, esquecendo de ser dois, as angústias do magistrado fizeram-me ausente, faltando-lhes com a atenção que tanto merecem. Essa, aliás, invariavelmente é a realidade de um magistrado e de suas famílias. Poucos sabem disso. De um lado, a solidão do magistrado, a fala de sua consciência; de outro, a compreensão da família e dos amigos. Quantas vezes estivemos juntos e apenas metade de mim lhes atendia, pois a outra pensava em decisões a serem proferidas. Sempre me culpei por isso. Fiz as pazes com essa incompletude lendo Sponville: “Ninguém pode viver em nosso lugar, nem morrer em nosso lugar, nem sofrer ou amar em nosso lugar. O que você vive com seu melhor amigo, você vive sozinho; ele viveu outra coisa. Como viver o que o outro viveu? Como sentir o que ele sente, experimentar o que ele experimenta?” Digo isso para confessar que senti o peso da magistratura e das decisões. Discussões doutrinárias à parte, penso o direito como instrumento 30 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 de justiça, a justiça como meta. Penso, como anuncia Perelman, referenciando Santo Tomás: “é inadmissível que prescrições, sabiamente introduzidas com vistas à utilidade dos homens, se lhes tornem prejudiciais, por causa de uma interpretação por demais estrita pela qual se chega à severidade”. É essa busca da justiça que impulsiona a figura do juiz, embora os tempos exijam estatísticas elevadas e frias. Pontuam-se cursos com ou sem significação para o ofício diário da magistratura, publicam-se belos trabalhos teóricos sobre problemas teóricos insolúveis ou de além-mar, esquecendo-se de pensar as mazelas dos jurisdicionados, expostas sobre a bancada de julgamento. A busca de números não pode atropelar a importância, a consciência e a compreensão do que se decide, pois um erro em cem equivale a 100% de erro para o caso específico, para o inocente. Lembro de um caso julgado por um magistrado. Um casal jovem – ela 18 e ele 19 anos – é preso em um ônibus proveniente de Foz do Iguaçu, com 20 quilos de entorpecente. Na bagagem, o tíquete da poltrona da menina, seus chinelos e o vidro de seu perfume. No auto de prisão em flagrante, sua confissão de que fora ao Paraguai com o namorado igualmente preso, a quem pertence a bagagem. Essa confissão é juridicamente importante, pois, a par de admitir sua participação indireta, esclarecia a participação do corréu. A versão do jovem era simples: “Eu não conheço essa menina”. Ouvidas as testemunhas do jovem, apenas dizem saber que ele fora passear em Foz do Iguaçu, não precisando se com ou sem a namorada, que sabem existir, mas não conhecem. Testemunhas da menina sabiam que ela fora a Foz do Iguaçu possivelmente com um namorado, que não conheciam. O que decidir se as versões se conflitavam em ponto fundamental? O processo devia ser julgado. Não sabendo exatamente o que fazer, por intuição determinou o juiz a soltura do jovem, deixando claro à menina ré que o caso seria julgado em cinco dias. Em 48 horas recebe o magistrado carta de próprio punho da menina, declarando que não conhecia o rapaz e que fora a Foz com seu tio e um amigo deste, pessoas que a obrigaram a trazer a bagagem. Quem era o amigo do tio? Um traficante com prisão decretada em Foz do Iguaçu, pela morte de um policial. Sabedor da delação da sobrinha, tentou matar o tio, cravando-lhe um projétil na arcada dentária. A menina, confessadamente, não conhecia o rapaz. Indicara-o com medo de ser levada presa sozinha. Tratava-se de R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 31 um desafortunado inocente. Tenho outro caso, muito breve, conto em segundos. Um cidadão, trabalhador rural, ingressa no INSS pedindo auxílio-doença porque, por estar deprimido, não consegue trabalhar. O posto previdenciário nega, porque trabalhador rural deve curar sua depressão no trabalho ao ar livre, e a depressão não é causa para parar de trabalhar. O que fez o triste homem, em uma tarde de angústia? Sem explicação, vai até os fundos de seu sítio e, isolado da retórica de nossas repartições, apoia o braço em um tonel e decepa o punho com um facão, em atitude de desespero e desatino. Juntou-se a foto no processo. Dela parecia o triste cidadão, mudo, como perguntar: “E agora, vocês têm alguma dúvida de que preciso de auxílio?” Conto esses casos para sublinhar que não temos sobre nossas mesas números. Temos vidas, liberdade, angústias. A pior das angústias, sabese, é viver sem justiça. Tais casos aceitam qualquer solução, punindo ou não o jovem, concedendo ou não o benefício. O juiz, em situações desse jaez, estava inicialmente autorizado a condenar, pelos indícios, o jovem, e podia também negar o benefício previdenciário ao trabalhador. Mas qual solução contribuiria para uma sociedade melhor, meta do sentido organizacional do direito? E a pergunta: para que as estatísticas da jurisdição, se ela não procurar saber exatamente o que está a julgar? Tem-se falado em estatísticas quando, na verdade, queremos agilidade e qualidade do julgamento. Para tanto, é falso o debate que propõe solucionar o impasse com órgãos correcionais, com diminuição de férias de magistrados, com exigência de números sem atenção à qualidade. O verdadeiro debate deve, antes de mais nada, perquirir a compatibilidade das fórmulas processuais com o número de julgadores, para que se possibilite ao magistrado fazer aquilo que essencialmente se lhe espera: julgar. Somente assim atingir-se-ão os almejados objetivos do Poder Judiciário. Pensemos. Finalizando, ainda preciso fazer dois agradecimentos: primeiro, na pessoa do talentoso amigo, Desembargador Fernando Quadros, que endereçou-me palavras tão gentis e amigas, agradeço este Colendo Tribunal por ter apoiado meu nome para compor duas anteriores listas de merecimento, bem como pelo acolhimento amigo, profissional e cavalheiresco dispensado por todos seus membros. 32 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 Por fim, agradeço a este País, Brasil, por sua democracia e pelo sistema de acesso aos cargos públicos, em especial aos de magistratura. O Estado, por esse límpido sistema, não aristocrático, outorgou o poder que ocupo desde os 24 anos, ao qual retribuo com os esforços de uma vida, cumprindo diariamente o compromisso que hoje renovei, perante o nobre testemunho dos presentes, de cumprir e fazer cumprir a ordem jurídica desta nação e os deveres da minha magistratura. Ciente disso, sigo e finalizo com o lema proferido pelo Almirante Barroso, um dos heróis de nossa Pátria: “O Brasil espera que cada um cumpra com seu dever”. Obrigado. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 33 34 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 Discurso* Élcio Pinheiro de Castro** Senhores Desembargadores, Juízes, advogados, membros do Ministério Público, familiares, amigos, funcionários e demais autoridades. Para dar posse a Paulo Vieira Aveline e Fernando Ribeiro Pacheco, reúne-se em festa este Tribunal. O primeiro, guindado ao cargo de Juiz Federal por promoção. O segundo, como o mais novo magistrado de nossa Região. Não posso deixar de repetir. Desde que ingressei na magistratura, só me acontecem coisas boas. Estar aqui com vocês e ter a oportunidade de saudar os nobres colegas é uma delas, que muito me honra. Prometo não falar sobre resoluções do CNJ, nem de processo eletrônico, repercussão geral, desconvocação de juízes e menos ainda a respeito de metas a serem cumpridas neste ano. Todavia, nunca é demais salientar que no regime democrático nenhum ato governamental ou particular pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Daí o acúmulo de processos frente ao desmesurado crescimento de demandas a partir da Constituição de 1988 por razões de todos conhecidas. Discurso de saudação a Paulo Vieira Aveline e Fernando Ribeiro Pacheco quando da sua posse, respectivamente, nos cargos de Juiz Federal e Juiz Federal Substituto, em 14.04.2010. ** Desembargador Federal, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, então no exercício da Presidência. * R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 35 Aos menos avisados, a questão da celeridade processual, que tanto nos atormenta, aparentemente é singela, ou seja, ao Judiciário, no exercício da função jurisdicional, cabe fazer valer a vontade concreta da Lei ou, noutras palavras, no conflito de interesses, basta dizer o que está na Lei. Como se vê, parece simples. Entretanto, não é tão fácil assim. São conhecidas as dificuldades na interpretação das leis. Apenas para lembrar, em algumas oportunidades temos visto nas Turmas deste Tribunal, depois de minucioso estudo da questão, três votos abordando teses distintas. Longo é o caminho e as discussões em torno da norma para se chegar à pacificação de cada tema abordado, na maior parte das vezes só acontecendo após a manifestação da Suprema Corte e assim mesmo com ressalvas. Além disso, como sabemos, a demora na prestação jurisdicional não reside tão só nesse ponto, mas sim no excessivo número de processos e principalmente nos incontáveis recursos disponíveis aos litigantes, o que tem sido objeto de infindáveis debates. Ao contrário do que comumente se apregoa, não é o Judiciário insensível às dificuldades que afligem o país. Preocupa-se, sim, com o cumprimento dos princípios constitucionais, porque indispensáveis ao resguardo da instituição, essenciais para a garantia dos direitos dos cidadãos. Consoante já se observava no início do século passado, justiça tardia não é justiça, senão manifesta injustiça qualificada. Cumpre, pois, ao Estado-Juiz encontrar mecanismo adequado para que possa promover a entrega da prestação jurisdicional, não só da maneira mais completa, levando as partes ao convencimento sobre o acerto do que restou decidido, mas sobretudo de forma mais célere. Esse tem sido o eterno desafio imposto aos operadores do direito, como tivemos oportunidade de ouvir em recente pronunciamento realizado na sessão solene de abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, além da modernização da Justiça, muito se falou sobre a modificação das leis processuais, inclusive quanto à instituição de um novo código de ritos, o que seria um grande avanço. Não obstante isso, como nos ensina o Profeta, é na hora da adversidade que começamos a perceber o que na realidade somos. 36 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 A Magistratura Federal da 4ª Região, embora nascida em 1989, portanto com poucos anos de vida judicante, há bom tempo já assumiu altiva e desassombradamente o seu notável papel no cenário nacional. É claro que tal afirmativa pode estar equivocada, porquanto, segundo os mais sábios, é prudente recordar que os nossos juízos e sentidos com frequência nos enganam. Temos que lhes assiste alguma razão na assertiva. Realmente, se bem refletirmos, pouca é a luz que existe em nós, e facilmente a perdemos por negligência. Às vezes nos move a paixão e cuidamos que é zelo, isso porque cada um julga as coisas exteriores conforme suas disposições interiores. Contudo, esse não é o caso. Não têm sido poucos os elogios provenientes de ministros, juízes, professores, advogados, membros do Ministério Público e das mais altas autoridades do país. Aonde quer que se vá, a estima por nosso trabalho é a primeira a ser manifestada, o que muito nos orgulha por ser este o principal objetivo de nossas ações e de nossos desejos. Cremos que a razão de tal sucesso se encontra apoiada na escolha das pessoas certas. Pessoas que, antes de mais nada, acreditam que a vida de cada um deve ser adornada de todas as virtudes a fim de que seja, interiormente, tal qual parece aos homens no exterior e que, em verdade, melhor deve ser o interior do que o exterior que se vê. Pessoas convictas de que o bom êxito em qualquer empreitada somente poderá ser alcançado por quem combater de forma legítima e de que nosso futuro será como nós o fizermos. Pessoas que jamais esquecem que enquanto viverem é tempo de ação, é tempo de luta, e que aqui vieram para trabalhar, para servir, e não para mandar, descansar ou palestrar. Esse é o caso dos ora empossandos. De um lado, nosso estimado Colega Paulo Aveline, que desde o princípio permaneceu firme no labor e na esperança de sempre fazer o melhor. Exemplo de dedicação. Exemplo da magistratura que, em pouco tempo, o credenciou à admiração e ao respeito de todos. Exemplo da sabedoria de que nada é impossível a quem trabalha com amor no que faz. O amor de tudo é capaz. O amor empreende e realiza muitas coisas, nas quais aquele que não ama sucumbe. Quem ama voa, vive alegre, é livre, nada R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 37 o detém. Dá tudo por todos e tem tudo em todos. De outra parte, que vida abnegada e austera deve ter levado Fernando Ribeiro Pacheco ao se preparar para um concurso de tamanha envergadura. Quatro mil candidatos. Apenas 22 escolhidos, sendo ele um deles. Que rigor na disciplina! Como deve ter sido frequentemente atormentado pela angústia ao ter que se afastar de seus entes queridos, dos parentes, dos amigos, dos passeios e do mundo, para se isolar com seus livros nos momentos de lazer. Quantas abstinências praticou; que dura guerra sustentou; com que intenção reta se entregou à tarefa de ingressar na magistratura. Dizem os budistas que mais importa curta vida bem ocupada que a longa ociosa. Portanto, foi um tempo bem aproveitado. Ainda que todos os privilégios oferecidos pela carreira que ora se inicia fossem afastados por um passe de mágica, mesmo assim, só o orgulho e a satisfação dos pais de terem um filho Juiz Federal já compensaria qualquer sacrifício. Esse é o modelo deixado por nossos antecessores. Esse é o exemplo dado por Paulo e Fernando. Esse é o caminho seguro. Não para nos vangloriarmos de ser os melhores, mas sim para aprendermos o duro combate de nos vencer, tornando-nos dia a dia mais fortes, conseguindo algum progresso no bem. A Justiça Federal sente-se engrandecida e orgulhosa com a presença de tão eminentes juízes no seu quadro. Dotados de grandes virtudes e admirados, não só pelo notável saber jurídico, mas também por suas excepcionais qualidades de cidadãos. Paulo Aveline e Fernando Pacheco. Em nome de todos os juízes, desembargadores e servidores da 4ª Região, lhes dou as boas-vindas. Sejam felizes nesta nova etapa da vida. É tudo o que queremos. É tudo o que lhes desejamos. É tudo o que vocês merecem. Muito obrigado. 38 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 Discurso* Fernando Ribeiro Pacheco** Excelentíssimo Senhor Desembargador Élcio Pinheiro de Castro, vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na pessoa de quem saúdo todos os demais presentes. Queridos amigos e familiares: É com muito orgulho que hoje realizo um grande sonho: o de ingressar nos quadros da magistratura federal da 4ª Região, Tribunal de renome e respeito por parte de todos os operadores do Direito, seja pela competência e pela idoneidade de seus membros, seja pelas decisões sempre vanguardistas proferidas. Pedi vênia ao colega Frederico Montedonio para citar trecho de seu discurso de posse, proferido exatamente neste recinto, pela precisão que teve em demonstrar o sentimento daqueles que têm a oportunidade de estar aqui à frente deste púlpito: “A partir de agora dividimos o mesmo sacerdócio: distribuir justiça num País ainda extremamente injusto. Não me refiro à justiça dos vingadores, não falo da justiça a qualquer preço, mas sim da justiça dos magistrados, aquela que se procura atingir a partir de um estudo e da reflexão, depois de ouvir as partes num processo que respeite sua dignidade.” Referido trecho ressalta, com singularidade, as dificuldades que por * Discurso de posse no cargo de Juiz Federal Substituto, em 14.04.2010. Juiz Federal Substituto da 4ª Região. ** R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 39 mim serão enfrentadas no dia a dia do exercício da magistratura. É do conhecimento de todos aqui presentes que o nosso País está longe de garantir os mínimos direitos existenciais aos cidadãos. Gasta-se mais em verbas publicitárias para se divulgar o trabalho dos governantes do que se investe em saúde, por exemplo, num claro descumprimento dos preceitos constitucionais mais comezinhos. No exercício da função de Defensor Público Federal deparei-me, não raras vezes, com situações desse jaez. O que a população brasileira espera dos seus magistrados é que estes estejam sempre prontos a corrigir as injustiças cometidas e exerçam a sua função de maneira digna e correta. Esse é o meu compromisso. Jamais esquecerei o juramento que prestei perante todos vocês. Sei a grande responsabilidade que significa a investidura no cargo de juiz federal e afirmo que estou apto ao seu exercício, sempre com humildade e respeito a todos que comigo têm a oportunidade de trabalhar. Não tenho a ambição de elaborar sentenças catedráticas para publicação em revistas especializadas. Comprometo-me, sim, a fazer um trabalho de qualidade, célere, na medida do possível, e que atenda às expectativas daqueles que buscam o Poder Judiciário. Encerrando o meu discurso, gostaria de deixar registrados alguns agradecimentos especiais. Primeiramente, aos meus pais, Paulo Fernando e Vera Lúcia, exemplos de dignidade para mim, parâmetro de honestidade que tive a honra e a sorte de herdar geneticamente por ser filho de vocês. Ao meu avô, in memoriam, Miguel Luiz Pacheco, juiz de direito, sempre incentivador dos meus estudos, que por certo também está muito feliz na data de hoje. À juíza federal substituta Marta Ribeiro Pacheco, profissional que esta Casa já conhece, tanto pela sua simpatia como pela sua competência, a quem tenho por parâmetro para desempenhar minha função que amanhã se iniciará. À Marina Kiener, minha amiga, que me proporcionou o equilíbrio mental e espiritual quando da batalha do concurso de ingresso nesta carreira, da qual, hoje posso dizer, faço parte por completo. Muito obrigado. 40 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.21-40, 2010 ACÓRDÃOS R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 41 42 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 43 44 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.016492-8/RS Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto Relatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb Apelante: Thais Silveira Paz Advogados: Dr. Edson Rodrigues de Almeida Dra. Marcia Elizabeth Machado Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região EMENTA Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade objetiva do Estado. Registros INSS. Óbito não ocorrido. Danos morais. Indenização. . A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, § 6º da CF/88). . Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à Administração e o dano, exsurge para o ente público o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. . O dano moral pressupõe que sejam atingidos os direitos da personalidade e, neste passo, os fatos trazidos à apreciação do Judiciário ganham especial conotação. . A prova dos autos demonstra que o réu é civilmente responsável pelos R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 45 danos causados em decorrência de ter registrado indevidamente o óbito da apelante, a qual tomou conhecimento do fato ao encaminhar pedido de auxílio-maternidade, o que foi retificado somente dois meses após. . Indenização por danos morais fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), segundo a situação econômica do ofensor, prudente arbítrio e critérios viabilizados pelo próprio sistema jurídico, que afastam a subjetividade, dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade à ofensa e ao dano a ser reparado, porque a mesma detém dupla função, qual seja: compensar o dano sofrido e punir o réu. . Atualização monetária pelo INPC, a partir do arbitramento. . Juros moratórios de 1% ao mês (art. 406, Lei nº 10.406/2002), a partir do evento danoso. . Inversão da sucumbência, que é fixada na esteira dos precedentes da Turma. . Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir. . Apelação provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 15 de dezembro de 2009. Desa. Federal Silvia Goraieb, Relatora para o acórdão. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto: Trata-se de ação ordinária proposta por Thais Silveira Paz, contra o INSS, a fim de obter indenização por danos morais. A autora afirma que em 08.12.2004, ao encaminhar pedido de saláriomaternidade ao INSS, foi informada de que havia um registro de óbito em seu nome no sistema e que não poderia receber o benefício, tendo sido orientada a aguardar para ver o que poderia ser feito. Não obtendo retorno, procurou o INSS por diversas vezes, tentando resolver a situação, mas só recebia respostas evasivas. Assim, contatou com o jornal Zero 46 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Hora, que produziu uma série de três reportagens sobre o caso. Sustentou que somente após a veiculação na imprensa teve sua situação regularizada pelo INSS, tendo suportado mais de dois meses de angústia e sofrimento em razão do descaso, da omissão e da desídia com que foi tratada pela Autarquia. A sentença, sob o fundamento de que os danos morais não restaram comprovados como decorrentes da existência de ato ilícito, julgou improcedente o pedido, condenando a parte-autora ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 500,00 (quinhentos reais), ficando dispensada do pagamento dos ônus sucumbenciais, uma vez que beneficiária da assistência judiciária gratuita. A parte-autora, em suas razões de apelação, pretende a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido, sob o argumento de que está comprovado nos autos o desespero da mãe, desempregada, ao constatar que não poderia receber o benefício por um registro equivocado, chegando ao ponto de recorrer à imprensa para resolver o impasse, prova suficiente para que lhe seja conferida a indenização pleiteada. Sem contrarrazões, vieram os autos conclusos a este Tribunal. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto: 1 Dano Moral Inicialmente, considero importante traçar alguns breves comentários acerca da posição ocupada pelo dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. A configuração do dano moral pressupõe que sejam atingidos direitos da personalidade, com conteúdo não pecuniário, à honra, ao nome, à imagem e à intimidade. A indenização por danos morais é decorrente de uma violação ao íntimo do ofendido, posto ter-lhe sido causado um mal evidente. De acordo com o previsto nos incisos V e X do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil: “Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 47 (...) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem; (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (grifo nosso) Destaco que a responsabilidade civil, preestabelecida no novo Código Civil, no art. 186, considera que o ato violador de direito ou que cause dano a alguém, seja na forma omissiva, seja na modalidade comissiva, gera a responsabilidade de indenizar o ofendido. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” De consequência, para a presença da responsabilização da ré, antes mesmo da existência do elemento culpa ou dolo para configurá-la, deve necessariamente haver comprovação da lesão ao particular. Tal é o entendimento na doutrina: “É preciso também comprovar a existência da ocorrência de um dano, seja de natureza patrimonial ou moral. Não pode haver responsabilidade civil sem a existência de uma lesão de um bem jurídico, pois o direito à indenização depende da prova do prejuízo.” (REIS, Clayton. Fundamentos jurídicos do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 66) No caso em exame, a mera falha no lançamento de dados na autarquia, ou mesmo a demora de dois meses na concessão do benefício, não são fatos, por si só, aptos a ensejar a indenização, sem qualquer outra demonstração de efetivo dano material ou mesmo psicológico. A adoção de procedimentos, por parte da autarquia, para corrigir erro no seu sistema de dados constitui exercício regular de direito, cuja demora razoável não pode ensejar indenização imaterial. Tal entendimento encontra apoio na doutrina: “O fundamento moral da escusativa (exercício regular de um direito) encontra-se no enunciado do mesmo adágio: qui iuri suoutitur neminem laedit, ou seja, quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 315) 48 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 É certo ser predominante jurisprudência que acolhe a tese da indenizabilidade do dano moral independentemente de provas quanto à ocorrência de efetivo dano, em sede de inscrição em cadastros de inadimplentes. Ocorre que disto não se trata no caso em exame. Tenho que a dispensabilidade de prova do efetivo dano, para fins de indenização por dano moral, deve ser relativizada. Se é fato que se pretende tutelar elementos da personalidade como a honra, a moral, a imagem, etc., cuja violação fere muito mais os sentimentos do próprio titular do direito do que sua projeção ao mundo exterior, não é menos verdadeiro que algum sinal desta projeção deve ser demonstrada, sob pena de se admitir que qualquer suscetibilidade, ainda que de pessoas extremamente sensíveis, possa ser ferida e isso acarrete indenização, mesmo que nada seja conhecido de outrem. É importante ter-se presente que o que se tutela não é o incômodo, o dissabor ou o infortúnio, mas os direitos à personalidade constitucionalmente assegurados, os quais devem ser protegidos quando efetivamente violados. Por isso, entendo ser necessário conjugar tanto o aspecto subjetivo, do ponto de vista do lesado, como o aspecto objetivo, da efetiva ocorrência de algum dano no mundo exterior. Assim, malgrado as divergências jurisprudenciais sobre o tema, filiome à corrente que entende ser necessária a prova do dano, sendo indenizável apenas quando há reflexo patrimonial ou notória repercussão que comprovadamente inflija constrangimento ao titular do direito lesado. A inversão do ônus da prova, prevista no CDC, diz respeito ao fato ilícito em si, não impondo ao prestador do serviço ou ao vendedor do produto o ônus de provar fato negativo, o que equivaleria a obrigá-lo a produzir a chamada “prova diabólica”. Ademais, também se deve ter por presente que a banalização da indenização por dano moral em nada contribui para o instituto, tampouco para o direito, na medida em que até mesmo o exercício de atos normais da vida passará a ser cercado de grandes riscos, como o ajuizamento de uma ação improcedente, por exemplo, poderá acarretar danos morais. Sobre dano moral, colho o seguinte aresto: “CIVIL – DANO MATERIAL – DANO MORAL – PROVOCADOS PELA PROPOSITURA DE AÇÃO DE EXECUÇÃO – INEXISTÊNCIA DE DANOS SE NÃO HOUVE PREJUÍZO – PEDIDO DE INDENIZAÇÃO EXORBITANTE. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 49 1. Para configuração do dano material ou moral é imprescindível que o prejuízo alegado efetivamente tenha ocorrido. 2. Não se pode pleitear danos materiais e morais baseado em pura indignação ou estado de ânimo alterado. 3. Se em toda ação de execução que se fosse impetrar, houvesse ofensa à honra e dignidade das pessoas, inviabilizado restaria o instituto das execuções. 4. Sentença monocrática mantida. 5. Apelação desprovida.” (AC nº 95.0112784-2/PA, Relator Juiz Osmar Tognolo, DJU 25.08.2000, p. 64) No caso em exame, o Instituto Nacional do Seguro Social agiu adequadamente ao instaurar procedimento para retificação de seus dados e posterior concessão do benefício previdenciário, não havendo nenhuma pecha que o macule. 2 Dispositivo Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação. VOTO DIVERGENTE A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Peço permissão para divergir do E. Relator, conforme passo a declinar. Do dano moral É cediço o entendimento nas Cortes Superiores de que a comprovação do dano moral é despicienda quando provado o fato em si – o que ocorre na espécie –, ficando superada a questão. Transcrevo a lição do advogado Eduardo Viana Pinto, em sua obra Dano Moral e sua Reparabilidade, p. 84, que bem explicita a questão: “Todavia, tanto a doutrina, como a jurisprudência, vêm entendendo como presumido o dano moral, diante do evidente e natural sofrimento suportado pela vítima. Em tal hipótese, a interpretação é dada pelo magistrado, que aplica a presunção a favor do ofendido. Trata-se, porém, de presunção relativa, juris tantum, admitindo-se prova em contrário. Não se trata, portanto, de presunção absoluta, isto é, juris et de jure, em que não se admite prova em contrário. Em síntese, a ofensa moral não exige prova de sua existência. A vítima está obrigada a comprovar o fato que lhe deu origem. Apenas isso. Nada mais do que isso. Procede e somos daqueles que aplaudem e nos declaramos solidários a essa tendência predominante em nosso direito, que simplifica, desburocratiza, torna célere a prestação jurisdicional e representa inegável economia processual. (...) Essa decorrência 50 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 sentimental é tão íntima e tão vinculada ao evento sucedido, que esse fato subjetivo carregado pelo autor não depende de prova. Aliás, tal entendimento se sustenta no art. 334, inciso IV, do CPC.” Nesse sentido: “Embargos de declaração. Agravo regimental desprovido. Contradição e omissão inexistentes. 1. O acórdão contém ampla fundamentação quanto à incidência das Súmulas nos 07 e 227/STJ e 284/STF, bem como que se aplica às pessoas jurídicas o posicionamento da Corte no sentido de que não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova dos fatos que geraram a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. (...)” (STJ, 3ª Turma. EDAGA nº 462603/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, un., DJ 15.09.2003) “CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E EMERGENTE. MÚTUO. PROTESTO INDEVIDO. INSCRIÇÃO NO SERASA. PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. CC, ART. 159. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. COMPATIBILIDADE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO À LESÃO. SUCUMBÊNCIA. I. A indevida inscrição em cadastro de inadimplente, bem como o protesto do título, geram direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor, que se permite, na hipótese, presumir, gerando direito a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado sem excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito. (...)” (STJ, 4ª Turma. REsp nº 457734/MT, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, un., DJ 24.02.2003. p. 248) “DIREITO DO CONSUMIDOR. CANCELAMENTO INDEVIDO DE CARTÃO DE CRÉDITO. INSCRIÇÃO DO NÚMERO NO ‘BOLETIM DE PROTEÇÃO’ (‘LISTA NEGRA’). CONSTRANGIMENTO. COMPRA RECUSADA. DANO MORAL. PROVA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. – Nos termos da jurisprudência da Turma, em se tratando de indenização decorrente da inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, ‘a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular’ nesse cadastro.” (STJ, 4ª T., REsp nº 233076, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 28.02.2000, p. 89) Diante do exposto, entendo que a ausência de prova não prejudicou o autor, pois comprovado o fato que embasa o pedido referente ao dano moral. Vencido esse aspecto, quanto à sua existência, necessárias algumas considerações acerca do dano moral, “que consiste, propriamente, na dor ou desgosto que deriva da perda de um ente querido, da ofensa corporal R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 51 que provoca um sofrimento ou deformação física, da calúnia que atinge a honra ou reputação” (JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 1999. p. 373). Não deve o dano moral ser confundido com o prejuízo material decorrente da ofensa à honra. Nesse sentido a ementa que segue: “RESPONSABILIDADE CIVIL – Ato ilícito. Molestamento verbal. Dano moral e material. Enseja reparação civil, de conformidade com o art. 159 do CC, o molestamento verbal reiterado, de caráter sexual, apto a causar danos morais, em razão do constrangimento ou ofensa moral, e danos materiais, consistentes nas despesas efetuadas em defesa do direito à tranquilidade e ao bom nome do cidadão.” (TAMG. AC nº 186.553-6, Rel. Juiz Cruz Quintão, DJ 07.10.95) Sobre a caracterização do dano moral, ensina Yussef Said Cahali, em sua obra Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2. ed., p. 20-21: “Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.” Segundo Clóvis do Couto e Silva, o dano moral era indenizável pelo Código de Napoleão, em orientação que foi abandonada nos países de tradição romano-germânica (COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. O Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Org. Vera Maria Jacob de Fradera. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 230), com os seguintes argumentos: “é imoral reparar com dinheiro a honra; é impossível determinar o valor e saber quem seria o titular do sofrimento; diante disto, não haveria responsabilização civil, mas sim pena privada” (JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Obra citada, p. 374). Contra o exposto, diz-se que a ideia não é reparar, mas compensar, mediante um benefício de ordem material, que é o único possível, a dor moral. 52 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Militar. Morte causada por colega de farda. Indenização à genitora. Danos moral e material. Lucros cessantes. (...) Não há que se falar, apenas, em dano material, uma vez que presente está, também, o dano moral caracterizado pela dor da tristeza infinita ocasionada a outrem. A dificuldade em quantificar o valor do dano moral não deve afastar o dever de fixar tal indenização, cujo cabimento, hoje, não se discute mais. O Direito Civil brasileiro já ingressou em outra era, com respeito a esta matéria, integrando-se à doutrina e jurisprudência dos países do Primeiro Mundo, dos quais destoava, resistindo à aceitação de sua reparação. Assim, correta é a fixação pelo Juiz da indenização por dano moral, admitindo sua cumulação com o dano material e demais itens da condenação. (...)” (TRF 2ª Região, 1ª T. AC 94.0209207.2 – RJ. Rel. Des. Federal Chalu Barbosa, DJU 17.10.95) Com efeito, o dano moral, por sua própria natureza, não é reparável, tomada a expressão reparação no sentido de retorno das coisas ao estado anterior, cuidando-se de uma compensação. Não é o pretium doloris, mas a compensatio doloris, conforme o seguinte acórdão: “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. No arbitramento do dano moral, há que se considerar tanto sua reparação, oferecendo à vítima uma satisfação em dinheiro, quanto a necessidade de se impor ao ofensor uma expiação pelo ato ilícito. Caso em que a indenização de cem salários mínimos satisfaz ambos os requisitos.” (TJRS, 2º Grupo de Câmaras Cíveis. Embargos Infringentes nº 595002056. Rel. Des. Araken de Assis, 10.04.95) No direito brasileiro, a posição dominante era no sentido de que a mera dor moral não era indenizável à luz do CC (COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Obra citada, p. 205), salvo nos casos especificados, a saber: a) deformidade ou aleijão por lesão corporal (arts. 1538 e §§); b) crime contra a honra (art. 1547 e parágrafo único); c) sedução (art. 1548); d) violência sexual (art. 1549); e) atentado à liberdade sexual (art. 1551). Havia também previsão de indenização por dano moral em legislação esparsa, como na Lei de Imprensa, cujo artigo 49, inciso I, fazia expressa menção ao dano moral em caso de crime contra a honra cometido por meio de imprensa, bem assim no antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62, art. 84). Ainda assim, não se cumulavam, em regra, o dano moral e o dano patrimonial, de acordo com a jurisprudência do STF (COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Obra citada, p. 232), hoje superada pela súmula 37 do STJ, segundo a qual são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundo do mesmo fato. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 53 A discussão sobre a possibilidade de indenização por dano moral restou, de todo modo, superada com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual fez expressa referência aos danos morais nos incisos V e X de seu art. 5º, adiante transcritos: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, à vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” O dano moral atinge bens incorpóreos, como por exemplo a imagem, a honra, a vida privada, a autoestima. Nesse contexto, há uma grande dificuldade em provar a lesão. Daí, a desnecessidade de a vítima provar a efetiva existência da lesão. A respeito disso, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento reiterado: “Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil.” (STJ, 3ª Turma, REsp nº 86.271/SP. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 09.12.97) É incontestável neste caso a caracterização do dano moral à apelante. Com efeito, comungo do entendimento de que o dano moral pressupõe que sejam atingidos os direitos da personalidade e, neste passo, os fatos trazidos à apreciação do Judiciário ganham especial conotação. Poucas situações se amoldariam à hipótese de dano à personalidade como a notícia de falecimento da própria apelante ao postular um benefício previdenciário, agravada a situação ainda mais em decorrência da sua gravidez. Acresça-se a isso a demora do INSS em providenciar a correção do registro, impondo à autora um transtorno de difícil mensuração. Além disso, entendo que o dano moral não exige a comprovação de um dano efetivo, porque este não se confunde com o dano material. Do valor da indenização Concluindo-se pelo cabimento de indenização, resta apreciar o valor cabível. 54 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Não tendo a lei definido parâmetros para a indenização por danos morais, cabe ao juiz a tarefa de decidir caso a caso, de acordo com o seu “prudente arbítrio”. Como arbítrio não é sinônimo de arbitrariedade, tem-se procurado encontrar no próprio sistema jurídico alguns critérios que tornem essa tarefa menos subjetiva. Invocam-se, antes de tudo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a afastar indenizações desmedidas, despropositadas, desproporcionais à ofensa e ao dano a ser reparado. Para tanto, necessária uma pequena digressão sobre o papel da reparação civil em matéria de dano moral. A opinião geral é de que a função da responsabilidade civil é a reparação, tanto é que ela pressupõe dano (JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa, obra citada, p. 49), sendo a função preventivo-sancionatória secundária. Para Costa, “O Código Civil consagra basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade civil por actos ilícitos tem a função de reparar os danos causados, e não fins sancionatórios (cfr. os art. 483º, nº 1, e 562º, e, de um modo geral, a disciplina da obrigação de indenização, infra, p. 691 e ss.). Todavia, num ou noutro aspecto do regime da obrigação de indenizar, pode ver-se aflorada a ideia de que a referida responsabilidade civil visa também, embora apenas acessoriamente, a um escopo de repressão e prevenção desses actos ilícitos.” Para Clóvis a reparação, qualquer que seja, não deve conter, no seu conteúdo, aspectos penais, como sucede, por exemplo, com as exemplary damages da common law. “Exemplary damages, também chamadas punitive or vindictive damages, têm a natureza de uma sanção civil, imposta para punir o ofensor e desencorajá-lo, bem como a outros, de praticar condutas semelhantes no futuro” (KIONKA, Edward J. Torts. Saint Paul: West Group, 1999. p. 362). Segundo essa concepção, a responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade penal justamente pela finalidade, que é reparatória, e não punitivo-preventiva. Além disso, a responsabilidade penal ocorre mesmo quando não há dano efetivo, como nos crimes tentados e crimes de perigo, enquanto a responsabilidade civil pressupõe dano (JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa, obra citada, p. 50 e ss.); em outras palavras, a responsabilidade criminal leva em conta o fato, e não seus autores (COUTO E SILVA, obra citada, p. 191). Por fim, de acordo com R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 55 Mário Júlio de Almeida Costa: “Está subjacente à responsabilidade civil a ideia de reparação patrimonial de um dano privado, pois o dever jurídico infringido foi estabelecido diretamente no interesse da pessoa lesada. O que verdadeiramente importa nas sanções civis é a restituição dos interesses lesados. Daí que sejam privadas e disponíveis.” Nisso residiria a distinção com a responsabilidade penal, que pretende defender a sociedade, através dos fins de prevenção geral e especial, bem como da intimidação e reeducação do delinquente, além dos fins ético-retributivos (CP, art. 59). Essas afirmações vêm sendo, porém, questionadas, especialmente diante dos danos morais, como já visto, bem assim de novas formas de responsabilização civil, notadamente no que diz com os danos ambientais. De outro lado, no aspecto subjetivo, a natureza da resposta tem íntima conexão com a questão da culpa, uma vez que, quanto maior o relevo dado à culpa, no modelo tradicional de responsabilização civil (CC de 1916, arts. 159 e 1523), “A obrigação de pagar danos e prejuízos assumia um certo conteúdo sancionatório, pois se procurava castigar mais aquele que causou um prejuízo, agindo reprovavelmente, do que proteger a quem resultou vítima do evento” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro, p. 16). Veja-se que o grau diminuto de culpa pode levar à diminuição do valor da indenização, pelo CC, art. 944, parágrafo único. Uma solução interessante parece ser aquela apontada por Bernd Rüdiger Kern, para quem a indenização por danos morais tem dupla função: “compensação e satisfação, conforme decisão do grande Senado do Tribunal Constitucional, de 1955, incorporada em 1990 ao art. 847 do BGB” (KERN, Bernd-Rüdiger. A função de satisfação na indenização do dano pessoal. Um elemento Penal na satisfação do dano? In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul, p. 27). Como tais danos não são quantificáveis, há uma compensação, sem caráter de reparação ou indenização em sentido estrito. O pagamento aqui cumpre uma função de satisfação, a qual “(...) expressa uma determinada relação pessoal que o fato danoso suscita entre o ofensor e o ofendido, a 56 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 qual, por sua natureza, exige que na determinação do montante devido sejam levadas em consideração todas as circunstâncias do caso” (KERN, Bernd-Rüdiger, art. cit., p. 26). Ao contrário do que ocorre na responsabilidade patrimonial, são levados em conta o grau da culpa (é mais grave ofender com dolo do que com culpa) e a situação do ofensor (o que é mais típico do direito penal). Na responsabilidade patrimonial, tais dados são irrelevantes, pois o que efetivamente importa é a existência do dano, sendo irrelevante a situação do ofensor e desimportante a determinação de dolo ou culpa na quantificação da indenização. Em outras palavras, a existência de dolo ou culpa será importante, na maioria dos casos, para determinar a própria responsabilidade, mas não haverá diferenciação no valor da indenização por ter sido a ação dolosa ou culposa. Também na determinação do quantum das exemplary damages no direito inglês, são levados em consideração o comportamento do autor do dano, o grau da sua culpa, a apreciação da reputação da vítima e a extensão do dano, segundo Sérgio Porto (PORTO, Sérgio José. A Responsabilidade Civil por Difamação no Direito Inglês, p. 127). Já a função preventiva teria caráter autônomo, ao contrário do que ocorre na responsabilidade patrimonial, na qual o caráter preventivo é um mero efeito secundário da responsabilização. Para Sérgio Porto (obra citada), as perdas e danos exemplares (exemplary damages), também chamadas punitive damages, traduzem a ideia de dissuasão, pelo exemplo (theory of deterrence). Diz o citado autor: “A responsabilidade civil e a responsabilidade penal encontram-se de alguma forma confundidas graças a esse paralelismo de funções. A distinção entre a função reparadora da responsabilidade civil e preventiva da responsabilidade penal não é, no direito inglês, tão clara quanto nos direitos romanistas.” Quer dizer, desestimula-se, com a indenização, a repetição do evento danoso. Segundo Kern, as funções da satisfação, de acordo com a jurisprudência alemã, seriam: a) trazer ao lesado um sentimento de satisfação, apaziguar seu sentimento de justiça ferido; b) impor ao ofensor um sensível prejuízo patrimonial; c) atuar preventivamente no futuro. A resposta assume, então, um caráter de pena privada, aproximando-se R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 57 da poena romana, com finalidade de satisfazer a vítima, enquanto a pena criminal satisfaz a sociedade. Em alemão, então, o Schmerzengeld (dinheiro da dor) é pena (Strafe) ou multa no sentido de pena (Busze), e não indenização (Ersatz). Na jurisprudência brasileira, aliás, não são incomuns as referências à satisfação, em formulação que muito se aproxima da resposta sistematizada por Kern, do que são exemplos os seguintes julgados, com destaques por nossa conta: “VI – A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.” (STJ, 4ª Turma, REsp 203755/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julg. 27.04.99, DJ de 21.06.1999, p. 167) “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ILICITUDE DA ABERTURA DE CADASTRO NO SERASA SEM COMUNICAÇÃO AO CONSUMIDOR. RELEVÂNCIA E CABIMENTO DA DEMANDA DE REPARAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DO DANO MORAL. Liquidação do dano moral que atenderá ao duplo objetivo de compensar a vítima e afligir, razoavelmente, o autor do dano. O dano moral será arbitrado, na forma do art. 1.553 do CC, pelo órgão Judiciário. Valor adequado à forma da liquidação do dano consagrada no Direito brasileiro.” (TJRS, 5ª CC. Apelação Cível nº 597118926, Lajeado, Rel. Des. Araken de Assis. Julg. 07.08.97, DJ de 29.08.97, p. 21) “ACIDENTE DO TRABALHO – INDENIZAÇÃO PELO DIREITO COMUM PRESCRIÇÃO – RITO PROCEDIMENTAL – CULPA – RESPONSABILIDADE – DANO MATERIAL E MORAL. CUMULAÇÃO. (...). 6 – Dano moral bem fixado, porque não se destina à reposição do bem lesado, mas sim à satisfação moral.” (TAPR, 6ª CC. AC nº 0087284800, Maringá, Rel. Juiz Conv. Wilde Pugliese, julg. 22.04.96, DJ 03.05.96) “INDENIZAÇÃO – ESTABELECIMENTO COMERCIAL – LEGITIMATIO AD CAUSAM – CULPA – SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – DANO MORAL – FIXAÇÃO. (...). Na fixação da indenização por danos morais, deve-se ter em conta a satisfação do lesado e a repercussão econômica do quantum fixado no patrimônio do que pratica a lesão.” (TAMG, 3ª CC. Apelação nº 227912-3, Belo Horizonte Rel. Juiz Duarte de Paula. Un. 19) “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – AUSÊNCIA DE DOLO. DESINFLUÊNCIA. PROVA DO DANO DEMONSTRADA – DEVER DE REPARAÇÃO 58 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 – FIXAÇÃO – ADEQUAÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) O valor, contudo, deverá corresponder não apenas à extensão subjetiva da lesão sofrida, mas, também, alcançar a satisfação, tanto quanto possível, do ofendido, compatível com a disponibilidade a ser exigida do ofensor.” (TAPR, 3ª CC. Apelação Cível nº 0085776300, Londrina, Rel. Juiz Conv. Jorge Massad. julg. 05.03.96, DJ 22.03.96) “RESPONSABILIDADE CIVIL. PROTESTO IRREGULAR. ILÍCITO PROVADO. FIXAÇÃO DO DANO MORAL. (...) Esta indenização há de abranger uma reparação, destinada a amenizar a dor suportada pelo ofendido, e uma pena, a fim de punir o ofensor (exemplary damages). (...)” (TJRS, 3ª CC. Apelação Cível nº 594131260, Porto Alegre, Rel. Des. Araken de Assis. Julg. 30.03.95) “INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DO TRABALHO – DANO MORAL – DANO ESTÉTICO INVALIDEZ PARCIAL – MORTE – SENTENÇA – EFEITO DEVOLUTIVO. (...) O dano moral é inquantificável. Mas a indenização deve levar em conta a satisfação da vitima e o efeito sancionatório sobre o ânimo do agente. (...)” (TAMG, 2ª CC. Apelação nº 223945-6, Belo Horizonte. Rel. Juiz Caetano Levi Lopes. Un., 04.02.97) “RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAÇÃO DENTÁRIA. INFECÇÃO POSTERIOR CAUSADORA DE MORTE. ATRIBUIÇÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FIXAÇÃO. CRITÉRIOS. PROCESSO CIVIL. RECURSO CONTRA DECISÃO EM IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. (...) 2 – Na fixação de montante indenizatório a título de dano moral, devem ser considerados diversos critérios, tais como: a) a natureza punitiva desta espécie de indenização, aflitiva para o ofensor, evitando que se repitam situações semelhantes; b) a condição social do ofensor e do ofendido, sob pena de não haver nenhum grau punitivo ou aflitivo; c) o grau de culpa do ofensor, as circunstâncias do fato e a eventual culpa concorrente do ofendido; d) a posição familiar, cultural, social e econômico-financeira da vítima; e) a gravidade e a repercussão da ofensa. 3 – Tratandose de danos morais sofridos por mãe pelo falecimento de jovem filha, saudável e em decorrência de simples procedimento dentário, fixa-se o montante indenizatório em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). (...)” (TRF 4ª R., 3ª Turma. AC nº 311675/RS. Rel. Roger Raupp Rios. m., DJU 18.04.2001) “RECURSO ESPECIAL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – AÇÃO AJUIZADA PELO MARIDO E FILHOS DE VÍTIMA FALECIDA POR ERRO MÉDICO – DANOS MORAIS – INDENIZAÇÃO FIXADA EM QUINHENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS – REDUÇÃO PARA TREZENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS – RAZOABILIDADE – PRECEDENTES. (...) Dessarte, na hipótese em exame, a indenização devida a título de danos morais, fixada pelo Tribunal de origem em 500 (quinhentos) salários mínimos, deve ser reduzida a 300 (trezentos) salários mínimos, em atenção à jurisprudência desta Corte e ao princípio da razoabilidade. Recurso especial provido em parte.” (STJ, 2ª Turma, REsp 371935/RS, Rel. Min. Franciulli Netto. un., DJ 13.10.2003, p. 320) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 59 “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. COMPATÍVEL. SITUAÇÃO ECONÔMICA. RÉU. 1. A perda precoce do filho em razão de omissão do Estado, configura hipótese de responsabilidade civil por danos morais, os quais devem ser arbitrados pelo juiz, de forma a amenizar a severa dor moral experimentada pela mãe. (...) 3. Recurso especial interposto com fulcro na alínea c. Inexiste divergência entre o acórdão paradigma e o decisum atacado, haja vista que o primeiro visa assegurar a finalidade principal do dano moral, qual seja, amenizar o dano sofrido sem o enriquecimento sem causa, o que ora foi garantido pelo segundo, ao arbitrar o valor de 400 salários mínimos. (...)” (STJ, 1ª Turma, REsp nº 418502/SP, Rel. Min. Luiz Fux. un., DJ 30.09.2002, p. 196) “Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Danos morais. Valor da indenização. Dissídio. 1. Na hipótese tratada nestes autos, ‘o nome da recorrida ficou mantido no SPC por mais de um ano após ter ela quitado uma dívida no valor total de R$ 2.500,00’. Todas essas circunstâncias fáticas, peculiares ao caso em tela e que foram consideradas e justificadas pelo Tribunal de origem como critérios para estabelecer o valor da indenização, não são verificadas dos lances extraídos do precedente colacionado. Sendo assim, ainda que não se exija perfeita semelhança dos arestos apontados como divergentes com o julgado recorrido, no caso presente o Tribunal de origem considerou aspectos peculiares ao caso que justificaram o valor adotado e afastaram a suposta abusividade, situação não encontrada no julgado paradigma, carecendo de identidade fática; portanto, o dissídio jurisprudencial, único fundamento recursal. 2. Sopesados os elementos fáticos dos autos, como a capacidade econômica do agravante, o valor da dívida, o período em que o nome da agravada permaneceu indevidamente inscrito no Serasa e os danos advindos com a conduta indevida, não se pode considerar como abusivo o valor da indenização fixado em R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais). 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ, 3ª T. AGA nº 477298/MS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. un., DJ 30.06.2003, p. 244) “Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Danos morais. Cobrança e registro indevidos no cadastro de inadimplentes. Juros de mora. Precedentes. 1. A data em que houve a circulação do Diário na Comarca do interior é considerada como a da efetiva intimação para efeito da contagem do prazo recursal. 2. A indenização fixada, 50 salários mínimos por cobrança e inscrição indevidas no cadastro de inadimplentes, não pode ser considerada absurda, tendo o Tribunal de origem se baseado no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, que norteiam as decisões desta Corte. 3. A verba indenizatória única fixada a título de danos morais, estes advindos da cobrança de valor cancelado, incluindo-se juros ditos ‘extorsivos’, e, também, simultaneamente, do registro do nome do devedor em bancos de dados de inadimplentes, está diretamente ligada e é decorrente do contrato firmado entre as partes. Tratando-se de responsabilidade contratual, os juros moratórios relativos à indenização por danos morais incidem a partir da citação. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ, 3ª Turma. AGA nº 476632/SP, Rel. 60 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Min. Carlos Alberto Menezes Direito. un., DJ 31.03.2003, p. 224) “RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano moral. Lojas Americanas. Detenção indevida. A detenção indevida de três pessoas, sendo duas menores, por suspeita de furto em estabelecimento comercial, causa dano moral que é arbitrado, nas circunstâncias, de acordo com o voto médio, em valor equivalente a 300 salários mínimos. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.” (STJ, 4ª Turma. REsp nº 298773/PA, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. un., DJ 04.02.2002, p. 380) Entendo que a indenização, no presente feito, detém dúplice função, qual seja: compensar o dano sofrido e punir o réu. Assim sendo, atendendo ao disposto no caput do artigo 944 do novo Código Civil Brasileiro, no que se refere à extensão do dano e à situação econômica do ofensor, condeno o réu ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o qual deverá ser acrescido de correção monetária e juros, conforme abaixo especificado. Correção monetária É devida correção monetária, pelo INPC, nos termos da MP nº 1.415/96 e da Lei n° 9.711/98, desde a data do arbitramento, conforme a Súmula 362 do STJ (“A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”). Juros moratórios a) termo inicial Na linha da jurisprudência do STJ, os juros moratórios, em se tratando de responsabilidade extracontratual, começam a fluir a partir da data do evento danoso, conforme se infere da Súmula 54, que possui o seguinte teor: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. b) índice O Código Civil de 1916, no artigo 1.062, determinava o percentual de 6% ao ano para os juros de mora. Todavia, a partir de 10.01.2003 passou a vigorar a Lei nº 10.406/2002, cujo artigo 406, revogando o art. 1.062 do antigo CCB, assim dispõe: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 61 de impostos devidos à Fazenda Nacional”. A propósito, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em jornada realizada de 11 a 13.09.2002, aprovou o Enunciado nº 20, estabelecendo que “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês”. Este, portanto, o índice aplicável. Sucumbência Reformada a sentença, são invertidos os ônus da sucumbência e fixados os honorários em 10% sobre o valor da condenação, na esteira dos precedentes da Turma. Prequestionamento O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, uma vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado, considerando-se aqui transcritos todos os artigos da Constituição e/ou de lei referidos pelas partes. Ante o exposto, dou provimento à apelação. É o voto. 62 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.70.00.009929-0/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti Relator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha Apelante: Ministério Público do Estado do Paraná Procurador: Dr. Sérgio Luiz Cordoni Apelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama Advogada: Dra. Maria Alejandra Riera Bing Interessada: Associação Xamã Advogados: Drs. Edgard Cavalcanti de Albuquerque Neto e outro EMENTA Animais de circo. Ação civil pública. Implementação de opções do legislador quanto ao trato e à mantença de animais. Proibição de qualquer forma de maus-tratos a qualquer animal. Ilegítima inadequação das ações públicas. A análise do sistema jurídico e a evolução da compreensão científica para o trato da fauna em geral permitem concluir pela vedação de qualquer mau trato aos animais, não importando se são silvestres, exóticos ou domésticos. Por maus-tratos não se entende apenas a imposição de ferimentos, crueldades, afrontas físicas, ao arrancar de garras, serrilhar de dentes ou enjaular em cubículos. Maus-tratos é sinônimo de tratamento inadequado do animal, segundo as necessidades específicas de cada espécie. “A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade de equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que são dotados de estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor” (STJ, REsp 1.115.916, Rel. Ministro Humberto Martins). Evoluída a sociedade, científica e juridicamente, o tratamento dos animais deve ser conciliado com os avanços dessa compreensão, de modo a impor aos proprietários a adequação do sistema de guarda para respeito, o tanto quanto possível, das necessidades do animal. A propriedade do animal não enseja direito adquirido a mantê-lo inadequadamente, o que impõe a obrigação de se assegurarem na custódia de animais circenses, ao menos, as mesmas condições exigíveis dos chamados mantenedores R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 63 de animais silvestres, mediante licenciamento, conforme atualmente previsto na IN 169/2008. Na ausência de recursos autárquicos e adequação da conduta pelos responsáveis, deve o órgão ambiental, contemporaneamente, dar ampla publicidade à sua atuação, convocando e oportunizando à sociedade civil auxiliar em um problema que deve, necessariamente, caminhar para uma solução. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 21 de outubro de 2009. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator para o acórdão. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de ação civil pública visando à condenação do Ibama na obrigação de fazer consistente em fiscalizar, cadastrar e, nos casos de irregularidade, repatriar os animais exóticos que não possuam licença ou certificado cadastrado no órgão. A demanda foi julgada improcedente. O Parquet Estadual do Paraná apelou. O recurso foi respondido. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do apelo. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: A sentença recorrida deve ser confirmada. A seguir, transcrevo os tópicos principais da respectiva funda mentação: “(...) No que pertine ao objeto desta ação, deve-se primeiramente observar que de fato a introdução de espécimes exóticos à fauna local é evidentemente prejudicial, havendo possibilidade de que, uma vez introduzidos em determinado ambiente, eles 64 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 acabem sobrepujando os ocupantes originais e provocando um desequilíbrio ambiental. Os riscos são muitos, pois, se o animal não tiver predador no Brasil, poderá haver uma disseminação exagerada e, por outro lado, se for um predador voraz, poderá exterminar espécies aqui existentes. Justamente devido a esse fato a comercialização de animais exóticos deve-se pautar por regras rígidas, com estreita observância e fiscalização por parte do órgão ambiental responsável. Contudo, é notória a ocorrência de introdução clandestina de animais silvestres oriundos de outros países no Brasil, o que é conhecido como tráfico de animais e realizado, obviamente, sem parecer técnico favorável e licença expedida por autoridade competente, devendo, obrigatoriamente, haver uma efetiva fiscalização por parte do Ibama e da Polícia Federal. Não fosse isso, existem ainda os casos de reprodução de animais exóticos em cativeiro, conforme informado pelo próprio réu quando da contestação, os quais também sofrem, por diversas vezes, maus-tratos em atividades circenses. Com efeito, cumpre, neste ponto, apreciar a legislação aplicada à matéria em questão. Inicialmente, a fauna é protegida constitucionalmente, mediante o art. 225, § 1º, VII, que prevê caber ao Poder Público ‘proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade’. Por sua vez, a Lei nº 5.197/67, que dispõe sobre a proteção à fauna, prevê, em seu art. 4º, que ‘Nenhuma espécie poderá ser introduzida no País sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida na forma da Lei’. (...) De fato, realizando uma interpretação meramente gramatical das normas acima transcritas [Portaria Ibama 93/97, arts. 3°, 9°, 12, 15, 21 e 31, e Decreto 3.607/2000, arts. 3º, 4º e 20], extrai-se que: a) o Ibama é órgão ambiental responsável pelas questões pertinentes à importação de animais exóticos; b) a autarquia ambiental federal deve sempre emitir parecer técnico e licença respectiva (Cites) para que a importação se consume; c) o importador deverá estar devidamente registrado junto ao Ibama; d) a Portaria nº 93/97 ora permite, ora proíbe a importação de animais para espetáculos circenses; e) o Ibama será responsável por devolver ao país de origem espécimes vivos apreendidos, quando obtidos com infração à Lei nº 9.605/98; e f) os animais exóticos vivos que tenham ingressado no País sem Licença ou Certificado Cites deverão ser devolvidos ao país exportador. Dessa forma, deve ressalvar-se que a competência do Ibama em fiscalizar as questões pertinentes a animais exóticos em circos, principalmente quando praticada uma das condutas apontadas no art. 17 do Decreto nº 3.179/99 – que prevê: ‘Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos’ –, é indiscutível, não havendo que se imputar responsabilidade ao Município. Consoante acima delineado, a responsabilidade pelo cadastramento das pessoas importadoras de animais exóticos também é da autarquia ré. (...) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 65 De fato, não obstante referida obrigação do órgão ambiental e a relevância da situação posta em análise nestes autos, não se pode olvidar que a autarquia possui diversas atribuições dentro de sua esfera de competência, existindo inúmeras situações que violam as normas ambientais ocorrendo diariamente (não só no que diz respeito à fauna, mas também à flora, ao meio ambiente artificial, ao meio ambiente cultural, etc) e que demandam sua efetiva fiscalização, da mesma forma que no caso dos animais, além de muitos procedimentos administrativos a serem apreciados, tudo isso somado ao déficit de funcionários e à pouca verba repassada ao órgão. Portanto, diante das dificuldades expostas, mesmo não se tratando da situação ideal, torna-se compreensível que o Ibama não tenha capacidade, dentro das condições de trabalho que possui, de efetuar todas as fiscalizações necessárias e de forma extremamente efetiva, a fim de combater todos os casos de maus-tratos contra animais ou de sua introdução irregular que existem no país e, no caso da gerência deste Estado, no Estado do Paraná. Sendo assim, segundo a manifestação do réu, ele vem atuando na medida de suas possibilidades, ou seja, realizando fiscalizações quando efetuada alguma denúncia concreta ou quando toma conhecimento da presença de algum circo na cidade. Não fosse isso, noticiou o encaminhamento de projeto de lei específica referente a atividades circenses. Por outro lado, o autor não logrou comprovar, ao longo da instrução processual, que o Ibama vem se omitindo totalmente em relação aos fatos descritos na petição inicial, não trazendo aos autos casos concretos em que o Ibama, mesmo provocado, não tenha atuado. Dessa forma, vislumbra-se que não há uma total omissão por parte do órgão ambiental (observar a documentação de fls. 379, 394-395, 398, 404-405, 411, 416, 451 e 469, além dos depoimentos das testemunhas), mas unicamente uma atuação de forma não tão satisfatória, não cabendo ao Poder Judiciário invadir a esfera de atuação do Poder Executivo determinando ao órgão quais atividades devem por ele ser priorizadas, tendo em vista que o Ibama age dentro do poder discricionário a ele conferido e, certamente, em caso de dar-se preferência ao combate de infrações contra a fauna, outras áreas também relevantes restarão prejudicadas. Quanto à alegada necessidade de cadastramento das espécies exóticas junto ao Ibama, dispõe o art. 4º do Decreto nº 3.607/2000: (...) Com efeito, tal cadastramento é de suma importância, sendo na verdade a única forma de se efetivar um controle e consequente fiscalização quanto ao tratamento dispensado aos animais exóticos em nosso país. Neste ponto, a competência do Ibama é evidente, o que é por ele próprio apontado na contestação (fl. 366). No entanto, às fls. 44-45, junta documento demonstrando a existência dos registros mencionados, com indicação de quantidade, origem e processo correspondente. Por sua vez, os autores não lograram comprovar a inexistência do cadastro, sendo inevitável concluir-se por sua regularidade. Por fim, no que pertine à questão referente à repatriação de animais exóticos, 66 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 conforme acima já apontado, o Decreto nº 3.607/2000, em seus artigos 4º e 20, prevê que o Ibama poderá devolver ao país de origem animais obtidos com infração à Lei de Crimes Ambientais ou que tenham ingressado em nosso país sem licença ou certificado Cites. Alega a parte-autora que o Ibama vem se omitindo na repatriação de animais exóticos irregulares em nosso país. No que diz respeito à importação de animais, é verdade que para ingresso em nosso país é necessário o cumprimento de determinadas condições, já acima identificadas. Contudo, o próprio réu esclarece em sua contestação (fl. 370) que não concede licença para importação de animais exóticos para atividades circenses, existindo no país muitos animais que foram introduzidos em período remoto e que se reproduziram, sendo que a maioria deles hoje em dia é oriunda de cativeiro, e não de importação recentemente levada a efeito. Referida afirmação é bastante razoável, corroborando, para tanto, o documento juntado às fls. 44-45, consubstanciado no cadastro dos animais exóticos perante o Ibama/PR, no qual se verifica que todos eles nasceram em cativeiro. Ademais, não logrou comprovar a parte-autora qualquer importação deferida em período recente, pelo órgão ambiental, presumindo-se, mais uma vez, a veracidade da informação dada. Referido fato inclusive faz com que a elaboração de cadastro completo torne-se bastante complicado por parte do Ibama. Essa mesma ilação pode ser utilizada quando se fala na repatriação/devolução dos animais encontrados em situação irregular ou sofredores de algum dos crimes previsto na Lei nº 9.605/98. Em face dessa situação, como a maioria dos animais é oriunda de reprodução ocorrida no Brasil, não há como serem devolvidos, já que seu país de origem é o nosso. Outrossim, não obstante o Decreto nº 3.607/2000 imponha ao Ibama a responsabilidade pela devolução do animal, é certo que não se trata de trâmite de simples procedimento. Afinal, enviar um animal, que geralmente é de grande porte (v.g. leão, elefante), para outro país certamente não é algo simples ou que possa ser feito pelo Ibama de forma unilateral, dependendo apenas de sua vontade. Pelo contrário, é evidente que ao menos o Ministério de Relações Exteriores e o Ministério do Meio Ambiente deverão também participar do processo. Outrossim, é necessária, ainda, a concordância do país receptor do animal, na medida em que este deverá pelo menos concordar com a remessa, providenciando, inclusive, um destino para ele, além de equipamentos para o transporte. Dessa forma, seria até uma irresponsabilidade a determinação para que o Ibama efetuasse as repatriações, pois, sozinho, não poderia cumprir a ordem, sendo que a decisão acabaria não tendo efetividade. Portanto, deve restar anotado que não se pode levar em consideração unicamente o que diz o decreto mencionado, aplicando a norma sem observância da realidade. Devese levar em conta o caso concreto, o mundo em que vivemos, o fato de que os países devem se inter-relacionar de forma diplomática e harmônica, geralmente por meio de tratados internacionais, não podendo um país simplesmente impor uma obrigação a outro, ainda mais se tratando de uma situação tão peculiar como a presente. Dessarte, não vislumbro a viabilidade, por parte do Ibama, de repatriar animais ingressados no R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 67 Brasil de forma irregular. (...)” Essas colocações afiguram-se-me acertadas a ponto de ratificá-las como razões de decidir, mesmo porque, a par do acatamento à lei, mostram-se consonantes com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação. VOTO-VISTA O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Iniciado o julgamento da presente apelação, de Relatoria do Des. Federal Valdemar Capeletti, em 28.05.2008, foi proferida a seguinte decisão: “Após o voto do Des. Federal Valdemar Capeletti no sentido de negar provimento à apelação, pediu vista o Juiz Federal Márcio Antônio Rocha; aguarda a Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler”. Convocado a compor o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Ato nº 163, de 05 de maio de 2009), a partir de 11 de maio de 2009, junto ao Gabinete do Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, enquanto perdurar seu afastamento, trago a julgamento voto referente a pedido de vista quando atuava no Gabinete de Auxílio à 4ª Turma. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Paraná contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, em que objetiva a condenação dessa Autarquia na obrigação de fazer, consistente em fiscalizar, cadastrar e, nos casos de irregularidade, repatriar os animais exóticos que não possuam licença ou certificado cadastrado no órgão, utilizados em espetáculos circenses. O Excelentíssimo Relator Desembargador Federal Valdemar Capeletti está mantendo a sentença de improcedência, ao argumento de que inexistem elementos a demonstrar a omissão do Ibama em relação aos fatos descritos na inicial, bem como que não cabe “(...) ao Poder Judiciário invadir a esfera de atuação do Poder Executivo determinando ao órgão quais atividades devem por ele ser priorizadas, tendo em vista que o Ibama age dentro do poder discricionário a ele conferido (...)” (fls. 695-696). A ação tem por pano de fundo toda a problemática ligada à utilização 68 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 de animais, notadamente de grande porte, em atividades circenses. Nessa “problemática”, leia-se a preocupação com o tráfico de animais, com maus-tratos no adestramento, transporte de animais, condições de vida, perigo a pessoas em geral, ataques com ferimentos e mortes de pessoas pelos animais e um sem-número de alertas sobre o tema. Parte da sociedade mostra-se atenta a tais fatos, o que se evidencia pelas dezenas de reportagens juntadas com a inicial abordando esses assuntos. Parte da sociedade também procura auxiliar na solução, por meio de sociedades protetoras de animais e particulares que aceitam a adoção do animais, para lhes assegurar melhores condições de existência. Desnecessária a indicação de situações particulares nos fatos noticiados, todavia, as chamadas das reportagens juntadas, por si, indicam o lamentável quadro: “ONGs contam 80 leões abandonados no Brasil: animais morrem à espera de lugar definitivo para viver.” (Jornal Gazeta do Povo, 30.07.2005, fl. 38) “O circo Real Brasil abandonou quatro leões em plena rua e a uma quadra de distância de uma escola. Os animais estavam em condições físicas péssimas e em jaula precária, preocupavam a população e a escola.” (Novo Hamburgo/RS, setembro 2005, Zero Hora, fls. 110) “O dono do Circo Medrano ofereceu o leão do circo, que fora deixado pelo domador. Declarou que o animal teria só mais um dia de alimentação e que, após essa data, não se responsabilizaria pelo animal. Uma sociedade protetora fez campanha pela adoção do animal.” (Irati/PR, Gazeta do Povo, fls. 111) “Um menino de oito anos, que estava muito próximo à grade de proteção, foi atacado por um leão do Circo Rodeio Búfalo Negro, durante o espetáculo. O leão acabou sendo morto eletrocutado pelo domador, que fez uso do aparelho de choques com que controlava o animal durante os números. O menino foi retirado com ferimento no pescoço e nas costas.” (Restinga Seca/RS, Zero Hora, junho 2005, fls. 111) “O Ibama verificou denúncia de maus-tratos a oito leões no Circo Cassaly. Além de não possuírem registro, os animais viviam em jaulas minúsculas, sem cobertura e sob suspeita de desnutrição. Um dos leões vivia numa jaula onde mal podia virar-se.” (Correio Paranaense, março 2005, fls. 112) “O urso de um circo instalado na região metropolitana de Curitiba escapou do domador e entrou antes da hora no picadeiro, onde crianças brincavam com os palhaços. No tumulto, as pessoas correram para fora do circo, enquanto funcionários espancavam o animal para poder dominá-lo.” (Colombo/PR, setembro 2004, Gazeta do Povo, fls. 112) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 69 Em resumo, problemas sérios para a sociedade, mantenedores, autoridades públicas e, evidentemente, para os animais. Prevenindo a convivência com situações desse jaez, algumas cidades adiantaram-se e, segundo noticiado nos autos, adotaram legislação proibindo a instalação de circos com animais nos territórios municipais. A posição do Ibama sobre o tema está suficientemente delineada. Transcrevo ilustrativamente uma das suas manifestações, quando indagado sobre situação similar aos problemas narrados anteriormente: “Conforme relatório de fiscalização não foram constatados maus-tratos levando em consideração os aspectos gerais dos animais. Não há legislação específica que regulamente as atividades circenses, logo, não vislumbramos obrigatoriedade do referido circo comunicar a este instituto a quantidade de animais sob sua responsabilidade, como estes vieram a óbito ou não. Quanto à solicitação do Ministério Público Estadual de apurar a notícia de morte da leoa, principalmente a causa mortis, esclarecemos que este Núcleo não possui estrutura e equipamentos para realizar a necropsia.” (fls. 103) Dos inúmeros casos retratados nos autos, e das manifestações específicas, pode-se traçar um quadro das posturas mais costumeiras do Réu: não há estrutura no órgão; a legislação não defende animais exóticos (fauna internacional); há bons tratos se o animal é alimentado, hidratado e a cela está limpa, ou seja, as chamadas “condições gerais”. De logo chama a atenção a insuficiência dessa posição, certamente adotada não porque não se sabe que a falta de estrutura autárquica não pode perpetuar a omissão ou a falta de imaginação para solucionar problemas; não porque não se sabe que a Constituição Federal proíbe maus-tratos a qualquer animal; não porque não se sabe que boas “condições gerais” equivalem, quando muito, a “apenas manter vivo o animal”. Porém, a posição certamente é adotada porque é difícil o problema, porque se teria de pensar realmente em solucioná-lo. A ação civil pública, julgada improcedente, não pede muito. Tenta propor soluções, caminhos; objetiva que o “Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exerça a fiscalização, o cadastramento e, nos casos de irregularidades, a repatriação dos animais exóticos que não possuam licença ou certificado cadastrado no referido órgão” (fl. 15). Em sentença (fls. 657-661), o MM. juízo a quo aceitou a argumentação do Ibama, aduzindo, em síntese, que a limitação orçamentária e 70 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 funcional da Autarquia imporia a ela extremas dificuldades em efetuar a fiscalização pretendida na Ação Civil Pública. Respeitosamente, os fundamentos adotados na sentença recorrida não são capazes de levar, por si só, a um juízo de improcedência do pedido, se, tão somente, conformados com as alegadas precariedades da Autarquia. Nesse passo, reproduzo, em parte, parecer do Procurador Regional da República Dr. Kurtz Lorenzoni (fls. 692-693): “Percebe-se que o fundamento explicitamente invocado na sentença foi a incapacidade financeira do Ibama de cumprir todas as suas obrigações; implicitamente a tal tese está a defesa da discricionariedade do Ibama, na condição do integrante da Administração Pública. Entretanto, este caso não pode ser considerado judicialização de políticas públicas; em outras palavras, as questões aqui postas não levaram ao Poder Judiciário indagações sobre discricionariedade. Não se trata de requerimento voltado ao estabelecimento de políticas públicas, uma vez que a opção política já foi tomada, o que se depreende da exaustiva regulamentação do tema. (...) Ora, o Ministério Público do Estado do Paraná e a Associação Xamã não requerem, nesta ação civil publica, a adoção de opções políticas, mas o cumprimento das opções já feitas. Ao Ibama não é dado cumprir ou não cumprir suas funções; havendo determinação legal e destinação orçamentária justamente para manter a autarquia em pleno funcionamento, o cumprimento das suas funções é medida impositiva.” Essa omissão, sob a bandeira da falta de recursos, é a tônica de toda a defesa do Ibama, desde a primeira até a última manifestação até aqui nos autos. Leiam-se, na primeira manifestação, as informações antecedentes à decisão liminar: “Ademais, a liminar, da forma como foi requerida, torna-se praticamente impossível de ser atendida, pois é notória a falta de funcionários e recurso para o órgão federal, sozinho, fiscalizar todos os recintos em que haja animais exóticos, como lojas e circos. Necessário que haja, primeiramente, fortalecimento e investimento no órgão para que esse possa atuar na forma pretendida pelo MPE.” (fls. 346-347) Evidente a posição, lamentável em todos os sentidos, de que as práticas enfrentadas pela ação são “atendidas pelo órgão na medida das condições orçamentárias”, ou, em outras palavras, uma parte é atendida e outra não, segundo o orçamento disponível. De fato, existem condicionantes na legislação federal para o trato de animais. Tais condicionantes, por dizerem respeito às condições de trato R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 71 da fauna, devem ser cumpridas independentemente de escusas orçamentárias do Ibama, quer queiram, quer não os seus agentes. Da mesma forma, não se toleram maus-tratos por parte de particulares mediante invocação de hipossuficiência do responsável pelo animal. Não há outra solução a ser dada em qualquer ótica. Por determinação constitucional, deve-se caminhar para a conscientização pública sobre as formas de trato e para a harmonia no convívio com a fauna em geral (CF, art. 225, § 1º, VI), sendo vedadas as práticas que submetam os animais à crueldade (inciso VII). Por sua vez, indiferentemente de se tratar de animal silvestre, exótico ou doméstico, constitui infração administrativa: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (Decreto 3.179/99, art. 17). Atento às alegadas dificuldades orçamentárias, o Ibama argumenta que, mediante denúncia, comparece a circos e verifica a situação dos animais, se estão sendo submetidos a maus-tratos, se estão ou não sendo mutilados. Sobre o ponto produziu prova: “Que nas vistorias em que a testemunha participou não houve constatação de maus-tratos, havendo água, estando o recinto limpo, inexistindo sinais de maus-tratos” (testemunha Melissa da Cunha Medina, fl. 519). E segue a testemunha: “Que, havendo maus-tratos, como por exemplo recinto pequeno, falta de água, baixo peso, o proprietário é notificado para que mude o tratamento, cessando os maus-tratos. Que, não atendidas as exigências, o animal é apreendido” (fl. 520). O depoimento aponta importante distinção entre maus-tratos e crueldade, ambos referidos na legislação a seguir indicada. Maus-tratos não se resumem a ferimentos, crueldades, afrontas físicas, arrancar garras, serrar dentes, enjaular em cubículos. Maus-tratos são sinônimo de tratamento inadequado do animal, segundo as necessidades específicas de cada espécie. Um animal dotado pela natureza para andar quilômetros por dia, alcançar por seus músculos velocidades inatingíveis pelo ser humano, ou que por seu tamanho e seu peso necessite de alimentação contínua em savanas ou outro hábitat, não estará bem tratado em jaulas, circulando entre carros nas cidades, sujeito a luzes de um palco, chicotes, choques, espetos... Em sua vez, a testemunha às fls. 521-522, Raphael Xavier, afirmou 72 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 “que, dentre as vistorias que a testemunha participou, foi realizado o embargo da atividade relativamente a um chimpanzé, uma vez que exposto a perigo (globo da morte) e maus-tratos. Que entretanto não foi o animal apreendido, sendo deixado como fiel depositário o dono do circo, tendo em vista os laços afetivos com o pessoal do circo e a sua idade, de cerca de 11 anos.” Finalmente, a testemunha Cosette Barrabas Xavier da Silva (fls. 523-526) acrescentou “que os maus-tratos são referentes à alimentação, à acomodação, que os animais não estão sendo alimentados ou são alimentados com cachorros”. Em termos de animais exóticos, dada a evolução contínua de nossa compreensão, o próprio sistema jurídico evoluiu. O direito adquirido limita-se à propriedade do animal e eventualmente à regularidade da introdução em território nacional. Não diz respeito à livre submissão do animal a condições precárias, eventualmente outrora admitidas. Ao contrário, não existindo no ordenamento jurídico direito adquirido à regime, as condições de guarda podem ser formuladas pela autoridade ambiental, segundo os padrões científicos e a evolução do conhecimento humano quanto ao trato de animais. Isso equivale a dizer que, embora possa ser o cidadão o legal proprietário de determinado animal, isso não importa em direito adquirido a mantê-lo em determinado cativeiro, contrário às necessidades da espécie. Mais claramente, não há direito garantido à pratica de maus-tratos ou ao trato ignorante do sofrimento que se impõe a um animal. Ocorre que o próprio Ibama já tem material normativo, estabelecido não com parâmetros na Lei, mas com seu poder regulamentar, discricionário, firmado no conhecimento científico, estabelecido para mantenedores e criadores de animais silvestres. Não há nada que diferencie os animais de circo do gênero animais silvestres ou exóticos. O ordenamento jurídico deseja a defesa da vida animal. Não existem “animais circenses”, e sim animais. Não há esse gênero, essa espécie. Há animais silvestres e exóticos que por uma triste história caíram nas mãos de mercadores sem qualquer consciência, em terras onde em geral a própria vida humana não recebe o devido valor. Integrados nas faces do tráfico internacional de animais, caem nas mãos de empresários circenses, que enclausurarão a eles e a eventuais crias; lhe imporão “treinamentos”, talvez lhes cortem garras, serrem seus dentes, os submetam a ferros e jaulas, a trânsito R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 73 constante, para, mediante pecúnia, matar a natural curiosidade humana, de um público alheio que, ao sorrir, ao admirar a força, a beleza do animal, aplaude o mercado negro, o sofrimento, a vida sem sentido, fora do hábitat que lhe permitiria o exercício de suas potencialidades. Os aplausos, de alguns segundos, entusiasmados, muitas vezes dirigidos ao animal por solicitação do “treinador”, não mudam o quadro estéril nem retiram a ignorância da tolerância dessa prática cruel em sua essência, fomentando parte da atividade de circos que podem sobreviver sem a presença de animais. Assim, não há que se tolerar o enclausuramento de animais em condições que não sejam exatamente idênticas às exigidas de mantenedores da fauna. Não há diferença entre os animais. Não há animais de circo, nem se aceita maus-tratos meramente circenses. A omissão do órgão ambiental é de exercício de poder regulamentar e com isso impede que a sociedade possa até mesmo discutir seus regulamentos, exercendo o controle da própria administração e do exercício de seus valores. A falta de recursos pode ser aceita quando muito para que se adotem soluções alternativas, mas o problema deve caminhar para uma solução. A sociedade, conforme se vê nas inúmeras notícias juntadas aos autos, procura dar sua cota, faz adoções, oferta melhores caminhos (denuncia, oferece-se para a condição de depositário, de criador e mantenedor, organiza-se em sociedades de proteção, arrecada recursos, etc.), podendo ser convocada a participar, desde que saiba e esteja orientada a fazê-lo. Nos autos há inúmeras notícias de adoção de animais por particulares (v.g. fls. 607) ou sociedades. Essa evolução da relação dos homens com os animais foi com muita precisão e sensibilidade exposta pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão histórico nesse tema, da lavra do Exmo. Ministro Humberto Martins. A precisão e beleza de seus fundamentos merecem ser repetidos, inclusive como fundamentação do presente voto: “Não assiste razão ao recorrente, e o equívoco encontra-se em dois pontos essenciais: o primeiro está em considerar os animais como coisas, res, de modo a sofrerem o influxo da norma contida no art. 1.263 do CPC. O segundo, que é uma consequência lógica do primeiro, consiste em entender que a administração pública possui discricionariedade ilimitada para dar fim aos animais da forma como lhe convier. Não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema 74 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais. Essa característica dos animais mais desenvolvidos é a principal causa da crescente conscientização da humanidade contra a prática de atividades que possam ensejar maus-tratos e crueldade contra tais seres. A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor. A rejeição a tais atos aflora, na verdade, dos sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade, que orientam o ser humano a repelir toda e qualquer forma de mal radical, evitável e sem justificativa razoável. A consciência de que os animais devem ser protegidos e respeitados, em função de suas características naturais que os dotam de atributos muito semelhantes aos presentes na espécie humana, é completamente oposta à ideia defendida pelo recorrente, de que animais abandonados podem ser considerados coisas, motivo pelo qual a administração pública poderia dar-lhes destinação que convier, nos termos do art. 1.263 do CPC. Ademais, a tese recursal colide agressivamente não apenas com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Afronta, ainda, a Carta Fundamental da República Federativa do Brasil e as leis federais que regem a Nação. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da Unesco, celebrada na Bélgica em 1978, dispõe em seu art. 3º que: ‘Artigo 3º 1. Nenhum animal será submetido nem a maus-tratos nem a atos cruéis. (...)’ No mesmo sentido a Constituição Federal: ‘Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.’ No plano infraconstitucional: Decreto Federal 24.645, de 10 de julho de 1934: ‘Art. 1º – Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado. (...) Art. 3º – Consideram-se maus-tratos: I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; (...) VI – não dar morte rápida, livre de sofrimento prolongado, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não.’ Lei nº 9.605/1998: ‘Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 75 domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.’” (STJ, REsp 1.115.916-MG, Relator Ministro Humberto Martins) Daí porque se disse anteriormente que a ação civil pública não pede muito e aponta caminhos. São pontos evidentemente factíveis do pedido o cadastramento desses animais, o licenciamento que pressupõe adequação das condições de vida, o que inclui a apreensão no caso de falta de adequação da conduta. Trata-se de matéria atualmente regulada pela Instrução Normativa 169/2008 do Ibama, destinada a: “Art. 1º Instituir e normatizar as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro em território brasileiro, visando atender às finalidades socioculturais, de pesquisa científica, de conservação, de exposição, de manutenção, de criação, de reprodução, de comercialização, de abate e de beneficiamento de produtos e subprodutos, constantes do Cadastro Técnico Federal (CTF) de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Naturais.” Deve, portanto, ser o Ibama condenado a, em todo o território do Estado do Paraná, fiscalizar, submeter a guarda e a mantença do animal a licenciamento, nos termos da referida instrução normativa, e, em caso de não atendimento no prazo de trinta dias, poderá conceder a condição de fiel depositário a terceiro, deferindo a guarda a quem atenda às condições estabelecidas na referida normatização. Para que as medidas tenham celeridade, e a fim de abreviar o tanto quanto possível as precárias condições dos animais, assim que lavrado auto de constatação, deverá o responsável ser nomeado depositário, dando-se desde logo publicidade das características do animal para que agentes da sociedade, na omissão do responsável, possam aceitar a custódia mediante atendimento das exigências da mesma Instrução Normativa. Trata-se de ações simples, que retiram do órgão a omissão e que, se publicizadas, podem ensejar que a população se prepare para, na falta de adequação da conduta por parte dos responsáveis pelos animais, receber as apreensões providenciando criadores que respeitem minimamente as necessidades de espaço fixo, descanso, privacidade, alimentação. Todavia, inviável a condenação do Ibama ao repatriamento de tais animais, dado que tal medida depende de participação de outros governos, o que tornaria o preceito jurisdicional incerto. Assim, procede 76 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 parcialmente a ação civil pública. Honorários e custas por conta da ré, arbitrados em R$ 500,00. Diante do exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.72.10.001467-1/SC Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região Apelado: Adriel Piaseski Advogado: Dr. Airton Sehn EMENTA Administrativo. Concurso público. Técnico do seguro social. Legitimidade passiva do INSS. Deficiência física. Conceito não restrito apenas ao enfoque clínico. Necessário cotejo com o padrão do homem médio. 1.– Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva do INSS que, mesmo contratando o Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília, é o ente responsável pela posse do autor na carreira, além de ter efetuado a perícia combatida na demanda em tela, a evidenciar que o polo passivo da lide foi corretamente direcionado. 2.– O significado jurídico da deficiência, considerando o sistema jurídico protetivo interno e internacional, não deve ficar restrito à perspectiva clínica, pois necessariamente engloba outros fatores relacionados à tutela da personalidade humana e do seu pleno desenvolvimento. 3.– Pela análise do conceito legal de deficiência, infere-se que também deve ser considerada deficiente a pessoa que apresenta membros com deformidade adquirida que produzam “dificuldades para o desempenho das suas funções”, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 77 ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2010. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, nos autos de ação ordinária na qual Adriel Piaseski postula sua não exclusão da lista de aprovados como portador de deficiência para o cargo de Técnico do Seguro Social, julgou procedente o pedido para determinar ao réu que mantenha o autor na lista de candidatos aprovados no concurso regido pelo Edital 01/07, na condição de portador de deficiência física (fls. 186-188). O INSS apela requerendo, em preliminar, a apreciação do agravo de instrumento convertido em retido, como também da prefacial de ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que o autor não se enquadra no conceito de pessoa portadora de deficiência, além de que a sentença desconsidera a conclusão da prova técnica (fls. 190-203). Com a apresentação de contrarrazões (fls. 253-259), subiram os autos a esta Corte, onde o representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 261). É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Inicialmente, rejeito o agravo de instrumento, convertido na modalidade retida, interposto contra a decisão antecipatória de tutela que ordenou que o INSS se abstenha de excluir o autor do certame (fls. 97-99), considerando-se que o pedido requer apreciação de mérito, que será realizada neste momento processual. Do mesmo modo, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade 78 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 passiva da autarquia previdenciária, que, mesmo contratando o Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília, é o ente responsável pela posse do apelado na carreira, além de ter efetuado a perícia combatida na demanda em tela, a evidenciar que o polo passivo da lide foi corretamente direcionado. No mérito, adoto como fundamentos de decidir os bem-lançados fundamentos da sentença recorrida, que deslindam com precisão a controvérsia: “(...) Por fim, quanto à deficiência do autor, em que pesem as alegações aventadas pelo réu, tenho que a decisão que antecipou os efeitos da tutela deve ser mantida. Assim, para evitar tautologia, tomo por ratio decidendi os argumentos lá elencados, cujo teor transcrevo em parte. O conceito de deficiência de fato ainda apresenta significativas divergências, tanto na perspectiva da ciência médica como também do ponto de vista jurídico. O significado jurídico da deficiência, considerando o sistema jurídico protetivo interno e internacional, não deve ficar restrito à perspectiva clínica, pois necessariamente engloba outros fatores relacionados à tutela da personalidade humana e do seu pleno desenvolvimento. A Constituição de 1988, no seu artigo 227, impõe como dever da sociedade e do Estado a necessidade de assistência e especial proteção às pessoas portadoras de deficiência. Nos termos do artigo 3º do Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, considera-se: ‘I. deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano’. No artigo 4º do mesmo Decreto consta o conceito legal de deficiência física como sendo: ‘alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.’ Pela análise do conceito legal de deficiência, infere-se que também deve ser considerada deficiente a pessoa que apresenta membros com deformidade adquirida que produzam ‘dificuldades para o desempenho das suas funções’, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. No caso dos autos, é evidente que o autor apresenta deformidade adquirida R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 79 permanente, pois, conforme apurou a perícia, possui: flexão do 5º dedo ao nível da interfalangeana proximal com esquilose articular. Angulação do 3º dedo ao nível da articulação da interfalangeana proximal com irregularidade na base da falange média e irregularidade da extemidade da falange distal do 2º dedo. Não precisa ser médico para, considerando os laudos, fotos, atestados e o que foi apurado na perícia judicial, concluir com segurança que o autor apresenta sim dificuldade para o desempenho pleno das funções da sua mão esquerda, considerando o padrão normal para o ser humano. A legislação não exige comprometimento total das funções, mas sim anormalidade permanente que gera dificuldade para o desempenho pleno das funções. A perícia reconhece que o ‘autor poderá ter lentidão de movimentos nos 5º e 3º dedos’. Ademais, a interpretação das normas protetivas das pessoas portadoras de necessidades especiais não pode ser efetivada com um formalismo ou rigor extremo, sob pena de frustração total dos objetivos mais nobres dessa política afirmativa, em especial o de promover a inclusão social destas pessoas. O fato de a perícia ter constatado que o autor não possui a função física da mão comprometida – ‘boa pinça, apreensão e força da mão preservada’ – e o fato de trabalhar como digitador não alteram a firme convicção deste juízo, pois a deformidade permanente e geradora de dificuldade está plenamente provada. O fato de o autor conseguir digitar demonstra plenamente a sua aptidão para, mesmo considerando a deficiência, exercer suas funções junto ao INSS com a eficiência necessária para o cargo público pretendido. Também é absolutamente irrelevante a circunstância de não constar na carteira de habilitação a condição de ‘deficiente físico’. Reforça a necessidade de uma análise/revisão crítica do conceito formal de deficiência o fato de o Brasil ter assumido solenemente na Constituição o compromisso internacional com a concretização dos Direitos Humanos e a máxima efetividade que deve ser conferida ao princípio da dignidade da pessoa humana. No plano dos Direitos Humanos, amparam a pretensão do autor os seguintes documentos internacionais: Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica; Declaração dos Direito do Deficiente). Destaque-se ainda o Protocolo Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que estabelece no artigo 18 que ‘toda pessoa afetada por diminuição de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial, a fim de alcançar o máximo de desenvolvimento de sua personalidade’, estabelecendo uma série de medidas que deverão ser adotadas pelos Estados Partes. A recente Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiências, internalizada na ordem jurídica pátria com o status de norma constitucional, outorga ampla proteção aos deficientes e exige dos países signatários a implementação de diversas 80 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 políticas públicas afirmativas para a sua inclusão social. Essa convenção foi ratificada muito recentemente pelo Brasil e é a primeira que efetivamente outorga status de direito fundamental ao direito humano protegido, pois foi aprovada após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Esse fato demonstra claramente a orientação política pátria sobre o tema, que deve ser prestigiada também e especialmente pelo Poder Judiciário. Nesse contexto, e para um juízo de cognição sumária, está caracterizada a presença de deficiência física do autor no sentido jurídico. Isso posto, não há que se discutir a conveniência ou a oportunidade da contratação do autor, uma vez que, tendo ele sido considerado portador de deficiência, deve nessa condição ser mantido no concurso.” (Grifei) Entendo que a deficiência apresentada pelo apelado restou suficientemente demonstrada no processo em tela, pois, ao contrário do que quer fazer crer a autarquia apelante, não se trata apenas de uma deformidade estética, mas sim de uma deficiência que restringe a capacidade laboral, considerando-se a limitação parcial de movimentos dos 2º e 3º dedos da mão direita, além da imobilidade do 5º dedo da mesma mão, que não apresenta nenhuma movimentação. Andou bem o Magistrado de primeiro grau ao decidir que o conceito de deficiência, que pode ser parcial ou total, deve ser aferido no cotejo com o desempenho da atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano, ou seja, o padrão do homem médio. A exegese estritamente formalista pode frustrar os louváveis objetivos de inclusão social das pessoas portadoras de deficiência, o que não se coaduna com o sistema protetivo previsto na Constituição Federal e na legislação internacional. Mantenho, pois, a sentença por seus próprios fundamentos. Quanto ao prequestionamento, não há necessidade do julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria por meio do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.99). Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e à apelação. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 81 82 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 83 84 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 2001.70.00.013395-0/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro Embargante: D.M.S. Advogado: Defensoria Pública da União Embargado: Ministério Público Federal Assistente: Interbrazil Seguradora S/A Advogados: Drs. Fernando Maurício Alves Atiê e outros EMENTA Penal. Processual penal. Embargos infringentes. Gestão fraudulenta de instituição financeira. Empresa corretora de seguros. Captação de recursos. Enquadramento no conceito de instituição financeira para fins penais. 1. Na corretagem de seguros, além da intermediação da relação entre as seguradoras e os segurados, é contemplada a captação dos recursos financeiros envolvidos na atividade securitária, o que dá azo à incidência da norma prevista no art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei nº 7.492/86. 2. Sendo a prática de fraudes e de atos temerários na administração de empresa corretora de seguros hábil a atingir a credibilidade das instituições de crédito e o dinheiro de terceiros, encontra-se abarcada a atividade de corretagem de seguros na proteção penal outorgada pela Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 3. Tratando-se de fraudes perpetradas no âmbito da administração de R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 85 instituição financeira por equiparação (empresa corretora de seguros – art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86), tem-se por configurado o tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes, vencido o Juiz Federal Guilherme Beltrami, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 21 de janeiro de 2010. Des. Federal Néfi Cordeiro, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Trata-se de embargos infringentes opostos por D.M.S. em face do v. acórdão das fls. 299-302 e 307-331, que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso da defesa, mantendo o decreto condenatório, porém desclassificando a imputação para o tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86. Sustenta o embargante a prevalência do voto vencido, de lavra do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, que entendeu ser caso de desclassificação da conduta descrita na denúncia para o crime de estelionato, determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual da Comarca de Curitiba/PR. Para tanto, argumenta que a conduta cuja prática lhe é atribuída não tem potencialidade lesiva para atingir o núcleo da atividade financeira tutelado pela Lei de Crimes de Colarinho-Branco, uma vez que as corretoras de seguros são instituições que intermedeiam o relacionamento das seguradoras com os segurados, sem que os corretores de seguros realizem a intermediação de recursos financeiros. Daí porque seria inaplicável ao caso dos autos o art. 1º da Lei nº 7.492/86, não se enquadrando a conduta narrada na exordial acusatória quer no art. 4º, caput, quer no art. 5º, ambos do referido diploma legal. O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões, requerendo o desprovimento dos embargos infringentes. É o relatório. 86 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Trata-se de embargos infringentes opostos por D.M.S. em face do v. acórdão das fls. 299-302 e 307-331, que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso da defesa, mantendo o decreto condenatório, porém desclassificando a imputação para o tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86. A discussão posta em tela diz respeito ao enquadramento, ou não, das instituições corretoras de seguros no conceito de instituição financeira, ainda que por equiparação, adotado pela Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. No voto prevalente, proferido pelo Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, ficou assentado que a conduta do acusado – emissão, na qualidade de sócio administrador da Brickel Corretora de Seguros Ltda., de apólices e outros títulos materialmente falsos, em nome da Seguradora Interbrazil, com quem a empresa corretora mantinha relação informal de representação comercial, no intuito de se apropriar indevidamente dos respectivos prêmios – ajusta-se ao tipo do art. 4º, caput, da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. No voto vencido, de lavra do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, ficou estabelecido que a conduta delitiva perpetrada por corretor de seguros não tem o condão de lesar o bem jurídico tutelado pela Lei nº 7.492/86, de modo que empresa corretora de seguros não é alcançada pela definição, para fins penais, de instituição financeira, nem mesmo por equiparação. Assim, a posição minoritária voltou-se para desclassificar a conduta para o crime de estelionato e determinar a remessa do feito à Justiça Comum Estadual. Conforme já me manifestei nos autos do HC nº 2007.04.00.028591-8, julgado em 23.10.2007 pela Sétima Turma deste Regional, a Lei nº 7.492/86 surgiu como forma de proteção penal à poupança popular e à credibilidade nas pertinentes instituições. Justamente pela clara intenção de mais amplamente atingir seus objetivos, foi pródiga a norma legal na previsão de tipos penais de conduta múltipla e de variados sujeitos ativos. Assim é que já em seu art. 1º trouxe a mais ampla definição possível de instituição financeira: qualquer pessoa que realize a captação de reR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 87 cursos de terceiros, mesmo eventualmente. Pretendendo dar maior alcance penal aos fatos que pudessem atingir dinheiros populares ou a credibilidade nas instituições pertinentes, a norma legal ainda equiparou à instituição financeira a pessoa “que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros” (art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei nº 7.492/86). A propósito, no voto que prevaleceu no julgamento do apelo, é feita referência ao exame do conceito de captação de seguros, segundo Rodolfo Tigre Maia, assim lançado no parecer ministerial ofertado nos autos do HC nº 2004.04.01.006573-2/PR (fl. 321 dos presentes autos): “Na modalidade captação, a instituição busca reunir capitais dispersos no sistema, recolhendo-os dos agentes econômicos e concentrando-os com vistas à sua aplicação, quer diretamente, quer fornecendo-os por mútuo a uma outra instituição que os aplique, quer, finalmente, transferindo-os a uma instituição que sob sua direção e controle os repassará a outras para sua utilização, caracterizando-se, neste caso, a intermediação.” Vê-se, portanto, que, na modalidade captação, a instituição apanha recursos no mercado, concentrando-os com vista à sua aplicação, a qual pode ocorrer de forma direta ou ainda indireta. Na corretagem de seguros, além da intermediação da relação entre as seguradoras e os segurados, é contemplada a captação dos recursos financeiros envolvidos na atividade securitária, captação que é expressamente prevista na citada norma legal que confere proteção ao dinheiro popular. Por meio do recrutamento de segurados, a corretora acaba por apanhar recursos no mercado, embora estes sejam administrados e aplicados pelas entidades seguradoras ou mesmo por terceiros. Com efeito, prestam as instituições corretoras de seguros verdadeiro serviço para as seguradoras, consubstanciado na venda dos produtos e serviços também por estas elaborados e prestados para aqueles que são sujeitos a determinadas contingências. Em decorrência dessas vendas, acabam por ingressar no sistema securitário as quantias desembolsadas pelos segurados, de modo que a intermediação realizada pelas corretoras repercute significativamente na saúde e no desenvolvimento econômico das companhias de seguros. Assim, não pairam dúvidas de que a administração de companhias corretoras de seguros, quando marcada 88 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 por manobras desleais, é apta a afetar a higidez do Sistema Financeiro Nacional, em razão da ofensa à boa-fé de investidores, sócios, credores e terceiros, bem assim da confiança que estes lhe atribuem e que lhe dá sustentação. Mesmo sob o ângulo dos segurados, atuam as corretoras como extensão das companhias seguradoras representadas, muitas vezes integrando grupo econômico por estas formado, sem se olvidar, ainda, a solidária responsabilidade entre as corretoras e as seguradoras frente ao segurado consumidor. Registre-se que o egrégio Superior Tribunal de Justiça, no HC nº 37.419/PR, reconheceu a natureza de instituição financeira de empresa corretora de seguros que, além da intermediação, realizava a “autogestão de seguros”, autorizando o prosseguimento da persecução de suposto crime previsto, em princípio, na Lei nº 7.492/86. Se, de um lado, a Corte Superior não assentou, de forma expressa, o genérico enquadramento de entidade corretora de seguros como instituição financeira, de outro, também não afastou tal possibilidade. Ademais, no próprio voto vencido é feita referência ao assentado pela Colenda Oitava Turma deste Tribunal no julgamento do HC nº 2004.04.01.006573-2/PR, no sentido de que a atividade de corretagem de seguros, nos termos da regulação prevista na Lei nº 4.594/64, é parte importante do processo de captação de adesão de seguros junto ao mercado, integrando-a de modo essencial. Veja-se, nesse sentido, que o artigo 18 da referida lei, estabelece: “as sociedades de seguros, por suas matrizes, filiais, sucursais, agências ou representantes, só poderão receber propostas de contrato de seguros: a) por intermédio de corretor de seguros devidamente habilitado; b) diretamente dos proponentes ou seus legítimos representantes.” É dizer, o processo de captação de seguros não pode ser entendido sem a conclusão de que a atividade do corretor é de fundamental relevância para seu adequado desenvolvimento. É de se frisar, ainda, a existência de precedentes da Sétima Turma deste Regional no sentido da desnecessidade da instituição financeira ser regularmente constituída, para efeitos dos delitos do art. 4º, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Está evidenciada, assim, inclusive no âmbito jurisprudencial, a ampla proteção dada ao dinheiro popular pela Lei de Crimes de Colarinho-Branco, de modo a ser indiferente, para R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 89 fins criminais, o fato de a atividade de captação de seguros, mediante corretagem, não estar expressamente prevista na Lei nº 4.595/64. Dessa maneira, sendo a prática de fraudes e de atos temerários na administração de empresa corretora de seguros hábil a atingir a credibilidade das instituições de crédito e o dinheiro de terceiros, tenho como abarcada a atividade de corretagem de seguros na proteção penal outorgada pela Lei nº 7.492/86. Na espécie, é imputado ao embargante, na qualidade de sócio de empresa corretora de seguros representante comercial de companhia seguradora, a prática de diversas fraudes – em especial a falsificação de apólices de seguro e de outros títulos em nome da seguradora – a partir das quais apropriados valores que eram pagos pelos clientes a título de prêmio. Portanto, tratando-se de fraudes perpetradas no âmbito da administração de instituição financeira por equiparação (empresa corretora de seguros – art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei nº 7.492/86), as condutas perpetradas pelo ora embargante enquadram-se no tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86. Nesse sentido é o entendimento manifestado no voto vencedor, o qual acompanho (fls. 313 e 315-316): “(...) verifica-se que a conduta descrita na exordial acusatória – emissão de apólices materialmente falsas, em nome da Seguradora Interbrazil, com quem mantinha relação informal de representação comercial, no intuito de apropriar-se indevidamente dos respectivos prêmios, utilizando-se, portanto, de forma fraudulenta da Brickel Corretora de Seguros Ltda., da qual era sócio administrador, conforme contrato social de fls. 238-240 do IPL nº 221/2001, em apenso – enquadra-se na prática tipificada no art. 4º, caput, do mesmo diploma legal em análise, verbis: ‘Gerir fraudulentamente instituição financeira: Pena – Reclusão de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa’. Com efeito, a doutrina define gestão fraudulenta nas seguintes letras: ‘(...) A administração marcada pela fraude, pelo ardil, por manobras desleais, em regra com o objetivo de obter indevida vantagem para o próprio agente ou para outrem, em prejuízo de terceiro de boa-fé (acionistas, sócios, credores etc). Seria, por exemplo, a utilização de expedientes desonestos para desviar ativos da instituição, a simulação de operações para mascarar resultados financeiros, a maquiagem de balanços para ludibriar investidores, outras instituições financeiras ou ainda as próprias autoridades encarregadas de fiscalizar o mercado. (...)’ (TORTIMA, José Carlos. Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. 2. ed. Lumen Júris. p. 33) No caso sub judice, constata-se não só a elementar do tipo, consistente em uso de fraude, mas também a sucessão de práticas contínuas e habituais realizadas em deter- 90 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 minado contexto e lapso temporal. (...) De fato, após firmado acordo verbal de representação comercial entre a seguradora e a corretora, em fevereiro de 1999, conforme notitia criminis de fls. 05-14 do inquérito policial, o réu passou a emitir, em nome da primeira, porém sem a devida autorização, apólices por ele próprio confeccionadas. Alguns desses títulos são datados de 11.05.2000, 18.05.2000, 06.07.2000, 11.07.2000, conforme apólice nº 1.01.01.200005-750.002615/000, fls. 302-304, e Auto de Apreensão (fls. 198-200) noticiando que a autoridade policial reteve ‘1. Uma (01) via original da Apólice de Seguro, datada de 11 de julho de 2000, tendo como segurado a Prefeitura Municipal de Campina Grande do Sul, CNPJ/CPF nº 76.105.600/0001-86, capital subscrito e realizado no valor de R$ 25.001.115,00 (vinte e cinco milhões, mil cento e quinze reais), prêmio total de R$ 250,43 (duzentos e cinquenta reais e quarenta e três centavos), apólice nº 1.01.01.200007-750.003201/000, corretor Brickel Corretora de Seguros Interbrazil Seguradora; 2. Uma (01) via original da Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Executante Construtor (SGEC) nº 1.01.01.200007-750.003201/000, (...); 3. Uma (01) via original de Recibo, em papel timbrado da Interbrazil Seguradora, datado de 06 de julho de 2000, no valor de R$ 276,06 (duzentos e setenta e seis reais e seis centavos) referente a pagamento da apólice nº 1.01.01.200007-750.003189/000, no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais) efetuado pela Construtora Nascimento Ltda.; 4. Uma (01) cópia da Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Concorrente Licitante (SG-CL) nº 1.01.01.200007750.003343/000, da Interbrazil Seguradora, tendo como segurado o Sesc – Serviço Social do Comércio; 5. Uma (01) via original da Apólice de Seguro, datada de 06 de julho de 2000, tendo como segurado o Sesc – Serviço Social do Comércio, CNPJ/CPF nº 33.469.164/0330-44, capital subscrito e realizado no valor de R$ 25.001.115,00 (vinte e cinco milhões, mil cento e quinze reais), prêmio total de R$ 276,06 (duzentos e setenta e seis reais e seis centavos), apólice nº 1.01.01.200007-750.003189/000, corretor Brickel Corretora de Seguros Interbrazil Seguradora; 6. Uma (01) via original da Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Concorrente Licitante (SG-CL) nº 1.01.01.200007-750.003189/000, (...); 7. Uma (01) cópia do Relatório Empresarial, datado de 25.07.2000, com timbre da empresa Equifax, tendo no cabeçalho as seguintes inscrições: ‘Informação de uso confidencial e intransferível do CGC 00.131.779/000184, gerada pela Interbrazil SEG S/A’; 8. Uma (01) via original da Apólice de Seguro, datada de 18 de maio de 2000, tendo como segurado a Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar, CNPJ/CPF nº 76.484.013/0001-45, capital subscrito e realizado no valor de R$ 25.001.115,00 (vinte e cinco milhões, mil cento e quinze reais), prêmio total de R$ 171,20 (cento e setenta e um reais e vinte centavos), apólice nº 1.01.01.200004750.002694/000, corretor Brickel Corretora de Seguros Interbrazil Seguradora; 9. Uma (01) via original da Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Concorrente Licitante (SG-CL) nº 1.01.01.200004-750.002694/000 (...).’ R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 91 A materialidade delitiva encontra-se cabalmente comprovada, ainda, pelo Laudo de Exame Documentoscópico, fls. 325-330 do IPL, esclarecendo que, ‘embasados nas divergências verificadas entre as características das apólices apresentadas como autênticas e o espelho padrão, concluem os signatários que as apólices anexadas às fls. 201, 207, 211 e 303 são (...) falsificadas’. Há também notícia nos autos acerca da emissão fraudulenta de vários outros títulos dessa natureza pelo denunciado, conforme relatórios elaborados pela Seguradora Interbrazil, juntados às fls. 48-65 do inquérito.” Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes, nos termos da fundamentação. É o voto. VOTO DIVERGENTE O Exmo. Sr. Juiz Federal Guilherme Beltrami: Peço vênia para divergir do entendimento do eminente Relator, adotando como razões de decidir a fundamentação esposada pelo Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, verbis: “A conduta delitiva perpetrada por corretor de seguro não tem o condão de lesar o bem jurídico tutelado pela Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o qual, segundo o escólio de Luiz Régis Prado (Direito Penal Econômico. São Paulo: RT, 2004. p. 212), é, fundamentalmente, o sistema financeiro nacional, consistente no conjunto de instituições (monetárias, bancárias e sociedades por ações) e do mercado financeiro (de capitais e valores mobiliários). Muito embora tenha participado do precedente invocado pelo Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro (HC nº 2004.04.01.006573-2/PR, Oitava Turma, DJ de 16.06.2004), é forçoso reconhecer que tal decisão não se coaduna ao caso sub examine, especialmente porque o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a tese de equiparação do corretor de seguros à instituição financeira, nos autos do HC 37.419/PR (Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16.11.2004), ressaltou que somente com a devida apuração dos fatos e provas é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade. Naquela ocasião, ficou assentado neste Colegiado que a atividade de corretagem de seguros, nos termos da regulação prevista na Lei nº 4.594/64, é parte importante do processo de captação de adesão de seguros junto ao mercado, integrando-a de modo essencial. Veja-se, nesse sentido, que o artigo 18 da referida lei estabelece: ‘as sociedades de seguros, por suas matrizes, filiais, sucursais, agências ou representantes, só poderão receber propostas de contrato de seguros: a) por intermédio de corretor de seguros devidamente habilitado; b) diretamente dos proponentes ou seus legítimos representantes’. É dizer, o processo de captação de seguros não pode ser entendido sem a conclusão de que a atividade do corretor é de fundamental relevância para seu 92 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 adequado desenvolvimento. No entanto, a conduta imputada ao ora apelante – apropriação dos prêmios por meio dos mais diversos meios fraudulentos – não tinha potencialidade lesiva para atingir o núcleo da atividade financeira tutelado pela Lei dos Crimes do Colarinho-Branco. Em que pese o artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 7.492/86 equipare à instituição financeira a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, é de rigor observar que tal captação de seguros, mediante corretagem, não está prevista expressamente na denominada Lei da Reforma Bancária. Com efeito, segundo o artigo 17 da Lei nº 4.595/64, consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Outrossim, conforme o parágrafo único do art. 17 desse diploma legal, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual. Além disso, as corretoras de seguros não foram mencionadas no art. 18, § 1º, da Lei 4.595/64: ‘Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras. § 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou da seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e a venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.’ De outra banda, Fábio Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 483) esclarece que o pagamento dos prêmios deve ser feito obrigatoriamente na rede bancária (grifei): ‘Há grande ingerência do Estado na disciplina do seguro, por meio das autoridades securitárias, que exercem permanente fiscalização sobre as seguradoras, as operações desenvolvidas e as próprias condições dos contratos. Para se ter uma ideia da extensão do controle a que se encontra submetida a exploração dessa atividade econômica no Brasil, registre-se que o pagamento dos prêmios deve ser feito, obrigatoriamente, por meio da rede bancária (Lei n. 5.627/70, art. 8º [A cobrança de prêmios de seguros será feita, obrigatoriamente, através de instituição bancária, de conformidade com as R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 93 disposições da Susep em consonância com o Banco Central do Brasil]).’ Como se pode ver, o corretor de seguros sequer pode guardar os valores pagos pelos segurados a título de prêmio. Assim, considerando que tais corretoras, segundo a definição dada por Eduardo Fortuna (Mercado Financeiro: produtos e serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005. p. 443), são instituições que intermedeiam o relacionamento das seguradoras com os segurados, fica sobejamente evidenciado que esses profissionais não realizam intermediação de recursos financeiros. A propósito disso, o acervo probatório carreado aos autos revela que a companhia seguradora InterBrazil constava como cedente nos boletos bancários (v.g. fls. 44, 50, 62-9 do IPL), e não o corretor denunciado. Portanto, a eventual obtenção de valores pertencentes à referida seguradora pelo réu, que sequer deveriam ser restituídos aos segurados, mediante a utilização de diversos expedientes ardilosos, não se subsume às condutas tipificadas pela Lei nº 7.492/86, seja ela a gestão fraudulenta (v.g. TRF 4ª Região, ACR nº 2002.04.01.021401-7/PR, Sétima Turma, Rel. Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva, DJU de 23.07.2003), seja a apropriação indébita financeira (v.g. TRF da 2ª Região, ACR 2770/RJ, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Sergio Schwaitzer, DJU de 14.06.2004). Desse modo, impõe-se a desclassificação para o crime de estelionato, sobretudo quando Rodolfo Tigre Maia (Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 32-3) frisa que o artigo 1º da LCSFN delimita o campo de incidência da tipicidade penal, fulcrando-o na presença de uma estrutura organizacional e funcional designada por instituição financeira. Tendo em vista a inexistência de lesão a bens e interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar o presente feito. Consequentemente, conforme já observou esta Turma Julgadora ao apreciar a ACR nº 2005.72.06.002009-3/SC (Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DE 19.04.2007), ‘ainda que a competência em razão da matéria seja absoluta, a jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a ratificação do recebimento da denúncia pelo juízo competente. A propósito, o Pretório Excelso já teve a oportunidade de consignar que ‘tanto a denúncia quanto o seu recebimento emanados de autoridade incompetente ratione materiae são ratificáveis no juízo competente (arts. 108, § 1º, 567 e 568 do CPP)’ (RT 492/421). Com efeito, ‘recebida a denúncia por magistrado incompetente, a sua ratificação pelo juízo competente convalida o ato anterior’ (STJ, 5ª Turma, EDRHC nº 2793/SP, Rel. Ministro Cid Flaquer Scartezzini, DJU 22.11.1993).’ (destacou-se) Ora, o vocábulo convalidar, como é cediço, possui o significado de tornar válido, para os devidos fins, algo que, a princípio, encontrava-se viciado. Dessa forma, o ato de acolhimento da peça incoativa procedido por juízo materialmente incompetente, desde que ratificado (expressão aqui empregada na acepção de convalidação), produz todos os efeitos a que se destina, inclusive o de interrupção do curso do prazo prescricional. Nesse contexto, preservada a eficácia da decisão que recebeu a denúncia, ante a possibilidade de sua ratificação, declaro nulos todos os atos decisórios praticados no 94 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 ínclito juízo de origem após o recebimento da inaugural, especificamente a r. sentença. É atribuição do Juiz de Direito a quem for distribuído o feito, ademais, avaliar o eventual aproveitamento dos demais atos com carga não decisória ultimados no iter da instrução criminal. Não obstante o transcurso de mais de seis anos do recebimento da denúncia, cumpre salientar que, diante da nebulosa atuação do réu (corretor) e da vítima (seguradora) na realização dos fatos ilícitos descritos na peça incoativa, deve prevalecer a recente orientação da Colenda Quarta Seção desta Corte (AP nº 1998.04.01.020559-0, Rel. p/ acórdão Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, j. 18.09.2008) no sentido de que descabe ao juízo absolutamente incompetente declarar a prescrição em perspectiva quando houver a possibilidade de um eventual decreto absolutório perante o juízo competente. Em face do exposto, com a devida vênia do eminente Relator, voto por desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime de estelionato e determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual da Comarca de Curitiba-PR.” Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes para, mantendo o voto vencido proferido pelo Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime de estelionato e determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual da Comarca de Curitiba-PR. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.70.03.001572-3/PR Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz Apelante: L.C.P.S. – réu preso Advogado: Defensoria Pública da União Apelado: Ministério Público Federal EMENTA Penal. Processo penal. Roubo perpetrado contra banco privado, banco organizado sob a forma de sociedade de economia mista e agência franqueada pelos Correios. Incompetência da Justiça Federal. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 95 O processo e o julgamento de roubos perpetrados contra o Banco do Brasil S/A, sociedade de economia mista, bem como contra o União de Bancos Brasileiros S/A – Unibanco, instituição financeira totalmente privada, são da competência da Justiça Estadual. Também é da Justiça Estadual a competência para o processo e o julgamento de roubos perpetrados contra agências franqueadas pelos Correios, empresas totalmente privadas, delitos esses que não se confundem com os crimes perpetrados diretamente contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, esta sim uma empresa pública. Impõe-se, portanto, a anulação, por incompetência absoluta, da sentença proferida pelo juízo federal. Ademais, já tendo havido declinação da competência pelo juízo estadual, suscita-se conflito negativo de competência perante o egrégio Superior Tribunal de Justiça. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, suscitar questão de ordem, solvendo-a no sentido de anular todos os atos decisórios praticados pelo Juízo a quo e no sentido de suscitar conflito negativo de competência ao Superior Tribunal de Justiça, para onde deverão os autos ser encaminhados, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 29 de setembro de 2009. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz: Cuidam os presentes autos de ação penal em que a L.C.P.S., ora Apelante, é imputada a prática do crime de roubo, na forma do artigo 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal. Apensado a este feito encontra-se a Ação Penal nº 2003.70.03.009168-0, inicialmente em trâmite na Justiça Estadual do Estado do Paraná, no âmbito da qual o Recorrente responde pela prática do mesmo delito (artigo 157, caput e § 2º, incisos I e II) em concurso material (artigo 69 do Código Penal), haja vista a sua prática, em tese, por 3 (três) ocasiões distintas. 96 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 A denúncia (fls. 02-04) oferecida pelo Ministério Público Federal nesta primeira ação veicula o seguinte fato: “Consta do presente caderno investigatório que em data de 22 de setembro de 2000, por volta de 13h30min, o denunciado L.C.P.S., acompanhado de um indivíduo não identificado, compareceu na agência dos Correios Franqueada ‘Avenida Mauá’, situada nesta cidade de Maringá, na confluência das Avenidas Mauá e Pedro Taques, e, mediante o uso de arma de fogo, dominou os presentes, permanecendo o elemento não identificado na porta do estabelecimento enquanto o denunciado L.C.P.S. passou a arrecadar as ‘res furtivas’. Foi subtraída do local pelo denunciado L.C.P.S. e por seu comparsa, não identificado, a importância de R$ 1.769,62 (um mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e dois centavos), sendo R$ 176,87 (cento e setenta e seis reais e oitenta e sete centavos) retirados dos caixas e R$ 1.592,75 (um mil, quinhentos e noventa e dois reais e setenta e cinco centavos) que se encontravam no cofre. Além disso, o denunciado L.C.P.S. subtraiu de Rosa Elias, proprietária da citada loja franqueada da ECT, um cordão de ouro (80 gramas com o pingente), acompanhado de um pingente com brilhantes (face de Cristo), orçado em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), atingindo a res furtiva (dinheiro e joia) o total de R$ 4.269,62 (quatro mil, duzentos e sessenta e nove reais e sessenta e dois centavos). Submetido a reconhecimento pessoal, o denunciado L.C.P.S. foi reconhecido por Rosa Elias e Mônica Rodrigues Lopes, respectivamente proprietária e funcionária da loja franqueada da ECT da Avenida Mauá, como sendo um dos autores do fato delituoso. A materialidade delitiva consubstancia-se nos documentos de fls. 08-12 e 25 e nos autos de reconhecimento pessoal (fls. 42-43 e 44-45). Assim procedendo, incorreu o denunciado L.C.P.S. nas penas do artigo 157, caput e § 2°, incisos I e II, do Código Penal Brasileiro.” Já a peça incoativa encartada às fls. 02-06 dos autos nº 2003.70.03.009168-0, que deflagrou a segunda ação em face do Apelante, foi deduzida pelo Ministério Público paranaense nos seguintes termos, verbis: “No dia 25 de abril de 2000, por volta das 13h30min, no posto de atendimento do Banco do Brasil S/A, que fica dentro da Empresa Cocamar Participações S/A, localizada na Estrada Osvaldo Moraes Correia, n° 1000, Parque Industrial, neste Município e Comarca, o denunciado L.C.P.S. e um indivíduo não identificado, de nome Edilson, previamente acordados, adentraram no local, ambos com capacetes nas mãos, retiraram os revólveres calibre 38 de dentro dos capacetes, colocaram os capacetes na cabeça, e o indivíduo Edilson apontou a arma para o funcionário Joel Aparecido Dantas e, mediante grave ameaça, mandou que ele pegasse a chave da máquina de saque automático e se dirigisse até esta, o que foi feito, e então o denunciado Edilson ajudou a pegar o R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 97 dinheiro, o qual foi colocado em uma valise 007 preta. O denunciado L.C.P.S., que ficou nos fundos da agência, mediante ameaça exercida com a arma em punho, rendeu o vigilante Antonio Rodrigues Alves e subtraiu, para ambos, o revólver calibre 38 que estava com o vigia, pertencente à empresa Ondrepsb Serviço de Guarda e Vigilância Ltda., localizada em Coronel Alves-SC. Os denunciados determinaram aos clientes (dois adultos, acompanhados de uma criança) que ficassem quietos e não olhassem e, na sequência, renderam também a funcionária Geni Aparecida Strabelli Bertonani, que chegou ao local, e pegaram o dinheiro do caixa dela. Assim, o denunciado e seu comparsa subtraíram para si aproximadamente R$ 5.000,00 em dinheiro (pertencente ao Banco do Brasil S/A) e o revólver calibre 38, pertencente à Empresa Ondrepsb Serviço de Guarda e Vigilância Ltda., localizada em Coronel Alves-SC, e fugiram do local em uma motocicleta Honda Titan. A res furtiva não foi apreendida. No dia 22 de setembro de 2000, por volta das 13h30min, na Agência franqueada dos Correios localizada na Avenida Mauá, n° 2694, neste Município e Comarca, o denunciado L.C.P.S., previamente acordado com um indivíduo de nome Edilson, não identificado, adentrou na Agência, com um capacete levantado na altura da testa, passou por baixo da porta do balcão, chegou à mesa da vítima Rosa Elias, proprietária da Empresa, empunhando uma pistola cromada, e deu voz de assalto a ela, em tom baixo, para não chamar a atenção das demais pessoas, e, mediante grave ameaça exercida com a arma de fogo, determinou que ela lhe entregasse um cordão em ouro com um pingente face de Cristo com brilhantes, pesando 80 gramas (não apreendido), que estava em seu pescoço, e também o dinheiro. Então ela foi ao cofre e entregoulhe aproximadamente R$ 1.700,00, que o denunciado colocou dentro de uma bolsa de escola do Colégio Positivo, que ele segurava, e, antes de sair, o denunciado abriu um dos caixas e pegou o dinheiro encontrado, sendo que durante todo o tempo o indivíduo Edilson ficou na porta dando cobertura ao denunciado e segurando um revólver, com um capacete na cabeça. Assim, o denunciado e seu comparsa subtraíram para si o cordão com o pingente, avaliado em R$ 1.900,00 (fl. 43), e mais R$ 1.769,62 em dinheiro, totalizando R$ 3.369,62, e fugiram do local em uma motocicleta. A vítima não recuperou seus pertences. No dia 25 de setembro de 2000, por volta das 15h, na Agência Centro Médico do Unibanco, localizada na Avenida Parigot de Souza, esquina com a Rua Néo Alves Martins, Zona 04, neste Município e Comarca, o denunciado L.C.P.S., previamente acordado com o indivíduo de nome Edilson, não identificado, adentraram no local, e o denunciado tirou de dentro de uma bolsa de escola com a inscrição ‘Positivo’ uma pistola cromada, deu voz de assalto ao vigilante Sérgio Ramalho e, mediante grave ameaça, subtraiu para si o revólver que estava com o vigia e, depois, dirigiu-se às funcionárias Leslie Daniele da Silva e Danielly Kristine Candiani Maganha Lopes, que estavam nos caixas, e disse, ameaçando: ‘passe o dinheiro senão estouro suas cabeças’. Então 98 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 as vítimas abriram as gavetas e entregaram todo o dinheiro para o denunciado, o qual ordenou que elas fossem ao caixa eletrônico na parte da frente da agência e abrissem-no, o que foi feito, e as vítimas entregaram para ele todo o dinheiro do caixa eletrônico e, na sequência, o denunciado fugiu com seu comparsa, que permaneceu durante todo o tempo no local dando cobertura, com um capacete na cabeça e empunhando uma arma. Assim, o denunciado subtraiu para si aproximadamente R$ 9.600,00 pertencentes ao Unibanco e o revólver Taurus calibre 38, cinco tiros, n° 9087181, pertencente à Empresa Principal Vigilância S/C Ltda., avaliado em R$ 380,00 (fl. 116). Assim procedendo, incidiu o denunciado L.C.P.S. nas penas do artigo 157, § 2°, I e II (3x), c.c. art. 69, ambos do Código Penal, razão pela qual se oferece a presente denúncia, que se espera seja recebida, para o fim de se promover a instauração da respectiva ação penal, requerendo-se a citação pessoal do denunciado, sob pena de revelia, para ser interrogado e acompanhar o feito em todos os seus termos, seguindo-se o procedimento a seus ulteriores termos, até final condenação nas penas que lhe couber.” A inicial acusatória no processo nº 2001.70.03.001572-3 foi recebida em 18.09.2001 (fl. 05); no processo nº 2003.70.03.009168-0, em 20.05.2002 (fl. 130 do apenso). Os dois feitos tiveram regular tramitação, inclusive no que toca ao último, com o reconhecimento de incompetência (fls. 196-199 do apenso) e remessa dos autos à Justiça Federal, além de pedido de unificação pelo Parquet, o que foi deferido pelo Juízo (fl. 103 deste caderno e fl. 214 do apenso) sem oposição da defesa. Adveio sentença única (fls. 121-125-verso), publicada aos 26.04.2005 (fl. 126). As acusações foram julgadas procedentes, sendo o Réu condenado com base no artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, e aplicadas as seguintes penas: (a) privativa de liberdade de 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado; e (b) 20 (vinte) dias-multa, cada qual correspondendo a 01 (um) salário mínimo mensal vigente à época dos fatos, atualizado na ocasião da execução pelos índices oficiais de correção monetária. Por defensor dativo, o Réu apelou tempestivamente (fls. 142-152). As razões recursais afirmam, em preliminar, a nulidade da sentença (ou, no mínimo, do processo, a partir do ato que interessa) por ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, uma vez que a defesa constituída precedentemente deixara de se manifestar ao ensejo de alegações finais e também quando instada a falar sobre a não localização de testemunha, produzindo com isso real prejuízo ao Réu. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 99 Ainda em sede preliminar, o recurso assevera ofensa ao princípio do promotor natural, na medida em que a denúncia ofertada nos autos nº 2003.70.03.009168-0 por órgão do Ministério Público de Estadomembro não teria sido expressamente ratificada pelo órgão do Parquet Federal. Nesse particular, tampouco os correspondentes atos processuais o teriam sido. No mérito, em síntese, o apelo aduz que não há provas suficientes aos fins de sustentar a condenação. A única testemunha de acusação ouvida (fl. 41) afirmou que no primeiro momento não reconheceu o Réu e que os assaltantes usavam capacetes de motociclistas. Este, ademais, não foi preso com qualquer produto do roubo, aliado ao fato de que sempre negou a autoria delitiva. Seria, assim, caso de aplicação do princípio in dubio pro reo. Pugna, ao final, pela absolvição ou, ao menos, pela redução da reprimenda aplicada. Com contrarrazões (fls. 156-163-verso), subiram os autos a este Tribunal, perante o qual o representante do Ministério Público Federal apresentou parecer (fls. 173-181) pelo desprovimento da apelação. Verificando-se a assistência do Réu por defensor dativo, determinouse o encaminhamento dos autos à Defensoria Pública da União, o que se produziu, não havendo qualquer requerimento (fl. 186). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz: Inicialmente, cabe destacar que o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal assim preconiza: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;” À luz desse dispositivo, o processo e o julgamento de roubos perpetrados contra o Banco do Brasil S/A, que é uma sociedade de economia mista, e contra o União de Bancos Brasileiros S/A – Unibanco, que é uma instituição financeira totalmente privada, são da competência da Justiça Estadual. 100 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Também é da Justiça Estadual a competência para o processo e julgamento de roubos perpetrados contra agências franqueadas pelos Correios, que são empresas totalmente privadas. Tais delitos, na realidade, não se confundem com os crimes perpetrados diretamente contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, esta sim uma empresa pública. Confiram-se, a respeito das empresas franqueadas pela ECT, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ROUBO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA COMETIDOS, INCLUSIVE, CONTRA AGÊNCIA FRANQUEADA DA ECT. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À ECT. PREVISÃO EM CLÁUSULA CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I. Compete à Justiça Estadual o processo e o julgamento de possível roubo de bens de agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tendo em vista que, nos termos do respectivo contrato de franquia, a franqueada responsabiliza-se por eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de bens cedidos pela franqueadora, não se configurando, portanto, real prejuízo à Empresa Pública. II. Não evidenciado o cometimento de crime contra os bens da EBCT, não há que se falar em conexão de crimes de competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual, a justificar o deslocamento da competência para a Justiça Federal. III. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, o Suscitado.” (CC 40561/MT, Relator Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, DJU de 08.03.2004, p. 169) “PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. AGÊNCIA FRANQUEADA. ROUBO MAJORADO. TENTATIVA. A Justiça Estadual é competente para processar e julgar a tentativa de roubo praticada contra bens integrantes do acervo patrimonial de agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, quando não houver qualquer prejuízo a bens ou serviços da União. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitado.” (CC 27343/SP, Relator Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJU de 24.09.2001, p. 235) “PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ECT. AGÊNCIA FRANQUEADA. FURTO. 1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar crime de roubo praticado contra bens integrantes do acervo patrimonial de agência franqueada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, quando não houver prejuízo a bens ou serviços da empresa pública federal. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara CriR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 101 minal de Feira de Santana-BA, o Juízo suscitado.” (CC 19508/BA, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Terceira Seção, DJU de 29.03.1999, p. 73) “PENAL. COMPETÊNCIA. DANO. AGÊNCIA FRANQUEADA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A BENS OU SERVIÇOS DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. – A Justiça Estadual é competente para processar e julgar crime de dano praticado contra bens integrantes do acervo patrimonial de agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, quando não houver qualquer prejuízo a bens ou serviços da empresa pública federal. – A simples locação da coisa pelo Poder Público não serve para caracterizar a qualificadora prevista no inc. III do art. 163 do Código Penal. – Conflito conhecido. Competência do Juízo Estadual, o suscitado.” (CC 20387/SP, Relator Ministro Vicente Leal, Terceira Seção, DJU de 08.09.1998, p. 18) Ora, no presente caso, o réu foi denunciado por ter subtraído bens de empresa franqueada pela ECT, e não bens desta última. Foram subtraídos, consoante a denúncia, R$ 176,87 (cento e setenta e seis reais e oitenta e sete centavos) dos caixas da empresa franqueada e R$ 1.592,75 (um mil, quinhentos e noventa e dois reais e setenta e cinco centavos) do cofre da empresa franqueada. Além disso, um cordão de ouro foi subtraído da proprietária da empresa franqueada. Não há como atribuir-se à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT o prejuízo decorrente do roubo do numerário da franqueada, ainda que esta devesse pagar-lhe determinadas quantias. O roubo não afasta a obrigação da empresa franqueada de pagar encargos contratuais à ECT. No que tange, especificamente, às agências franqueadas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, reporto-me, ainda, ao seguinte trecho do voto condutor do Conflito de Competência nº 40561/MT, da autoria do Relator, Ministro Gilson Dipp (Terceira Seção, DJU de 08.03.2004, p. 169): “Segundo o posicionamento firmado por esta Corte, cabe à empresa franqueada da ECT responsabilizar-se por eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de bens cedidos pela franqueadora – havendo, inclusive, cláusula expressa sobre tal ônus no respectivo contrato de franquia. Nesse sentido, trago à colação: ‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA. POSSÍVEL ROUBO DE BENS DE AGÊNCIA FRANQUEADA DA ECT. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À ECT. PREVISÃO EM 102 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 CLÁUSULA CONTRATUAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I. Compete à Justiça Estadual o processo e o julgamento de possível roubo de bens de agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tendo em vista que, nos termos do respectivo contrato de franquia, a franqueada responsabiliza-se por eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de bens cedidos pela franqueadora, não se configurando, portanto, real prejuízo à Empresa Pública. II. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de Nova Iguaçu/RJ.’ (CC nº 22.750/RJ, de minha relatoria, DJ 05.04.1999) Assim, consequentemente, não há que se falar, in casu, em conexão de crimes de competência da Justiça Federal e da Justiça Comum, a justificar o deslocamento da competência para a Justiça Especializada.” Assinalo que, consoante a denúncia: a) o roubo perpetrado contra o Banco do Brasil S/A ocorreu em 25.04.2000; b) o roubo perpetrado contra a agência franqueada dos Correios ocorreu em 22.09.2000; e c) o roubo perpetrado contra a agência do Unibanco ocorreu em 25.09.2000. Assim, a meu sentir, não se está diante de caso da competência da Justiça Federal, à qual somente cabe processar e julgar crimes nos casos previstos na Constituição Federal ou crimes conexos a estes. Saliento que, conforme já mencionado no relatório, a denúncia havia sido oferecida, em relação aos três delitos, perante a Justiça Estadual (autos do processo nº 2003.70.03.009168-0, apensos). Ao prolatar a sentença (autos do processo nº 2003.70.03.009168-0, apensos), o MM. Juiz de Direito a quo declinou da competência para processar e julgar a causa, em favor da Justiça Federal (fls. 194-197 dos referidos autos). Paralelamente, o Ministério Público Federal havia oferecido denúncia, nestes autos (processo nº 2001.70.05.03.001572-3), apenas em relação ao roubo perpetrado contra a agência franqueada dos Correios. Com a reunião dos feitos, ambos passaram a tramitar com a numeração atinente aos autos do processo nº 2001.70.03.001572-3 (autos deste processo), e uma única sentença foi prolatada, condenando o réu pela prática dos três delitos antes mencionados. Convém assinalar, especificamente com relação ao roubo perpetrado contra a agência franqueada dos Correios – que havia sido objeto de denúncia oferecida perante a Justiça Federal e, também, perante a Justiça Estadual –, que não ocorreu dupla condenação, pois a sentença pronunciou, em relação à segunda denúncia, pelo mesmo fato – ofertada perante a Justiça R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 103 Estadual –, a litispendência. Com essas considerações, e tendo em vista (a) que a competência para processar e julgar a causa é, a meu sentir, da Justiça Estadual, com relação aos três fatos, (b) que a Justiça Estadual declinou dessa competência, (c) que já foi prolatada sentença por Juiz Federal e (d) que a incompetência da Justiça Federal, in casu, é absoluta, pois só lhe compete processar e julgar crimes mediante previsão constitucional expressa, tenho que se impõe a anulação de todos os atos decisórios praticados pelo Juízo a quo, assim como a suscitação de conflito perante o Superior Tribunal de Justiça. Assinalo que o réu está preso, mas que sua prisão (fl. 182 dos autos do processo nº 2003.70.03.009168-0, apensos) decorre de outras condenações, no âmbito da Justiça Estadual. Ante o exposto, voto por suscitar questão de ordem, solvendo-a no sentido de anular todos os atos decisórios praticados pelo Juízo a quo e no sentido de suscitar conflito negativo de competência ao Superior Tribunal de Justiça, para onde deverão os autos ser encaminhados. 104 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2009.04.00.019539-2/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz Impetrante: R.C.F. Advogado: Dr. Daniel Gerber Impetrado: Juízo Substituto da 1ª VF Criminal SFN e JEF Criminal de Porto Alegre Interessado: Ministério Público Federal Interessado: C.C.M.A. Advogados: Drs. Thadeu Luiz Dutra Feijó e outro Interessada: S.R.S. Advogado: Dr. Fabricio Guazzelli Peruchin Interessadas: R.I.S. e R.J.S. Advogado: Dr. José Antonio Paganella Boschi Interessado: M.L.C. Advogado: Dr. Danilo Knijnik Interessado: M.J.P. Interessado: R.A.C.G. Advogado: Dr. Luís Arthur Aveline de Oliveira Interessado: M.O.B. Advogado: Dr. Renato Kilden F. das Neves Interessado: L.C.A.A. Advogado: Dr. Renato Yasuo Matsumura Nakahara Interessado: M.F.V. Advogado: Dr. Marcelo Bidone de Castro Interessado: J.C.M.S. Advogado: Dr. Paulo Augusto da Silveira Interessado: S.W.M.F.G. Advogada: Dra. Cristiane Corrêa da Costa EMENTA Mandado de segurança. Processual penal. Medidas assecuratórias. Sentença absolutória superveniente. Revogação das medidas cautelares. Constitucionalização do Código de Processo Penal. Presunção de inocência. Prolatada sentença penal absolutória, devem ser imediatamente revogaR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 105 das as medidas assecuratórias decretadas pelo juízo criminal, nos termos do artigo 386, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008, porquanto, na tensão estabelecida entre a efetividade do processo penal e o princípio constitucional da presunção de inocência, há de ser prestigiado esse direito fundamental consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 26 de agosto de 2009. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator. RELATÓRIO A Exma. Sra. Juíza Federal Cláudia Cristina Cristofani: Cuida-se de mandado de segurança, desprovido de pedido de liminar, que R.C.F. impetra contra ato do Juízo Substituto da 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre que, nos autos da Ação Penal nº 2004.71.00.037133-4, indeferiu o pedido de devolução dos bens apreendidos e levantamento das medidas assecuratórias. Argumenta o impetrante, em síntese, que a negativa de liberação dos bens viola os princípios constitucionais da presunção da inocência e da proporcionalidade, assim como nega vigência ao artigo 386, parágrafo único, inciso II, do CPP, com a nova redação. Transcreve artigo doutrinário que sustenta a inconstitucionalidade da manutenção das medidas cautelares quando existente sentença penal absolutória, mesmo que tal não tenha transitado em julgado. Requer, assim, a liberação de todos os bens e valores que lhe tenham sido obstados em virtude do processo nº 2004.71.00.037133-4. A autoridade impetrada prestou informações (fls. 94-95). Opinou a Procuradoria Regional da República da 4ª Região, em parecer firmado pelo Dr. Osvaldo Capelari Júnior, pela denegação da ordem (fls. 98-103). 106 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Em 23.07.2009, o impetrante requereu a imediata inclusão em pauta (fls. 108-109). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Primeiramente, cabe salientar que, conforme consulta processual acostada à fl. 17, o MPF efetivamente recorreu da sentença que absolveu o ora impetrante em razão de os fatos não constituírem infração penal (art. 386, inciso III, do CPP – fl. 79). Assim, configurado o interesse de agir, deve ser conhecido o presente mandamus impetrado contra a decisão abaixo transcrita (fls. 83-84): “[...] 1 R.C.F. A decisão embargada determinou que os bens apreendidos sejam devolvidos e as medidas assecuratórias, levantadas após o trânsito em julgado da absolvição. Houve menção aos artigos do Código de Processo Penal que dessa forma determinam (arts. 118, 131, inciso III, e 141). O que o embargante está sustentando é que, por força da alteração do art. 386, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Penal, promovida pela Lei 11.690/2008, os dispositivos que fundamentaram a sentença estariam implicitamente revogados. A revogação implícita defendida pelo embargante não é evidente. As revogações devem ser expressas, como manda o art. 9º da Lei Complementar 95/98: ‘Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.’ A Lei 11.690/2008 nem sequer contém cláusula de revogação dentre seus três artigos. Em verdade, essa lei é exclusivamente alteradora do CPP, sem vocação de revogar dispositivos. Ou seja, o que presume é que a lei convive com as disposições do CPP que não foram alteradas. A revogação, portanto, não é óbvia. A parte que defende a tese recebe o ônus argumentativo de sustentá-la. No caso, o embargante defendia-se postulando a absolvição. Era seu ônus argumentar, antes da sentença, acerca das consequências imediatas da absolvição sobre o patrimônio apreendido/sequestrado/arrestado. Nesse contexto, o juízo não está obrigado a analisar a tese lançada apenas em embargos de declaração, inexistindo qualquer omissão, contradição ou erro material nessa parte da sentença. Entretanto, para evitar qualquer alegação de cerceamento de defesa, analiso a tese, ainda que brevemente e sem me comprometer com minhas próprias ponderações de forma permanente. A nova redação do art. 386, parágrafo único, inciso II, do CPP determina que o juiz, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 107 na sentença absolutória, ‘ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas’. Atualmente, o CPP não fala em medidas cautelares. Parece que a explicação para a introdução desse dispositivo – sem um escopo de aplicação evidente e sem revogação dos dispositivos que tratam da manutenção de medidas de constrição de patrimônio até o trânsito em julgado – está no processo legislativo. O projeto de lei que deu origem à Lei 11.690/2008 (PL 4.205/01) foi apresentado pelo Presidente da República em 12/03/2001. Simultaneamente, foram apresentados outros projetos de lei de alteração da legislação penal e processual penal. A apresentação de ‘pacote’ contendo vários projetos autônomos sobre temas conexos (direito penal e processual penal) foi justificada por razões de eficiência do processo legislativo. Acreditou-se que a chamada ‘reforma fatiada’ permitia maior agilidade nas deliberações e aprofundamento do debate. Essa técnica legislativa heterodoxa leva à necessidade de parâmetros de interpretação compatíveis a ela. Muito embora os projetos sejam autônomos, foram pensados em conjunto e para interagir entre si. Assim, a investigação do escopo de aplicação de um dispositivo introduzido por um projeto já aprovado não prescinde da verificação de sua interação com os outros projetos que foram apresentados no pacote da reforma fatiada. Um dos projetos apresentados foi o PL 4.208/2001, o qual ainda tramita no Congresso Nacional. O PL 4.208/2001 trata justamente de alterar dispositivos do CPP relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade. Para tanto, altera o nome do Título IX para ‘Da prisão, das Medidas Cautelares e da Liberdade Provisória’ e estabelece que o juiz pode, em vez de determinar a prisão durante o processo, estabelecer uma série de medidas cautelares às quais o acusado fica sujeito (art. 283, § 3º, e art. 319). Parece que a referência do novel art. 386, parágrafo único, inciso II, é às medidas cautelares e provisoriamente aplicadas previstas no PL 4.208/2001, não se estendendo às apreensões e medidas assecuratórias, já que essas são tratadas com outra nomenclatura e em disposições próprias no corpo do Código. Assim, tenho por adequada a manutenção das medidas até o trânsito em julgado. [...]” Cabe esclarecer, ainda, que o magistrado a quo sintetizou a absolvição nestas letras (fl. 65-79): “[...] O crime de quadrilha ou bando, na forma do art. 288 do Código Penal, exige a finalidade de praticar crimes. Os fatos apontados na denúncia como sendo a finalidade da associação são afirmados atípicos nesta decisão. Com isso, a própria associação precisa ser reconhecida (nos limites da denúncia) como atípica. [...] Em verdade, o próprio Grupo não dispunha de credibilidade suficiente para captar recursos prometendo remuneração inferior aos 12% anuais. Ou seja, certamente não foi remunerado dessa forma. Em suma, a forma de obtenção de lucro não era própria das instituições financeiras. 108 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Aparentemente, o contrato de mútuo tinha finalidade negocial paralela de intermediação de ativos para planejamento tributário, zona de atuação do GRUPO SRS. Em suma, a atividade descrita na denúncia não é própria de instituição financeira, seja quanto à captação, seja quanto à aplicação ou à obtenção de lucro. De tudo isso, concluo que operação como instituição financeira não houve, devendo os réus serem absolvidos pela atipicidade da conduta. [...] Como a Convenção entrou em vigor com o Decreto 5.015/2004 em março desse ano, ou seja, após os fatos em julgamento, incabível a aplicação do art. 1º, inciso VI, da Lei 9.613/98. [...] O art. 1º da Lei 9.613/98 exige que os bens, direitos ou valores lavados sejam provenientes do crime antecedente. Ao que infiro da denúncia da Ação Penal 2005.71.00.042972-9, os fatos descritos como crimes contra a administração pública (art. 313-A) não geraram proveito econômico aos denunciados. Os dados inseridos nem sequer buscavam afastar créditos tributários ou gerar qualquer tipo de crédito para ressarcimento ou restituição. Se existe o nexo de proveniência, não está evidente, e era da acusação o ônus argumentativo. [...]” Pois bem. A tese do impetrante é a de que, com a nova redação do art. 386, parágrafo único, inciso II, do CPP, dada pela Lei 11.690/2008, as medidas assecuratórias devem cessar ao ser prolatada sentença penal absolutória. Muito embora o referido dispositivo seja absolutamente claro ao afirmar que, na sentença absolutória, o juiz ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas, a autoridade coatora considera que a constrição só deverá cessar após o trânsito em julgado, em face da aplicação conjunta dos artigos 118, 131, inciso III, e 141, todos do Código de Processo Penal: “Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.” “Art. 131. O sequestro será levantado: [...] III – se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada em julgado.” “Art. 141. O arresto será levantado ou cancelada a hipoteca, se, por sentença irrecorrível, o réu for absolvido ou julgada extinta a punibilidade.” Não obstante os fundamentos expendidos pelo juízo impetrado em relação à falta de sistemática do processo legislativo desenvolvido nas R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 109 recentes reformas do processo penal brasileiro, entendo que assiste razão ao impetrante, porquanto, publicada a sentença penal absolutória, desaparece o fundamento para a manutenção da constrição (fumus boni juris), isso é, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens (art. 126 do CPP) ou a certeza da infração e indícios suficientes da autoria (art. 134 do CPP). Nesse sentido, vaticina Luiz Flávio Gomes (GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord.). O Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 247. Grifei): “As medidas cautelares integram a garantia da tutela jurisdicional efetiva, visto que são a antecipação dessa tutela ou providência que visam a assegurá-la. Para a proteção, sobretudo dos direitos fundamentais, torna-se indispensável, muitas vezes, a adoção de uma medida que antecede o provimento jurisdicional final. Por isso, é incontestável a validade in abstracto das medidas cautelares. Ao mesmo tempo cabe reconhecer que elas acabam afetando ou a liberdade ou os bens – ou às vezes a disponibilidade deles – do ser humano. Disso decorre a imperiosa necessidade de se observar o devido processo legal, onde sempre devem resultar cristalinamente demonstrados os seus dois pressupostos, trata-se de medida pessoal ou real, que são: fumus boni iuris e periculum in mora. Se existe um campo onde é absolutamente indiscutível a incidência do princípio da proporcionalidade, esse é o do direito processual penal, particularmente o das medidas cautelares. Sabe-se que o referido princípio requer que todas as medidas restritivas de direitos fundamentais cumpram uma série de pressupostos (legalidade e justificação teleológica), assim como de requisitos, que se dividem em extrínsecos (judicialidade e motivação) e intrínsecos (idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).” Além disso, diante da natureza cautelar inerente às medidas assecuratórias (sequestro/arresto), não se pode olvidar que elas possuem, dentre outras características, a acessoriedade e a provisoriedade. Logo, desaparecendo, no curso da ação penal, o fundamento de validade da medida cautelar deferida no início do feito, é de rigor a revisão da providência acauteladora outrora concedida, sob pena de configuração de abuso de direito, segundo leciona Alexander Araujo de Souza: “Também no processo penal, a exemplo do que já se afirmou na doutrina processual civil, possuem os provimentos cautelares como características a acessoriedade, a preventividade, a instrumentalidade e a provisoriedade. São acessórias as cautelas por se vincularem ao resultado do processo penal principal. A preventividade se relaciona à sua destinação de precaver ou evitar a ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil 110 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 reparação, enquanto o processo principal não chega ao fim (v.g. prisão preventiva decretada com vistas a assegurar a regular instrução criminal). Já a instrumentalidade hipotética significa não ser a tutela cautelar um fim em si mesmo, mas ressalta sua função de instrumento assecuratório da eficácia prática das atividades jurisdicionais cognitivas ou executivas. No tocante à provisoriedade, esta impõe que a manutenção da cautela dependa da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo satisfativo (assim, no exemplo relativo à prisão preventiva, esta deve ser revogada quando não mais subsistam os motivos que ensejaram a sua decretação – art. 316 do Código de Processo Penal). [...] A parte que requer a tutela jurisdicional cautelar, sob o risco de não obtê-la, tem de fazer a demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora. A este respeito, costuma afirmar-se que a cognição relativa à satisfação desses pressupostos é sumária, vale dizer, não se baseia em um juízo de certeza. Assim, para a caracterização do fumus boni juris basta a plausibilidade ou a verossimilhança do direito invocado. Também quanto ao periculum in mora não se pode exigir prova plena de um risco de dano ou de um dano potencial. Entretanto, a menor profundidade na atividade cognitiva jurisdicional não pode levar à conclusão de afrouxamento na caracterização dos pressupostos aludidos, tampouco pode eximir o legitimado da demonstração destes, sob pena de se consagrar a utilização temerária do requerimento cautelar. A cautela não será prestada com base em um juízo de certeza, mas nem por isso quem a requereu fica isento de trazer ao conhecimento do juízo evidências que deem suporte à postulação. Vale dizer: o ônus da prova quanto aos pressupostos em comento recai sobre o requerente do provimento acautelatório. Finalmente, como se adota neste trabalho o entendimento que propugna o reconhecimento de uma ação penal cautelar, embora dotada de algumas peculiaridades, não se pode descurar das condições para o regular exercício desse direito. Sob pena de se transporem os lindes da utilização regular, adentrando o campo do abuso, fazem-se necessárias condições para o exercício do direito de ação penal cautelar, as quais não diferem das genericamente estabelecidas pela doutrina para as ações penais não condenatórias: legitimidade ad causam, interesse em agir, possibilidade jurídica do pedido e originalidade. A falta de quaisquer das condições aludidas, a exemplo do que já restou assentado, implicará igualmente exercício abusivo do direito de ação cautelar.” (SOUZA, Alexander Araujo de. O abuso do Direito no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 133-136. Grifei) Portanto, se no limiar do procedimento penal, mediante cognição precária, era adequado o deferimento de medidas assecuratórias (sequestro/arresto) para salvaguardar a efetividade do processo penal, não se afigura razoável manter tão grave constrição patrimonial após o juízo de primeiro grau ter julgado improcedente a denúncia. Nesse sentido, manifesta-se a jurisprudência: R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 111 “SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CONFISCO DE BEM. IMPOSSIBILIDADE. [...] Dessa forma, o confisco, necessariamente, pressupõe a condenação daquele que estava na posse do bem ou do valor obtido com a sua venda. No caso, o recorrente foi absolvido. Portanto, não é possível juridicamente, em termos de imposição da pena penal, o confisco do veículo.” (TJ/RS, ACR nº 70028291367, Sétima Câmara Criminal, Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, j. 19.03.2008) Ressalte-se, por oportuno, que essa também é a solução consagrada no processo civil brasileiro em relação aos provimentos cautelares, consoante demonstra o aresto do Egrégio Superior Tribunal de Justiça abaixo transcrito: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA PRINCIPAL. ART. 808, III, DO CPC. CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA MEDIDA CAUTELAR. 1. A extinção do processo principal em desfavor do autor descaracteriza o fumus boni juris, impondo a aplicação do art. 808, III, do CPC, consoante a sua melhor exegese. 2. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: ‘PROCESSUAL CIVIL. PLURALIDADE DE PROCURADORES. SUFICIÊNCIA DA INTIMAÇÃO DE APENAS UM. PROCESSO PRINCIPAL E MEDIDA CAUTELAR. JULGAMENTO. 1. Está assentado na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que constando da mesma procuração o nome de vários advogados basta que a intimação seja feita a um deles. 2. Segundo a letra do art. 808, III, do Código de Processo Civil, cessa a eficácia da medida cautelar quando declarado extinto o processo principal, com ou sem julgamento de mérito. 3. Precedentes. 4. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 488.913/BA, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 15.03.2004) ‘MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. AÇÃO REVISIONAL JULGADA IMPROCEDENTE, EXTINTA A CAUTELAR PREPARATÓRIA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR. LEGALIDADE. – Cessa a eficácia da liminar se o Juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento de mérito (art. 808, III, do CPC). – Julgadas concomitantemente a ação principal e a cautelar, interposta apelação única e global, ao Juiz cabe recebê-la com efeitos distintos, a correspondente à medida cautelar no efeito tão somente devolutivo (art. 520, IV, do CPC). Recurso ordinário improvido.’ (ROMS 11384/SP, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 19.08.2002) 112 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 3. Recurso especial improvido.” (REsp 647.868/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 22.08.2005) De outra banda, cabe salientar que a inexistência de trânsito em julgado da sentença penal absolutória não é óbice ao levantamento imediato das medidas cautelares, dado que, diante do robusto enfraquecimento do fumus boni juris que justificava as medidas assecuratórias decretadas no princípio do feito, deve ser prestigiado o espírito reformador do Código de Processo Penal, que, consoante o escólio do MM. Juiz Federal Walter Nunes (Reforma do Código de Processo Penal: Leis nº 11.689, nº 11.690 e nº 11.719, de 2008. Revista CEJ, Brasília, a. XIII, n. 44, p. 20-24, jan./ mar. 2009, p. 21), visa à “substituição do tradicional modelo inquisitivo, escrito, burocrático, pouco transparente e moroso, por um modelo do tipo acusatório, simplificado, transparente, oral, com o Ministério Público como parte, garantias do acusado, defesa efetiva, direito ao silêncio, presunção de não culpabilidade, proibição de provas ilícitas e imparcialidade do juiz, que não deve se substituir ao Ministério Público para assumir função mais própria a quem exerce o jus persequendi (AMBOS; CHOUKR, 2001). Essa foi a linha de pensamento seguida pelo legislador na feitura das Leis nos 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008, que trouxeram profundas alterações na sistemática da produção e do exame da prova e nos ritos ordinário e sumário. Em verdade, esse amplo movimento de reforma do processo penal tem como norte o resgate das suas origens, cujo pano de fundo é o Estado constitucional ou o neoconstitucionalismo. [...]” Diante disso, Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2008. p. 689. Grifei) pontifica: “[...] Cessação das medidas cautelares: é possível, durante a fase investigatória ou durante a instrução em juízo, que o magistrado promova medidas cautelares constritivas, atingindo o acusado. Exemplo disso são as medidas assecuratórias, como o sequestro, a especialização de hipoteca legal, dentre outras. Se houver absolvição, deve o juiz ordenar a cessação de todas as medidas cautelares provisoriamente aplicadas. [...]” No mesmo sentido, leciona Antonio Magalhães Gomes Filho: “[...] Finalmente, no texto do parágrafo único do art. 386, o legislador substitui a referência a ‘penas acessórias provisoriamente aplicadas’ por ‘medidas cautelares e provisoriamente aplicadas’, evidenciando com isso a preocupação em adequar a disposição ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), que impede a imposição de qualquer sanção antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. [...]” (FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As reformas no processo R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 113 penal. As novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma. Coord. Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: RT, 2008. p. 293) Dessarte, se a própria acusação ofertada em desfavor do impetrante não foi acolhida pelo magistrado de primeiro grau, devem ser prontamente revogadas as medidas assecuratórias decretadas pelo juízo criminal especializado em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, visto que, na tensão estabelecida entre a efetividade do processo penal e o princípio constitucional da presunção de inocência, há de ser prestigiado esse direito fundamental consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República, consoante lecionam Cezar Roberto Bittencourt e Daniel Gerber, signatário do presente writ, em raro artigo sobre a matéria, publicado no Boletim IBCCRIM, a. 17, n. 200, jul. 2009, p. 21-22: “[...] Se durante o curso de uma instrução processual torna-se possível a relativização dos efeitos da presunção de inocência em face de cotejo da proporcionalidade dos bens jurídicos em jogo, tem-se que, após uma sentença absolutória, nada mais justifica a existência da coação cautelar contra o indivíduo (pelo contrário: a cautela é contra o Estado, que, em princípio, já foi declarado sucumbente). Afirma-se aqui que a presunção de ofensa – que legitima a adoção de uma medida cautelar, em sede de instrução processual, por meio da verificação de proporcionalidade entre os bens jurídicos envolvidos – não mais pode prosperar após sentença absolutória, sob pena de transformar-se em uma presunção de culpa (presume-se que um eventual recurso do MP possa ser provido, e, assim sendo, presume-se que iria ocorrer dano com a ausência de medida restritiva) totalmente inapta a gerar qualquer espécie de consequência junto aos direitos e garantias individuais que assistem ao processado. [...]” Ante o exposto, voto por conceder a segurança. 114 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 HABEAS CORPUS Nº 2009.04.00.041388-7/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose Impetrante: Defensoria Pública da União Paciente: M.B.S. Impetrado: Juízo Substituto da 1a VF Criminal, SFN e JEF Criminal de Porto Alegre EMENTA Penal. Processo penal. Habeas corpus. Suspensão condicional do processo. Paciente processada por outro crime. Art. 89, § 3º, da Lei 9.099/95. Causa de revogação obrigatória. Fato denunciado inserido no mesmo contexto fático daqueles denunciados na ação penal suspensa. Irrelevância. Denúncia única que impediria a oferta do benefício legal. Súmula 243 do STJ. 1. Hipótese em que a paciente restou denunciada apenas por crime de quadrilha ou bando, tendo-lhe sido oferecido e aceito o benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95). 2. Posterior recebimento de nova denúncia em desfavor da paciente, pela prática, em tese, de furto mediante fraude, que levou à revogação do benefício legal, em face de estar sendo processada por outro crime. 3. O fato do objeto da segunda denúncia, que ensejou a revogação do benefício, estar inserido no mesmo contexto fático dos crimes objeto da ação penal até então suspensa não modifica a circunstância de estar sendo a paciente processada por outro crime. 4. Ausência de qualquer prejuízo à defesa, uma vez que a oferta de denúncia única, abrangendo todos os fatos, impediria a própria oferta do benefício legal (Súmula 243 do STJ). ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a colenda Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, cassar a liminar e denegar a ordem, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 15 de dezembro de 2009. Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 115 RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Trata-se de habeas corpus impetrado, com pedido de liminar, pela Defensoria Pública da União contra decisão do MM. Juízo Substituto da Primeira Vara Federal Criminal, SFN e JEF Criminal de Porto Alegre/RS, que, em decisão proferida nos autos 2007.71.00.008422-0, recebeu a denúncia ofertada em desfavor de M.B.S. e outros e revogou a suspensão do processo concedida à paciente nos autos da Ação Penal 2007.71.00.029234-4, forte no art. 89, § 4º, da Lei 9.099/1995. A DPU alega que a revogação da suspensão condicional do processo é ilegal. Sustenta que a denúncia ofertada nos autos da Ação Penal 2007.71.00.008422-0/RS não diz respeito a outro crime, mas sim a delito praticado em continuidade àqueles descritos na denúncia do processo suspenso. Ou seja, “não está a paciente sendo processada por crime diverso daqueles inseridos na denúncia da Ação Penal nº 2007.71.00.017784-1, mas por mais um delito daquela cadeia delituosa, ocorrido em 12.03.2007”. Aduz que a decisão atacada, além de ferir o § 3º do art. 89 da Lei 9.099/1995, afronta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “porquanto impõe à paciente a revogação do sursis processual às vésperas do término do período de prova (20.12.2009), em virtude de crime que deveria estar abarcado na denúncia da ação penal suspensa, mas que não o foi por meras peculiaridades processuais”. A liminar restou deferida apenas para suspender os efeitos da decisão impugnada, até o julgamento final do writ (fls. 43-44). A Autoridade tida como Coatora prestou informações (fls. 50-51) e juntou documentação (fls. 52-130). A Procuradoria Regional da República ofertou parecer pela denegação da ordem (fls. 132-134). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Trata-se de habeas corpus impetrado, com pedido de liminar, pela Defensoria Pública da União contra decisão do MM. Juízo Substituto da Primeira Vara Federal Criminal, 116 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 SFN e JEF Criminal de Porto Alegre/RS, que, em decisão proferida nos autos 2007.71.00.008422-0, recebeu a denúncia ofertada em desfavor de M.B.S. e outros e revogou a suspensão do processo concedida à paciente nos autos da Ação Penal 2007.71.00.029234-4, forte no art. 89, § 4º, da Lei 9.099/1995. Cumpre destacar que, em juízo de sumária cognição, compreendi estarem presentes os requisitos para a concessão da medida de urgência, quais sejam: fumus boni iuris e periculum in mora. Isso porque “os novos crimes imputados à paciente não foram praticados no curso do prazo da suspensão do processo, mas sim em continuidade delitiva àqueles do processo suspenso em favor da paciente. Nesse caso, em princípio, não há falar em ofensa ao parágrafo 3º do art. 89 da Lei 9.099/95.” Nada obstante, retornando o feito devidamente instruído, com as informações da Autoridade tida como Coatora e o parecer ministerial, chego à conclusão diversa. Preliminarmente, para melhor compreender a controvérsia, necessário fazer um breve histórico dos acontecimentos que culminaram com a presente impetração. A exordial acusatória ofertada nos autos da Ação Penal nº 2007.71.00.017784-1 narrou a existência de verdadeira quadrilha (art. 288 do CP), voltada para o cometimento, de modo reiterado, no período entre setembro/2006 e 11.05.2007, de diversos crimes contra o patrimônio, em especial o delito de estelionato (art. 171 do Código Penal), movidos pelo objetivo de auferir vantagem ilícita, induzindo em erro instituições financeiras (dentre elas a CEF), bem como seus respectivos correntistas, mediante manipulação indevida de suas contas pela Internet. Mais à frente, descreveu os fatos caracterizadores de cada um dos estelionatos praticados por alguns integrantes da suposta quadrilha. Em face disso, imputou para alguns denunciados (dentre eles a paciente) apenas o crime de quadrilha ou bando e, para outros, além do crime previsto no art. 288 do CP, a participação efetiva na execução de alguns dos estelionatos, em concurso (fls. 08-35), o que propiciou, para os denunciados apenas pelo crime contra a paz pública, a oferta e a aceitação do benefício da suspensão condicional do processo, que acarretou a cisão do feito em relação a eles, dando ensejo ao surgimento da Ação R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 117 Penal nº 2007.71.00.029234-4 (fls. 36-37). Bem se vê, portanto, que se equivoca a parte impetrante ao sustentar que na aludida ação penal a paciente havia sido denunciada pelos crimes de quadrilha e pelos diversos estelionatos, na medida em que essa circunstância impediria a oferta do benefício do sursis processual, em face do enunciado da Súmula 243 do STJ, redigida nos seguintes termos: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.” Posteriormente, nos Autos da Ação Penal nº 2007.71.00.029234-4, determinou o Juízo a quo a substituição da pena pecuniária imposta à paciente, como condição ao gozo do benefício legal, por prestação de 60 (sessenta) horas mensais de serviços à entidade designada, prestação essa que, no entanto, ficou aquém da carga horária mensal estipulada nos meses de julho, agosto e setembro de 2009 (fls. 38-39v.). Em razão disso, a Autoridade tida como Coatora determinou à beneficiária a data-limite de 20.12.2009 para o cumprimento integral de todas as condições impostas, para que fosse declarada extinta a sua punibilidade (fls. 40 e v.). Sobreveio, no entanto, no bojo do inquérito policial 2007.71.00.008422-0/ RS, nova denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal, imputando à paciente e a outros a prática, em tese, do delito tipificado no art. 155, § 4º, II e IV, do Código Penal, na forma dos seus arts. 62, I, para os dois primeiros denunciados, e 29, para os demais (dentre eles a paciente). Narrou a inicial acusatória que se tratava de fato ocorrido em 12.03.2007, inserido, portanto, dentro do mesmo contexto fático e conexo àqueles objeto da Ação Penal nº 2007.71.00.017784-1, mas que acarretou oferta de denúncia em separado apenas em razão de que aludida conduta restou autuada em inquérito policial diverso, em razão de prisão em flagrante (fls. 52-69). A denúncia foi recebida em 11.11.2009, oportunidade em que foi revogado o benefício da suspensão condicional do processo concedido à paciente M.B.S. nos autos da Ação Penal nº 2007.71.00.029234-4, em face de estar sendo processada por outro crime durante o período de prova (fl. 41 e v.). 118 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 O diligente Defensor Público da União que impetrou a presente irresignação entende não restar preenchido o requisito legal previsto no art. 89, § 3º, da Lei 9.099/95, consubstanciado na exigência de que o beneficiário venha a ser processado por outro crime. Isso porque o fato objeto da segunda denúncia, que ensejou a revogação do benefício, está inserido no mesmo contexto fático dos crimes objeto da ação penal até então suspensa. Sustenta tratar-se de mais um delito cometido em continuidade delitiva àqueles descritos na Ação Penal nº 2007.71.00.017784-1. Entende, assim, mostrar-se ilógica a revogação do benefício somente porque um dos delitos da mesma cadeia delitiva, por meras questões de natureza procedimental, foi denunciado em apartado, ao final do período de prova. Pois bem. A primeira questão para a qual chamo a atenção é a irrelevância de ter sido instaurada ação penal em desfavor da paciente, ao final do período de prova. Tem entendido a jurisprudência que, se aludida circunstância se efetivar durante o período de prova, mesmo que este já tenha se esgotado, deve ser revogado o benefício legal. Nesse sentido, arestos do STJ: “PENAL. RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. FURTO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. BENEFICIÁRIO PROCESSADO POR OUTRO CRIME NO PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO. ULTERIOR ABSOLVIÇÃO. INDIFERENÇA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. ‘Constatado que o beneficiário da suspensão condicional do processo respondeu a outra ação penal durante o período de prova, a revogação do benefício é automática, sendo irrelevante sua posterior absolvição, ou o fato da decisão ser proferida após o término do período de prova’ (HC 53.505/SP). 2. Recurso conhecido e provido para anular o acórdão recorrido e determinar o prosseguimento da ação penal.” (REsp 1110742/SP, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 13.10.2009) “RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO PROCESSADO POR OUTRO CRIME DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXPIRAÇÃO DO PRAZO SUSPENSIVO. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Não se conhece de recurso em habeas corpus cuja matéria não foi objeto de decisão da Corte de Justiça Estadual, pena de supressão de um dos graus de jurisdição (Constituição Federal, artigo 105, inciso I, alínea c). R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 119 2. O traço essencial da suspensão condicional do processo, de imposição excepcional, é, precisamente, a sua revogabilidade, o que exclui, a seu respeito, a invocação da coisa julgada, não havendo razão que impeça a sua desconstituição pelo conhecimento subsequente de fato que determina o seu incabimento. 3. O término do período de prova sem revogação do sursis processual não induz, necessariamente, à decretação da extinção da punibilidade delitiva, que somente tem lugar após certificado que o acusado não veio a ser processado por outro crime no curso do prazo ou não efetuou, sem motivo justificado, a reparação do dano. 4. Recurso parcialmente conhecido e improvido.” (RHC 21868/SP, Sexta Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 04.08.2008) Na mesma linha, julgado desta Corte Regional: “DIREITO PENAL. DESACATO. ARTIGO 331 DO CP. OFENSA À FUNCIONÁRIO PÚBLICO NO EXERCÍCIO DO CARGO. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES PRELIMINARES. OITIVA DE TESTEMUNHAS. REVELIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. REVOGAÇÃO APÓS PERÍODO DE PROVA. AUTORIA. MATERIALIDADE. TIPICIDADE. LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA. DESCABIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DOLO. PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CULPABILIDADE. ANTECEDENTES. 1. O réu foi intimado em diversas ocasiões a apresentar defesa prévia, não o fazendo por desídia própria. Incabível reconhecimento de nulidade por fato a que deu causa. A oitiva das testemunhas de acusação foi acompanhada por defensor dativo, inexistindo qualquer prejuízo para o acusado. 2. Corretamente fundamentada a revelia decretada em razão do não comparecimento injustificado à audiência. 3. Restou pacificado pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência o entendimento de que ‘A suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o decurso do período de prova, se constatado que o réu foi processado pela prática de outra infração penal durante tal período’. 4. A materialidade e a autoria do delito encontram amparo nos relatos das testemunhas. 5. Presente o elemento subjetivo do tipo (vontade consciente de praticar a ação ou proferir a palavra injuriosa, com o propósito de ofender ou desrespeitar o funcionário a quem se dirige). 6. Adequada a valoração desfavorável a título de culpabilidade considerando as condições técnicas que o réu advogado tem para medir as consequências de sua atitude desrespeitosa. 7. A existência de condenação transitada em julgado autoriza fixação da pena-base acima do mínimo legal, em face dos antecedentes, e não da conduta social, pois essa deve ser ponderada tendo em conta o comportamento do agente no âmbito comunitá- 120 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 rio em que vive.” (ACR 2003.71.00.055186-1, Oitava Turma, rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, D.E. 26.11.2008) De outra parte, a conexão entre o fato objeto da segunda ação penal, que causou a revogação do benefício, e aqueles descritos na primeira ação penal, onde a paciente desfrutava do benefício legal, não significa que estejamos frente à prática de um mesmo e único crime, ainda que por ficção legal, em decorrência de possível reconhecimento de continuidade delitiva. De fato, consoante já referido nos autos do processo criminal nº 2007.71.00.017784-1, a paciente restou denunciada apenas e tão somente pelo crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), não lhe tendo sido imputado nenhum dos diversos estelionatos em tese praticados pelos codenunciados. Diferente é a situação retratada nos autos da Ação Penal nº 2007.71.00.008422-0/RS, em que a paciente e outros foram denunciados pela prática de furto mediante fraude, não abrangida na primeira ação penal, pelas razões já salientadas e devidamente justificadas. Os argumentos apresentados pela defesa, quanto ao prejuízo experimentado por M.B.S. em função de denúncia tardia sobre fato inserido no mesmo contexto fático daqueles originariamente denunciados, não podem ser aqui acolhidos. A razão de tal conclusão reside justamente na clara constatação de que foi esse procedimento que propiciou a oferta do benefício à paciente. Caso contrário, vale dizer, se tivesse a acusação oferecido uma única denúncia abrangendo todos os fatos, não haveria mais razão para se discutir a possibilidade ou não de revogação do benefício legal, uma vez que a paciente seria denunciada por quadrilha e furto mediante fraude, em concurso, fato que impediria a própria oferta da suspensão condicional do processo, nos termos da Súmula 243 do STJ, já citada alhures. Esse também foi o posicionamento adotado pela Autoridade tida como Coatora ao prestar informações (fls. 50-51) e pela ilustre Procuradora Regional da República que oficiou no feito, Solange Mendes de Sousa, em seu parecer (fls. 132-134). Dessa forma, sob qualquer ângulo que se veja a questão, resta inviável a manutenção do benefício do sursis processual. Ante o exposto, voto por cassar a liminar e denegar a ordem. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 121 MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2009.04.00.042727-8/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus Impetrante: Rafael de Almeida Maesse Advogados: Drs. José Marco Tayah e outros Impetrado: Juízo Substituto da VF Criminal e JEF Criminal de Maringá Interessado: Ministério Público Federal Interessado: S.M.N.M. Advogado: Dr. Vanderson Silveira Barbosa Interessado: M.V.S.J. Advogado: Dr. Ricardo Gontijo Buzelin Interessados: V.C.N. I.L.G. Advogados: Drs. José Marco Tayah e outro EMENTA Processual penal. Procuração plúrima. Intimação dirigida a advogado que vinha atuando nos autos. Defesa prévia. Não apresentação. Pedido de prorrogação. Deferimento. Decurso do novo prazo. Multa. Aplicação. Mandado de segurança. Admissibilidade. OAB. Fórum exclusivo para a análise da conduta do profissional da advocacia. Artigo 265 do CPP. Preliminar de inconstitucionalidade. Rejeição. Mérito: violação ao devido processo legal e ilegalidade da medida. Direito líquido e certo reconhecido. Anulação da penalidade. Concessão da ordem. 1. Configurada, de um lado, hipótese de ilegalidade de ato praticado por agente público e, de outro, violação a direito líquido e certo não amparado por outro remédio heroico, admissível se faz o manejo do mandamus. 2. Ao contrário do que prevê, v.g., o parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, o artigo 265 do Codex Processual Penal não estabeleceu a exclusividade dos órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados do Brasil para a análise da conduta processual do profissional da advocacia no âmbito das lides criminais. Ausência de ofensa à Lei 8.906/94. Preliminar rejeitada, mormente em obséquio à presunção de constitucionaldidade dos atos normativos. 122 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 3. A imposição da penalidade de que trata o dispositivo contrastado não prescinde da observância, porque garantia constitucional, do devido processo legal, que se consubstancia na prévia oitiva do advogado para justificar o seu comportamento processual. 4. A esse âmbito formal sobre o qual se debate nos autos, deve ser associada a perspectiva material da controvérsia, traduzida, já agora, na análise da incidência do questionado dispositivo de lei. 5. A adequada interpretação do instituto do abandono do processo, preceituado no artigo 265 do Código de Processo Penal, reclama animus de definitividade, ocorrente na hipótese em que o advogado abstém-se de promover, à míngua de motivo imperioso, os atos e diligências que lhe competiam durante o curso processual de maneira reiterada, que se expressa pela absoluta ausência nos autos, demonstrando a vontade de não atuar em favor do mandante. É situação excepcional que exige o elemento subjetivo de desídia na condução defensiva do feito, em manifesto prejuízo do constituinte, já em vias de se tornar indefeso, para só então cogitar-se da aplicação da sanção pecuniária correspondente, até mesmo porque contemplativa de altos patamares valorativos, que devem ser sopesados com prudência para que não sejam excedidos os limites da razoabilidade. 6. Caso em que, na conjectura do feito, não há lugar para um juízo categórico que abone o cabimento da medida adotada. Nada obstante o decurso do novo prazo para apresentação de defesa prévia, deferido em sede de pedido de prorrogação, recobrou o Impetrante a condução do processo, firmando de próprio punho a peça defensiva ulteriormente protocolizada, em conjunto com mandatários constituídos, como ele, em procuração plúrima, minimizando ou mesmo impedindo, com essa postura, eventuais prejuízos aos seus constituintes, a atestar que não houve afastamento definitivo em relação ao patrocínio da causa penal. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a segurança para anular a cobrança da sanção pecuniária, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 123 Porto Alegre, 14 de abril de 2010. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Cuida-se de mandado de segurança, com pretensão liminar, impetrado por Rafael de Almeida Maesse, diante de decisão prolatada pelo MM. Juízo Federal Substituto da Vara Federal Criminal e JEF Criminal de Maringá/PR, nos autos da Ação Penal nº 2009.70.03.003359-1, que cominou ao Impetrante multa por motivo de abandono de processo, nos termos do artigo 265 do Código de Processo Penal, ao fundamento de que “Embora intimado à fl. 124, o defensor constituído, Dr. Rafael de Almeida Maesse, não apresentou a resposta à acusação, tampouco informou não mais representar os acusados I.L.G. e V.C.N.” (fl. 50-verso). O Impetrante, advogado constituído para patrocinar a defesa dos nominados Réus (ora Interessados) na supracitada demanda, sustenta, em sua exordial (fls. 02-13), que o provimento jurisdicional contrastado desrespeitou o princípio do devido processo legal, na medida em que não lhe oportunizou qualquer justificativa previamente à imposição da penalidade, além de que o quantum arbitrado a esse título, R$ 23.250,00 (vinte e três mil e duzentos e cinquenta reais), é absolutamente desproporcional. Aduz, ainda, que o dispositivo legal que embasa a sanção pecuniária é inconstitucional, haja vista que (a) “(...) não é possível aplicação de multa ao defensor (advogado) sem o correspondente exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme exigência constitucional do devido processo legal (incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988)” e (b) “(...) tendo em vista o caráter nitidamente disciplinar da multa prevista no artigo 265 do CPP, após a promulgação do novo Estatuto da OAB, o censor natural de eventual desídia do advogado só pode recair no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB (inciso LIII do artigo 5º da CFRB/88 e § 1º do artigo 70 da Lei 8.906/1994)”. A liminar restou deferida tão somente para suspender, ad cautelam, a exigibilidade da penalidade, até que fosse esclarecido o procedimento atinente às intimações realizadas, mediante a juntada das respectivas certidões. Às fls. 68-89, o Impetrante encaminhou, via fax, petição contendo foto124 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 cópias das procurações e substabelecimentos extraídos da prefalada Ação Penal e do Pedido de Liberdade Provisória nº 2009.70.03.003586-1. Notificado, o Impetrado prestou as informações (fls. 93-95 e 101-102) e forneceu a documentação requisitada (fls. 103-278). A seguir, o Ministério Público Federal exarou parecer, preliminarmente opinando pelo não conhecimento do pedido, porquanto inocorrente hipótese de discussão acerca de direito líquido e certo, defendendo o cabimento do recurso de agravo de instrumento como meio recursal adequado à pretensão veiculada no mandamus. No mérito, alvitrou pela denegação da segurança (fls. 284-288). Vieram os autos conclusos. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Discute-se a incidência da regra do artigo 265 do Código de Processo Penal a caso em que, devidamente intimado por duas oportunidades, o advogado constituído pelos Réus I.L.G. e V.C.N. para lhes desempenhar a defesa técnica nos autos da Ação Penal nº 2009.70.03.003359-1, Dr. Rafael de Almeida Maesse (OAB/RJ 151.519), ora Impetrante, deixou de apresentar a respectiva peça processual, como impõem de rigor os enunciados 396 e 396-A do mesmo diploma legal, recebendo do órgão jurisdicional que preside a demanda, ante a essa inação, a penalidade de 50 (cinquenta) salários mínimos, a título de multa, equivalente, ao tempo do decisório (09.09.2009), a R$ 23.250,00 (vinte e três mil e duzentos e cinquenta reais), a ser recolhida em favor do Departamento Penitenciário Nacional. Deferida ad cautelam a liminar (fls. 64-65) para o fim de, tão só, suspender a exigibilidade da verba até que fosse esclarecido o procedimento atinente às intimações realizadas naqueles autos, sobrevieram as informações pelo Impetrado, cuja transcrição é de grande valia à compreensão dos acontecimentos: “Pelo presente, presto as informações referentes aos autos de Mandado de Segurança nº 2009.04.00.042727-8/PR impetrado por Rafael de Almeida Maesse. Aos 03.07.2009, foi instaurado o inquérito policial nº 0419/2009-DPF/MGA/PR (distribuído perante este Juízo Federal sob o nº 2009.70.03.003359-1), haja vista a R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 125 prisão em flagrante de V.C.N., I.L.G. e S.M.N.M., pela prática dos crimes tipificados nos artigos 316 e 288 do Código Penal. A prisão em flagrante foi homologada em plantão aos 03.07.2009 (fl. 61 dos autos de Comunicação de Prisão em Flagrante). O inquérito policial foi relatado aos 15.07.2009, tendo como indiciados V.C.N., I.L.G., S.M.N.M., M.V.S.J. e M.G.F. Aos 20.07.2009, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de I.L.G. e S.M.N.M., como incursos nas sanções do artigo 288 e artigo 316, caput, c/c os artigos 29 e 69, todos do Código Penal, e de M.V.S.J. e V.C.N., como incursos nas sanções do artigo 288, artigo 316, caput, e artigo 273, § lº-B, inciso I, c/c os artigos 29 e 69, todos do Código Penal (fls. 02-07). Em relação à indiciada M.G.F., o Ministério Público Federal requereu o desmembramento dos autos (fl. 08). Recebeu-se a denúncia aos 20.07.2009, sendo determinada a citação dos réus para responderem à acusação, nos termos dos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, e a intimação dos defensores (fl. 11). Expediram-se cartas precatórias para a citação dos denunciados (fls. 22-23). O defensor Rafael de Almeida Maesse foi intimado nesta secretaria nos termos do despacho de fl. 11, no dia 23 de julho de 2009, conforme certidão de fls. 42-verso. A defesa de S.M.N.M. apresentou resposta à acusação aos 30.07.2009 (fls. 52-54). Aos 30.07.2009, foi proferida decisão concedendo a liberdade provisória aos réus I.L.G. e V.C.N., revogando o decreto de prisão preventiva de M.V.S.J., bem como determinando o afastamento imediato dos réus I.L.G., V.C.N. e M.V.S.J. das atividades de patrulhamento ostensivo das rodovias federais (fls. 58-61). Os defensores Rafael Menezes Chaves e Vanderson Silveira Barbosa também foram intimados em secretaria acerca do despacho de fl. 11 e da decisão de fls. 58-61, no dia 30.07.2009 (fls. 57-verso e 62). Às fls. 94-96, os defensores dos réus I.L.G. e V.C.N., Rafael de Almeida Maesse e Maria Angélica Nobre Chaves, requereram a devolução ou prorrogação do prazo para apresentação da resposta à acusação. O pedido de prorrogação de prazo foi deferido (fl. 104). Os defensores Rafael de Almeida Maesse e Ricardo Gontijo Buzelin foram intimados dos termos da decisão de fl. 104 por meio de publicação no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região, disponibilizado no dia 12.08.2009 (fl. 124). A defesa de M.V.S.J. apresentou resposta à acusação aos 26.08.2009 (fls. 212-217). A certidão de fl. 219 informa que até o dia 02.09.2009, às 12 horas, a defesa de I.L.G. e V.C.N. não havia apresentado a resposta à acusação. Considerando que mesmo após a concessão de novo prazo o defensor Rafael de Almeida Maesse não apresentou resposta à acusação, foi proferida decisão aplicandolhe a pena de multa prevista no artigo 265 do Código de Processo Penal, no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos. Determinou-se ainda a exclusão do referido defensor do Siapro, bem como a inclusão dos defensores José Marco Tayah e Maria 126 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Angélica Nobre Chaves e a intimação destes para apresentação da resposta à acusação (fls. 220-221). À fl. 222, foi expedida carta precatória para intimação do advogado Rafael de Almeida Maesse acerca da decisão de fls. 220-221. Entretanto não foi possível intimar o advogado (certidão de fl. 385-verso). Os defensores também foram intimados dos termos da decisão de fls. 220-221 por meio de boletim publicado no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região, disponibilizado aos 11.09.2009 (fl. 223). Os defensores dos réus I.L.G. e V.C.N., Rafael de Almeida Maesse, José Marco Tayah e Maria Angélica Nobre Chaves, apresentaram resposta à acusação aos 23.09.2009 (fls. 229-249) – petição encaminhada via fax (protocolo nº 09/1507632) e substituída pela original (protocolo nº 1511114), conforme certidão de fl. 249-verso. Às fls. 252-255, o defensor Rafael de Almeida Maesse requereu a reconsideração da decisão que lhe aplicou a pena de multa prevista no artigo 265 do Código de Processo Penal. Em relação ao pedido de reconsideração, aos 25.09.2009, foi proferida decisão no seguinte sentido (fls. 258-259): ‘[...] 7. Por meio da petição de fls. 252-255, o Dr. Rafael de Almeida Maesse requer a reconsideração da decisão que determinou a exclusão do seu nome do Siapro e aplicou-lhe multa, nos termos do artigo 265 do Código de Processo Penal, no valor de 50 salários mínimos (decisão de fls. 220-221). Alegou que não possui serviço de publicação em seu nome por ser advogado associado do escritório Tayah e Advogados Associados e que as publicações dos processos do escritório são feitas em nome do Dr. José Marco Tayah. Inicialmente, observo que, apesar de o advogado ter afirmado que todas as publicações dos processos do escritório são feitas em nome do Dr. José Marco Tayah, somente na petição de fls. 229-244 (encaminhada a este Juízo via fax no dia 23.09.2009) foi solicitado que as intimações fossem realizadas em nome do Dr. José Marco Tayah. A alegação de que não possui serviço de publicação em seu nome não deve ser acolhida, pois, mesmo que o acusado tenha constituído mais de um defensor, basta a intimação de um deles para a validade do ato processual. Nesse sentido: ‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JUDICIAL. PLURALIDADE DE ADVOGADOS. SUBSTABELECIMENTO COM RESERVA DE PODERES. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE INTIMAÇÃO EXCLUSIVA EM NOME DE UM DELES. INTIMAÇÃO DO ADVOGADO QUE SUBSCREVEU OS ATOS NA INSTÂNCIA RECURSAL. INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇAO NO MOMENTO OPORTUNO. VALIDADE DO ATO. [...] 2. Havendo mais de um advogado constituído nos autos, válida a intimação efetuada em nome de um deles, se o substabelecimento foi feito com reserva de poderes e não constou pedido expresso para que a publicação fosse exclusivamente direcionada a um patrono específico. [...]’ (STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 127 200600221023, Relator Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJE 29.04.2009) ‘HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. VÍCIO NA INTIMAÇÃO DA PAUTA DE JULGAMENTO. PLURALIDADE DE ADVOGADOS. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DE QUE AS INTIMAÇÕES FOSSEM DIRIGIDAS A UM DOS PROCURADORES. VALIDADE DA PUBLICAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a intimação de um dos vários advogados da parte é, em regra, válida e eficaz, de modo que prescindível seja a intimação dirigida a todos eles. In casu, há de se ressaltar que nela houve requerimento, por ocasião da juntada do substabelecimento, no sentido de que as publicações fossem realizadas em nome do patrono originário, sendo a outorga de poderes demarcada pela reserva de iguais. Ainda que assim não fosse, insta consignar que não restou demonstrado nos autos que efetivamente o advogado tenha sido surpreendido com o andamento do processo, havendo de se aplicar o princípio pas de nullitté sans grief. Ordem denegada.’ (STJ. Habeas Corpus nº 200701218503, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 17.12.2007, p. 00350) Além disso, foi o próprio defensor que peticionou requerendo a devolução do prazo para a apresentação da resposta à acusação (fls. 94-96), sendo tal pedido deferido às fls. 104. Ante o exposto, mantenho a decisão de fls. 220-221 pelos seus próprios fundamentos. Intime-se. [...]’ A decisão de fls. 258-259 também determinou o prosseguimento da ação penal, sendo designada audiência para inquirição de testemunhas de acusação, bem como determinada a expedição de cartas precatórias para inquirição das demais testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal. Foram expedidas as cartas precatórias números 3895383, 3899523 e 3899556 para as Subseções Judiciárias de Fortaleza-CE e Foz do Iguaçu e para a Comarca de Bom Sucesso-MG, respectivamente, solicitando a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação (fls. 300-302). Os defensores dos réus foram intimados dos termos da decisão de fls. 258-259 e da expedição das cartas precatórias por meio de publicação no Diário Eletrônico da Justiça Federal (fls. 304-verso-305). Em audiência realizada neste Juízo Federal, aos 24.11.2009, foram inquiridas as testemunhas de acusação Paulo Henrique Teleginski, Marco Antonio Maia e Carlos Eduardo Trindade Dantas (fls. 359-360). Informo, por fim, que os autos aguardam o cumprimento das cartas precatórias expedidas para inquirição das testemunhas de acusação. Segue em anexo cópia das fls. 02-260 e 385-385v dos autos de Ação Penal nº 2009.70.03.003359-1.” (grifei) 128 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 De fato, o Impetrante, contratado para a prestação de defesa técnica na antes assinalada ação penal, com endereço profissional no Estado do Rio de Janeiro, foi regularmente intimado da decisão de recebimento da denúncia (fl. 114) aos 23.07.2009, na Secretaria da VF e JEF Criminal de Maringá/PR (fl. 137-verso), mesma data na qual efetuada a citação dos Réus (fls. 171-verso e 172-verso) para responderem à acusação no lapso temporal de 10 (dez) dias, a teor dos artigos 396 e 396-A do Estatuto Processual Penal. Em 03.08.2009, dia final do decêndio, peticionou (fls. 173-174), alegando que havia tomado ciência “de maneira antecipada” do indigitado decisum, tendo informado, porém, que teve contato muito breve com os Réus, haja vista que estes, embora policiais rodoviários federais lotados na 5ª Superintendência Regional, que tem sede no Estado do Rio de Janeiro, haviam ficado custodiados na cidade de Curitiba/PR, e que não possuíam meios de prover o seu deslocamento e estada à capital paranaense para que, pessoalmente, conversassem o necessário para o estabelecimento da estratégia de defesa. Esclareceu, na mesma oportunidade, que os Réus “(...) não possuem condições financeiras suficientes para constituírem advogados particulares, por essa razão solicitaram o apoio do Sindicato de sua classe ao qual estão vinculados, e este forneceu auxílio jurídico, disponibilizando advogados para comporem suas defesas” (fl. 173-verso). Derradeiramente, e acrescentando que tendo ocorrido a libertação de V.C.N. em 31.07.2009 e a de I.L.G. no próprio dia 03.08.2009, somente a partir desta data teria a oportunidade de entrevistar adequadamente os seus patrocinados, razão pela qual requereu a devolução ou mesmo a prorrogação do interregno para o oferecimento da defesa prévia. Tal pleito foi deferido “(...) em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (...)” (fl. 180), por intermédio de decisão disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região aos 12.08.2009 e considerada publicada aos 13.08.2009 (fl. 195), contudo, transcorrendo o novo prazo in albis, sem oferecimento de resposta à acusação até o dia 02.09.2009, às 12 horas, conforme certificado à fl. 250. Isso deu motivo que viesse à tona a determinação que infligiu a ora R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 129 impugnada multa (fls. 251-252), acompanhada da provisão de descadastramento do Impetrante do Siapro, para que deixasse de atuar no feito, ao lado da inclusão dos Drs. José Marco Tayah e Maria Angélica Nobre Chaves para a assunção do encargo, que nada mais são do que associados do escritório ao qual pertence o patrono então destituído (Tayah Advogados Associados). Assim ocorridos os fatos, adveio a apresentação da defesa prévia somente em 23.09.2009, materializada em petição firmada, conjuntamente, pelo Impetrante e pelos colegas advogados recém nomeados (fls. 259-266). Ato contínuo, postulou-se a reconsideração do pronunciamento judicial que ensejou a agravante; todavia, inexitosamente (fls. 275-276). Sucedeu, então, a impetração, cuja matéria ventilada a essa Corte passa a ser, doravante, examinada. Em um primeiro aspecto, configurada, de um lado, hipótese de ilegalidade de ato praticado por agente público e, de outro, violação a direito líquido e certo não amparado por outro remédio heroico, admissível se faz o manejo do mandamus. Com efeito, é clarividente que a decisão que impôs a penalidade não observou o devido processo legal, tanto que sonegou ao Impetrante o inafastável direito de ser previamente ouvido, para que declinasse a justificativa de seu ato. E, pior, do inoportuno olvido de tão basilar princípio constitucional avultou gravame que, a meu juízo, perpassa os limites da proporcionalidade, se ponderadamente avaliados os fatos que marcaram o caso concreto. Tecnicamente, e isso aflora visível de pronto, a segurança poderia ser concedida unicamente com amparo neste argumento, de ordem formal. Mas vou além, até porque não me escapa, e agora em um segundo aspecto, que está em jogo a tutela do próprio patrimônio do particular, pois, ainda que de um lado tenha-se indevidamente preterido a colheita de sua defesa, de outro, não é menos elementar que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, do que apresentar-se-ia um novo e subsequente óbice à efetivação, de plano, da medida adotada na origem. Logo, a causa de pedir desvela uma cognição (controvérsia) ampla: imediatamente, a reservada ao tratamento do iter necessário para a impo130 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 sição da penalidade (legalidade formal), desrespeitado, como já se revela perceptível, haja vista que o adequado manejo do artigo 265 do Estatuto Processual Penal, i.e., aquele em que a sua regra é aplicada a modo sintônico com os ditames constitucionais, está a reclamar, no mínimo, a instauração de um incidente em que o advogado tenha oportunidade de se defender (cf., a esse respeito, o escólio de MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p. 206207); mediatamente, a da própria (in)aplicabilidade da multa (legalidade material), sobre a qual me debruçarei com mais afinco a seguir. Isso fixado, prossigo. A começar pela existência de procuração plúrima juntada nos autos originários, confirmo o entendimento esposado na decisão liminar, no sentido de que a intimação de qualquer advogado dela constante é suficiente para a validade dos atos e termos do processo, ressalvando-se as situações apontadas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça como merecedoras de tratamento específico em termos de comunicação dos atos processuais, inocorrentes na espécie, diga-se de passagem. Assim: “PROCESSO PENAL – INTIMAÇÃO – DIVERSOS ADVOGADOS. – Quando vários advogados constam da mesma procuração, basta a intimação de um deles para a validade dos atos e termos do processo. Ressalva-se a hipótese de designação expressa, de substabelecimento ou requerimento para que as intimações se façam em nome de determinado advogado, o que não se deu no caso sub judice. – Ordem denegada.” (STJ, HC 24.847, 5ª Turma, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJU 19.12.2003) Por conseguinte, a circunstância de as notas de expediente terem saído em nome do Impetrante, quando não é ele normalmente quem figura nas intimações oficiais endereçadas à sociedade de advogados, obviamente, não exclui a responsabilidade sua pela prática dos atos processuais, nos prazos legais. Mas a controvérsia, como visto acima, vai muito além dessa singela ilação. Assim como ocorria na égide da normatividade processual penal anterior, a Lei 11.719/2008, em torno da qual orbita a discussão, ao conferir R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 131 nova redação ao artigo 265 do Código de Processo Penal, não definiu o que vem a ser abandono do processo, limitando-se a prescrever a punição do defensor que proceder (melhor seria abster-se de proceder) deixando o réu, juridicamente, desamparado frente à acusação que lhe é dirigida. Portanto, a compreensão do que consiste esse fenômeno, na seara processual penal, continua relegada à discricionariedade judicial, dando margem a que surjam controvérsias. À primeira vista, da leitura especialmente dos parágrafos do dispositivo legal em comento, parece que o legislador reformista intentou vincular o tal abandono à ausência injustificada do advogado à audiência agendada pelo juízo, sem prévia comunicação, embora tais preceitos, à toda evidência, não clarifiquem de modo satisfatório o fato jurídico de que estão a cuidar. Leia-se: “Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. § 1º A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. § 2º Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” (grifei) Inquestionavelmente, está-se diante de um conceito jurídico indeterminado, que, como tal, deve ser interpretado. Ninguém discute que o princípio da ampla defesa, cláusula pétrea aposta dentre os direitos e garantias individuais estabelecidos no artigo 5º da Constituição da República de 1988, assegura aos acusados em geral o direito, indisponível, à defesa técnica, a ser prestada por profissional habilitado, é dizer, por bacharel em direito regularmente inscrito nos quadros da OAB, recaindo uma de suas facetas sobre o direito de escolha do patrono de sua confiança, sob pena de, não o fazendo, serlhes nomeado, pelo julgador, defensor dativo, ou encaminhados os autos aos cuidados da Defensoria Pública, a fim de que prossiga nos ulteriores termos do processo. Sob o signo da indisponibilidade da defesa técnica é que, ao ver da doutrina, teria sido reformulado o preceito em comento pela legislação 132 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 reformadora (MENDONÇA, Andrey Borges de; op. cit., p. 206). Por esse vértice, “A norma do art. 265 do CPP tem o nítido intuito de proteger o réu de um repentino abandono por parte de seu defensor, o que poderia acarretar futuro prejuízo processual ao acusado, comprometendo, em última análise, a busca da verdade real – objetivo fulcral do processo penal” (TRF1, ACR 2004.30.00.001204-0, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, DJU 15.05.2007). Louvável, pois, a preocupação do legislador infraconstitucional com a efetivação da ampla defesa nos feitos criminais, em benefício dos acusados em geral, sobretudo em face da exata noção de que a intervenção estatal na esfera de liberdade do indíviduo é estigma social de elevada repercussão e relevância. Nessa linha, torna-se incipiente a alegação de inconstitucionalidade do dispositivo processual penal sob a ótica do censor competente para impô-la, que, segundo o impetrante, seria o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, e não o juízo criminal. Digo isso na medida em que, como refleti nos parágrafos anteriores, é legítimo esse cuidado especial no âmbito penal exatamente pela sua peculiar ingerência na individualidade dos denunciados e também por não haver qualquer norma constitucional que inviabilize o legislador ordinário de dispor sobre a temática, afetando órgão distinto daquele que fiscaliza lato sensu a atividade da advocacia, em alguma situação tópica, como a da persecutio criminis, para efeito de lídima vigilância e reprimenda. É destacável, ainda, que o artigo 265 do Codex Processual Repressivo, in fine, põe a salvo outras sanções cabíveis na espécie, tal qual a disciplinar, bem assim que o artigo 14, parágrafo único, do Código Processual Civil, que confere a exclusividade da responsabilização dos causídicos ao Estatuto da OAB, é regra restritiva atinente à esfera cível tão somente, por opção legislativa. Demais, o invocado artigo 70, § 1º, da Lei 8.906/94, trata apenas de punições disciplinares, não afastando a atuação de controle e imposição de penalidades por outros órgãos, em nível distinto daquele tangenciado pelo referido Conselho de Ética e Disciplina. Tenho, pois, por superada a preliminar de incostitucionalidade. Continuando, a par da disciplina processual penal de fiscalização da R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 133 atividade do defensor e punição de eventual desídia, deveria ter havido, igualmente, a preocupação em delinearem-se com precisão os contornos e circunstâncias fáticas mínimas ensejadoras da incidência de tão austera regra, a qual, levada a efeito, repercutirá pesadamente sobre a esfera patrimonial do profissional da advocacia penalizado. Ausentes maiores cuidados legislativos no trato da questão, resta perquiri-la, caracterizando o que efetivamente se entende por abandono do processo, e confrontar a conclusão a que se chegar com a situação retratada nos autos, a fim de se formar um juízo seguro acerca da postura do advogado frente ao cumprimento do postulado da ampla defesa e, por que não, dos poderes da cláusula ad judicia que lhes foram confiados pela parte. Do dicionário Aurélio, extrai-se o significado do vocábulo em questão: “1. Ato ou efeito de abandonar(-se):(...) 2. Estado ou condição de quem ou do que é ou está abandonado, largado, desamparado: (...) 3. Atitude, maneiras, de quem vive ou como que vive abandonado: (...) 4. Relaxamento de tensão; relaxamento: (...)” A idêntico sentido aponta o dicionário Houaiss da língua portuguesa: “1. deixar de todo, largar de vez; partir, ir embora; 2. desamparar, deixar sozinho ou sem condições (de sobreviver, de prosseguir com alguma tarefa, trabalho, propósito etc.); 3. renunciar a, desistir de; 4. perder o interesse por, não dar mais atenção a, descuidar-se de; 5. deixar de lado, renunciar, renegar (crenças, princípios etc.); 6. fazer ficar ou deixar que fique relaxado, descansado, lasso; 7. entregar-se, render-se, ceder a, entrar em (estado psicológico ou situação); 8. tratar (alguém ou algo) com desdém, desprezo, indiferença.” Comentando o tema, o anteriormente citado autor, Andrey Borges de Mendonça, teceu judiciosas considerações: “No caput, manteve-se o dever de o defensor não abandonar o acusado, a não ser por motivo imperioso. O abandono de que está tratando o artigo em estudo é apenas o definitivo, ou seja, aquele em que o advogado se afasta do processo de maneira permanente. Não se está a cuidar da hipótese de ausência momentânea de advogado 134 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 a determinado ato. A inovação fica por conta da necessidade de que esta comunicação seja prévia, ou seja, antes de abandonar a defesa do acusado, sob pena de pesada multa de 10 a 100 salários mínimos – valor este que foi atualizado –, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, inclusive perante a Ordem dos Advogados do Brasil. A necessidade de comunicação prévia visa evitar a ocorrência de eventuais nulidades, em razão de mácula ao direito de defesa. No entanto, entendemos que a atualização da multa visa, também, assegurar ao magistrado poderes para punir aquele causídico que se mostrar descompromissado com o Poder Judiciário, em sentido próximo ao contempt of court, do direito norte-americano. Nesta senda, não vislumbramos inconstitucionalidade no referido dispositivo, desde que instaurado um incidente, em que o advogado tenha oportunidade para se defender, em atenção ao devido processo legal. Cumpre destacar que o art. 34 da Lei 8.906/94 qualifica como infração disciplinar ‘abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia’, podendo o advogado, sem prejuízo da sanção prevista no presente artigo, sofrer sanções no âmbito disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil. Em caso de renúncia ao mandato, a Lei 8.906/1994, em seu art. 5º, § 3º, determina que o advogado continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo.” (op. cit., p. 206-207. Grifei) Ora, se no campo processual penal já se chegou a essa dedução, no da ética profissional, em que o ponto é objeto de tratamento na já não tão recente Lei 8.906/94 (que versa sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB), dada a sua não menos imprecisa redação, que se contenta em assentar a punição do advogado que “abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia”, reportando-se também vagamente ao fenômeno, a doutrina especializada tratou de suprir a carência legada pelo legislador ordinário, tarefa, aliás, própria dos operadores do direito. Realmente, reza o seu artigo 34, inciso XI: “Art. 34. Constitui infração disciplinar: (...) XI – abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia.” Para Flávio Olímpio de Azevedo, a apontada disposição não dispensa a ideia de repetição, a corroborar a noção reiterativa para que tenha lugar a punição, também, no âmbito disciplinar: “Caracteriza-se o abandono da causa quando, em nome de seu constituinte, deixa o advogado injustificadamente de promover atos e diligências que lhe competiam R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 135 durante o curso processual de maneira reiterada, que se expressa na forma definitiva pela absoluta ausência nos autos, demonstrando o ânimo de não atuar. Não ocorre abandono de causa quando o advogado, por negligência ou desídia, perde prazo para arrolar testemunha ou não comparece em audiência previamente aprazada, etc. e, em seguida, volta a dar o impulso processual cabível. Nessas hipóteses, havendo efetivo prejuízo ao cliente, deve responder pelos danos inerentes à omissão na esfera da responsabilidade civil e sofrer as sanções de caráter disciplinar capituladas no art. 34, IX, do EOAB, analisado anteriormente. É tipificada a transgressão também quando deixa o advogado de atuar antes de decorridos os dez dias seguintes à comunicação da renúncia. Mas, por ser o prazo exíguo, dificilmente ocorrerá a caracterização do desamparo da causa. No exame da infração ética ora em baila, vale citar o ensinamento de Ruy A. Sodré: ‘[...] o advogado é livre de aceitar ou não a causa. Mas, uma vez aceita, a ela fica fortemente vinculado, pois assume deveres para com o cliente, a quem não pode abandonar [...]’.” (Comentários ao estatuto da advocacia. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 164. Grifei) Se assim é, e dúvida não há quanto à acepção que o vernáculo outorga ao verbo nuclear inscrito em ambos os tipos aqui discorridos, para que ocorra a subsunção do fato à norma requer-se, conclusivamente, um senso de “definitividade”, a reclamar que a falta de atuação do causídico apta a configurar o abandono de causa é aquela que tenha ares de permanência, de constância, enfim, de continuidade, e não a que se resuma a um único ato do processo, hipótese que bem pode ser denominada de “ausência injustificada”, cuja dimensão jurídica é, deveras, muito menos grave. No ramo do direito processual civil, a compreensão do que vem a ser a locução “abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias”, ínsita ao artigo 267, inciso III, do Código de Processo Civil, examinada da perspectiva do autor da ação, não difere da empregada na processualística penal, no tocante ao alcance que se deve emprestar ao termo “abandonar” e a sua repercussão para o processo do ponto de vista da atuação daquele sujeito da relação processual. Os renomados Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery tecem as seguintes considerações a respeito: “III: 7. Abandono de causa pelo autor. Para que se verifique esta causa de extinção do processo, é necessário o elemento subjetivo, isto é, a demonstração de que o autor deliberadamente quis abandonar o processo, provocando a sua extinção. Caso pratique algum ato depois de decorridos os trinta dias, o processo não deve ser extinto. O termo inicial do prazo ocorre com a intimação pessoal do autor para dar andamento 136 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 ao processo (CPC 267 § 1º). É vedado ao juiz proceder de ofício. Só pode extinguir o processo a requerimento do réu (STJ 240).” (Código de processo civil comentado e legislação extravagante: atualizado até 1º de março de 2006. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 435. Grifei) Já E. D. Moniz de Aragão, em obra clássica, pondera semelhantemente: “508. Abandono de causa pelo autor – O terceiro inciso, diferentemente do anterior, prevê uma sanção a ser imposta ao autor negligente. Trata-se de regra igual à que figurava no Código de 1939 (art. 201, V). A primeira circunstância a ser apurada é a responsabilidade do autor pela prática do ato que lhe incumbia, já agora tomado em consideração o elemento subjetivo. Se algum motivo de força maior impediu a sua realização, a pena não pode ser imposta. Não basta que o processo haja estado paralisado, é indispensável que o autor revele o intuito de abandoná-lo, o que não ocorre se o ato vier a ser praticado espontaneamente, mesmo depois de vencidos os 30 dias (desde que, é óbvio, não haja sido, ainda, requerida a extinção pela outra parte), ou quando intimado na forma do § 1º. (...)” (Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. v. II, arts. 154 a 269. 10. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 424. Grifei) Tais asserções bem revelam que o abandonar da causa, pelo demandante que litiga no terreno da jurisdição civil, sugere um ânimo terminativo, chegando a dela desistir, decisivamente. Nessa linha de raciocínio, não vejo porque não dar esse senso ao artigo 265 do Código de Processo Penal, emprestando-lhe a exigência de que o desleixo ao processo, pelo advogado, seja definitivo, consubstanciado em reiterados comportamentos indicativos de alguma modalidade de desídia na condução defensiva do feito, em manifesto prejuízo de seu constituinte, já em vias de se tornar indefeso, provando-se, necessariamente, o elemento subjetivo, para, somente à vista de tais circunstâncias, cogitar da aplicação da sanção pecuniária correspondente. Esta, gize-se, deve ficar reservada para as situações de extrema excepcionalidade, até mesmo porque contempla patamares valorativos que, se não sopesados com a prudência necessária em cada caso concreto, poderão em muito exceder os limites do razoável. É, a meu ver, a opção mais sensata e ponderada para a cognição sumária deste mandamus, que evita a confusão entre o abandono e a mera ausência injustificada, conceitos que traduzem realidades bem diferentes. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 137 Ora, na conjectura dos autos, não há lugar para um juízo categórico que abone o cabimento da medida adotada pelo Impetrado, pois, de um lado, não deixa de haver certa plausibilidade nos argumentos expendidos no petitório que requereu a reabertura do prazo decendial para a apresentação da defesa prévia, e, de outro, nada obstante o decurso do novo lapso deferido em sede de postulação prorrogatória, o Impetrante recobrou a condução do processo, firmando de próprio punho a peça defensiva ulteriormente protocolizada (fl. 266-verso), em conjunto com mandatários constituídos, como ele, em procuração plúrima, minimizando ou mesmo impedindo, com essa postura, eventuais prejuízos aos seus constituintes, a atestar que não houve afastamento definitivo em relação ao patrocínio da causa na aludida persecução penal. Daí que, mesmo abstraindo a questão de não ter sido oportunizada a manifestação prévia à imposição da penalidade, em todo caso capaz de elidi-la, forçoso reconhecer que, materialmente falando, o objeto tutelado pela norma do artigo 265 do Código de Processo Penal, ao contrário do que se supôs na instância a quo, não restou em nada ofendido. Logo, descaracterizada a figura jurídica que ensejou a aplicação da multa na espécie, resta prejudicada a alegação subjacente a respeito do quantum arbitrado (R$ 23.500,00), primo ictu oculi desproporcional com as circunstâncias que permeiam o mérito da impetração. Ante o exposto, e por tudo mais que consta dos autos, voto no sentido de conceder a segurança para anular a cobrança da sanção pecuniária, nos termos da fundamentação. 138 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 2009.70.00.006691-0/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Agravante: M.L.L. – réu preso Advogado: Defensoria Pública da União Agravado: Ministério Público Federal EMENTA Agravo em execução penal. Decisão que indeferiu pedido de expurgo de falta grave formulado por custodiado na penitenciária federal de Catanduvas/PR. Lesão corporal tentada. Arts. 52 e 49, parágrafo único, da Lei nº 7.210/84. Ofensa disciplinar. Ilícito administrativo. Separação das instâncias. A tentativa de lesão corporal entre apenados, no interior de presídio federal de segurança máxima, caracteriza a falta grave prevista nos arts. 52, primeira parte, e 49, parágrafo único, da Lei de Execução Penal. Impositivo reconhecer a separação das instâncias, administrativa e judiciária, na hipótese de faltas disciplinares. Perfectibilizado o ato delitivo, ainda que tentado, admissível a penalidade administrativa por parte da direção do presídio, não importando, para o caso em tela, as eventuais vicissitudes processuais futuras. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo em execução penal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado. Porto Alegre, 16 de setembro de 2009. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se de agravo interposto pela Defensoria Pública da União, na defesa de M.L.L. (fls. 2 a 6), contra decisão (fls. 7 a 9) que indeferiu pedido de expurgo de falta grave ao argumento de que houve efetiva comprovação de que R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 139 referido apenado envolveu-se em agressões, físicas e verbais, com outro interno da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR, configurando as hipóteses previstas nos artigos 52, primeira parte, e 49, parágrafo único, ambos da Lei nº 7.210/84. Em seu recurso, o apenado afirma não ter ocorrido agressão, nem mesmo tentada, mas, apenas, uma discussão acalorada, não havendo qualquer crime, até porque não instaurado processo penal com recebimento de denúncia. Foram juntadas contrarrazões (fls. 24 a 28 dos autos). Apresentando parecer (fls. 89 e 90-v), o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do agravo em execução. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Assim disse o “comunicado” que informou acerca das agressões mútuas ocorridas entre os internos (M.L.L. e S.S.R.), da Penitenciária de Catanduvas, em 11.05.2008 (fl. 44): “Informo a Vossa Senhoria que por volta das 15h20min, na vivência C, observei uma movimentação anormal em relação aos internos M.L.L., F.F.D.F. e S.S.R., uma vez que os mesmos há algum tempo se distanciaram do restante do grupo que tomava sol e, nesse momento, começaram a gesticular. (...) Logo em seguida solicitei apoio ao chefe de equipe e nesse momento os internos começaram a se agredir reciprocamente. Oportunidade essa em que eu solicitei por várias vezes, verbalmente, que os mesmos cessassem o tumulto e se dirigissem ao fundo do pátio, deitados com a mão na cabeça, sendo que não tive o comando atendido. Pensando na integridade física dos internos envolvidos e também percebendo que os outros internos que tomavam sol naquele horário começaram a querer participar do tumulto, se fez necessário efetuar um disparo de advertência para o alto com a calibre 12. Após o referido disparo, os internos, de imediato, se jogaram ao chão no fundo do pátio e com as mãos na cabeça, atendendo assim ao comando inicialmente dado. Nesse momento já se fazia presente o apoio solicitado, e então foram recolhidos os internos do banho de sol, sendo que os 3 internos envolvidos no tumulto foram recolhidos para a triagem (...).” A partir do “comunicado”, foi instaurado processo disciplinar para apurar os fatos (fls. 42 e 43), sendo reconhecido o cometimento de falta grave de M.L.L. e S.S.R. (fls. 69 a 76). O Diretor da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR assim funda140 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 mentou sua decisão (fl. 73): “(...) Com base nas imagens do circuito interno de vigilância, constata-se que a briga iniciou-se exatamente às 14:26:26 com um soco desferido pelo interno S.S.R. na direção do rosto do M.L.L. Está claro que um soco nesta direção não configura a contravenção de vias de fato, mas, no mínimo, tentativa de lesão corporal. Aliás, esta se difere daquela pelo seu elemento subjetivo, ou seja, pelo dolo de lesionar, de ofender a integridade física da pessoa, ao passo que naquela, embora haja em alguns casos o desforço físico, não há a intenção de lesionar ou de ofender a integridade física da outra pessoa. Da mesma forma, segundo mostra as imagens, exatamente às 14:26:37 é possível ver claramente a tentativa de lesão corporal por parte do interno M.L.L. ao desferir um chute contra o interno S.S.R., o que, de fato, configura a falta disciplinar de natureza grave (art. 45, inc. VII, do Decreto nº 6.049/07 e art. 129, caput, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal).” O comunicante Evaldo Santos Rocha, Agente Penitenciário Federal, afirmou (fls. 57 e 58) que os envolvidos M.L.L. e S.S.R. se afastaram dos demais e que, em determinado momento, “ouviu vozes alteradas no pátio e gestos bruscos por parte do interno S.S.R.” quando, em seguida, “os internos começaram a agredir-se mutuamente”, sem que fosse possível identificar quem agredia quem. Disse ter proferido ordem “para que todos os internos fossem para o fundo da cela e colocassem as mãos na cabeça”, mas que, como não obedeceram, nem após segunda ordem, “efetuou um disparo da espingarda calibre 12, com munição não letal, para o alto”, quando, aí sim, os internos o atenderam. Analisando o vídeo (fl. 85), o depoente afirmou que F.F.D.F. mediou a briga e que “o interno S.S.R. estava mais exaltado”, gritando e gesticulando. Também asseverou que, no seu “ponto de vista, houve tentativa de lesão corporal por parte dos internos”, que “S.S.R. e M.L.L. tentaram agredir-se mutuamente” e que “a lesão corporal não se consumou por circunstâncias alheias às vontades dos internos, ou seja, em razão da atuação do depoente; que pode afirmar que se não tivesse intervindo as lesões teriam se consumado; que pelas circunstâncias dos fatos o depoente pode afirmar que houve a tentativa de lesão corporal, e não apenas as vias de fato; que foi necessária a intervenção do depoente para que a lesão corporal não se consumasse”. Os envolvidos negam que os fatos tenham ocorrido da maneira referida (fls. 61 a 63); também outro apenado, D.R.V., negou os fatos (fl. 60), R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 141 dizendo tratar-se de uma discussão “bastante acalorada”. No particular, peço vênia para repisar parte do parecer do Ministério Público Federal (fl. 90): “(...) Sem embargo haja testemunho do interno D.R.V. (fl. 60) contrariando essas provas, o fato é que suas palavras deixam transparecer certa postura de proteção a seu colega de carceragem e mesmo algum antagonismo entre os detentos e os agentes, evidenciados especialmente quando há chancela à versão de que sucedera apenas discussão acalorada e quando há contrariedade ao enfatizado pelos agentes, sobretudo porque o depoente afirma que nenhuma ordem precedera o disparo e que este fora efetuado na direção dos segregados. Veja-se que essa versão, em parte de suas nuanças – mormente nas alegadas ausência de ânimo de causar ofensas corpóreas e inação da autoridade policial quando do início dos desentendimentos –, vem sustentada também por S.S.R. e por F.D.F. (fls. 63 e 64), o primeiro igualmente implicado nas agressões e o último certamente ligado aos envolvidos, pois com eles estava por ocasião do evento e tentou apartá-los. Logo, tais elementos mostram-se inaptos a afastar as provas coligidas em direção oposta àquela da argumentação recursal.” O exame do DVD acostado na fl. 85 bem traduz a conduta tipificada na forma de lesão corporal tentada (art. 129 c/c art. 14, II, ambos do CP), não se sustentando a tese de que o ocorrido configurou mera contravenção na forma de “vias de fato”. O fato é que ocorreu o tipo penal, mas, por obra da intervenção do servidor público, o foi na modalidade tentada. O art. 52 da Lei de Execução Penal assim diz: “Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e sujeita o preso, ou condenado, à sanção disciplinar, sem prejuízo da sanção penal.” E, antes dele, o art. 49, no seu parágrafo único, assim disciplina em relação à tentativa: “Art. 49. As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as respectivas sanções. Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a sanção correspondente à falta consumada.” Relevante, no tópico, reproduzir parte da decisão recorrida (fl. 7-v e 8): “Sobreleva destacar que comportamentos graves como o praticado, a par de reprovabilidade no convívio normal, merecem ainda maior reprovação num presídio de segurança máxima, não podendo se olvidar que a disciplina e a urbanidade e o respeito no trato com os demais condenados constituem, dentre outros, deveres do apenado (artigo 39 da LEP).” 142 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Por fim, em relação ao fato de não ter sido instaurado processo penal com recebimento de denúncia, cabe ressaltar, primeiramente, que a legislação de regência, como já visto, prevê, em relação às faltas disciplinares, a punição da tentativa. Por outro lado, não se pode esquecer a separação das instâncias no tocante às esferas administrativa e judicial. Assim, perfectibilizado o ato, ainda que tentado, deixam de interessar, para o caso em tela, as eventuais vicissitudes processuais futuras. O que é relevante é a existência de um mau comportamento entre detentos e o fato de a Lei de Execução Penal fazer previsão à hipótese de infração disciplinar quando houver ação similar a fato que constitua crime. Isso posto, nego provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, nos termos da fundamentação. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 143 144 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DIREITO PREVIDENCIÁRIO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 145 146 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2002.04.01.050791-4/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper Autor: Alvino Felicio da Silva Advogados: Drs. José Ricardo Margutti e outros Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional do INSS EMENTA Previdenciário. Ação rescisória. Art. 485, V, do CPC. Exercício de atividades agrícolas antes dos 14 (catorze) anos de idade. Matéria de natureza constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343 do STF. 1. Entende o STF que a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não possua a idade mínima para tal [podendo ser 12 (art. 158, X, da CF/1967 e art. 165, X, na redação dada pela EC nº 1/1969), 14 (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, em sua redação original) ou 16 anos (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, com a redação dada pela EC nº 20/1998), conforme a época] não pode ser aplicada em seu desfavor; em consequência, não podem ser negados aos menores que se encontram em tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho; que a decisão que não reconhece tais direitos viola o art. 165, XVI, da Constituição Federal de 1967 (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/1969), que encontra correspondência ou similitude, precisamente no tocante à questão em discussão neste processo, nos artigos 7º, XXIV, e 201, § 7º, da Constituição Federal de 1988, que, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 147 respectivamente, inclui a aposentadoria como um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, observadas as condições que elenca (tempo de contribuição e idade). Precedentes. 2. O reconhecimento, como tempo de serviço, da atividade rural de segurados antes dos 14 (quatorze) anos de idade envolve questão de natureza constitucional. 3. Tratando-se de matéria de natureza constitucional, não incide a limitação da Súmula 343 do STF [“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”], de forma que “Cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.” (RE-ED 328.812/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 30.04.2008) 4. O acórdão que entende não ser possível o cômputo do tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período anterior aos 14 (quatorze) anos de idade pode ser rescindido por violação aos arts. 7º, XXIV, e 201, § 7º, da CF/1988. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 11 de janeiro de 2010. Des. Federal Celso Kipper, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Trata-se de ação rescisória ajuizada em 12.11.2002 (fl. 02) por Avelino Felicio da Silva, com fundamento no artigo 485, V, do CPC, objetivando desconstituir acórdão proferido pela Colenda 5ª Turma deste Tribunal que, julgando comprovado o exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar 148 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 no período de 08.11.1970 a 27.07.1979, deixou de computar o período de 08.11.1968 a 08.11.1970, isto é, o trabalho agrícola exercido dos 12 aos 14 anos. O autor sustenta que o acórdão rescindendo violou o disposto nos arts. 158, X, da CF/67 e 5º, XXXVI, da CF/88. Postula o reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar desde 08.11.1968, data em que completou doze anos de idade. Citado, o INSS ofereceu contestação aduzindo que o pedido rescisório não é cabível, porque a questão sub judice diz respeito a texto legal de interpretação controvertida nos tribunais. Alternativamente, sustentou que não é cabível o cômputo de tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período anterior à data em que o segurado completou quatorze anos de idade (fls. 121-128). O Ministério Público Federal opinou pela procedência do pedido (fls. 155-157). Em julgamento realizado em 11.11.2004 (fls.163-166), a Terceira Seção desta Corte extinguiu o processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI, CPC), ao entendimento de que (a) a questão atinente à possibilidade do cômputo do tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período anterior à data em que o segurado completou 14 anos de idade (art. 11, inc. VI e § 1º, da Lei nº 8.213/91) era matéria de interpretação controvertida nos Tribunais na época da prolação do acórdão rescindendo, incidindo, pois, o disposto na Súmula 343 do STF, e (b) a controvérsia em foco teria natureza infraconstitucional (interpretação do art. 11, inc. VI e § 1º, da Lei 8.213/91), ainda que o autor tenha fundamentado o pedido rescisório em dispositivos constitucionais, não sendo o caso, pois, de aplicação da Súmula 63 deste Regional, que afasta a aplicação da Súmula 343 do STF em matéria constitucional. A parte autora apresentou Recurso Especial (fls. 169-176), tendo sido provido pela Colenda Quinta Turma do STJ (fls. 192-196) “para afastar o óbice do enunciado sumular 343/STF e determinar que o Tribunal de origem aprecie o mérito da ação rescisória proposta pelo segurado” (fl. 195). Em 13.11.2009 os autos vieram-me conclusos. É o relatório. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 149 VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Como se sabe, a posição desta Terceira Seção é no sentido de que o reconhecimento, para fins previdenciários, da atividade rural antes dos 14 anos de idade envolve interpretação de legislação infraconstitucional que, em tempos passados, constituía matéria controvertida nos Tribunais, razão pela qual não caberia ação rescisória da decisão que tratasse do assunto, à vista do disposto na Súmula nº 343 do STF, verbis: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Tal posição, é bom que se diga, por amor à história jurisprudencial desta Corte, vem sendo tomada desde o julgamento na AR n. 2002.04.01.036914-1/RS, Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, DJU de 22.09.2004. Com base nesse precedente, foi julgado extinto o presente processo, sem apreciação do mérito, por incabível a ação rescisória. No entanto, como dito no relatório, não foi esta a interpretação dada pela egrégia Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial para afastar o óbice do enunciado sumular 343/STF e determinar que este Tribunal aprecie o mérito da ação rescisória proposta pelo segurado. Eis o inteiro teor do voto-condutor do eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima: “O acórdão recorrido entendeu que, embora o segurado tenha invocado dispositivos constitucionais para embasar o pleito rescisório, ‘a controvérsia em foco tem natureza infraconstitucional (interpretação do art. 11, inc. VI e § 1º, da Lei nº 8.213/1991)’ (fl. 164), motivo pelo qual aplicou o enunciado sumular 343/STF. Todavia, o reconhecimento de trabalho exercido por menor de catorze anos é tema que já foi alçado e apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Confira-se: ‘Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86. 5. Agravo de instrumento a que se 150 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 nega provimento.’ (AI 529.694/RS, Segunda Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ 11.03.2005) Merece consulta também: AI-AgR 476.694/RS, Segunda Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ 11.03.2005. Parece claro, portanto, que a matéria envolve contencioso constitucional, apto a atrair a jurisdição da Corte Suprema. Sendo assim, nos termos da pacífica jurisprudência daquela Corte e do Superior Tribunal de Justiça, presente tema de índole constitucional, é de rigor o afastamento do verbete sumular 343/STF. Ilustrativamente, no essencial: ‘EMENTA: Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria. 4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.’ (RE-ED 328.812/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 30.04.2008 – grifei) ‘CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. ACORDO PARA FINS DE EXECUÇÃO DO JULGADO. CARÊNCIA DE AÇÃO. PERDA DE OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚMULA 343/STF. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. SERVIDOR PÚBLICO. VENCIMENTO BÁSICO. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 7º, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. (...) 3. O óbice da Súmula 343/STF, segundo a qual é incabível ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei quando fundada a decisão rescindenda em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, é afastado quando a matéria é de índole constitucional. (...) 5. Pedido julgado procedente.’ (AR 1.359/RO, Terceira Seção, de minha relatoria, DJ 27.11.2006) Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar o óbice do enunciado sumular 343/STF e determinar que o Tribunal de origem aprecie o mérito da ação rescisória proposta pelo segurado. É o voto.” R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 151 Em verdade, a posição do egrégio Supremo Tribunal Federal, s.m.j., oscilou a respeito nos últimos anos. Em pesquisa ao site do STF, encontrei, entre os anos de 2001 e 2003, apenas decisões no sentido de que a matéria enfocada é de índole infraconstitucional [RE 329.525/RS, Min. Carlos Velloso, decisão monocrática publicada no DJ de 08.04.2002; RE 297.209/PR, Min. Sydney Sanches, decisão monocrática publicada no DJ de 16.12.2002; AI 428.600/RS, Min. Carlos Velloso, decisão monocrática publicada no DJ de 20.05.2003]. Nos anos de 2005 e 2006, há decisões em ambos os sentidos, ou seja, que a questão encontra solução em norma infraconstitucional [AI-AgR 510.128, DJ de 29.04.2005; RE 449.012, DJ de 04.05.2005; AI 527.589, DJ de 17.08.2005; a primeira, de relatoria do Min. Carlos Velloso, e as demais, decisões monocráticas do mesmo Ministro] ou, ao revés, que a questão é de natureza constitucional [AI 529.694, DJ de 11.03.2005; AI 500.233, DJ de 14.09.2005; AI-AgR 522.678, DJ de 08.05.2006, a primeira, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, e as demais, decisões monocráticas do mesmo Ministro]. A posição que, ao que parece, tem prevalecido é essa última, à vista das decisões monocráticas da eminente Ministra Carmen Lúcia, proferidas em 2008, no RE 439.764, DJe de 30.04.2008, e no AI 502.246, DJe de 30.09.2008. As últimas decisões (da Min. Carmen Lúcia), aliadas às dos precedentes de relatoria ou decididas monocraticamente pelo Min. Gilmar Mendes, demonstram expressa e suficientemente a posição do STF no sentido da possibilidade do cômputo, como tempo de serviço, da atividade rurícola desempenhada por menor de 14 anos de idade. Se o Superior Tribunal de Justiça e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal têm assentado que a análise do reconhecimento, como tempo de serviço, da atividade rural desempenhada pelo menor de 14 anos envolve matéria constitucional, penso que devemos alterar o entendimento sobre o tema no âmbito do julgamento das ações rescisórias. Aliás, esta Corte, em vários julgados, tem decidido a questão com enfoque constitucional, como se vê, a título de exemplo, de votos de minha autoria, (AC n.º 2007.71.00.048872-0/RS, sessão de 04.11.2009, D.E de 13.11.2009; AC nº 2004.04.01.003086-9/RS, sessão de 27.01.2009, D.E de 10.02.2009), assim assentados: 152 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 “Também se discute, na presente ação, sobre a possibilidade de ser reconhecido, para fins de aposentadoria, tempo de serviço referente à atividade rural em regime de economia familiar exercida por menor com idade inferior a catorze anos. O reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar deu-se somente a partir da edição da Lei 8213/91, que, em seu art. 11, inciso VII, e § 1º, assim dispõe: ‘Art. 11 – São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (...) omissis VII – como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. § 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados. (...)’ A mesma Lei nº 8.213/91, em seu art. 55, § 2º, possibilita que o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de sua vigência, seja computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência. E é com relação a esse tempo de serviço – anterior ao início da vigência da Lei nº 8.213/91 – que se trata aqui. Pois bem, o art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91, acima transcrito, estabelece a idade mínima de 14 anos para que o trabalhador rural em regime de economia familiar possa ser considerado segurado especial da Previdência Social. A idade de 14 anos não é aleatória. À toda evidência, o legislador procurou coerência com a idade mínima permitida para o exercício de atividade laboral segundo a norma constitucional vigente quando da edição da Lei supramencionada. A lógica foi a seguinte: se o art. 7º, inc. XXXIII, da Constituição Federal de 1988, em sua versão original, proibia qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, deveria esta idade ser considerada limite mínimo para a obtenção da condição de segurado especial e, em consequência, para o reconhecimento do tempo de serviço rural. Desde já é preciso dizer que tal lógica não pode prevalecer para períodos anteriores à proibição de trabalho para menores de quatorze anos de idade. Assim, sob a égide das Constituições Federais de 1967 e 1969, proibia-se o trabalho a quem contasse menos de 12 anos de idade. Ora, em tal período deveria ser reconhecido para fins previdenciários, pelo menos, o trabalho rural desempenhado a partir dos 12 anos de idade. Aliás, é essa a interpretação dada à Lei nº 8.213/91 pelo próprio INSS no âmbito administrativo, como se vê da Ordem de Serviço INSS/DSS 623, de 19 de maio de 1999 (DOU de 08.07.1999): R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 153 ‘2 - DO LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NO RGPS 2.1 – O limite mínimo para ingresso na Previdência Social dos segurados que exercem atividade urbana ou rural é o seguinte: a) até 28.02.67 = 14 anos; b) de 01.03.67 a 04.10.88 = 12 anos; c) de 05.10.88 a 15.12.98 = 14 anos, sendo permitida a filiação de menor aprendiz a partir de 12 anos; d) a partir de 16.12.98 = 16 anos, exceto para o menor aprendiz, que é de 14 anos.’ Procurei demonstrar que a idade mínima considerada pela Lei nº 8.213/91 para possibilitar que o trabalhador rural em regime de economia familiar seja considerado segurado especial está intimamente ligada à idade mínima constitucionalmente prevista para o exercício de qualquer trabalho. Mas não é só. Na verdade, desde há muito tempo, tem-se considerado pelos tribunais pátrios, inclusive o Supremo Tribunal Federal, que não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral, ainda que contrariamente à Constituição e à lei, no tocante à idade mínima permitida para o referido trabalho. O limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em prol do menor, vale dizer, norma protetiva do menor norteadora da legislação trabalhista e previdenciária. A mesma norma editada para proteger o menor não pode, no entanto, prejudicá-lo naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalhou. Nesse sentido, em matéria previdenciária, precedente do Supremo Tribunal Federal, sob o regime constitucional anterior: ‘ACIDENTE DO TRABALHO. SEGURO OBRIGATÓRIO ESTABELECIDO NO ART. 165, XVI, DA CONSTITUIÇÃO: ALCANCE. CONTRATO LABORAL COM AFRONTA À PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO DO MENOR DE DOZE ANOS. Menor de doze anos que prestava serviços a um empregador, sob a dependência deste, e mediante salário. Tendo sofrido o acidente de trabalho, faz jus ao seguro próprio. Não obsta ao beneficio a regra do art. 165, X, da Carta da República, que foi inscrita na lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, não em seu detrimento. Recursos extraordinários conhecidos e providos.’ (STF, RE 104.654-6/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado unânime em 11.03.86, DJ 25.04.86, p. 6.514) Do voto do ilustre Ministro Relator, extraio um parágrafo que resume o fundamento daquela decisão: ‘Está claro, ainda, que a regra do inciso X do mesmo dispositivo constitucional – proibindo qualquer trabalho ao menor de doze anos – foi inscrita na lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, e não em seu detrimento. Não me parece, assim, razoável o entendimento da origem, que invoca justamente uma norma voltada para a melhoria da condição social do trabalhador, e faz dela a premissa de uma conclusão que 154 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 contraria o interesse de seu beneficiário, como que a prover nova espécie de ilustração para a secular ironia ‘summum jus, summa injuria’.’ Vê-se, pois, que o STF alarga ainda mais a interpretação acima deduzida. Já não se trata de limitar os efeitos de natureza previdenciária àquelas atividades desempenhadas segundo a idade constitucionalmente permitida, considerando-se a Constituição vigente à época do efetivo exercício laboral, mas de estender aqueles efeitos mesmo se o exercício do trabalho tenha se dado contra expressa proibição constitucional, relativa à idade mínima para tal. Tal entendimento vem também evidenciado no recente precedente de que colho a ementa a seguir: ‘Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5°, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86. 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento.’ (Agravo de Instrumento nº 529.694-1/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 11.03.2005) Existe outro fundamento relevante para o reconhecimento de efeitos previdenciários àquele que, embora conte com idade inferior à mínima permitida para o exercício de qualquer trabalho, efetivamente o desempenhe. Trata-se de um argumento que diz respeito ao seu contrário, ou seja, à hipótese de não reconhecimento daqueles efeitos, e pode ser resumido assim: a vida e o direito, nesse caso, seriam muito cruéis para o menor, criança ainda, pois além de ter sido obrigado ao trabalho em tenra idade – sem valer-se da proteção da família e do Estado – ainda não teria considerado tal trabalho para fins previdenciários, resultando, na prática, uma dupla punição. Com base em tais fundamentos, o Superior Tribunal de Justiça vem, reiteradamente, reconhecendo para fins previdenciários o tempo de serviço rural desempenhado antes dos quatorze anos de idade, como se constata, apenas a título de exemplo, das decisões assim ementadas: ‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO. RURÍCOLA. MENOR DE 12 ANOS. LEI Nº 8.213/91, ART. 11, INCISO VII. PRECEDENTES. SÚMULA 07/STJ. 1 – Demonstrado o exercício da atividade rural do menor de doze anos em regime de economia familiar, o tempo de serviço é de ser reconhecido para fins previdenciários, porquanto as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo, e não para prejudicá-lo. Precedentes. 2 – Recurso especial conhecido.’ (STJ, RE 331.568/RS, 6ª Turma, Rel. Min. FerR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 155 nando Gonçalves, julgado unânime em 23.10.2001, DJ 12.11.2001) ‘PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE. POSSIBILIDADE. NORMA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER PROTECIONISTA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO AOS DIREITOS DO TRABALHADOR. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. ART. 255 E PARÁGRAFOS DO RISTJ. – Desde de que comprovada atividade rural por menor de 12 (doze) anos de idade, impõe-se o seu reconhecimento para fins previdenciários. Precedentes. – A simples transcrição de ementas não é suficiente para caracterizar o dissídio jurisprudencial apto a ensejar a abertura da via especial, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, bem como juntadas certidões ou cópias integrais dos julgados paradigmas. – Inteligência do art. 255 e seus parágrafos do RISTJ. – Precedentes desta Corte. – Recurso parcialmente conhecido, e nessa parte provido.’ (STJ, RE 396.338/ RS, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado unânime em 02.04.2002, DJ 22.04.2002) ‘PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. NOTAS FISCAIS EM NOME DO PAI. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CÔMPUTO DE ATIVIDADE RURAL EXERCIDA ANTES DE COMPLETAR QUATORZE ANOS DE IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. POSSIBILIDADE. ALUNOAPRENDIZ. ESCOLA PÚBLICA PROFISSIONAL. I – As notas fiscais de produtor rural, em nome do pai do autor, constituem início razoável de prova material, a completar a prova testemunhal, para comprovação de atividade rural em regime de economia familiar. II – Deve-se considerar o período de atividade rural do menor de 12 (doze) anos, para fins previdenciários, desde que devidamente comprovado, pois a proteção conferida ao menor não pode agora servir para prejudicá-lo. III – O tempo de atividade como aluno-aprendiz é contado para fins de aposentadoria previdenciária. IV – Recurso conhecido e provido.’ (STJ, RE 382.085, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado unânime em 06.06.2002, DJ 01.07.2002) De qualquer sorte, o efetivo exercício da atividade rural deve ser comprovado, não bastando, obviamente, a comprovação de que seja filho de agricultor. Para tanto, devem ser comprovados os requisitos do art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91 (trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados).” A esses fundamentos, há de se agregar outro, o qual também alicerçou o julgamento da 2ª Turma do STF, acima referido (AI 529.694): os 156 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 benefícios previdenciários a que o trabalhador tem direito não decorrem da higidez da atividade laboral, mas, e sobretudo, da prática do ato-fatotrabalho. Eis um trecho do voto do Min. Gilmar Mendes, baseado em parecer que Sua Excelência lavrou sob a égide da Constituição de 1967, mas, segundo o próprio julgado, cujas lições continuam atuais: “20. No caso em apreço, o v. aresto recorrido considerou que, estando vedado o exercício de atividade laboral, por força de mandamento constitucional, não poderia o INPS ser responsabilizado pelo acidente sofrido por aquele a quem a Constituição impede o exercício do trabalho remunerado (CF, art. 165, X) e, consequentemente, a vinculação ao regime previdenciário. 21. Não parece subsistir dúvida de que, ao assim decidir, o Egrégio Tribunal a quo extraiu conclusão contrária ao sentido e ao conteúdo do preceito constitucional. Como já amplamente demonstrado, hão de se reconhecer os efeitos jurídicos relevantes dimanados da referida relação, tendo em vista o fundamento da nulidade, não se podendo aplicar a regra protetiva em desfavor do menor. 22. Acentue-se, outrossim, que não há que se cogitar aqui da responsabilização da Previdência Social por ato ilícito de outrem, mas tão somente de reconhecer o direito do trabalhador aos benefícios previdenciários, que não decorrem propriamente da higidez da relação de emprego, mas, e sobretudo, da prática do ato-fato-trabalho (CF, art. 165, XVI).” O art. 165, XVI, da Constituição de 1967 (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1/1969), citado no voto, dispõe: “Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: (...) XVI – previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, segurodesemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado;” Em suma, entende o STF que a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não possua a idade mínima para tal [podendo ser 12 (art. 158, X, da CF/1967 e art. 165, X, na redação dada pela EC nº 1/1969), 14 (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, em sua redação original) ou 16 anos (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, com a redação dada pela EC nº 20/1998), conforme a época] não pode ser aplicada em seu desfavor; em consequência, não podem ser negados aos menores que se encontram em tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho; que a decisão que não reconhece tais direitos viola o art. 165, XVI, da R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 157 Constituição Federal de 1967, que encontra correspondência ou similitude (digo eu), precisamente no tocante à questão em discussão neste processo, nos artigos 7º, XXIV, e 201, § 7º, da Constituição Federal de 1988, que, respectivamente, inclui a aposentadoria como um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, observadas as condições que elenca (tempo de contribuição e idade). Pois bem, tratando-se de matéria de natureza constitucional, não incide a limitação da Súmula 343 do STF, acima transcrita, conforme decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 328.812-1, cuja ementa também foi reproduzida acima. A respeito, lapidar o voto condutor daquele acórdão, de lavra do eminente Ministro Gilmar Mendes, do qual transcrevo os seguintes excertos: “No que tange à inaplicabilidade da Súmula 343/STF, tenho reiteradamente observado nesta Corte que este verbete precisa ser revisto. Refiro-me, especificamente, aos processos que identificam matéria contraditória à época da discussão originária, questão constitucional, bem como jurisprudência supervenientemente fixada, em favor da tese do interessado. Não vejo como não afastarmos a Súmula 343, nessas hipóteses, como medida de instrumentalização da força normativa da Constituição. (...) A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação ‘qualificada’. Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, para fim de ajustá-la à ordem constitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória? Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para admissão das ações rescisórias. Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição. (...) Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz, em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária 158 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional. Nesse ponto, penso que é fundamental lembrar que nas decisões proferidas por esta Corte temos um tipo especialíssimo de concretização da Carta Constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional. A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave que a violação à lei. (...) De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação constitucional do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada. (...) Considerada tal distinção, tenho que aqui a melhor linha de interpretação do instituto da rescisória é aquela que privilegia a decisão desta Corte em matéria constitucional. Estamos aqui falando de decisões do órgão máximo do Judiciário, estamos falando de decisões definitivas e, sobretudo, estamos falando de decisões que, repito, concretizam diretamente o texto da Constituição. Assim, considerado o escopo da ação rescisória, especialmente aquele descrito no inciso V do art. 485 do CPC, a partir de uma leitura constitucional deste dispositivo do Código de Processo, já não teria dificuldades em admitir a rescisória no caso em exame, ou seja, nos casos em que o pedido de revisão da coisa julgada funda-se em violação às decisões definitivas desta Corte em matéria constitucional. (...) A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal. (...) A interpretação restritiva, considerado esse modelo em que as questões constitucionais chegam ao Supremo tardiamente, cria uma inversão no exercício da interpretação constitucional. A interpretação dos demais tribunais e dos juízes de primeira instância acaba por assumir um significado muito mais relevante que o pronunciamento desta Corte. Não posso aceitar isso. Isso não é, por evidente, uma rejeição ao modelo difuso. O que quero enfatizar é que estamos aqui diante de uma distorção do modelo que merece ser corrigida. A rescisória, tal como se coloca no presente caso, serve justamente para permitir essa correção. A exegese restritiva, que na verdade assume um caráter excessivamente defensivo, acaba por privilegiar a interpretação controvertida, para a mantença de julgado desenvolvido contra a orientação desta Corte; significa afrontar a efetividade da Constituição. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 159 Isso não me parece aceitável, com a devida vênia.” (grifei) Em suma, considerando que a posição do STF é clara no sentido de ser possível o cômputo, como tempo de serviço, da atividade rurícola do menor de 14 anos; que o mesmo Supremo Tribunal, por seu Plenário, decidiu que “a manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional” e que “cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal”; e que a decisão rescindenda, ao não reconhecer o tempo de trabalho rural de menor de 14 anos, afastou-se da atual posição do STF, deve a presente ação ser julgada procedente. Passo, pois, ao juízo rescisório. Considerando que o objeto da ação rescisória envolve matéria exclusivamente de direito, porquanto pretende apenas a rescisão do tópico do acórdão que estabeleceu limite etário mínimo para o cômputo de atividades agrícolas para fins previdenciários, desnecessária a reiteração da análise da prova produzida. Assim, as atividades desenvolvidas pelo autor podem ser resumidas do seguinte modo: Tempo de serviço reconhecido na via administrativa 20a 02m 29d Tempo de serviço agrícola reconhecido na ação originária, não impugnado na presente ação rescisória (08.11.1970 a 27.07.1979) 08a 08m 19d Tempo de serviço agrícola dos 12 aos 14 anos, computados em face da presente ação rescisória Total 02a 00m 00d 30a 11m 18d A carência também resta preenchida, pois o demandante verteu, de forma ininterrupta, mais de 150 contribuições até 1996, cumprindo, portanto, a exigência do art. 142 da Lei de Benefícios. Contando o autor, na data do requerimento administrativo, 30 anos, 11 meses e 18 dias de tempo de serviço, e implementada a carência mínima, é devida, pois, a aposentadoria por tempo de serviço proporcional, 160 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 com renda mensal inicial de 70% do valor do salário de benefício, nos termos do art. 53, II, da Lei nº 8.213/91, a contar da data do protocolo administrativo (07.05.1996), de acordo com os artigos 54 e 49, II, daquele mesmo diploma legal, razão pela qual, em juízo rescisório, nego provimento ao apelo e à remessa oficial. Sucumbente, pagará o INSS, em juízo rescindendo, honorários de R$ 465,00, em face do baixo valor atribuído à causa (R$ 2.400,00), e, em juízo rescisório, 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a presente decisão (Súmula 111 do STJ). Não há depósito a ser levantado. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, de que fui relator para o acórdão, julgado em 09.08.2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte-autora (CPF nº 370.143.900-15), a ser efetivada em 45 dias. Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação rescisória, nos termos da fundamentação. VOTO-VISTA O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Carlos Cervi: Fiz detida análise do caso, após exame dos autos, e cheguei a conclusão idêntica à do relator. Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação rescisória. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 161 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2005.70.00.018333-7/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti Embargante: Paulo Afonso Borba Rolim Advogada: Dra. Maria Gomes Sampaio Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional do INSS EMENTA Tempo de serviço. Filho menor de cartorário. Regime de economia familiar urbano. Não pode ser computado como tempo de serviço para fins previdenciários, independentemente de contribuição, o período em que o filho menor trabalhava sob as ordens do pai, titular de ofício de Registro de Imóveis, em regime de economia familiar urbano, inassimilável a contrato de trabalho. Tempo de serviço. Irmão de cartorário. Sociedade de fato. Não cabe computar como tempo de serviço para fins previdenciários, independentemente de contribuição, o período de trabalho na qualidade de sócio de fato do irmão, titular de Registro de Imóveis, inferida essa condição das peculiaridades do caso concreto (tinha experiência no ofício, não era registrado como os empregados do cartório, não estava sob as ordens do pai). ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o relator, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 01 de outubro de 2009. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, Relator para o acórdão. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Trata-se 162 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 de embargos infringentes opostos por Paulo Afonso Borba Rolim contra pronunciamento da 5ª Turma desta Corte que, por maioria de votos de seus membros, deu provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, reformando a sentença que havia julgado procedente o pedido de concessão da aposentadoria por tempo de serviço integral, desde a data do primeiro requerimento administrativo (19.10.1998), mediante o reconhecimento das atividades urbanas exercidas pelo autor no Cartório do Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, nos intervalos compreendidos entre 05.02.1958 e 31.05.1966 (como ficharista) e entre 02.06.1966 e 30.09.1977 (como datilógrafo). O voto vencedor, proferido pelo Des. Federal Rômulo Pizzolatti, o qual restou acompanhado pelo revisor Juiz Federal Luiz Carlos Cervi, entendeu, em suma, ser indevido o reconhecimento, para fins previdenciários, do tempo de serviço prestado em cartório de registro de imóveis de que eram titulares o pai e o irmão do postulante, em virtude da falta de caracterização da relação de emprego, quando o trabalho era desempenhado em regime de economia familiar, como aprendiz do ofício e dependente do pai, ou em sociedade de fato com o próprio irmão. Em contrapartida, o voto vencido, exarado pelo relator, Juiz Federal Artur César de Souza, sustentou que teria sido devidamente comprovado nos autos mediante início de prova material, respaldada por prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório, que a parte-autora exerceu atividades urbanas nos lapsos em debate, ressaltando ser ônus do empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, fazendo jus à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço integral, a contar da data do protocolo administrativo (19.10.1998). Almeja o embargante a prevalência do voto vencido que negou provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, confirmando o teor da sentença proferida. Transcorreu in albis o prazo para impugnação ao presente recurso. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Tratando-se de embargos infringentes, a discussão deve limitar-se à matéria objeto da divergência. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 163 Com efeito, a controvérsia objeto dos presentes embargos diz respeito à possibilidade de reconhecimento das atividades urbanas desenvolvidas pelo postulante durante os períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977, nas funções de ficharista e datilógrafo, respectivamente, junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, que pertenceu ao seu pai e, após, ao seu irmão, para efeito de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço integral. Reconhecimento do tempo de serviço urbano O tempo de serviço urbano pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea – quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas –, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91. Entendo ser desnecessária a apresentação de documentos referentes a todo o período que se pretende provar. Com efeito, o comando legal determina início de prova material do exercício de atividades, e não prova plena (ou completa) de todo o período alegado pelo autor, pois a interpretação aplicável, quanto ao ônus da prova, não pode ser aquela com sentido inviabilizador, desconectado da realidade social. Ademais, não há confundir início de prova material do exercício da atividade laboral com prova material do início dessa atividade. Assim, o início de prova documental é lastro para todo o período alegado. Do caso concreto No caso em apreço, para fazer prova do exercício da atividade, o autor acostou, entre outros, os seguintes documentos: a) declaração registrada em cartório por seu genitor, na condição de Oficial Titular Vitalício do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, datada de 13.12.1966, mencionando que o requerente labutou naquele cartório entre 05.02.1958 e 31.05.1966, na função de ficharista (fl. 21); b) declaração registrada em cartório por seu irmão, na condição de Oficial Titular Vitalício do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, datada de 05.09.1983, atestando que o postulante 164 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 trabalhou naquele cartório entre 02.06.1966 e 30.09.1977, na função de datilógrafo (fl. 22); c) certidões do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, em que consta a inscrição final “Eu, Paulo Afonso B. Rolim, que a datilografei”, datadas de 02.08.1958, 14.07.1959, 03.10.1959, 07.03.1960, 10.02.1961, 10.01.1967, 19.01.1968, 02.04.1969, 28.08.1970 e 01.06.1971 (fls. 25-36); d) laudo de exame grafotécnico, tendo como objeto um Livro de Registro de Transcrições do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição Imobiliária da comarca de Curitiba/PR, com termo de abertura em 17.05.1960, no qual concluiu que todos os lançamentos manuscritos que integram a averbação nº 3741, datada de 09.12.1966, constante na fl. 157-v, procedem do próprio punho do autor (fls. 67-81); e) simulação de tempo de serviço do INSS, em que este chega a reconhecer o período urbano exercido pelo autor, entre 01.01.1964 e 31.12.1964, junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR (fls. 90-92). Os documentos constituem início de prova material, uma vez que albergam boa parte dos interregnos controvertidos. Quanto à prova testemunhal, restou realizada audiência de instrução e julgamento, em 18.10.2005 (fls. 72-74), na qual os depoentes confirmam o exercício de atividades urbanas pela parte-autora junto ao Cartório do 2º Registro de Imóveis de Curitiba/PR. Senão, veja-se: Carmen Madejski (fl. 182 – grifei): “(...) sempre trabalhou em cartórios e conheceu o autor por volta de 1963/64; que o autor trabalhava no cartório do pai, Waldemar Borba Rolim; que o cartório ficava na esquina da Marechal Deodoro com a Floriano Peixoto; que só começou a trabalhar nesse cartório em 1970; que antes trabalhava na 6ª Circunscrição, de Alípio Maciel; que fez concurso para ingresso no cartório em 1965; que o cargo para o qual concorreu era de escrevente juramentado (suboficial); que antes disso também trabalhava no cartório, mas não tinha CTPS assinada; (...) que não sabe ao certo se a legislação da época previa a possibilidade de os oficiais de cartório contratarem empregados celetistas, mas acredita que sim; que quando entrou no cartório ninguém tinha CTPS assinada; que se aposentou como funcionária do Estado, pelo Tribunal de Justiça; que o autor tinha 14/15 anos quando o conheceu; (...) que quando conheceu o autor ele estudava, acredita que de manhã; que o autor trabalhava no cartório antes de 1970; que quando passava por lá sempre subia para falar com uma amiga e falar com o pai do autor e R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 165 então via o autor a trabalhar; que o autor batia certidões e telefonava; que antes de 1970 o cartório possuía 4 funcionários; que lembra apenas do nome do irmão do autor, DINIZ; que o autor ia sempre para o Cartório trabalhar, aprender o serviço; que o irmão mais velho, Rogério, não trabalhava no Cartório; que o cartório trabalhava de 13h às 17h, um horário bom, que permitia ao autor trabalhar sem prejudicar sua formação; que em 1970 pediu transferência para esse cartório, onde ficou até se aposentar em 1991; que quando entrou no Cartório já era o irmão do autor o titular; que não sabe se o irmão do autor fez concurso para titular; que nesses vinte e um anos o autor sempre trabalhou no cartório; que no começo o autor batia certidões, cuidava do fichário, e depois passou a ser conferente; que não sabe por que o irmão não registrou o autor, mas os outros funcionários eram registrados em CTPS; acredita que isso ocorreu por serem eles irmãos; que os funcionários eram pagos em dinheiro vivo; que depois de uma certa época começou a ter ficha de registro de empregados; que, de 1970 em diante, trabalhavam no cartório 6 pessoas, mais o titular; que o autor sempre recebia como funcionário, mas não sabe se ele recebia participação nos rendimentos da escrivania; que o irmão era o titular até 1988/1989, quando então o ofício foi repassado para Milene Berthier Name; que depois de 1970 o autor fazia expediente completo, uma vez que trabalhava à noite; que acredita que os funcionários recebiam folhas de pagamento e passavam recibos dos salários;” Terezinha de Jesus Sant’Ana (fl. 184 – grifei): “(...) conhece o autor desde o final de 1966, quando começou a trabalhar no 5ª CRI, cujo titular era Maurino Carraro; que o autor trabalhava no 2° CRI, localizado nas imediações; que o autor tinha cerca de 20 anos na época, era 4/5 anos mais novo que a depoente; que fazia certidões no 5°, fichários; que o autor fazia o mesmo; que ia ao cartório em que o autor trabalhava cerca de uma vez por mês, quando trabalhava; que não fez concurso público, apenas um teste de seleção aplicado pelo titular do ofício; que era funcionária celetista; que não tinha CTPS assinada na época da admissão; que somente foi registrada em 1973, retroativamente a 1969; que concordou com isso em razão de instâncias do patrão, o qual dissera que registrar retroativamente a 1966 ‘era muito pesado’; que não trabalhou no 2° ofício, apenas no 5°; quando começou a trabalhar em cartório, o 2° ofício (onde o autor trabalhava) já tinha se mudado para o edifício Bantiba, na esquina das Marechais Deodoro e Floriano, no quinto andar; que não chegou a conhecer o pai do autor, pois quando começou a trabalhar já havia assumido a circunscrição o irmão do autor, DINIZ; que o autor era funcionário do cartório, e não ‘apenas dava uma mão’ de vez em quando; que o autor recebia salários do cartório, e não participação em custas; que recebia 5 ou 6 salários mínimos; que tem absoluta certeza de que o autor era funcionário, e devia ganhar mais do que a depoente, porquanto os homens sempre ganhavam mais que as mulheres; que trabalhou no cartório até 1997, quando se aposentou pelo INSS; que o autor continuou trabalhando no 2° ofício, inclusive depois da mudança do titular; que o chefe não dava folhas 166 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 de pagamento ou comprovantes de pagamento; que isso só começou em 1972/1973, quando foi registrada; que era paga em cheques.” A partir de minuciosa leitura dos depoimentos, verifica-se que ao longo de todo o período em exame era praxe do cartório não formalizar o contrato de trabalho dos respectivos funcionários, nem mesmo assinando a Carteira de Trabalho. Observa-se, ainda, que o demandante labutava na condição de empregado, estando bem caracterizada a efetivação de prestação laboral de forma contínua, mediante subordinação e auferimento de contraprestação (art. 3º da CLT). Outrossim, não há no processo elemento de prova que leve à conclusão de que o autor possuía algum poder de ingerência perante o Cartório. Ademais, cumpre referir que o INSS não se desincumbiu do ônus de demonstrar a ausência da configuração da relação laboral na espécie, nos termos do art. 333, II, do CPC. Sob outro vértice, quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias, como é bem sabido, tal encargo incumbe ao empregador, nos termos do art. 25, I, do Regulamento de Custeio, não se podendo prejudicar o trabalhador pela desídia de seu dirigente laboral em cumprir com seus compromissos junto à Previdência Social. Logo, faz jus a parte-autora à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço integral, desde a data do primeiro requerimento administrativo (19.10.1998). Por todo o esposado, adiro à orientação do voto vencido elaborado pelo relator, Juiz Federal Artur César de Souza, inclusive quanto à sucumbência. Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento aos embargos infringentes, nos termos da fundamentação. É o voto. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Mantenho integralmente o voto-vista que proferi no julgamento do caso pela Quinta Turma, in verbis: “Pelo que se vê dos autos, o autor pretende o reconhecimento do tempo de serviço trabalhado nos períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977 junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição da Capital, em Curitiba-PR, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 167 cujos titulares eram, respectivamente, seu pai, Valdemar Borba Rolim, e seu irmão, Diniz Alberto Borba Rolim. As certidões apresentadas (fls. 25-36), datilografadas pelo autor, e os lançamentos manuscritos constantes de Livro de Transcrições (fl. 53), cuja autoria constatou-se ser do autor em exame grafotécnico (fls. 67-81), demonstram que ele efetivamente trabalhava no referido cartório. Porém, considerando a peculiaridade de os empregadores serem familiares seus (pai e irmão), há que ser feita a distinção entre os dois períodos. Com efeito, no primeiro intervalo (de 05.02.1958 a 31.05.1966), o autor aprendeu o ofício no estabelecimento do pai, que exigia o auxílio do filho com base no pátrio poder, conforme o inciso VII do art. 384 do Código Civil de 1916, in verbis: ‘Art. 383. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos: (...) VII – Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.’ (grifou-se) Tanto isso é verdade que a testemunha Carmem Madejski declarou que o autor ia sempre para o Cartório trabalhar, aprender o serviço (fl. 182). Havia, sem dúvida, trabalho subordinado, porque o autor aprendia o ofício de registrador sob as ordens do pai. A relação não era, entretanto, contratual, visto que o pai do autor nem precisava contratar o filho (porque podia exigir-lhe serviços próprios de sua idade e condição, no exercício do pátrio poder) nem estava o filho preparado para ser empregado (porque devia ainda aprender o ofício e nele alcançar experiência). Poder-se-ia argumentar que, sendo aqui o trabalho subordinado, haveria relação de emprego, mesmo que sem contrato, expresso ou tácito. Tal argumentação será, evidentemente, infundada, porque é pacífico, no âmbito do direito do trabalho, o entendimento de que o ‘vínculo empregatício’ ou ‘emprego’ ou ‘relação entre empregado e empregador’ é sempre de natureza contratual (SÜSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: LTR, 2003. v. I. p. 231-232; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 544-546; SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2000. p. 116119; MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 123; MAGANO, Otávio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito individual do trabalho. São Paulo: LTR/USP, 1981. p. 19-25). Na verdade, o trabalho no cartório era tipicamente de economia familiar, à semelhança do que ocorre nas pequenas propriedades rurais, em que todos os familiares, inclusive os filhos, auxiliam na atividade rural (Lei nº 8.213, de 1991, art. 11, VII e § 1º). Ora, se é regime de economia familiar aquele em que os filhos adolescentes auxiliam seus pais, na propriedade rural da família, por que razão não haveria igualmente regime de economia familiar no meio urbano, quando o(s) filho(s) menor(es) auxilia(m) o pai, no estabelecimento deste? Aliás, em caso assemelhado esta 5ª Turma decidiu: ‘TEMPO DE SERVIÇO. ADOLESCENTE. ALFAIATARIA PATERNA. REGIME 168 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DE ECONOMIA FAMILIAR. DEPENDENTE PREVIDENCIÁRIO. É indevido o reconhecimento para fins previdenciários do tempo de serviço prestado por adolescente, de 1972 a 1980, na alfaiataria paterna, cujo trabalho era desenvolvido em regime de economia familiar, por não ser ele, à luz da legislação da época, segurado obrigatório nem facultativo da Previdência Social, mas simples dependente do pai.’ (AC nº 2003.04.01.021927-5/PR, Relator para Acórdão Des. Federal Rômulo Pizzolatti, DJU de 02.12.2008) Assim, à luz da prova dos autos e das considerações acima, concluo que, no período de 05.02.1958 a 31.05.1966 (dos 12 aos 20 anos de idade), o autor trabalhava em regime de economia familiar, no cartório do qual o pai era titular, aprendendo o ofício e nele ganhando experiência, subordinado ao pátrio poder (Código Civil de 1916, art. 384, VII). Não previa a legislação previdenciária da época da prestação do serviço (1958 a 1966), contudo, a qualidade de segurado aos filhos menores que auxiliassem os pais, em regime de economia familiar, razão pela qual, no período acima indicado, o autor era apenas dependente previdenciário, e não segurado, não podendo, consequentemente, ver computado esse tempo de atividade. Em relação ao intervalo trabalhado no período em que o titular do cartório passou a ser o irmão (02.06.1966 a 30.09.1977), o autor, já experiente, passou a desenvolver a atividade de forma independente, sem a supervisão do pai. Todavia, ainda assim, entendo que é inviável a contagem do referido tempo de serviço, pois inexistente qualquer formalização de vínculo e ausente o recolhimento de contribuições sociais, ao contrário dos demais trabalhadores do cartório, os quais, segundo informou a testemunha Carmen Madejski, eram registrados em CTPS (fl. 182). Tais indícios sugerem, pois, que o autor era sócio de fato do irmão, cabendo-lhe o recolhimento de contribuições à Previdência Social, na condição de autônomo, o que não fez. Por conseguinte, voto por afastar o reconhecimento dos períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977, diante da inexistência de vínculo empregatício a possibilitar a contagem de tempo de serviço sem as correspondentes contribuições.” Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes. VOTO DIVERGENTE O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Peço vênia ao e. Relator, mas divirjo de seu percuciente voto. O autor pretende o reconhecimento do tempo de serviço trabalhado nos períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977 junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição da Capital, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 169 em Curitiba-PR, cujos titulares eram, respectivamente, seu pai, Valdemar Borba Rolim, e seu irmão, Diniz Alberto Borba Rolim. Com relação ao primeiro período, com a vênia do e. Des. Ricardo, ora Relator, tenho que deve ser mantido o acórdão. Como concluiu a d. maioria na Turma, tenho que no referido período, 58 a 66, em que o autor, com 12 anos em 1958, ficava das 13h às 17h no Cartório, estava na condição de “aprendiz” e a relação que havia se assemelhava realmente a regime de economia familiar, em face da ausência de contrato de trabalho, de comprovante de pagamento, bem como de contribuições, não sendo assim, à época, segurado da previdência. No que diz respeito ao segundo período, de 66 a 77, agora sob o comando do irmão, tenho que o autor também não logrou comprovar a existência de relação de emprego. Parece-me que, ao contrário do que fundamenta o voto do e. Relator, data venia, as testemunhas não afirmam que não tinham carteira assinada. Falam, sim, que inicialmente não tinham carteira assinada, mas que passaram a ter, ainda que retroativamente, v.g., o testemunho de Terezinha Sant’Ana: “que era funcionária celetista; que não tinha CTPS assinada na época da admissão; que somente foi registrada em 1973, retroativamente a 1969; que concordou com isso em razão de instâncias do patrão”. A testemunha Carmen Madjeski, por sua vez, afirmou também que “não sabe se ele [o autor] recebia participação nos rendimentos da escrivania”. Isso faz pensar, então: por que o autor também não teve sua carteira assinada, ainda que retroativamente? Certamente por causa de sua condição de membro da família, diferenciada da dos demais. Assim, na linha do voto-revisão que proferi nos EIs nº 1999.71.02.001686-4 (sessão desta 3ª Seção em 12.04.2007, na qual fiquei vencido), entendo que, para fazer jus ao cômputo do período, necessária se faz a respectiva contribuição do autor. Oportuno destacar precedente que lá já havia citado, verbis: “PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE URBANA. ART. 55, § 3º, DA LEI Nº 8.213/91. ESPOSA DE SÓCIOGERENTE DA EMPRESA. CARGO DIFERENCIADO. VÍNCULO IRREGULAR. INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR HIPOSSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. JUS- 170 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 TIÇA ESTADUAL. SÚMULA Nº 02/TARGS. REMESSA OFICIAL. LEI Nº 9.469, DE 10.07.1997. – Nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, a comprovação do tempo de serviço, para fins previdenciários, só produzirá efeito quando baseada em razoável início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. – Havendo início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea e consistente, é possível o reconhecimento do exercício de atividade laboratícia. – Hipótese em que a autora era esposa de sócio-gerente da empresa, exercia cargo diferenciado e não teve seu vínculo laboral registrado, sendo o caso de averbação de tempo de serviço mediante a indenização das respectivas contribuições, uma vez que não se trata de aplicação dos princípios de proteção ao operário hipossuficiente. – Se a sucumbência é recíproca, os honorários advocatícios devem ser compensados, e as custas processuais divididas por igual entre os litigantes, sendo reduzidas por metade no tocante ao INSS (Súmula nº 02/TARGS). – Incidência do reexame necessário, a teor do art. 10 da Lei nº 9.469/97. – Apelação do INSS e remessa oficial improvidas. Apelação da autora parcialmente provida.” (Apelação Cível nº 2000.04.01.126166-3/RS, 6ª Turma, rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, j. 17.04.2001, DJU de 02.05.2001) Assim, no período em análise, tenho que, para tornar-se possível a averbação do tempo de serviço, impõe-se que o autor proceda à indenização das respectivas contribuições, uma vez que não se trata de aplicação dos princípios de proteção ao operário hipossuficiente. Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 171 APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2008.72.05.001963-0/SC Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle Apelante: Ministério Público Federal Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional do INSS Assistente: União Federal Advogado: Procuradoria Regional da União Apelado: (Os mesmos) Remetente: Juízo Federal da 2ª VF de Blumenau EMENTA Previdenciário. Ação civil pública. MPF. Legitimidade ativa. Direitos individuais homogêneos. Adequação da utilização de ação civil pública. Benefício assistencial. Lei nº 8.742/93. União. Litisconsórcio passivo. Desnecessidade. Parágrafo único do art. 162 do Dec. 3.048/99 e § 1º do art. 35 do Dec. 6.214/07. Ilegalidade. Doença mental. Benefício previdenciário e assistencial. Interdição judicial. Estado mínimo. 1. Consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social. 2. Conforme entendimento já firmado pelo STJ (como nos REsp n° 399.357, REsp n° 667.939 e REsp 706.791), após a inclusão do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública pelo Código de Defesa do Consumidor, a ação civil pública é considerada instrumento idôneo para a tutela de direitos individuais homogêneos. 3. O benefício assistencial é oponível apenas ao INSS, inclusive com a possibilidade de jurisdição federal delegada, o que gerou a revogação da súmula 61 desta Corte (TRF4, AC 2001.72.08.001834-7). Reconhecida a ilegitimidade passiva da União. 4. O parágrafo único do art. 162 do Decreto Regulamentador nº 3.048/99 e o § 1º do art. 35 do Decreto 6.214/07 contrariam a legislação hierarquicamente superior (Leis nº 8.213/91 e nº 8.742/93). 5. Não se exige, de regra, a comprovação da curatela para pagamento 172 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 dos benefícios previstos na Lei 8.213/91 e do benefício de prestação continuada (Lei 8.742/93) nos anos de incapacidade do titular, pois, nessa hipótese, o valor será pago alternativamente ao cônjuge, ao pai ou à mãe. 6. Na ausência de cônjuge, pai ou mãe, o benefício será pago a herdeiro necessário e somente após o decurso de seis meses é que se exige a comprovação do andamento do processo de tutela ou curatela. 7. Não há falar em intromissão desnecessária na vida privada, em se tratando de proteção ao incapaz por deficiência mental. 8. Embora se reconheça que a motivação do parquet seja nobre, no sentido de ser reduzida a intromissão do comando estatal na vida privada, no que, aliás, é amparada por igual preocupação do Conselho Federal de Psicologia e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a verdade é que tal embaraço reveste-se de razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista a necessidade de proteção da pessoa portadora de deficiência mental. Lamentavelmente, em nossa sociedade atual os débeis não são protegidos por uma cidadania eficaz, guiada pelo espírito de solidariedade, mas convivem em um ambiente de malícia, alimentado pela impunidade certa. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e aos apelos do INSS e do Ministério Público Federal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 09 de março de 2010. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle: Tratase de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, objetivando a determinação para que o INSS se abstenha, no âmbito da Subseção Judiciária de Blumenau-SC, de exigir termo de curatela dos requerentes de benefício assistencial da Lei nº 8.742/93 e de benefícios R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 173 previdenciários previstos na Lei nº 8.213/91, quando acometidos de doença mental, para efetuar o respectivo pagamento, devendo efetuá-lo pelo prazo a que se obrigar, se não for possível diretamente ao próprio beneficiário, a pessoa portadora de procuração por instrumento público ou com suprimento judicial, com poderes específicos. Sustentou que o termo de curatela passou a ser exigido dos beneficiários de aposentadoria por invalidez portadores de doença mental especialmente após o Decreto nº 4.729/03, de 10.06.2003, que alterou o art. 162 do Decreto nº 3.048/99, contrariando a Lei nº 8.213/91, e por intermédio do Memorando-Circular 09 INSS/DIRBEN, de 23.02.2006, exigência que também foi estendida aos destinatários de benefício assistencial com doença mental, violando, igualmente, a Lei nº 8.742/93. Mencionou que instaurou Inquérito Civil Público, mas não obteve cumprimento por parte do INSS. Postulou a concessão da tutela antecipada. A União foi integrada ao polo passivo da demanda. Às fls. 156, 157, 161 e 162 foi parcialmente deferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar ao INSS que só imponha a comprovação da tutela ou curatela para o pagamento do benefício quando o beneficiário incapaz não possuir cônjuge, pai e mãe e estiver representado por herdeiro necessário por mais de seis meses, não havendo fixação de multa pelo descumprimento da determinação. Dessa decisão foi interposto agravo de instrumento pelo Ministério Público Federal para que na tutela antecipada o INSS seja compelido a pagar o benefício do portador de doença mental, no prazo a que se obrigar, a pessoa portadora de procuração por instrumento público com poderes específicos ou com suprimento judicial, além da fixação de multa diária no valor de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento dessa determinação. O agravo foi convertido em agravo retido (fls. 264 e 265). A sentença confirmou a tutela, excluiu a União da lide e julgou parcialmente procedente o pedido para determinar ao INSS que efetue o pagamento de benefícios previdenciários e de benefícios assistenciais ao cônjuge, ao pai ou à mãe do titular incapaz por doença mental sem a comprovação de curatela e, na ausência daqueles, ao herdeiro necessário, nos termos do art. 110 da Lei 8.213/91, do art. 162 do Decreto 3.048 e do art. 35 do Decreto 6.214/2007. Restringiu os efeitos da decisão aos limites da competência territorial dessa Subseção Judiciária de Blumenau174 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 SC, nos termos do artigo 16 da Lei nº 7.347/85. Isentou o feito de custas processuais, na forma do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85 e pela sucumbência recíproca (art. 21 do CPC). O Ministério Público Federal apelou requerendo o julgamento do agravo retido e a reforma parcial da sentença no sentido de que não seja exigido o andamento do processo de interdição para o pagamento dos benefícios em questão e de que esses pagamentos possam ser feitos a pessoa portadora de procuração por instrumento público com poderes específicos ou com suprimento judicial. Também requereu a fixação de multa diária no valor de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento dessa determinação. O INSS apelou, alegando a anulabilidade da sentença pelo cerceamento de defesa, ante à negativa do juízo em propiciar a produção de prova testemunhal que comprovasse a falta de interesse de agir do autor. Questionou o litisconsórcio passivo necessário da União ou a participação da União como assistente formal do INSS e a adequação da via eleita, por envolver fundo de natureza institucional com beneficiários individualmente determinados, bem como pela impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade em ação civil pública. Renovou a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público Federal e, no mérito, alegou inexistência de prova no sentido de que o INSS procedesse às exigências alegadas para a concessão ou o pagamento dos benefícios. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Inicialmente, julgo prejudicado o apelo do INSS quanto ao pedido de participação da União como sua assistente formal, uma vez que tal procedimento já foi efetivado a pedido da própria interessada (fl. 386), sem objeção do Ministério Público Federal. Do agravo retido Da análise do agravo retido interposto verifica-se que versa quanto ao pagamento do benefício de portador de doença mental a pessoa portadora R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 175 de procuração por instrumento público com poderes específicos ou com suprimento judicial e à fixação de multa diária no caso de descumprimento dessa determinação. Por confundir-se com o mérito da apelação, a matéria será apreciada a seguir. Das questões preliminares I – Da nulidade da sentença por cerceamento de defesa O INSS alega que, ao ser indeferido o requerimento de oitiva de testemunhas quando da especificação de provas (fls. 316 e 317), foi cerceado o direito de defesa, pois não pôde comprovar a falta de interesse de agir do autor por já proceder conforme determinado na sentença de mérito. Não há que se falar, no caso, em cerceamento de defesa, uma vez que a prova testemunhal pretendida pelo INSS é desnecessária, pois se trataria de produção de prova negativa, uma vez que o INSS haveria de provar não proceder da forma alegada pelo autor, sendo que há nos autos documentação apontando para o procedimento, ainda que isoladamente (Ofício nº 57/2008 à fl. 57), da prática negada. Além disso, a outra questão ora analisada, qual seja, a da legalidade dos Decretos nº 3.048/99 e nº 6.214/07, é exclusivamente de direito. Desnecessária, pois, a dilação probatória. Ademais, a sentença foi de parcial provimento e, em assim sendo, concordou o INSS em estar procedendo da forma combatida pelo MPF, ou seja, nos termos da IN nº 20, que indica conduta administrativa diversa da determinada pelos decretos citados. Por fim, conforme bem fundamentou o magistrado a quo, o INSS não justificou a razão da oitiva de testemunhas, deixando também de apontar quais fatos necessitariam ser provados em audiência. II – Litisconsórcio passivo necessário da União A ação visa somente a afastar a exigência do termo de curatela como condição para o pagamento dos benefícios previdenciários e de prestação continuada quando o titular for portador de doença mental. A União, nesse caso, não possui nenhuma vinculação. Os benefícios aqui discutidos estão todos atrelados ao Regime Geral administrado tão somente pelo INSS, nos termos da Lei 8.213/91. Por outro lado, ainda que a União seja responsável pela destinação dos recursos para o financiamento do benefício assistencial da Lei nº 176 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 8.742/93, só o INSS é que tem a atribuição de gerir, executar e manter esse benefício, nos termos dos arts. 20 e 29 da LOAS. O egrégio STJ já pacificou (EREsp nº 204998/SP, Rel. Min. Félix Fischer, DJU, seção I, de 14.02.2000, p. 20, e EREsp nº 194463/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, seção I, de 07.05.2001, p. 128) que nas ações de benefício assistencial tem-se pretensão oponível apenas ao INSS, inclusive com a possibilidade de jurisdição federal delegada, o que gerou a revogação da súmula 61 desta Corte (TRF4, AC 2001.72.08.001834-7, 3ª Seção, j. 21.06.2004, u., Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu), não havendo litisconsórcio passivo necessário nem incompetência absoluta e, consequentemente, a inexistência de nulidade processual. No mesmo sentido a jurisprudência mais recente do STJ: “PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. UNIÃO. ILEGITIMIDADE. É remansoso o entendimento neste Pretório de que, nos casos de benefício assistencial, é legítima a responsabilidade do INSS para isoladamente responder ao processo. Desnecessária a inclusão da União na lide como litisconsorte passivo necessário. (...)” (STJ, AGREsp 627442/RS, 5ª Turma, Relator José Arnaldo da Fonseca, j. 11.10.2005, DJ 21.11.2005, p. 00277) “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DISSENSO PRETORIANO NÃO COMPROVADO. VIOLAÇÃO À LEGISLAÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211/STJ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. UNIÃO. ILEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO. (...) 3. O INSS é o ente público com legitimidade para figurar no polo passivo nas ações que versem sobre o benefício assistencial. (...)” (STJ, AGREsp 737790/MS, 5ª Turma, j. 06.11.2008, DJE 01.12.2008, Relatora Laurita Vaz) III – Ilegitimidade ativa O INSS alega ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública. Este Tribunal, a despeito da existência de precedentes em sentido contrário, inclusive do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado do STF. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 177 Decorre do disposto nos artigos 127, caput, e 129, inc. III, da CF a legitimidade do Ministério Público para defesa dos interesses sociais e individuais, e em matéria previdenciária o interesse social é inquestionável. Tanto isso é verdade que a Previdência Social é objeto, na Carta Magna, de Seção específica (III) integrante de Capítulo que dispõe sobre a Seguridade Social (II) em Título (VIII) destinado à Ordem Social. Segundo tem entendido o STF ao apreciar os artigos 127, caput, e 129, inc. III, da Constituição Federal, é possível ao Ministério Público Federal promover, via ação coletiva, a defesa dos direitos individuais homogêneos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social, cabendo referir os seguintes precedentes: “CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. CF, artigos 127 e 129, III. II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se à defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. CF, art. 127, caput, e art. 129, III. (...)” (STF, RE 195.056/ PR, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30.05.2003, p. 30) “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTILAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato, e coletivos, aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos, e a determinidade, a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 178 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que, conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois, ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.” (STF, RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Maurício Corrêa, DJU 29.06.2001, p. 55) No último precedente transcrito, o STF reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público para defesa de interesses homogêneos de origem comum no campo da educação, em relação à qual a atuação estatal nem sempre se dá de forma direta. Certamente levou em consideração, ao decidir dessa maneira, que, a exemplo da previdência social, a educação também está contemplada no Título VIII da Constituição Federal, que, como salientado anteriormente, trata da Ordem Social. É de se afirmar, assim, que com muito mais razão deve ser reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público em matéria previdenciária, até porque a atuação do Estado se dá, como regra, de forma direta. No mesmo sentido da jurisprudência do STF, é o entendimento desta Corte: “PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO E REGIMENTAL. TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. RISCO DE DANO. AUSÊNCIA. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 179 Considerando que o tema referente à titularidade ativa da ação manejada em primeiro grau tem assento constitucional (arts. 127, caput, e 129, III) e que a última palavra pertence ao não menos egrégio STF, e tendo este, em hipótese análoga (igualmente versava sobre causa em que discutido um direito social, como são os benefícios mantidos pela Previdência Social – art. 6º da CF), recentemente decidido que a Lei Complementar nº 75/93 conferiu ao MPT legitimidade ativa, no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista (STF, RE 213.015, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 24.05.2002), não há como afastar a plausibilidade dessa última em relação ao MPF – igualmente um dos ramos do Ministério Público da União – em sede previdenciária. Inteligência, ademais, do disposto nos artigos 1º, 2º e 74, I, da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).” (AI nº 2004.04.01.001232-6/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, u., DJU de 09.06.2004) “APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGO 74 DA LEI Nº 8.213/91 COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.528/91. PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA. 1. A atual posição do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os direitos individuais homogêneos, considerados como espécie dos direitos coletivos, na medida em que se revestirem de relevância social, poderão ser defendidos pelo Ministério Público por ação coletiva. (...)” (AC nº 2000.04.01.097994-3/PR, TRF4, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior, u., DJU de 13.04.2005) “CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos.” (AC nº 2000.71.00.009347-0/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, u., DJU de 10.08.2005) “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO OBJETIVO DE AFERIÇÃO DE MISERABILIDADE DO GRUPO FAMILIAR (RENDA PER CAPITA DE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO) NÃO É A ÚNICA FORMA DE DEMONSTRAR ESSA CONJUNTURA. MENOR QUE DEVE SER SUBMETIDA A CUIDADOS ESPECIAIS. CONDIÇÕES DE VIDA PRECÁRIAS. INCAPACIDADE. 1. A União carece de legitimidade passiva nas ações em que se discute o direito ao benefício assistencial. 180 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 2. O Ministério Público Federal está legitimado a propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos idosos e portadoras de deficiência incapacitante, desprovidos de condições de manter o seu próprio sustento ou de tê-lo mantido por suas famílias, porquanto evidenciado relevante interesse social na defesa de tais direitos. 3. Se é verdade que a constitucionalidade do critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 para demonstração da condição de miserabilidade, para fins de concessão de benefício assistencial, já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 1.232-1/DF, a existência dessa possibilidade de comprovação trazida no referido dispositivo não elide outras maneiras de se certificar a conjuntura pessoal idônea a garantir o recebimento do amparo pleiteado. (...)” (TRF4, AC 2002.71.04.000395-5, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, DJ 19.04.2006). Deve ser salientado, ainda, que mesmo no âmbito do STJ admitiu-se a legitimidade ativa do Ministério Público em matéria previdenciária, consoante se depreende da seguinte ementa do ano de 2006: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. 1 – A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, ‘O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.’ In casu, ocorre reivindicação de pessoa, em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do Ministério Público, para intervir no processo, como o fez. 2 – No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez admitida a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não possui vício algum a ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos interpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões apreciadas no v. acórdão; não cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando é da índole do recurso apenas reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência consagra, arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição, mesmo dissimulada, de infringentes. 3 – A pensão por morte é: ‘o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir ou, pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes.’ (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 181 Advogado, Esmafe, 2004. p. 251). 4 – Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Em face dessa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise. 5 – Diante do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6 – Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988, que assim estabeleceu, em comando específico: ‘Art. 201 – Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º.’ 7 – Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 – Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, por meio da Instrução Normativa nº 25, de 07.06.2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbisan Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento. 9 – Recurso Especial não provido.” (REsp 395904. Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Sexta Turma. DJ 06.02.2006) Ainda que o precedente referido diga respeito a ação individual, se ao Ministério Público se reconheceu legitimidade para tutelar direito de uma pessoa, com muito mais razão se deve admitir sua legitimidade para atuar em favor da coletividade. Mais recentemente o STF teve oportunidade de se manifestar em hipótese análoga à dos autos e assentou a legitimidade do Ministério Público 182 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 para ajuizar ação civil pública com o objetivo de assegurar, aos segurados da previdência social, a obtenção de certidão de tempo de serviço. “DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO. RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS. PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART, 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. – A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública. – O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes.” (RE-AgR 472489/RS. Relator Min. Celso de Mello. 2ª Turma. DJU em 29.08.2008) Não fossem todos os argumentos acima expostos, cabe ainda a consideração de que no caso dos autos discute-se sobre direito de pessoas portadoras de deficiência mental, algumas das quais são as destinatárias do benefício assistencial previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93. Ora, assim estabelece a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social): “Art. 31. Cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos estabelecidos nesta lei”. Por outro lado, a Lei nº 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, preconiza em seu artigo 3º: “Art. 3º As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência.” R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 183 Parece claro, portanto, que, além da autorização que dimana da Constituição Federal para que o Ministério Público Federal proponha ação civil pública quando presente interesse social relevante, a legitimidade da referida instituição, no caso dos autos, está prevista expressamente em legislação ordinária. Portanto, também não prospera a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a presente ação civil pública. IV – Falta de interesse de agir O INSS alegou a ausência de interesse processual do MPF por não haver prova da resistência à pretensão. Porém, não procedem essas alegações. Conforme bem salientou o magistrado a quo, a presente ação foi precedida de inquérito civil público, instaurado em 11.04.2008 (fl. 42), no qual consta manifestação da Gerência Executiva do INSS em Blumenau (fl. 57), informando a adoção, por aquela agência da autarquia, de procedimento diverso daquele propugnado pelo autor da ação. Há, nesse caso, interesse processual, pois restou claramente demonstrada a pretensão resistida. V – Inadequação da via eleita A Autarquia alega, também, inadequação da via eleita pela vedação do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, por não se tratar de direitos difusos ou coletivos e por estar-se atacando lei em tese, sendo impossível a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de ação civil pública. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85 veda a discussão, por meio de ação civil pública, de pretensão relativa a fundos de natureza institucional cujos beneficiários possam ser individualmente determinados. “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.06.1994) I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – à ordem urbanística; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 10.07.2001) (Vide Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; 184 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 (Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.07.2001) V – por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) VI – à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)” No entanto, a pretensão dos autos não trata de fundo institucional, mas do controle de legalidade da exigência de termo de curatela/tutela como condição para pagamento de benefícios previdenciários e assistencial quando o beneficiário for portador de doença mental. Como bem fundamentado na sentença, ainda que se pudesse considerar que benefício previdenciário e de prestação continuada constituíssem fundo institucional, conforme a disposição legal citada, ainda assim a vedação não teria aplicação à espécie, pois não é o caso de discussão relativa a esses benefícios, ou ao impacto econômico dessas concessões, mas ao aspecto procedimental, concernente à forma de pagamento, por intermédio, ou sem a participação, de curador/tutor, afastando-se, dessa forma, a vedação apontada pelo demandado. Ao contrário da alegação do demandado, de não se tratar de direitos difusos e coletivos, o MPF veiculou pretensão de natureza coletiva, na forma prevista no art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor (transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base), e a transindividualidade do direito postulado se verifica na pluralidade de destinatários da pretensão, pois objetiva-se que o INSS se abstenha de exigir o termo de curatela como condição para o pagamento dos benefícios previdenciários e de prestação continuada para beneficiário portador de doença mental. A decisão, caso procedente, atingirá integrantes da mesma categoria – beneficiários da Previdência Social e da LOAS, que possuem uma relação jurídica base com o INSS. Conforme já foi dito, há manifesta adequação, pertinência e legitimidade do Ministério Público Federal para patrocinar a presente ação R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 185 civil pública, especialmente porque se trata de interesse relevante, não havendo defesa de interesse patrimonial, concernente a valor de benefício, mas de caráter social (Previdência Social e LOAS), ou seja, um direito social coletivo, relevante, atinente à legalidade da exigência de curador para os titulares dos aludidos benefícios portadores de doença mental, e que alcança significativa parcela da população da Subseção Judiciária de Blumenau-SC. No tocante à alegação de impropriedade da via para declaração de inconstitucionalidade, saliento que estão previstos em nosso sistema o controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade, e nada impede que, se necessário, o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei seja feito incidentalmente, como fundamento para a decisão a ser tomada, mesmo que em ação civil pública. Nesse sentido tem decidido o STF: “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. I. – Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. – Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. III. – O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas o controle difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente. IV. - Agravo não provido.” (STF, AI 504856 AgR/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado DJU 08.10.2004, p. 18) “AÇÃO CIVIL PÚBLICA VERSUS AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RECLAMAÇÃO. LIMINAR. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual continuo guardando reservas, não surge relevante a articulação em torno da usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, a partir da premissa de o acolhimento do pedido formulado em ação civil pública pressupor, necessariamente e em primeiro lugar, a conclusão sobre o conflito de certo ato normativo abstrato com a Constituição Federal.” (STF, Rcl 2460 MC/RJ, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10.03.2004, DJ 06.08.2004, p. 21) “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. OCUPAÇÃO DE LOGRADOUROS PÚBLICOS NO 186 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DISTRITO FEDERAL. PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DA LEI 754/1994 DO DISTRITO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM. RECURSO DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL PREJUDICADO. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei distrital 754/1994, que disciplina a ocupação de logradouros públicos no Distrito Federal. Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal não torna prejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes. No caso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 é meramente incidental, constituindo-se verdadeira causa de pedir. Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal e julgado prejudicado o recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal.” (STF, RE, Processo 424993/DF, Relator JOAQUIM BARBOSA, DJ 19.10.2007, p. 00029) Portanto, não há óbice ao controle de constitucionalidade em ação civil pública, pois o pedido, nesse caso, seria a proteção do bem da vida tutelado pela CF, tendo como causa de pedir a inconstitucionalidade do regramento previdenciário ordinário, enquanto o pedido da ação Direta de Inconstitucionalidade, privativa do STF, é a declaração de inconstitucionalidade da lei e sua retirada do ordenamento jurídico. Ademais, da análise do pedido inicial (fls. 24 a 26) verifica-se que não se pretende o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, mas o afastamento de exigência não prevista nas Leis nº 8.213/91 e nº 8.742/93. Assim, afastam-se todas as preliminares. Do mérito A controvérsia devolvida a esta Corte se resume à exigência, por parte do INSS, do termo de curatela ou da comprovação do ajuizamento da respectiva ação, como condição para o pagamento dos benefícios previdenciários (Lei nº 8.213/91) e assistencial (Lei nº 8.742/93), quando o titular for portador de doença mental. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 187 Para melhor análise do caso, necessário fazer breve escorço sobre a evolução normativa do tema. Em sua redação primitiva, o Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social) assim rezava: “Art. 162. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. § 1º. É obrigatória a apresentação do termo de curatela, ainda que provisória, para a concessão de aposentadoria por invalidez decorrente de doença mental (Parágrafo acrescentado pelo Dec. nº 4.729, de 09.06.2003). § 2º. Verificada, administrativamente, a recuperação da capacidade para o trabalho do curatelado de que trata o § 1º, a aposentadoria será encerrada (Parágrafo acrescentado pelo Dec. nº 4.729, de 09.06.2003).” Por força do Decreto nº 6.214, de 2007, os dois parágrafos foram substituídos por um parágrafo único, com a seguinte redação: “Art. 162. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. Parágrafo único. O período a que se refere o caput poderá ser prorrogado por iguais períodos, desde que comprovado o andamento regular do processo legal de tutela ou curatela.” Quanto ao benefício assistencial, o mesmo Decreto nº 6.214/07 assim dispõe: “Art. 35. O benefício devido ao beneficiário incapaz será pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta, e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. § 1º. O período a que se refere o caput poderá ser prorrogado por iguais períodos, desde que comprovado o andamento regular do processo legal de tutela ou curatela.” Examinando as leis regulamentadas pelos decretos citados, verifica-se que a Lei nº 8.742/93 não faz menção à curatela ou à tutela para pagamento do benefício a portadores de doença mental, e a Lei de Benefícios, quando faz referência à curatela (art. 110, parágrafo único da Lei nº 8.213/91), o faz para fins de aproveitamento do laudo médico que atesta 188 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 a incapacidade na esfera administrativa, em processo da interdição do beneficiário. Saliente-se que o dispositivo não exige a curatela para o pagamento desse benefício, conforme se depreende da sua redação: “Art. 110. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será feito ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período não superior a 6 (seis) meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. Parágrafo único. Para efeito de curatela, no caso de interdição do beneficiário, a autoridade judiciária pode louvar-se no laudo médico-pericial da Previdência Social.” Por serem normas hierarquicamente inferiores à Lei de Benefícios e à Lei Orgânica da Assistência Social, os Decretos poderiam apenas regulamentar a concessão do benefício na forma como prevista em lei, e jamais contrariar dispositivo legal ou inovar exigência. Conforme já foi referido na fundamentação do interesse processual do autor, no ofício de nº 57/2008, juntado ao inquérito civil público (fl. 57), o chefe do setor de benefícios da gerência executiva do INSS de Blumenau confirmou a conduta de exigir o termo de tutela ou de curatela para o pagamento dos benefícios em questão: “(...) informamos que para requerimento de benefícios por incapacidade e benefícios assistenciais da LOAS não são necessários nenhum documento além daquele para identificação do representante legal ou da pessoa que está requerendo, uma vez que requerimentos de benefícios por incapacidade pode ser requerido de ofício, e os mesmos deverão passar por perícia médica junto ao instituto. Para pagamento de benefícios assistenciais, auxílios doenças e pensões por morte, são necessários cadastrar o representante legal, em face de que requerentes com deficiência mentais ou civilmente incapazes estão impedidos de receber o pagamento por si próprios. Nesses casos necessita-se do termo de tutela ou curatela, dependendo do caso, e na ausência destes solicita-se o protocolo do pedido de tutela/curatela junto ao poder judiciário para cadastrarmos um administrador provisório, da qual deverá apresentar comprovante da situação semestralmente até que a tutela/curatela seja prolatada pelo juiz, e assim cadastrarmos definitivamente o representante legal como tutor ou curador.” (Grifei) A conduta da APS de Blumenau se enquadra, pois, na determinação do parágrafo único do art. 162 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), quanto aos benefícios previdenciários, e na determinação do parágrafo 1º do art. 35 do Decreto nº 6.214/07 (Regulamento do benefício assistencial da Lei nº 8.742/93). R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 189 Ademais, conforme se verifica da redação dos arts. 415 e 416 da Instrução Normativa nº 20, de 10.10.2007, que disciplina procedimentos a serem adotados pela área de Benefícios, o próprio INSS já orientava as APS a não exigirem a interdição judicial do beneficiário em caso de doença mental: “Art. 415. O pagamento do benefício devido ao segurado ou ao dependente civilmente incapaz será feito ao cônjuge, ao pai, à mãe, ao tutor ou ao curador, admitindo-se, na sua falta e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento. § 1º Tutela é a instituição estabelecida por lei para proteção dos menores, cujos pais faleceram, foram considerados ausentes ou decaíram do pátrio poder. § 2º Curatela é o encargo conferido a uma pessoa para que, segundo limites legalmente fundamentados, cuide dos interesses de alguém que não possa licitamente administrá-los, estando, assim, sujeitos à curatela, segundo o Código Civil: I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V – os pródigos. § 3º A interdição das pessoas indicadas no parágrafo anterior e incisos, será sempre declarada por sentença judicial. § 4º Excepcionalmente, poderá ser deferida a guarda pela autoridade judiciária competente, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, com direito de representação para a prática de atos determinados. Art. 416. Observado o contido no artigo anterior, no ato do requerimento do benefício por titular ou beneficiário portador de doença mental, não será exigida a apresentação do Termo de Curatela, ressaltando-se que a falta da apresentação do Termo de Tutela ou do Termo de Curatela não impedirá a concessão de qualquer benefício do RGPS, desde que apresentado termo de compromisso firmado no ato do requerimento. (Grifei) § 1º Para fins de recebimento de pagamento, caso seja alegado que o beneficiário não possui condições de gerir o recebimento do benefício, a APS deverá orientar: I – a constituição de procurador conforme dispõe o art. 156 do RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999, na hipótese de o beneficiário possuir discernimento para a constituição de mandatário na forma dos incisos II e III do art. 3º e art. 654 do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002); II – na impossibilidade de constituição de procurador, a família deve ser orientada sobre a possibilidade de interdição parcial ou total do beneficiário, conforme o disposto nos arts. 1.767 e 1.772 do Código Civil. (Grifei) 190 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 § 2º Na situação do caput, deverá ser exigida pela APS uma declaração da pessoa que se apresenta no INSS, alegando a situação vivida pelo beneficiário. § 3º A interdição, seja ela, total ou parcial, não será exigência do INSS, e sim promovida pelos pais ou tutores, pelo cônjuge ou por qualquer outra pessoa da família, ou ainda, pelo Ministério Público, conforme art. 1.768 do Código Civil. (Grifei) § 4º O INSS somente procederá à alteração do recebedor do benefício após a apresentação do comprovante do pedido de interdição, total ou parcial, perante a Justiça, o que permitirá o recebimento do benefício, na condição de administrador provisório, por um período de seis meses, sujeito a prorrogação, desde que comprovado o andamento do respectivo processo judicial.” Por essa razão, andou bem o MM. Juízo a quo quando do deferimento da antecipação da tutela, confirmada na sentença ora apelada: “Interpretando-se os dispositivos citados pode-se concluir o seguinte: 1º) não se exige, de regra, a comprovação da curatela para pagamento dos benefícios previstos na Lei 8.213/91 e do benefício de prestação continuada (Lei 8.742/93) nos casos de incapacidade do titular, pois, nessa hipótese, o valor ‘será pago [alternativamente] ao cônjuge, ao pai ou à mãe’; 2º) na ausência de cônjuge, pai ou mãe, o benefício será pago a herdeiro necessário, e somente após o decurso de seis meses é que se exige a comprovação do andamento do processo de tutela ou de curatela. Assim, é possível afirmar que a exigência do INSS (fl. 57) não está de acordo com a legislação acima mencionada, pois somente pode ser imposta a comprovação da curatela ou da tutela de forma excepcional, vale dizer, quando o beneficiário incapaz não possuir cônjuge, pai e mãe e estiver representado por herdeiro necessário por mais de seis meses. Nada obstante a ausência de previsão na Lei 8.742/93, o art. 35 do Decreto 6.214/2007 (transcrito na fl. 156-v) prevê a hipótese de recebimento do benefício assistencial por herdeiro necessário em caso de ausência de cônjuge, pai ou mãe, exigindo-se a tutela ou a curatela, legitimamente, para assegurar os interesses do incapaz, após o transcurso de seis meses. Aqui, é invocável a regra ubi eadem ratio ibi eadem dispositio (onde houver o mesmo fato haverá o mesmo direito), porquanto nos dois benefícios (assistencial e aqueles previstos na Lei 8.213/91) o titular está acometido de doença mental, existindo, assim, similitude no suporte fático que autoriza a exigência, bem como identidade de substância jurídica (por analogia, vide igual conclusão alcançada pelo Superior Tribunal de Justiça no AgRg no REsp 760.445/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 11.04.2006). Além disso, nas duas situações, apenas na ausência de cônjuge, pai ou mãe o benefício será pago a herdeiro necessário e somente após o decurso de seis meses é que se exige a comprovação do andamento do processo de tutela ou de curatela, denotando que a determinação é excepcional, e mais, fixada única e exclusivamente para proteger R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 191 os interesses do beneficiário que se enquadra, muitas vezes, nas hipóteses do art. 1.767 do CC/2002, conforme já mencionado na fl. 157.” Assim, não há como ser acolhida a apelação do INSS, tendo em vista a escorreita legalidade da liberação imposta pelo comando sentencial. Em seguimento, cumpre verificar se deveria ir além a decisão, no sentido de ser permitido o pagamento dos benefícios em questão por intermédio de qualquer pessoa portadora de procuração por instrumento público ou com suprimento judicial, com poderes específicos, conforme pleiteado na apelação do douto Ministério Público Federal. Também aqui, escorreita foi a decisão apelada, não merecendo qualquer censura: “De outro lado, não há como acolher o pedido do autor para liberar o pagamento dos benefícios de incapaz para toda e qualquer pessoa portadora de procuração, ante a ausência de previsão legal, ressalvadas, por óbvio, as autorizações/determinações judiciais. Registre-se, obiter dictum, que muitas das incapacidades passíveis de percepção de benefício previdenciário e de benefício de prestação continuada são enquadráveis nas hipóteses de curatela previstas no art. 1.767 do CC/2002, mesmo assim, não se pode exigir, como regra geral, a interdição do titular para percepção do benefício, como mencionado anteriormente. Em verdade, a experiência forense tem demonstrado que a interdição é promovida perante o Juízo de Direito tão somente para apresentar prova pré-constituída ao requerimento proposto perante o INSS, a fim de facilitar a concessão do benefício previdenciário ou do benefício assistencial. Isso não significa dizer, evidentemente, que a aludida autarquia possa exigir, de plano, a comprovação da tutela como condição para o pagamento do benefício concedido, conforme já exposto.” Embora se reconheça que a motivação do parquet seja nobre, no sentido de ser reduzida a intromissão do comando estatal na vida privada, no que, aliás, é amparada por igual preocupação do Conselho Federal de Psicologia e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a verdade é que tal embaraço reveste-se de razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista a necessidade de proteção da pessoa portadora de deficiência mental. Lamentavelmente, em nossa sociedade atual os débeis não são protegidos por uma cidadania eficaz, guiada pelo espírito de solidariedade, mas convivem em um ambiente de malícia, alimentado pela impunidade certa. Num sistema jurídico em que a presunção de inocência transforma a sentença penal condenatória em peça 192 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 de ficção, onde a pena, já fixada a partir do mínimo, é executada pela sexta parte, onde os corruptos notórios renascem das cinzas, ungidos pelo voto popular, onde os financiamentos das campanhas políticas garantem o acesso futuro às contratações fraudulentas com o poder público, o canto do Estado mínimo, em vez de sinfônico, soa utópico e ucrônico. Por último, não é despiciendo gizar que o novo Código Civil amenizou os rigores da curatela, ao estabelecer que o juiz deve estipular seus limites, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito (art. 1.772), o que, no caso concreto, poderá redundar na autorização para que o deficiente mental venha a receber pessoalmente o benefício previdenciário ou assistencial. Da multa pelo descumprimento da tutela Não há o que alterar na r. sentença quanto ao particular: “Por fim, anote-se, mais uma vez, que não há razão para a fixação de multa pelo não cumprimento da decisão antecipatória, pois: a) não há indícios de que o INSS deixará de descumprir a decisão de fls. 156-157, e isso restou demonstrado porque não houve notícia de inobservância da tutela antecipatória; b) deve-se presumir a boa-fé do destinatário da ordem judicial, na espécie, o INSS (aliás, de todos os litigantes), e fomentar o seu cumprimento espontâneo (art. 14 V do CPC); c) a fixação de multa é medida excepcional, aplicável como ultima ratio, diante de manifesta recalcitrância da parte, inexistente no presente caso.” Prequestionamento Quanto ao pedido de prequestionamento, tenho que a presente decisão manifestou-se expressamente sobre todas as questões levantadas, restando a matéria, portanto, prequestionada. Dispositivo Posto isso, voto por negar provimento à remessa oficial e às apelações do INSS e do Ministério Público Federal. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 193 194 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DIREITO PROCESSUAL CIVIL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 195 196 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2007.04.00.005720-0/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira Autor: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional do INSS Réu: Geraldo Alfredo Hallwass Advogado: Dr. Hildo Wollmann EMENTA Ação rescisória. Cabimento. Decisão interlocutória. Questão incidental e não de mérito. Impossibilidade jurídica da demanda. Extinção do processo. A ação rescisória não tem cabimento em face de decisão interlocutória que se limita a encaminhar a execução a seus regulares termos e assim não se identifica, sequer remotamente, à sentença de mérito (e, por extensão, ao acórdão ou, em casos excepcionalíssimos, às decisões que se ocupem de definir essencialmente questão de fundo). ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir o processo sem julgamento do mérito e condenar o INSS/autor ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta ação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 197 do presente julgado. Porto Alegre, 12 de abril de 2010. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ajuizou ação rescisória em face de Geraldo Alfredo Hallwass, objetivando desconstituir, in verbis: “decisão interlocutória proferida à fl. 92 do processo Execução de Sentença nº 2004.71.04.007568-9 (...) para que seja mantida a coisa julgada”. Sustenta a Autarquia, em síntese: a) o cabimento da ação rescisória contra decisão interlocutória que verse sobre o mérito da ação, como no caso, pois a decisão objurgada extrapola o quanto contido no título exequendo; b) a procedência da ação com base no artigo 485, inciso IV, do CPC; c) que o benefício requerido administrativamente foi o de aposentadoria por tempo de serviço, espécie 42, e não aposentadoria especial de professor, espécie 57; d) a necessidade de se assegurar a coisa julgada mediante a manutenção do benefício como sendo de aposentadoria proporcional, no percentual de 70% do salário de benefício. Em exame preambular, deferi o pedido de tutela antecipada (fls. 277 a 178-verso). Contestou o réu (fls. 286 a 299), suscitando, preliminarmente, o caráter recursal da presente demanda e, no mérito, a improcedência do pedido. Regularmente processado o feito, manifestou-se o Ministério Público Federal (parecer de fls. 382 e verso) pela extinção sem julgamento do mérito. É o relatório. Dispensada a revisão (RITRF 4ª R., art. 37, inciso IX). VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Em melhor exame, realizo que não cabe sequer ser conhecida a presente ação rescisória. Confiro. O pedido, como precedentemente relatado, consiste na pretensão 198 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 de desconstituir, in verbis: “decisão interlocutória proferida à fl. 92 do processo Execução de Sentença nº 2004.71.04.007568-9(...) para que seja mantida a coisa julgada”. Um tal provimento, como já apontado na contestação e gizado no Parecer do Ministério Público Federal, não se afeiçoa à previsão legal (CPC, art. 485, caput), que exige, aos fins, sentença de mérito transitada em julgado (e alcança por extensão, os acórdãos), a ela equiparada, em casos excepcionalíssimos, decisões que se ocupem de definir essencialmente questão de mérito ou de fundo, com o que não se identifica, sequer por aproximação, a espécie. Confira-se o teor da r. decisão objurgada (fl. 92 do processo de Execução): “(...) 2. Intime-se o INSS para que, no prazo de dez dias, efetue o enquadramento do benefício do exequente (folha 81) como aposentadoria por tempo de serviço como professor (art. 56 da Lei nº 8.213/91), bem como para que, no mesmo prazo, junte planilha com os valores devidos ao exequente. (...)” A decisão que a parte-autora pretende rescindir, como se observa do relatado, não decidiu o mérito da ação, mas tão somente se limita a encaminhar o prosseguimento do feito. Nesse sentido, mutatis mutandis, os seguintes precedentes: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. CONHECIMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. Pelo princípio da fungibilidade admite-se o recebimento dos embargos de declaração como agravo regimental. 2. O acórdão rescindendo, proferido em agravo de instrumento, decidiu questão incidental referente à fase de execução de título judicial quanto a serem ou não devidos honorários advocatícios nas execuções não embargadas e, desse modo, por encerrar decisão interlocutória não de mérito, não se sujeita à ação rescisória. Mantida a decisão agravada que extinguiu o processo sem julgamento do mérito. 3. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental. Agravo improvido.” (AGRAR nº 2006.04.00.013150-9, 3ª Seção, Relator Otávio Roberto Pamplona, DJ 21.06.2006) “AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. – A teor do art. 485 do CPC, somente pode ser rescindida a sentença de mérito, que permite a coisa julgada material, conceito no qual não se enquadra a decisão que deterR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 199 minou o cumprimento da sentença, decisão interlocutória que não pôs fim ao processo.” (AGRAR nº 2004.04.01.049606-8, 3ª Seção, Relator Celso Kipper, DJ 07.06.2006) “AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. QUESTÃO TIPICAMENTE INTERLOCUTÓRIA. INCABIMENTO. 1. Embora a doutrina e a jurisprudência menos rígidas transijam em aceitar o cabimento da rescisória para desconstituir aresto proferido em agravo de instrumento, é imprescindível que a matéria solvida envolva o mérito da ação, cuja definição acabe por acarretar a própria extinção do processo. 2. Se a decisão limitou-se a pronunciamento acerca de índices de correção monetária da conta de liquidação apresentada para os fins do art. 604, do CPC, é incabível a rescisória.” (AGRAR nº 2000.04.01.01.016092-9/RS, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 20.09.2000, p. 719) De qualquer forma, ainda que assim não fosse compreendido, da atenta análise do título sob execução na origem conclui-se que a decisão interlocutória encaminha a execução a bom termo e em consonância com o seu fundamento, assim ementado (fls. 160): “PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADES VINCULADAS AO RGPS E AO REGIME PRÓPRIO. EMPREGADO E SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. FRACIONAMENTO DO PERÍODO VINCULADO AO RGPS. ACUMULAÇÃO DOS BENEFÍCIOS. POSSIBILIDADE. 1. O exercício simultâneo de atividades vinculadas a regime próprio e ao regime geral, havendo a respectiva contribuição, não obstaculiza o direito ao recebimento simultâneo de benefícios em ambos os regimes. 2. O período contributivo não considerado para fins de contagem recíproca pode ser utilizado para postulação de benefício no próprio RGPS, já que não há vedação da acumulação de benefícios em regimes previdenciários diversos. 3. Embargos de declaração acolhidos.” (EDAC nº 2000.71.04.000005-2, 5ª Turma, Relator Luiz Carlos Cervi, DJ 23.07.2003) Impende ainda reproduzir o voto condutor, na parte que interessa: “(...) Diante disso, tendo sido apurados em favor do autor 30 anos e 17 dias de tempo de serviço, supro a omissão referida para condenar o INSS a conceder ao embargante a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, com fulcro no art. 201, § 8º, da Constituição Federal, porquanto adimplidos os requisitos constitucionais exigíveis, atribuindo efeitos infringentes ao presente recurso a fim de que seja mantida a r. sentença nesse aspecto. (...)” É de se ter em conta, ainda, que a sentença do processo de conhecimento é explícita ao mencionar o preenchimento das condições, uma vez que ultrapassa os 25 anos de magistério, período suficiente à concessão 200 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 da aposentadoria especial (fl. 105), tendo o apelo do INSS refutado exclusivamente a possibilidade de aproveitamento de tempo fracionado. Logo, no que extrapolou o acórdão, o fez por evidente equívoco, não se justificando, como já afirmei, alterar o bom encaminhamento da execução, até mesmo em nome dos princípios da celeridade e razoabilidade. São os fundamentos que adoto para decidir, certo de que as alegações contidas na inicial não ostentam vigor suficiente para embasar decisão em sentido diverso. Nessa equação, ausente a possibilidade jurídica do pedido, impõese extinguir o processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, inciso VI). Condeno o INSS/autor ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta ação (R$ 134.624,27 – cento e trinta e quatro mil, seiscentos e vinte e quatro reais e vinte e sete centavos, em 26.02.2007). Não há depósito a ser levantado (Lei nº 8.620/93, art. 8º, § 1º). Sem custas. Ante o exposto, voto por extinguir o processo sem julgamento do mérito e condenar o INSS/autor ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta ação. AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2009.04.00.030605-0/RS Relator: O Exmo. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona Autora: União Federal (Fazenda Nacional) Procurador: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional Réu: Banco A. J. Renner S/A Advogados: Drs. Claudio Merten e outro R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 201 EMENTA AÇÃO RESCISÓRIA. TRIBUTÁRIO. INCRA. APRECIAÇÃO DO MÉRITO PELO STJ. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL. 1. Ainda que o STJ, ao apreciar o recurso, não tenha analisado o objeto principal da rescisória, que no caso é a exigibilidade da contribuição para o INCRA, porém, tendo adentrado no mérito, apreciando a possibilidade de compensação dessa exação com outras, a competência para o julgamento da rescisória é do Superior Tribunal de Justiça, e não deste Tribunal. Precedentes da 1ª Seção deste Tribunal, do STJ e do STF. 2. Extinta a ação rescisória, sem resolução de mérito. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar extinta, sem resolução de mérito, a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 12 de abril de 2010. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: A União Federal (Fazenda Nacional) ajuizou ação rescisória contra Banco A. J. Renner S/A, com base no art. 485, inciso V, do CPC, objetivando desconstituir acórdão da 2ª Turma deste Tribunal que, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da parte-autora e julgou prejudicado o recurso do INSS, para que, em novo julgamento, seja desprovido o apelo do Banco A. J. Renner S/A, afirmando-se a exigibilidade da contribuição prevista no art. 6º, § 4º, da Lei nº 2.613/55 e em suas modificações legais, conforme os arts. 149 e 195 do texto constitucional. Sustenta, em síntese, que o acórdão rescindendo violou literalmente os arts. 149 e 195, ambos da CF, e o art. 6º, § 4º, da Lei 2.613/55. O réu foi citado, apresentando contestação nas fls. 628-702, tendo a autora oferecido réplica nas fls. 849-872 e agravo regimental con202 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 tra a decisão deste Relator que considerou tempestiva a contestação (fls. 873-875). Este Relator considerou manifestamente improcedente a interposição de agravo regimental (fl. 877) e determinou a intimação para o oferecimento de razões pelas partes, as quais foram apresentadas pela autora nas fls. 880-883 e pelo réu nas fls. 885-905. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opina pela procedência da ação rescisória. VOTO O Exmo. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de ação rescisória interposta pela Fazenda Nacional contra Banco A. J. Renner S/A, com base no art. 485, inciso V, do CPC, objetivando desconstituir acórdão da 2ª Turma deste Tribunal que, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da parte-autora e julgou prejudicado o recurso do INSS, para que, em novo julgamento, seja desprovido o apelo do Banco A. J. Renner S/A, afirmando-se a exigibilidade da contribuição prevista no art. 6º, § 4º, da Lei nº 2.613/55 e em suas modificações legais, conforme os arts. 149 e 195 do texto constitucional. Sustenta a autora, em síntese, que o acórdão rescindendo violou literalmente os arts. 149 e 195, ambos da CF, e o art. 6º, § 4º, da Lei 2.613/55. Representação processual As partes são legítimas, decorrendo de lei a representação judicial da autora. Cumprimento de prazo decadencial Verifico que o acórdão da 2ª Turma desta Corte transitou em julgado em 20.02.2009 (fl. 596), e a ação rescisória foi ajuizada em 10.09.2009, dentro do biênio legal previsto no art. 495 do CPC. Depósito prévio Em face do disposto no parágrafo único do art. 488 do CPC, descabe o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pela União. Inaplicabilidade da Súmula 343 do STF Inicialmente, cumpre afastar a aplicabilidade do teor da Súmula 343 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 203 do STF em face do contido na Súmula 63 desta Corte, segundo a qual “Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal à rescisória versando matéria constitucional”. Incompetência do TRF para o julgamento da presente rescisória Passo à análise da competência para o julgamento da presente rescisória. Compulsando os autos, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça apreciou o mérito ao prover o recurso especial do Banco A. J. Renner S/A (fl. 445-446) e ao, depois, modificá-lo em sede de embargos de divergência interpostos pela Fazenda Nacional, quando dispôs sobre a possibilidade de compensação, conforme se percebe das respectivas ementas a seguir transcritas: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA AO INCRA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONTRIBUIÇÕES ARRECADADAS PELO INSS. PRECEDENTES DA PRIMEIRA TURMA DESTA CORTE. 1. Trata-se de ação ordinária ajuizada pelo BANCO A. J. RENNER S/A buscando provimento jurisdicional para que se reconheça a inexigibilidade e a consequente restituição do adicional de 0,2% da contribuição sobre a folha de salários devida ao INSS destinada ao Incra sobre a folha de salários, sob a alegação de que a exação discutida não fora extinta com o advento da Lei nº 8.212/91. O douto julgador de primeiro grau desacolheu o pleito. Irresignada, a autora interpõe apelação (fls. 313-332). O Tribunal de origem reformou a decisão de Primeiro Grau julgando parcialmente procedente o pleito declarando indevido o recolhimento dos valores da exação discutida a partir da edição da Lei nº 8.212/91, reconhecendo, contudo, a impossibilidade de compensação da exação discutida com outras contribuições incidentes sobre a folha de salários, por não terem mesma espécie e destinação constitucional. Pela via especial, insurge-se a Empresa-Autora, sustentando, além de divergência jurisprudencial, negativa de vigência do art. 66 da Lei nº 8.383/91. Em síntese, aduz que a legislação referida assegura o direito à compensação de créditos tributários, desde que os tributos envolvidos na operação sejam da mesma espécie e tenham igual destinação, como se apresenta no caso do adicional destinado ao Incra com as contribuições devidas ao INSS, de acordo com linha interpretativa adotada pelos precedentes apontados neste recurso. Contrarrazões (fls. 512-518) pela Autarquia Agrária pugnando pelo improvimento do recurso especial. 2. Entendimento jurisprudencial da Primeira Turma desta Corte no sentido da possibilidade de compensação entre os valores recolhidos indevidamente a título de contribuição do Incra, com outras contribuições arrecadadas pelo INSS que tenham o mesmo escopo: financiar a seguridade social. 3. Precedentes: REsp 645518/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 204 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 23.08.2004, AgRg/REsp 636127/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 23.08.2004; REsp 678409/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 19.04.2005; REsp 640497/ SC, Desta Relatoria, DJ de 04.04.2005. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp nº 771.741, Relator Ministro José Delgado, DJU 17.10.2005) “TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS AO INSS. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESTINAÇÃO DIVERSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 66, § 1º, DA LEI Nº 8.383/91. 1. A contribuição para o Incra não se destina a financiar a Seguridade Social. Os valores recolhidos indevidamente a esse título não podem ser compensados com outras contribuições arrecadadas pelo INSS que se destinam ao custeio da Seguridade Social. Não se aplica, portanto, o § 1º do art. 66 da Lei nº 8.383/91. O encontro de contas só pode ser efetuado com prestações vincendas da mesma espécie, ou seja, com a mesma destinação orçamentária. 2. Embargos de divergência providos.” (STJ – Embargos de Divergência em REsp nº 771.741-RS, Relator: Ministro Castro Meira, DJU 05.02.2007) Cumpre referir que em rescisória idêntica à presente, tratando da mesma questão, do mesmo tributo (Incra), e não tendo o STJ, tal qual no presente caso, analisado o objeto principal da rescisória, que é a exigibilidade da contribuição para o Incra, mas tendo adentrado no mérito apreciando a possibilidade de compensação, esta 1ª Seção deste Tribunal decidiu que a competência para o julgamento da rescisória é do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se o precedente precitado: “AÇÃO RESCISÓRIA. TRIBUTÁRIO. RECONHECIMENTO DA PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 249-STF. I – A teor do prescrito no verbete Sumular 249-STF: ‘É competente o Supremo Tribunal Federal para ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida’. II – Analogicamente, tendo o STJ adentrado no mérito da causa, quando do exame de recurso interposto pela parte, é incompetente, para julgar a ação rescisória que tenha por objeto rescindir esta decisão, o Tribunal Regional de apelação. Precedentes desta Corte e do STJ.” (TRF4R – 1ª Seção, AR nº 2008.04.00.044073-4/SC, Rel. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, DE 17.11.2009) Assim, no presente caso, ainda que não tenham sido abordadas todas as questões do acórdão rescindendo, houve apreciação de mérito no recurso especial no tocante à possibilidade de compensação e, por conseguinte, a ação rescisória deveria ter sido dirigida ao Superior Tribunal de Justiça, e não a este Tribunal, que é incompetente R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 205 para processá-la e julgá-la. O enquadramento se dá pelo estatuído na alínea e do inc. I do art. 105 da CF, segundo a qual compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, as ações rescisórias de seus julgados. Nessa linha, confira-se o seguinte precedente, mutatis mutandis, do Pleno do STF: ‘’PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC. COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ATUALIZAÇÃO. ART. 201, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. CRITÉRIO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. INTEGRAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL. ART. 58 DO ADCT. LIMITES. LEIS 8.212/91 E 8.213/91. PRECEDENTES. AÇÃO RESCISÓRIA CONHECIDA E PROVIDA. 1. A competência do STF para conhecimento e julgamento da ação rescisória fica firmada desde que o Tribunal tenha enfrentado uma das questões de mérito – ainda que para não conhecer do recurso (Súmula STF nº 249). 2. Reajuste dos benefícios de prestação continuada mantidos pela Previdência Social na data da Constituição de 1988 de acordo com o salário mínimo. Aplicação do art. 58 do ADCT. Limitação da norma constitucional transitória à edição das Leis 8.212/91 e 8.213/91, que regulamentaram, na forma do art. 201, § 2º, da Constituição Federal, os critérios de revisão dos benefícios previdenciários. 3. Reajuste dos benefícios iniciados no período compreendido entre a promulgação da Constituição e o início da vigência das leis de custeio e benefício, matéria disciplinada no art. 15 da Lei 7.787/89. 4. Ação rescisória conhecida e provida.” (STF, Pleno, AR 1572/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 21.09.2007) Assim, declarada a incompetência deste Tribunal para o julgamento da presente ação rescisória, imperiosa é a extinção do processo sem resolução de mérito. Honorários advocatícios Tendo havido processamento regular desta ação rescisória, com apresentação de contestação e razões finais, deve a parte-autora arcar com os honorários advocatícios em favor da parte-ré no patamar de 1% sobre o valor da causa (R$ 109.398,95 – fl. 11), a teor do preceituado pelo § 4º do art. 20 do CPC e em consonância com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Dispositivo Ante o exposto, voto por extinguir a ação rescisória sem resolução de mérito, em face de este Tribunal ser incompetente para o seu julgamento, 206 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 condenando a parte-autora a arcar com os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação retro. É o voto. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.037166-2/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Agravante: Município de Rolante Procurador: Dr. Marcos Alexandre Masera Agravada: União Federal Advogado: Procuradoria Regional da União Agravada: Decisão de folhas EMENTA Constitucional e Processual Civil. Incidente de inconstitucionalidade. Art. 97 da C.F. Interpretação. Quórum. Doutrina e jurisprudência. 1. Consoante dispõe o art. 97 da CF/88, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Essa norma, no Brasil, tem origem na Constituição de 1934 (art. 179), sendo, posteriormente, repetida nas Constituições de 1937 (art. 96), de 1946 (art. 200), de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 116), e na vigente, de 1988, em seu art. 97. O procedimento estabelecido na Constituição, que diz com o modo de julgamento do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, adveio do direito norte-americano, onde se conferiu ao juiz de primeira instância o poder de declarar a inconstitucionalidade, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 207 exigindo-se, porém, por meio de construção da doutrina e da jurisprudência, no julgamento pelos tribunais, a presença da totalidade de seus membros, de modo a evitar que em questão de tal gravidade, e mesmo em homenagem ao princípio da separação e da harmonia dos Poderes, tão caro à democracia daquele País, fosse reconhecida a incompatibilidade de uma lei com a Constituição pela maioria simples ou ocasional. Nesse sentido, o depoimento de Nerincz, em seu estudo clássico acerca da organização judiciária americana, quando noticia que, “tratando-se de apreciar a constitucionalidade de uma lei federal, a Corte Suprema estabeleceu que se não invalidasse a lei senão pela maioria do número completo dos juízes reunidos in a full bench e somente quando a oposição entre a Constituição e a lei era tal que o magistrado devia convencer-se da sua inconstitucionalidade.” (In L’Organisation Judiciaire aux États-Unis. Paris: V. Giard & E. Brière, 1909. p. 45-6) Nesse sentido, também, a lição de Cooley, verbis: “In view of the considerations which have been suggested, the rule which is adopted by some courts, that they will not decide a legislative act to be unconstitutional by a majority of a bare quorum of the judges only – less than a majority of all – but will instead postpone the argument until the bench is full, seems a very prudent and proper precaution to be observed before entering upon questions so delicate and so important.” (In Constitutional Limitations. 7. ed. Boston, 1903. p. 203, I) A Suprema Corte – relata Willoughby – assentou que a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria do tribunal pleno. É o seu magistério, verbis: “(...) the court has made it a rule not to render a decision invalidating a legislative act, unless it to be concurred in by a majority, not of judges sitting, as is the usual rule, but of the entire bench” (Westel W. Willoughby, in The Supreme Court Of The United States. Baltimore: The Hopkins Press, 1890. p. 39). Revelando a observância desses princípios pelos diversos Estados da Federação Americana, noticia-nos John Mabry Mathews, verbis: “(...) it has happened, in an appreciable number of cases, that legislative acts are declared unconstitutional by a bare majority of the court. The fact that there is a large dissenting minority would seem to cast some doubt upon the invalidity of the act. (...) In order to check this tendency, some states have adopted express constitutional limitations designed to curb the unrestricted power of the courts to declare legislative acts unconstitutional. Thus, in Ohio and North Dakota, having seven and five judges can be 208 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 declared unconstitutional only by the concurrence of six and four judges, respectively. (...) In states where the supreme courts may meet in separate divisions for the decision of ordinary cases, it is usually the rule that cases involving the constitutionality of laws can only be decided by a majority of the full bench.” (In American State Government. New York: D. Appleton and Company, 1931. p. 487-8) Diverso não é o sistema que prevalece no direito constitucional europeu. Ao comentar o procedimento de julgamento perante a Corte Constitucional da Itália, anota Enrico Redenti, verbis: “Non c’è un numero fisso di giudici per la composizione del collegio decidente (o ..., delibante), come c’è per gli uffici giudicanti della magistratura ordinária, ma c’è un numero minimo (almeno undici, compreso il presidente o il suo ff.: art. 16 della legge ord. 11 marzo 53). Non pare sia ammessa se non de facto la astensione; esclusa la ricusazione (art. 16 delle norme integrative). L’assenza dovrebbe esser giustificata. Possono concorrere alle deliberazione solo i giudice che siano stati presenti a tutte le udienze. In caso di parità di voti prevale quello del presidente.” (In Legitimità delle Leggi e Corte Costituzionale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1957. p. 70, n. 49) Ou seja, consoante observa Redenti, não há número fixo de juízes para a composição do colégio julgador, como ocorre para a função judicial da magistratura ordinária. Entretanto, exige-se um número mínimo de pelo menos onze, inclusive o Presidente. Não parece ser admitida senão de fato a abstenção, estando excluída a recusa. A ausência deve ser justificada. Podem concorrer às decisões somente os juízes que estiverem presentes a todas as audiências. Em caso de paridade de voto, prevalece o do Presidente. Não é diverso o magistério de Franco Pierandrei (Corte Costituzionale, in Enciclopedia Del Diritto, v. X, p. 960). Da mesma forma, de maneira semelhante ao direito italiano, dispõe o direito constitucional alemão, nos termos do magistério autorizado de Ernest Friesenhahn, verbis: “Le decisioni sono pronunciate in linea di principio dalla maggioranza dei giudici che vi hanno preso parte. Nel caso di eguaglianza dei voti non è attribuito un voto preponderante al presidente. Da ciò si ricava che in caso di eguaglianza dei voti deve essere respinta la domanda proposta. In certi casi ciò potrebbe portare ad un risultato impossible, poichè il risultato della controversia giuridica potrebbe dipendere dalla formulazione positiva o negativa della domanda. La legge stabilisce perciò che in caso di eguaglianza dei voti indifferentemente da come sia stata formulata la domanda, non R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 209 può essere accertata una violazione della legge fondamentale o altro diritto federale.” (“As decisões serão tomadas primordialmente pela maioria dos juízes que delas participaram. Havendo número idêntico de votos, não cabe ao Presidente o desempate. Decorre daí que, havendo empate na votação, o pedido deve ser rejeitado. Em certos casos, isso pode levar, porém, a resultado impossível, porque a solução da lide poderia depender da forma positiva ou negativa do pedido. Por isso determina a lei que, em caso de paridade de votos, tal como foi ajuizado o pedido, não pode ser declarada uma violação da Lei Fundamental ou de outro direito federal.”) (In La Giurisdizione Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca. Ristampa. Milano: Dott. A. Guiffrè, 1973. p. 140, n. 13) Ora, nos termos do art. 97 da Lei Maior, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público nos tribunais somente poderá ocorrer quando preenchidos dois pressupostos: 1º) haja votos acordes no reconhecimento da alegada inconstitucionalidade; 2º) que a soma dos votos acordes perfaça a maioria absoluta dos membros do tribunal, e não apenas dos juízes presentes à sessão de julgamento. Define-se a maioria absoluta como o número imediatamente superior à metade, na lição clara e precisa de Léon Duguit. São suas palavras, verbis: “La détermination de la majorité absolue peut présenter quelque difficulté. Si le nombre des votants est un nombre pair, la majorité absolue est la moitié plus un de ce nombre. Si les votants sont en nombre impair, la majorité absolue est la majorité absolue du nombre pair immédiatement au-dessous: la majorité absolue de 1.001 est 501; et 501 est aussi la majorité absolue de 1.000.” (In Traité de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: E. de Boccard, 1924. Tomo 4º. p. 91) Por conseguinte, somente o Plenário da Corte, ou seu órgão especial, nos termos do art. 97 da CF/88, poderá declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Essa a jurisprudência pacífica do Eg. Supremo Tribunal Federal (RE nº 55.378, rel. Min. Thompson Flores, in Ementário 830 do STF; RE nº 88.160/RJ, rel. Min. Leitão de Abreu, in RTJ 96/1.188; RE nº 90.569/ RJ, rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 99/273). No mesmo sentido, o pensamento autorizado do Mestre Pontes de Miranda, in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, 2. ed., Revista dos Tribunais, v. III, p. 590, verbis: “Os membros do tribunal que votaram, em cognição da ação, ou de recurso, ou seus substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que se possa decretar a nulidade 210 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado mínimo para julgamento de inconstitucionalidade da regra jurídica. O art. 116 atende, em parte, à hierarquia das regras jurídicas: posto que a Constituição exija a maioria absoluta dos membros do tribunal (não dos presentes) para a decisão desconstitutiva, só a faz a respeito das regras legais ou de atos, que contenham regras jurídicas ou não, porém não estende a exigência se a infração, de que se trata, é a regra geral. O tribunal, ou a parte do tribunal, não precisa de maioria absoluta para dizer ilegal o ato do poder público. À primeira vista, parece estranho que se possa decretar a ilegalidade, sem maioria absoluta dos membros do tribunal, e não se possa decretar a inconstitucionalidade desse mesmo ato, se não se perfaz maioria absoluta dos membros do tribunal. É que a ratio legis não está em que as questões de legalidade são menos graves e só atingem os decretos, regimentos, regulamentos, avisos, instruções, portarias e outros atos menos importantes. As questões de inconstitucionalidade são graves, porque se acusa o autor do ato de violar a Constituição de que provém qualquer partícula de poder público que haja invocado.” Dessa forma, indefiro o efeito suspensivo, pois a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.494/97 já restou afirmada pelo Egrégio STF e, nesta Corte, somente poderia ser apreciada pela Corte Especial, nos termos do artigo 97 da CF/88, e não pelos seus órgãos fracionários. Por outro lado, consoante demonstrado na decisão impugnada, já transcrita no relatório, em juízo de liminar, não se encontram presentes os pressupostos autorizadores para o deferimento do efeito suspensivo. 2. Agravo a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 03 de novembro de 2009. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se de agravo onde o recorrente insurge-se contra o indeferimento do efeito suspensivo. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 211 O decisum impugnado, a fls. 237-240, é do seguinte teor, verbis: “(...) 2. Da antecipação dos efeitos da tutela: Trata-se de pedido de antecipação de tutela, formulado em face da Fazenda Pública, referente à liberação do montante de R$ 234.000,00 para dar cumprimento ao Convênio firmado entre o Município e a União em 2006. Saliento, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, pacificou o entendimento de esta somente não poder ser deferida nas hipóteses que importem em: ‘(a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas.’ (Rcl 6138 MC, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Presidente Min. GILMAR MENDES, julgado em 17.07.2008, publicado em DJe-144 DIVULG 04.08.2008 PUBLIC 05.08.2008) Logo, desde que o provimento de antecipação não incida em qualquer das situações de pré-exclusão referidas, taxativamente, no art. 1º da Lei nº 9.494/97, é imprescindível a apreciação do caso concreto. O deferimento da referida medida antecipatória está sujeito aos requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil e, pois, é possível quando, demonstrada a verossimilhança da alegação através de prova inequívoca, torna-se imprescindível a antecipação dos efeitos de um futuro provimento de mérito em razão da urgência, evitando-se, assim, o risco de seu perecimento no curso inevitável do processo. Portanto, é necessário que as alegações da inicial sejam relevantes a ponto de, em um exame perfunctório, possibilitar ao julgador prever a probabilidade de êxito na ação (verossimilhança da alegação). Deve estar presente, também, a indispensabilidade da concessão da medida (fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação), a fim de que não haja o risco de perda do direito ou a sua ineficácia se deferida apenas ao final. No caso concreto, não vislumbro, em sede de cognição sumária, a conjugação dos pressupostos para o deferimento da medida antecipatória, com agravante de se tratar de pedido de satisfatividade plena, com provável irreversibilidade. Senão vejamos. As partes firmaram o Contrato de Repasse nº 0214616-50/2006, em 29.12.2006 (fls. 20-26), cujo objeto era a ‘transferência de recursos financeiros da União para a execução de APOIO À MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS’ (cláusula primeira, fl. 20). Constou, dentre as obrigações do contratante, ‘transferir ao CONTRATADO os recursos financeiros, na forma do cronograma de execução financeira aprovado’ (cláusula terceira, fl. 21) e, do contratado, ‘executar os trabalhos necessários à consecução do ob- 212 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 jeto, a que alude este Contrato de Repasse, observando os critérios de qualidade técnica, os prazos e os custos previstos’, bem como ‘ter consignado no Orçamento do corrente exercício ou, em prévia lei que autorize sua inclusão, os subprojetos ou as subatividades decorrentes deste contrato de repasse e, no caso de investimento que extrapole o exercício, consignar no Plano Plurianual os recursos para atender as despesas em exercícios futuros que, anualmente, constarão do Orçamento’ (cláusula terceira, fl. 21). Quanto à liberação e ao saque dos recursos, no que se refere à última parcela, constou no Convênio: ‘O saque da última parcela, que não poderá ser inferior a 10% do valor de repasse contratado, ficará condicionado ao ateste, pela CONTRATANTE, da execução total do empreendimento objeto deste Contrato de Repasse, bem como à aprovação, pelo CONTRATADO, da integral aplicação do valor relativo à contraprestação exigível’ (cláusula sexta, fl. 22). Restou consignado no pacto, ainda, que ‘as despesas com a execução deste Contrato de Repasse correrão à conta de recursos alocados nos respectivos orçamentos dos partícipes para o exercício de 2006’ (cláusula sétima, fl. 22). Constou nos autos, ainda, memorial descritivo da obra, datado de 20.11.2007 (fls. 32-62), Edital de Tomada de Preços 007/2008, de 04.07.2008 (fls. 63-68), sendo que, em 07.08.2008, foi firmado Contrato com a empresa vencedora da licitação para a construção das casas populares (fls. 140-142). O Laudo Social de fls. 168-169, datado de 24.08.2009, atesta que as casas estão sendo construídas, assim como as fotografias de fls. 172-177. Verifica-se, da análise documental, que o objeto do Convênio, caso concluído, somente o foi no ano de 2009, motivo pelo qual as cláusulas terceira e sexta obstaram o repasse das verbas. Diante disso, é plausível a justificativa da União, de que a despesa foi inscrita em restos a pagar e o Decreto nº 6.625/2008 prorrogou até 31.03.2009 o prazo de validade, sendo que, a partir dessa data, foi suprimido do orçamento. Em virtude disso, ao menos em uma análise perfunctória, não há como liberar a quantia não mais prevista no orçamento, em homenagem ao princípio da universalidade, mormente quando cabia à parte demandante atestar a execução total do empreendimento objeto do Contrato de Repasse, para o fim de fazer constar no próximo orçamento atual a referida verba. Acrescento, ainda, que não há risco de dano à população do Município, uma vez que atestou a demandante que as casas já foram construídas, não havendo que se falar no prejuízo ao direito à moradia da população beneficiada com a construção das casas populares. Ante o exposto, INDEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela.” É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 213 Consoante dispõe o art. 97 da CF/88, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Essa norma, no Brasil, tem origem na Constituição de 1934 (art. 179), sendo, posteriormente, repetida nas Constituições de 1937 (art. 96), de 1946 (art. 200), de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 116), e na vigente, de 1988, em seu art. 97. O procedimento estabelecido na Constituição, que diz com o modo de julgamento do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, adveio do direito norte-americano, onde se conferiu ao juiz de primeira instância o poder de declarar a inconstitucionalidade, exigindo-se, porém, por meio de construção da doutrina e da jurisprudência, no julgamento pelos tribunais, a presença da totalidade de seus membros, de modo a evitar que em questão de tal gravidade, e mesmo em homenagem ao princípio da separação e da harmonia dos Poderes, tão caro à democracia daquele País, fosse reconhecida a incompatibilidade de uma lei com a Constituição pela maioria simples ou ocasional. Nesse sentido, o depoimento de Nerincz, em seu estudo clássico acerca da organização judiciária americana, quando noticia que, “tratando-se de apreciar a constitucionalidade de uma lei federal, a Corte Suprema estabeleceu que se não invalidasse a lei senão pela maioria do número completo dos juízes reunidos in a full bench e somente quando a oposição entre a Constituição e a lei era tal que o magistrado devia convencer-se da sua inconstitucionalidade.” (In L’Organisation Judiciaire aux États-Unis. Paris: V. Giard & E. Brière, 1909. p. 45-6) Nesse sentido, também, a lição de Cooley, verbis: “In view of the considerations which have been suggested, the rule which is adopted by some courts, that they will not decide a legislative act to be unconstitutional by a majority of a bare quorum of the judges only – less than a majority of all – but will instead postpone the argument until the bench is full, seems a very prudent and proper precaution to be observed before entering upon questions so delicate and so important.” (In Constitutional Limitations. 7 ed. Boston, 1903. p. 203, I) A Suprema Corte – relata Willoughby – assentou que a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria do tribunal pleno. É o seu magistério, verbis: “(...) the court has made it a rule not to 214 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 render a decision invalidating a legislative act, unless it to be concurred in by a majority, not of judges sitting, as is the usual rule, but of the entire bench” (Westel W. Willoughby, in The Supreme Court Of The United States. Baltimore: The Hopkins Press, 1890. p. 39). Revelando a observância desses princípios pelos diversos Estados da Federação Americana, noticia-nos John Mabry Mathews, verbis: “(...) it has happened, in an appreciable number of cases, that legislative acts are declared unconstitutional by a bare majority of the court. The fact that there is a large dissenting minority would seem to cast some doubt upon the invalidity of the act. (...) In order to check this tendency, some states have adopted express constitutional limitations designed to curb the unrestricted power of the courts to declare legislative acts unconstitutional. Thus, in Ohio and North Dakota, having seven and five judges can be declared unconstitutional only by the concurrence of six and four judges, respectively. (...) In states where the supreme courts may meet in separate divisions for the decision of ordinary cases, it is usually the rule that cases involving the constitutionality of laws can only be decided by a majority of the full bench.” (In American State Government. New York: D. Appleton and Company, 1931. p. 487-8) Diverso não é o sistema que prevalece no direito constitucional europeu. Ao comentar o procedimento de julgamento perante a Corte Constitucional da Itália, anota Enrico Redenti, verbis: “Non c’è un numero fisso di giudici per la composizione del collegio decidente (o ..., delibante), come c’è per gli uffici giudicanti della magistratura ordinária, ma c’è un numero minimo (almeno undici, compreso il presidente o il suo ff.: art. 16 della legge ord. 11 marzo 53). Non pare sia ammessa se non de facto la astensione; esclusa la ricusazione (art. 16 delle norme integrative). L’assenza dovrebbe esser giustificata. Possono concorrere alle deliberazione solo i giudice che siano stati presenti a tutte le udienze. In caso di parità di voti prevale quello del presidente.” (In Legitimità delle Leggi e Corte Costituzionale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1957. p. 70, n. 49). Ou seja, consoante observa Redenti, não há número fixo de juízes para a composição do colégio julgador, como ocorre para a função judicial da magistratura ordinária. Entretanto, exige-se um número mínimo de pelo menos onze, inclusive o Presidente. Não parece ser admitida senão de fato a abstenção, estando excluída a recusa. A ausência deve ser justificada. Podem concorrer às decisões somente os juízes que estiverem presentes a todas as audiências. Em caso de paridade de voto, prevalece o do Presidente. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 215 Não é diverso o magistério de Franco Pierandrei (Corte Costituzionale, in Enciclopedia Del Diritto, v. X, p. 960). Da mesma forma, de maneira semelhante ao direito italiano, dispõe o direito constitucional alemão, nos termos do magistério autorizado de Ernest Friesenhahn, verbis: “Le decisioni sono pronunciate in linea di principio dalla maggioranza dei giudici che vi hanno preso parte. Nel caso di eguaglianza dei voti non è attribuito un voto preponderante al presidente. Da ciò si ricava che in caso di eguaglianza dei voti deve essere respinta la domanda proposta. In certi casi ciò potrebbe portare ad un risultato impossible, poichè il risultato della controversia giuridica potrebbe dipendere dalla formulazione positiva o negativa della domanda. La legge stabilisce perciò che in caso di eguaglianza dei voti indifferentemente da come sia stata formulata la domanda, non può essere accertata una violazione della legge fondamentale o altro diritto federale.” (“As decisões serão tomadas primordialmente pela maioria dos juízes que delas participaram. Havendo número idêntico de votos, não cabe ao Presidente o desempate. Decorre daí que, havendo empate na votação, o pedido deve ser rejeitado. Em certos casos, isso pode levar, porém, a resultado impossível, porque a solução da lide poderia depender da forma positiva ou negativa do pedido. Por isso determina a lei que, em caso de paridade de votos, tal como foi ajuizado o pedido, não pode ser declarada uma violação da Lei Fundamental ou de outro direito federal.”) (In La Giurisdizione Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca. Ristampa. Milano: Dott. A. Guiffrè, 1973. p. 140, n. 13) Ora, nos termos do art. 97 da Lei Maior, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público nos tribunais somente poderá ocorrer quando preenchidos dois pressupostos: 1º) haja votos acordes no reconhecimento da alegada inconstitucionalidade; 2º) que a soma dos votos acordes perfaça a maioria absoluta dos membros do tribunal, e não apenas dos juízes presentes à sessão de julgamento. Define-se a maioria absoluta como o número imediatamente superior à metade, na lição clara e precisa de Léon Duguit. São suas palavras, verbis: “La détermination de la majorité absolue peut présenter quelque difficulté. Si le nombre des votants est un nombre pair, la majorité absolue est la moitié plus un de ce nombre. Si les votants sont en nombre impair, la majorité absolue est la majorité absolue du nombre pair immédiatement au-dessous: la majorité absolue de 1.001 est 501; et 501 est aussi la majorité absolue de 1.000.” (In Traité de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: E. de Boccard, 1924. Tomo 4º. p. 91) 216 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 Por conseguinte, somente o Plenário da Corte, ou seu órgão especial, nos termos do art. 97 da CF/88, poderá declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Essa a jurisprudência pacífica do Eg. Supremo Tribunal Federal (RE nº 55.378, rel. Min. Thompson Flores, in Ementário 830 do STF; RE nº 88.160/RJ, rel. Min. Leitão de Abreu, in RTJ 96/1.188; RE nº 90.569/ RJ, rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 99/273). No mesmo sentido, o pensamento autorizado do Mestre Pontes de Miranda, in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, 2. ed., Revista dos Tribunais, v. III, p. 590, verbis: “Os membros do tribunal que votaram, em cognição da ação, ou de recurso, ou seus substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que se possa decretar a nulidade da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado mínimo para julgamento de inconstitucionalidade da regra jurídica. O art. 116 atende, em parte, à hierarquia das regras jurídicas: posto que a Constituição exija a maioria absoluta dos membros do tribunal (não dos presentes) para a decisão desconstitutiva, só a faz a respeito das regras legais ou de atos, que contenham regras jurídicas ou não, porém não estende a exigência se a infração, de que se trata, é a regra geral. O tribunal, ou a parte do tribunal, não precisa de maioria absoluta para dizer ilegal o ato do poder público. À primeira vista, parece estranho que se possa decretar a ilegalidade, sem maioria absoluta dos membros do tribunal, e não se possa decretar a inconstitucionalidade desse mesmo ato, se não se perfaz maioria absoluta dos membros do tribunal. É que a ratio legis não está em que as questões de legalidade são menos graves e só atingem os decretos, regimentos, regulamentos, avisos, instruções, portarias e outros atos menos importantes. As questões de inconstitucionalidade são graves, porque se acusa o autor do ato de violar a Constituição de que provém qualquer partícula de poder público que haja invocado.” Dessa forma, indefiro o efeito suspensivo, pois a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.494/97 já restou afirmada pelo Egrégio STF e, nesta Corte, somente poderia ser apreciada pela Corte Especial, nos termos do artigo 97 da CF/88, e não pelos seus órgãos fracionários. Por outro lado, consoante demonstrado na decisão impugnada, já transcrita no relatório, em juízo de liminar, não se encontram presentes os pressupostos autorizadores para o deferimento do efeito suspensivo. Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo. É o meu voto. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 217 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.042328-5/SC Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler Agravante: Associação dos Moradores e Proprietários do Capri – AMPC Advogada: Dra. Siloá Haynosz Merkle Agravado: Ministério Público Federal Agravados: Raquel da Silva Monteiro e outros Advogado: Dr. Adoniran Pedroso de Oliveira Agravado: Município de São Francisco do Sul/SC Advogados: Dr. Ulf Anthony Eick e outros Agravada: União Federal Procurador: Procuradoria Regional da União Agravada: Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – FATMA Advogado: Dr. Carlos da Costa Soares EMENTA Processual civil. ACP. Remoção de aterro e estruturas físicas, visando à recuperação de danos causados ao meio ambiente na região da Lagoa do Capri (Município de São Francisco do Sul/SC). Ingresso de pessoa jurídica (associação) na qualidade de assistente do associado, réu na ação. Requisitos. 1. Ab initio é de se observar que a decisão impugnada analisou detidamente o cabimento do ingresso da Associação no feito, nos moldes do Código de Processo Civil – que se volta, de maneira primordial, ao processo individual –, e o requerimento da agravante foi veiculado, em primeira instância, sob a denominação de “assistência”, com fundamento, dentre outros, no § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (LACP) – que versa sobre a intervenção de terceiro no processo coletivo (especificamente na ação civil pública). 2. A despeito da divergência existente na doutrina sobre a caracterização ou não do instituto criado pela LACP como assistência, certo é que o requerimento da agravante foi formulado com base em dispositivo da LACP, portanto para ingresso na ação como litisconsorte (no caso, da parte-ré), e é nesses termos e conforme os requisitos do instituto do processo coletivo que o pleito deve ser analisado. 218 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 3. Ao que se extrai dos documentos carreados ao instrumento, a agravante foi criada em outubro de 2002 e teve seus atos constitutivos registrados no Registro de Sociedades Civis em março de 2003. Cumprida está, portanto, a exigência imposta pela alínea a do inc. V do art. 5º da LACP. 4. A atuação da agravante está voltada à defesa do meio ambiente, em seu sentido amplo, a compreender não apenas sua configuração natural, mas também a artificial e a cultural (com a interação entre os recursos naturais e os seres humanos – no caso, os moradores da região abrangida na ação civil pública originária). Ressalte-se que a doutrina pátria acolhe referida noção “holística” de meio ambiente. 5. O direito positivo brasileiro também contempla um conceito amplo de meio ambiente. Nesse sentido, por exemplo, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, inciso XII) e a própria Constituição Federal de 1988 (art. 225, caput e § 2º, inciso V). Outra não é a situação no plano internacional. 6. À vista de tais considerações, tem-se como atendidos os requisitos legalmente impostos para a agravante figurar como parte em ações civis públicas que guardem pertinência temática com o meio ambiente. Resta verificar se se justifica admitir sua intervenção na ação coletiva. É que, não obstante o § 2º do art. 5º da LACP preveja a possibilidade de os colegitimados habilitarem-se como litisconsortes de qualquer das partes, à primeira vista, poderia causar estranheza o ingresso da Associação no polo passivo da demanda em que o autor (Ministério Público Federal) busca, em tese, defender o mesmo direito metaindividual tutelado pela agravante: o meio ambiente. 7. O que a AMPC sustenta é, justamente, que a pretensão deduzida pelo Parquet Federal vem de encontro não só aos interesses particulares dos moradores da região como também ao próprio direito ambiental, uma vez que desconsidera a interdependência entre os recursos naturais da região e a sua comunidade, voltando-se à destruição dos meios ambientes artificial e cultural, sem promover a convivência harmônica destes com o meio ambiente natural. 8. Em sendo assim, tenha ou não razão a agravante em relação à inconveniência dos pedidos ministeriais – o que só poderá ser exaustivamente aferido quando do julgamento do mérito da ação –, é forçoso R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 219 reconhecer justificada e legalmente amparada sua inclusão no polo passivo da ACP. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 14 de abril de 2010. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler: Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão em que foi indeferido o pedido de ingresso, na qualidade de assistente do réu pessoa física, da Associação dos Moradores e Proprietários do Capri – AMPC em ação civil pública ajuizada com vistas à remoção de aterro e estruturas físicas e à recuperação de danos causados ao meio ambiente, na localidade entre a margem da Lagoa do Capri e a Rua Blandina Steiner Beckhauser (Município de São Francisco do Sul/SC), além da decretação de nulidade de todas as licenças, alvarás e inscrições de ocupação das áreas localizadas em frente à propriedade do possível assistido. Em suas razões, a agravante teceu considerações históricas e atuais sobre a urbanização do Balneário Capri, defendendo a improcedência dos pedidos do MPF. Alegou que a população local deve participar do planejamento e do gerenciamento urbano, o que torna importante que os moradores e proprietários do Balneário em questão sejam assistidos pela Associação – já que, até o presente momento, não foram chamados a se manifestar, no feito, mesmo que sejam os principais prejudicados na questão debatida. Destacou a existência de um abaixo-assinado feito por mais de duzentos moradores contra as pretensões do Parquet. Aduziu que a esfera jurídica da Associação e de seus integrantes está muito bem delimitada no art. 3º de seu Estatuto, verbis: “A Associação terá a finalidade de evitar a degradação da natureza, com a promoção de obras e esforços para preservar os recursos naturais sem perder de vista o ser 220 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 humano. O bem-estar dos associados e seus familiares é fim prioritário, sem perder de vista a preservação.” Repisou os prejuízos que os associados virão a sofrer com as medidas postuladas na ACP, o que faz com que estas tenham relação direta e específica com as finalidades institucionais da agravante – tornando evidente a conexão entre a relação jurídica de direito material discutida em juízo e aquela existente entre a Associação e seus associados. Sublinhou que tem responsabilidade estatutária perante seus associados e com todo o Balneário Capri, não havendo falar em mero interesse econômico e/ou moral. Aduziu que a justificativa para desatender o pedido de assistência, tomando por fundamento a falta de interesse jurídico, coaduna-se com um estado de negligência jurisdicional, pois é impossível exigir que sejam abordados, pelo Estatuto Social, todos os eventos que possam ter relação de interdependência ou conexão entre a associação e seus membros. Argumentou que a defesa do bem-estar dos associados e de seus familiares constitui gênero, do qual as pretensões ministeriais são espécie. Sustentou que a esfera jurídica da própria Associação será afetada pelas medidas postuladas na ACP, uma vez que os réus (pessoas físicas) mantêm estrutura essencial para que os moradores, proprietários, turistas etc. dela usufruam e aí resguardem suas embarcações. Concluiu estar presente seu interesse jurídico para intervenção no feito. Ressaltou que a imposição de ingresso de outra ação, com centenas de lesados, em conexão à ACP, impediria o deslinde célere, ordenado e efetivo do processo, sendo a admissão da assistência o caminho mais adequado. Rechaçou o argumento de que a Associação só poderia se valer do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor se pretendesse ingressar no polo ativo da demanda. O pedido de efeito suspensivo foi indeferido. O MPF ofereceu contraminuta. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler: Ab initio, observo que, conquanto a decisão rechaçada tenha analisado, detidamente, o cabimento do ingresso da Associação no feito, nos moldes do Código de Processo Civil – que se volta, de maneira primordial, ao processo R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 221 individual –, o requerimento da agravante foi veiculado, em primeira instância, sob a denominação de “assistência”, com fundamento, dentre outros, no § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (LACP) – que versa sobre a intervenção de terceiro no processo coletivo (especificamente na ação civil pública). Diverge a doutrina sobre a caracterização ou não do instituto criado pela LACP como assistência. Para Fredie Didier, “A intervenção de colegitimado é hipótese de assistência litisconsorcial, que nada mais é do que um litisconsórcio ulterior unitário. Essa intervenção está autorizada pelo § 2º do art. 5º da LAC, que, segundo entendemos, trata de hipótese de assistência litisconsorcial, que é caso de intervenção litisconsorcial voluntária, só que sem ampliação do objeto do processo.” (DIDIER Jr., Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo Civil e Assuntos Afins. Assistência, Recurso de Terceiro e Denunciação da Lide em Causas Coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 424. Grifo nosso) Todavia, o próprio doutrinador ressalta que “Há autores, no entanto, que não tratam a assistência litisconsorcial como hipótese de litisconsórcio ulterior. Para esses autores, a assistência, simples ou litisconsorcial, não torna o assistente litisconsorte. Entendem tratar-se a intervenção de um colegitimado de intervenção litisconsorcial voluntária, seguindo a terminologia de José Carlos Barbosa Moreira.” (id. ib. Grifo nosso) A despeito da divergência existente, certo é que o requerimento da agravante foi formulado com base em dispositivo da LACP, portanto para ingresso na ação como litisconsorte (no caso, da parte-ré), e é nesses termos e conforme os requisitos do instituto do processo coletivo que o pleito será a seguir analisado. O art. 5º, caput e § 2º, da Lei nº 7.347/85 assim reza: “Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, es- 222 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 tético, histórico, turístico e paisagístico. [...] § 2º. Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. [...]” Com efeito, impõe-se, primeiramente, averiguar se a Associação recorrente atende aos requisitos legais para gozar de legitimidade para a ação civil pública. Ao que se extrai dos documentos dos autos, a Associação de Moradores e Proprietários da Praia de Capri, também denominada, em seu Estatuto, Associação dos Moradores e Proprietários do Capri (AMPC, segundo adotado pela própria agravante na peça recursal), foi criada em outubro de 2002 e teve seus atos constitutivos registrados no Registro de Sociedades Civis em março de 2003. Cumprida está, portanto, a exigência imposta pela alínea a do inc. V do art. 5º da LACP (associação que “esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil”). No que se refere à alínea b do mesmo dispositivo (associação que “inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”), o art. 3º do seu Estatuto prevê que “A associação terá a finalidade de evitar a degradação da natureza, com a promoção de obras e esforços para preservar os recursos naturais sem perder de vista o ser humano. O bem-estar dos associados e seus familiares é fim prioritário, sem perder de vista a preservação”. Claro está, diante da previsão estatutária, que a atuação da agravante está voltada à defesa do meio ambiente, em seu sentido amplo, a compreender não apenas sua configuração natural, mas também a artificial e a cultural (com a interação entre os recursos naturais e os seres humanos – no caso, os moradores da região abrangida na ação civil pública originária). Ressalte-se que a doutrina pátria acolhe referida noção “holística” de meio ambiente, verbis: “Conceito de meio ambiente Segundo o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 223 A doutrina considera que a interação de elementos naturais, artificiais e culturais também integra o meio ambiente. [...] Diante do conceito assaz abrangente, é possível considerar o meio ambiente sob os seguintes aspectos: a) meio ambiente natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água, qualquer forma de vida); b) meio ambiente artificial (o espaço urbano construído); c) meio ambiente cultural (a interação do homem com o ambiente, o que compreende não só o urbanismo, o zoneamento, o paisagismo e os monumentos históricos, mas também os demais bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, históricos, arqueológicos etc.), neste último incluído o próprio meio ambiente do trabalho.” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151. Grifo nosso) “No que concerne ao meio ambiente, [...] o conteúdo dessa expressão não mais se resume ao aspecto naturalístico (= biota) antes referido, mas comporta uma conotação abrangente, ‘holística’, compreensiva de tudo o que cerca (e condiciona) o homem em sua existência e no seu desenvolvimento na comunidade a que pertence e ainda na integração com o ecossistema que o cerca. Nesse sentido, José Afonso da Silva conceitua o meio ambiente como ‘a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais’. Fala então o autor em ‘três aspectos do meio ambiente’ – natural, cultural e artificial –, inserindo nesse último o meio ambiente do trabalho [...].” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores: Lei 7.347/1985 e Legislação Complementar. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 38. Grifo nosso) O direito positivo brasileiro também contempla um conceito amplo de meio ambiente. Nesse sentido, por exemplo, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que prevê como uma das diretrizes da política urbana a “proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico” (art. 2º, inc. XII. Grifo nosso). E a própria Constituição Federal de 1988 estabelece que, para assegurar a efetividade do “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225, caput), cabe ao Poder Público, dentre outras medidas, “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (art. 225, § 2º, inc. V. Grifo nosso). Outra não é a situação no plano internacional, em que a Declaração 224 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo), de 1972, reconhece que “O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no planeta levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da Ciência e da Tecnologia, conquistou o poder de transformar de inúmeras maneiras e em escala sem precedentes o meio ambiente. Natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida.” À vista de tais considerações, tem-se como atendidos os requisitos legalmente impostos para a agravante figurar como parte em ações civis públicas que guardem pertinência temática com o meio ambiente. Resta verificar se se justifica admitir sua intervenção na ação coletiva que deu origem ao presente agravo de instrumento. É que, não obstante o § 2º do art. 5º da LACP preveja a possibilidade de os colegitimados habilitarem-se como litisconsortes de qualquer das partes, à primeira vista, poderia causar estranheza o ingresso da Associação no polo passivo da demanda em que o autor (Ministério Público Federal) busca, em tese, defender o mesmo direito metaindividual tutelado pela agravante: o meio ambiente. Sobre o assunto, a lição de Rodolfo Mancuso é esclarecedora: “[...] O cúmulo subjetivo pode se estabelecer no polo passivo, mesmo porque o § 2º do art. 5º da Lei 7.347/85 fala que o Poder Público e as associações podem se habilitar como litisconsortes em relação a ‘qualquer das partes’, o que abrange a relação processual em seus dois polos. Mas, com relação ao cúmulo subjetivo dos réus na ação civil pública, há que se considerar uma particularidade própria das ações que objetivam a tutela dos interesses difusos: é que, de ordinário, os portadores desses interesses, os enti esponenziali – o Poder Público, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as associações ambientalistas ou de defesa dos consumidores –, atuarão, normalmente, no polo ativo da ação – o que, aliás, bem se compreende, já que esses colegitimados se vocacionam, em regra, a implementar a tutela dos interesses metaindividuais, e não a responder por incúria ou leniência nesse mister. Aliter, todavia, [...] não se pode descartar, no terreno das hipóteses, que uma ação venha proposta não a favor, mas contra um interesse difuso, v.g.: objetiva-se impedir que uma empresa construa uma usina de compostagem de resíduos urbanos, embora os subsídios técnicos indiquem que tal solução é a melhor – num caso tal, nada impede que o Poder Público ou uma associação ingressem na lide como litisconsortes passivos ou assistentes da empresa-ré. [...]” (MANCUSO, op. cit., p. 237-9) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 225 Na mesma linha, Ada Pelegrini Grinover sublinha que “Talvez não sejam frequentes as oportunidades em que os interesses institucionais dos corpos intermediários coincidam com os do réu. Mas não se podem excluir, a priori, ações intentadas não a favor, mas sim contra o interesse coletivo” (GRINOVER, Ada Pelegrini apud MANCUSO, op. cit., p. 238). Pois bem. O que a AMPC sustenta é, justamente, que a pretensão deduzida pelo Parquet Federal vem de encontro não só aos interesses particulares dos moradores da região como também ao próprio direito ambiental, uma vez que desconsidera a interdependência entre os recursos naturais da região e a sua comunidade, voltando-se à destruição dos meios ambientes artificial e cultural, sem promover a convivência harmônica destes com o meio ambiente natural. Em sendo assim, tenha ou não razão a agravante em relação à inconveniência dos pedidos ministeriais – o que só poderá ser exaustivamente aferido quando do julgamento do mérito da ação –, é forçoso reconhecer justificada e legalmente amparada sua inclusão no polo passivo da ACP. Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento. É o voto. 226 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 DIREITO TRIBUTÁRIO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 227 228 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.00.020018-7/RS Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik Agravante: Município de Porto Alegre Advogado: Dr. Luiz Antonio dos Reis Vizeu Interessado: Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel Advogado: Dr. Daniel Marchionatti Barbosa Agravada: Decisão de folhas EMENTA Tributário. Embargos à execução fiscal. IPTU. Imóveis adquiridos por autarquia federal. Imunidade reconhecida. Impossibilidade de cobrança. 1. As normas relativas à imunidade tributária são regras que delimitam a competência tributária dos entes políticos, vedando, dessa forma, a possibilidade de cobrança de impostos, mesmo quanto àqueles cujo fato gerador já tenha se implementado em momento anterior à aquisição do imóvel pela entidade imune. Precedentes. 2. No caso, a afetação dos imóveis às finalidades essenciais da entidade – condição para gozo da imunidade em tela, na forma do § 2º do artigo 150, IV, combinado com a alínea a do mesmo dispositivo – já restou reconhecida pelo próprio Município embargado, de forma que, uma vez reconhecida tal condição, não se pode permitir a cobrança de impostos relativos aos imóveis de propriedade da autarquia. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 229 3. Agravo legal improvido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo legal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 02 de dezembro de 2009. Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator. RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Trata-se de embargos à execução fiscal opostos pela Anatel contra o Município de Porto Alegre/ RS. Sustenta, em síntese, prescrição porquanto os créditos tributários se referem a exercícios anteriores a 2000. Aduziu a impossibilidade de cobrança do imposto, tendo em vista que a Anatel possui imunidade tributária, nos termos do art. 150, inciso VI, letra a, da Constituição Federal. Em abril de 2004 a causa foi valorada em R$ 603,21. Sobreveio sentença que reconheceu a imunidade tributária da Anatel desde 13.01.1999, sendo responsável pelos débitos do IPTU anteriores à sua propriedade, em razão da obrigação propter rem, condenado o embargado em honorários advocatícios fixados em R$ 700,00 (setecentos reais), corrigidos pelo IPCA-e. A decisão não foi submetida ao reexame necessário, em 14.10.2004, fl. 165. Irresignada, apelou a Anatel, defendendo a sua imunidade nos termos da inicial. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento. Contra a decisão que deu provimento ao recurso, atravessa o Município de Porto Alegre o presente agravo, na forma do artigo 557, § 1º, do CPC. É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A decisão ora agravada 230 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 assim examinou a controvérsia: “O crédito exequendo é relativo a IPTU incidente sobre imóvel pertencente, a partir de 13.01.1999, à Anatel. Vale registrar que o próprio Município de Porto Alegre-RS reconhece a imunidade da Anatel, como autarquia federal, a partir do ano de 2000, não aceitando os débitos pretéritos do imóvel como imunes. Assim, o imóvel sobre o qual incidiu o IPTU é, atualmente, de propriedade da autarquia federal da União, que goza da imunidade recíproca constitucional, a teor do disposto no artigo 150, VI, a, da CF/88. No momento em que o imóvel é transferido, a responsabilidade por sucessão afeta os créditos tributários cujos fatos geradores ocorreram em data anterior. Desse modo, a União assume a responsabilidade pelo pagamento do IPTU, em face da aquisição da propriedade, nos termos do art. 130 do CTN: ‘Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis e, bem assim, os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.’ Com a sucessão da Anatel na propriedade do imóvel, mesmo após o lançamento, fica afastada a possibilidade de tributação em virtude da subsunção à hipótese de norma negativa de competência tributária, a teor do disposto no artigo 150, VI, a, da CF/88, in verbis: ‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; (...) § 2º. A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.’ Colaciono precedentes desta Corte: ‘EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA DA UNIÃO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SUB-ROGAÇÃO. Com a transferência da propriedade do imóvel, o IPTU sub-roga-se na pessoa do novo proprietário, nos termos do art. 130 do CTN. Uma vez que a União goza de imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF/88, é inexigível o IPTU sobre imóvel incorporado a seu patrimônio, ainda que os fatos geradores sejam anteriores à ocorrência da sucessão tributária.’ (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.06.001917-6, 1ª Turma, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, D.E. 15.10.2008) ‘EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. IPTU. AUTARQUIA FEDERAL. IMUR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 231 NIDADE. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO. 1. Embora o Município tenha reconhecido a imunidade da Embargante, autarquia federal, nos termos do artigo 150, VI, a, § 2º, da CF/88, a execução fiscal trata da cobrança do IPTU referente ao anobase de 1999, considerando que o lançamento ocorreu em 1º.01.99, tendo a Executada se tornado proprietária do imóvel apenas em 13.01.99. 2. Na data do lançamento, o proprietário do bem era o antigo proprietário. Contudo, com a transferência da propriedade, o imposto sub-roga-se na pessoa do adquirente (art. 130 do CTN), o qual goza da imunidade constitucional, não sendo exigível.’ (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.00.038341-5, 2ª Turma, Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS, DJU 09.08.2006) A Jurisprudência dos tribunais superiores é neste sentido: ‘EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. IPTU. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, a, § 2º, CF. Extensão às autarquias. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (AI 626372 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 01.04.2008, DJe-070 DIVULG 17.04.2008 PUBLIC 18.04.2008 EMENT VOL-02315-09 PP-01960) Assim, indevida a cobrança de IPTU da Anatel por parte do Município de Porto Alegre, mesmo anterior à propriedade do ente federal, merecendo ser reformada a sentença no tópico.” Como visto, a controvérsia recursal reside em saber se a imunidade tributária ostentada com fundamento na norma constitucional constante do parágrafo 2º do artigo 150, IV, combinado com a alínea a do mesmo dispositivo, alcança os fatos geradores anteriores à data de aquisição do imóvel pela autarquia federal imune. Calha a transcrição dos dispositivos que fundamentam a referida imunidade tributária: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; (...) § 2º – A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.” Como se percebe, a imunidade tributária das autarquias relativamente ao seu patrimônio é condicionada à vinculação dos bens às finalidades essenciais ou às delas decorrentes. À autarquia embargante restou reconhecida pelo Município a imunidade tributária em relação à propriedade dos imóveis em questão na data de 09.12.1999 (fl. 16). Segundo o fisco municipal, contudo, a imunidade reconhecida apenas alcançaria os fatos geradores posteriores, ainda não perfectibilizados, de modo que apenas 232 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 estaria obstada a incidência do imposto do ano de 2000 em diante (fato gerador em 1º de janeiro de 2000). Neste ponto, deve-se observar que o tributo em cobrança (IPTU) trata-se de imposto cujo fato gerador é classificado pela doutrina como continuado, caracterizando-se por incidir em determinados períodos de tempo (anualmente) sobre situação que se mantém – ou tende a se manter – no tempo (propriedade). Sobre essa categoria de fatos geradores, valho-me da precisa lição de Luciano Amaro, verbis: “Os impostos sobre a propriedade territorial e sobre a propriedade de veículos automotores incidem uma vez a cada ano, sobre a mesma propriedade: se o indivíduo ‘A’ tiver um imóvel, e a lei determinar que o fato gerador ocorre todo dia 1º de cada ano, a cada 1º de janeiro o titular da propriedade estará realizando um fato gerador do tributo, não sobre as propriedades que tiver adquirido ou vendido ao longo do ano, mas em relação àquelas em que for titular naquele dia. Observe-se que, diferentemente do fato gerador periódico, não se busca computar fatos isolados ocorridos ao longo do tempo, para agregá-los num todo idealmente orgânico. O fato gerador dito continuado considera-se ocorrido, tal qual o fato gerador instantâneo, num determinado dia, sem indagar se as características da situação se alteraram ao longo do tempo; importam as características presentes no dia em que o fato se considera ocorrido.” (In Direito Tributário Brasileiro, 7. ed., p. 258 – grifei) No caso, a legislação municipal aplicável dispõe que “o imposto será lançado, anualmente, tendo por base a situação do imóvel no exercício imediatamente anterior” (artigo 16 da Lei Complementar Municipal nº 07/1973 – fl. 34). Nas execuções fiscais ajuizadas pelo Município de Porto Alegre, busca-se a cobrança do IPTU do ano-base de 1999. Dessa forma, forçoso concluir-se que o fato gerador dos tributos em cobrança refere-se ao espaço de tempo em que os imóveis ainda pertenciam ao antigo proprietário, de quem a Anatel, autarquia imune, adquiriu os bens na data de 13.01.1999. É inegável, portanto, que o fato gerador dos tributos em cobrança efetivamente realizou-se, dando nascimento à obrigação tributária, uma vez que não havia, à época, qualquer regra em relação ao antigo proprietário que obstasse a plena incidência da norma tributária, como se passaria acaso se tratasse de pessoa considerada imune pela Constituição Federal. O ponto nodal da controvérsia, contudo, reside em investigar se a responsabilidade por sucessão (artigos 130 e 131, I, do CTN) pode suplantar a condição pessoal da atual proprietária do bem, autarquia imune, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 233 na forma do artigo 150, VI, § 2º, da CF/88. Quanto a esse ponto, tenho que a resposta negativa se impõe. Com efeito, as normas relativas à imunidade tributária são regras que delimitam a competência tributária dos entes políticos, vedando, dessa forma, a possibilidade de cobrança de impostos, mesmo quanto àqueles cujo fato gerador já tenha se implementado em momento anterior à aquisição do imóvel pela entidade imune. Em casos análogos, relativos a imóveis adquiridos pela União – ente imune, na forma do artigo 150, VI, a, da CF/88 –, esta Corte vem esposando raciocínio idêntico ao ora desenvolvido. Neste sentido: “EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. UNIÃO. RFFSA. IPTU. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. 1. A Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) foi extinta em 22.01.2007 por força da Medida Provisória 353, posteriormente convertida na Lei 11.483/07. A partir de então, sucede-lhe a União nas obrigações, nos direitos e nas ações judiciais, conforme o artigo 2º da referida Lei. 2. A responsabilidade por sucessão afeta todos os créditos tributários, inclusive aqueles com fato gerador anterior à transferência do bem. In casu, tendo a União sucedido a extinta RFFSA em seus direitos, obrigações e ações judiciais, por força da imunidade tributária constitucional do artigo 150, VI, a, da Carta Magna, resta afastada a exigibilidade do IPTU.” (TRF4, APELREEX 2008.72.14.001233-8, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 28.10.2009) “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. RFFSA. PRESCRIÇÃO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. NULIDADE DA CDA. PRECEDENTES. 1. Em se tratando do tributo IPTU, em que a notificação do contribuinte se dá por meio do recebimento do carnê para pagamento pelo contribuinte, o prazo prescricional quinquenal tem início no dia posterior ao do seu vencimento, portanto está prescrito o direito à cobrança do IPTU de 1997, com vencimento em 31.12.1997, pelo fato da citação ser posterior à prescrição do crédito. 2. ‘A Rede Ferroviária Federal S/A foi extinta em 22 de janeiro de 2007, por disposição da MP 353, convertida na Lei nº 11.483/07, sucedendo-lhe a União nos direitos, nas obrigações e nas ações judiciais, de modo a não prosperar a alegação de ilegitimidade daquela para propor os presentes embargos.’ (AC nº 2007.70.00.031611-5/PR. Rel. Juíza Federal Marciane Bonzanini. 2ª Turma do TRF da 4ª Região. Publicado no D.E. em 15.01.2009) 2. O imposto sub-roga-se na pessoa do novo proprietário. Inteligência do art. 130 do CTN. 3. É inexigível o IPTU sobre imóvel incorporado ao patrimônio da União, forte no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, mesmo em se tratando de fatos geradores anteriores à sucessão tributária. 4. É nula a CDA que titula a cobrança do IPTU por ser impossível atribuir valor venal ao imóvel na sede municipal, por se tratar de leito sobre o qual se estende a ferrovia, meio 234 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 de transporte que liga um ponto a outro do território nacional. 5. Sentença mantida.” (TRF4, AC 2008.72.07.000202-7, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 24.06.2009) Nem mesmo o fato de ser condicionada a imunidade conferida à Anatel no presente caso muda o raciocínio até aqui empregado. Veja-se que a afetação dos imóveis às finalidades essenciais da entidade – condição para gozo da imunidade em tela – já restou reconhecida pelo próprio Município embargado, de forma que, uma vez reconhecida tal condição, não se pode permitir a cobrança de impostos relativos aos imóveis de propriedade da autarquia. Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para esse fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC). Do exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo legal. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 235 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO LEGAL Nº 2005.70.00.034985-9/PR Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira Embargante: Pinhopó Moagem de Madeiras Ltda. Advogados: Drs. Luiz Rodrigues Wambier e outros Embargado: Acórdão de fls. 526-530 Interessada: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobrás Advogados: Drs. Ângelo Provesi e outro Interessada: União Federal (Fazenda Nacional) Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional EMENTA Tributário. Embargos de declaração em ED em apelação cível. Empréstimo compulsório sobre energia elétrica. Adequação do julgado à decisão do STJ em recurso repetitivo (art. 543-C do CPC). Prescrição. Correção monetária. Juros remuneratórios e moratórios. Prequestionamento. Sucumbência. 1. O item 4 da ementa dos REsp 1.003.955/RS e 1.028.592/RS, submetidos ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), claramente define que são devidos juros remuneratórios de 6% ao ano reflexos sobre a diferença de correção monetária incidente sobre o principal, incluídos os expurgos inflacionários, desde a data do recolhimento até 31/12 do mesmo ano. O item 6.2 arrola entre os expurgos inflacionários os índices de fevereiro/89 e maio/90. O item 6.3 determina, também, a incidência de juros de mora de 6% ao ano, a partir da citação, até 11.01.2003, data em que entrou em vigor o novo Código Civil, e, a partir daí, a Taxa SELIC, exclusivamente, afastada a cumulação com correção monetária. 2. De acordo com os leading cases, merecem provimento os embargos declaratórios da autora, nos pontos reclamados, pois, apesar da reforma do julgado nos aclaratórios anteriores, remanesceu declaração da prescrição do direito aos juros reflexos da correção monetária. 3. Prescrição da correção monetária do empréstimo compulsório sobre energia elétrica a partir das datas das Assembleias Gerais Extraordinárias que decidiram sua conversão em ações. Precedentes deste TRF4 e do STJ. 236 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 4. Prescrito o direito à diferença de correção monetária sobre os juros remuneratórios do compulsório recolhido também no período de 1987 a 1993, considerada a actio nata do direito de ação o mês de julho do ano seguinte. 5. Afastada a prescrição do direito a diferenças de correção monetária e de juros remuneratórios reflexos sobre tais diferenças dos valores recolhidos compulsoriamente no período de 1987 a 1993, desde a data de cada recolhimento mensal até 31 de dezembro do ano do recolhimento (itens 2.1 e 4 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS). 6. São devidos juros de mora e correção monetária, a incidir a partir da citação (item 6.3 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS) até a data do efetivo pagamento, no caso dos autos, aplicada exclusivamente a Taxa Selic, que cumula juros e correção monetária. 7. A União é litisconsorte passivo necessário da Eletrobrás, por força do art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62. 8. A responsabilidade solidária da União não se restringe ao valor nominal dos títulos da Eletrobrás, abrangendo, também, a correção monetária e os juros sobre as obrigações relativas à devolução do empréstimo compulsório. 9. Condenadas as rés, pro rata, em honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, consideradas as alíneas do § 3º do mesmo dispositivo legal, a serem corrigidos pelo IPCA-E. 10. Parcialmente provido os embargos declaratórios da autora. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento aos embargos declaratórios da autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 24 de março de 2010. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, Relator. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 237 RELATÓRIO O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de embargos de declaração opostos por Pinhopó Moagem de Madeiras Ltda. visando suprir omissões e contradições em acórdão que deu parcial provimento ao agravo legal, considerando as seguintes letras: “(...) 1. O STJ pacificou entendimento no sentido de que a ação visando obter a correção monetária e os respectivos juros sobre os valores recolhidos a título do empréstimo compulsório de energia elétrica sujeita-se à prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Dec. nº 20.910/1932, que deve ser contada a partir da lesão (o termo inicial do prazo prescricional, em razão da actio nata). 2. Nos casos em que esse vencimento foi antecipado, o início da contagem do prazo prescricional para corrigir monetariamente o montante principal se dá nas datas das três assembleias gerais extraordinárias realizadas para a homologação da conversão dos créditos em ações (20.04.1988, 26.04.1990 e 28.04.2005). 3. Incluem-se os expurgos inflacionários previstos nas Súmulas nº 32 e 37 deste Tribunal. 4. Descabida a incidência da taxa Selic, pois a legislação já prevê juros de natureza compensatória de 6% ao ano sobre as contribuições a serem devolvidas e o art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95 rege somente os casos de compensação ou restituição de tributo pago indevidamente ou a maior, não se aplicando ao caso presente.” A embargante Pinhopó Moagem de Madeiras Ltda. sustenta que deveria o acórdão ter se manifestado acerca dos seguintes pontos: a) responsabilidade solidária da União Federal pelo pagamento de correção monetária sobre o empréstimo compulsório; b) distribuição das verbas de sucumbência pro rata entre a Eletrobrás e a União Federal; c) incidência dos juros moratórios (taxa Selic) e prequestionamento dos arts. 406 do CC, e 13 da Lei 9.065/95; d) correção monetária incidente sobre os juros, juntamente com o prequestionamento dos arts. 5°, inciso XXII, e 150, IV, da CF/88; e) forma de devolução dos valores decorrentes da diferença da correção monetária, salientando que a devolução deve ser feita em dinheiro; f) ausência de prescrição das diferenças relativas aos juros reflexos da correção monetária; g) prescrição do direito de receber a correção monetária paga a menor. VOTO O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Para melhor 238 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 elucidar a questão, transcrevo a decisão da Primeira Seção do STJ no julgamento do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS, submetidos ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), que pacificou o entendimento quanto ao prazo prescricional e aos índices de juros e correção monetária aplicáveis na restituição do empréstimo compulsório sobre energia elétrica: “TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. DECRETO-LEI 1.512/76 E LEGISLAÇÃO CORRELATA. RECURSO ESPECIAL: JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE. PRESCRIÇÃO: PRAZO E TERMO A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS REMUNERATÓRIOS. JUROS MORATÓRIOS. TAXA SELIC. I. AMICUS CURIAE: As pessoas jurídicas contribuintes do empréstimo compulsório, por não contarem com a necessária representatividade e por possuírem interesse subjetivo no resultado do julgamento, não podem ser admitidas como amicus curiae. II. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE: Não se conhece de recurso especial: a) quando ausente o interesse de recorrer; b) interposto antes de esgotada a instância ordinária (Súmula 207/STJ); c) para reconhecimento de ofensa a dispositivo constitucional; e d) quando não atendido o requisito do prequestionamento (Súmula 282/STJ). III. JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS 1. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DA ELETROBRÁS: CONVERSÃO DOS CRÉDITOS PELO VALOR PATRIMONIAL DA AÇÃO: 1.1 Cabível a conversão dos créditos em ações pelo valor patrimonial e não pelo valor de mercado, por expressa disposição legal (art. 4º da lei 7.181/83) e por configurar-se critério mais objetivo, o qual depende de diversos fatores nem sempre diretamente ligados ao desempenho da empresa. Legalidade do procedimento adotado pela Eletrobrás reconhecido pela CVM. 1.2 Sistemática de conversão do crédito em ações, como previsto no DL 1.512/76, independentemente da anuência dos credores. 2. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O PRINCIPAL: 2.1 Os valores compulsoriamente recolhidos devem ser devolvidos com correção monetária plena (integral), não havendo motivo para a supressão da atualização no período decorrido entre a data do recolhimento e o 1° dia do ano subsequente, que deve obedecer à regra do art. 7°, § 1°, da Lei 4.357/64 e, a partir daí, o critério anual previsto no art. 3° da mesma lei. 2.2 Devem ser computados, ainda, os expurgos inflacionários, conforme pacificado na jurisprudência do STJ, o que não importa em ofensa ao art. 3° da Lei 4.357/64. 2.3 Entretanto, descabida a incidência de correção monetária em relação ao período compreendido entre 31/12 do ano anterior à conversão e a data da assembleia de homologação. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 239 3. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE JUROS REMUNERATÓRIOS: Devida, em tese, a atualização monetária sobre juros remuneratórios em razão da ilegalidade do pagamento em julho de cada ano, sem incidência de atualização entre a data da constituição do crédito em 31/12 do ano anterior e o efetivo pagamento, observada a prescrição quinquenal. Entendimento não aplicado no caso concreto por ausência de pedido da parte autora. Acórdão reformado no ponto em que determinou a incidência dos juros de 6% ao ano a partir do recolhimento do tributo, desvirtuando a sistemática legal (art. 2°, caput e § 2°, do Decreto-Lei 1.512/76 e do art. 3° da Lei 7.181/83). 4. JUROS REMUNERATÓRIOS SOBRE A DIFERENÇA DA CORREÇÃO MONETÁRIA: São devidos juros remuneratórios de 6% ao ano (art. 2° do Decreto-Lei 1.512/76) sobre a diferença de correção monetária (incluindo-se os expurgos inflacionários) incidente sobre o principal (apurada da data do recolhimento até 31/12 do mesmo ano). Cabível o pagamento dessas diferenças à parte autora em dinheiro ou na forma de participação acionária (ações preferenciais nominativas), a critério da Eletrobrás, tal qual ocorreu em relação ao principal, nos termos do Decreto-Lei 1.512/76. 5. PRESCRIÇÃO: 5.1 É de cinco anos o prazo prescricional para cobrança de diferenças de correção monetária e juros remuneratórios sobre os valores recolhidos a título de empréstimo compulsório à Eletrobrás. 5.2 TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO: o termo inicial da prescrição surge com o nascimento da pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo. Conta-se, pois, o prazo prescricional a partir da ocorrência da lesão, sendo irrelevante seu conhecimento pelo titular do direito. Assim: a) quanto à pretensão da incidência de correção monetária sobre os juros remuneratórios de que trata o art. 2° do Decreto-Lei 1.512/76 (item 3), a lesão ao direito do consumidor ocorreu, efetivamente, em julho de cada ano vencido, no momento em que a Eletrobrás realizou o pagamento da respectiva parcela, mediante compensação dos valores nas contas de energia elétrica; b) quanto à pretensão de correção monetária incidente sobre o principal (item 2), e dos juros remuneratórios dela decorrentes (item 4), a lesão ao direito do consumidor somente ocorreu no momento da restituição do empréstimo em valor “a menor”. Considerando que essa restituição se deu em forma de conversão dos créditos em ações da companhia, a prescrição teve início na data em que a Assembleia Geral Extraordinária homologou a conversão, a saber: a) 20.04.1988 – com a 72ª AGE – 1ª conversão; b) 26.04.1990 – com a 82ª AGE – 2ª conversão; e c) 30.06.2005 – com a 143ª AGE – 3ª conversão. 6. DÉBITO OBJETO DA CONDENAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA: 6.1 CORREÇÃO MONETÁRIA: Os valores objeto da condenação judicial ficam 240 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 sujeitos à correção monetária, a contar da data em que deveriam ter sido pagos: a) quanto à condenação referente às diferenças de correção monetária paga a menor sobre o empréstimo compulsório, e os juros remuneratórios dela decorrentes (itens 2 e 4 supra), o débito judicial deve ser corrigido a partir da data da correspondente assembleia geral de homologação da conversão em ações; b) quanto à diferença de juros remuneratórios (item 4 supra), o débito judicial deve ser corrigido a partir do mês de julho do ano em que os juros deveriam ter sido pagos. 6.2 ÍNDICES: observado o Manual de Cálculos da Justiça Federal e a jurisprudência do STJ, cabível o cômputo dos seguintes expurgos inflacionários em substituição aos índices oficiais já aplicados: 14,36% (fevereiro/86), 26,06% (junho/87), 42,72% (janeiro/89), 10,14% (fevereiro/89), 84,32% (março/90), 44,80% (abril/90), 7,87% (maio/90), 9,55% (junho/90), 12,92% (julho/90), 12,03% (agosto/90), 12,76% (setembro/90), 14,20% (outubro/90), 15,58% (novembro/90), 18, 30% (dezembro/90), 19,91% (janeiro/91), 21,87% (fevereiro/91) e 11,79% (março/91). Manutenção do acórdão à míngua de recurso da parte interessada. 6.3 JUROS MORATÓRIOS: Sobre os valores apurados em liquidação de sentença devem incidir, até o efetivo pagamento, correção monetária e juros moratórios a partir da citação: a) de 6% ao ano, até 11.01.2003 (quando entrou em vigor o novo Código Civil) – arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916; b) a partir da vigência do CC/2002, deve incidir a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Segundo a jurisprudência desta Corte, o índice a que se refere o dispositivo é a taxa Selic. 7. NÃO CUMULAÇÃO DA TAXA Selic: Considerando que a taxa Selic, em sua essência, já compreende juros de mora e atualização monetária, a partir de sua incidência não há cumulação desse índice com juros de mora. Não aplicação de juros moratórios na hipótese dos autos, em atenção ao princípio da non reformatio in pejus. 8. EM RESUMO: Nas ações em torno do empréstimo compulsório da Eletrobrás de que trata o DL 1.512/76, fica reconhecido o direito às seguintes parcelas, observando-se que o prazo situa-se em torno de três questões, basicamente: a) diferença de correção monetária sobre o principal e os juros remuneratórios dela decorrentes (itens 2 e 4); b) correção monetária sobre os juros remuneratórios (item 3); c) sobre o valor assim apurado, incidem os encargos próprios dos débitos judiciais (correção monetária desde a data do vencimento – item 6.1 e 6.2 e juros de mora desde a data da citação – item 6.3). 9. CONCLUSÃO Recursos especiais da Fazenda Nacional não conhecidos. Recurso especial da Eletrobrás conhecido em parte e parcialmente provido. Recurso de fls. 416-435 da R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 241 parte autora não conhecido. Recurso de fls. 607-623 da parte autora conhecido, mas não provido.” (REsp 1003955/RS e REsp nº 1028592/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, j. em 12.08.2009, DJe 27.11.2009) Em decorrência, no julgamento dos aclaratórios anteriores, no julgado foram introduzidas as seguintes modificações: “Assim, em relação à prescrição quinquenal para requerer diferenças referentes à correção monetária sobre o principal conta-se a partir da conversão em ações (20.04.1988 – 1ª conversão; 26.04.1990 – 2ª conversão; e 30.06.2005 – 3ª conversão). Assim, se ocorreu o pagamento da dívida de maneira antecipada, com a conversão da dívida em ações da companhia, o início do prazo prescricional é a data de realização das Assembleias Gerais Extraordinárias. Logo, seguindo a orientação pacificada do STJ, observo que a atualização do montante principal (do valor emprestado), através da conversão em ações na última AGE, não foi atingida pela prescrição quinquenal. Isso significa que a embargante não perdeu o direito de reclamar judicialmente a correção referente a esses últimos créditos. Frise-se, no entanto, que o referido direito somente diz respeito à correção monetária sobre o principal, estando definitivamente prescrito o direito de pleitear as diferenças relativas aos juros anuais e aos juros reflexos da correção monetária que, repiso, tem como termo inicial do prazo prescricional a data de cada pagamento a menor.” O item 4 da ementa acima transcrita dos REsp 1.003.955/RS e 1.028.592/RS claramente define que são devidos juros remuneratórios de 6% ao ano, reflexos sobre a diferença de correção monetária incidente sobre o principal, incluídos os expurgos inflacionários, desde a data do recolhimento até 31/12 do mesmo ano. O item 6.2 arrola entre os expurgos inflacionários os índices de fevereiro/89 e maio/90. O item 6.3 determina, também, a incidência de juros de mora de 6% ao ano, a partir da citação, até 11.01.2003, data em que entrou em vigor o novo Código Civil, e, a partir daí, a Taxa Selic, exclusivamente, afastada a cumulação com correção monetária. Assim, de acordo com os leading cases, merecem provimento os embargos declaratórios da autora, nos pontos reclamados, pois, apesar da reforma do julgado nos aclaratórios anteriores, aquela decisão havia declarado a prescrição do direito aos juros reflexos da correção monetária. Com base nos poderes outorgados pelo Decreto-Lei nº 1.512/76, a Eletrobrás houve por bem transformar em ações preferenciais os valores do empréstimo compulsório tomados do consumidor, antes do transcurso 242 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 dos vinte anos para a devolução do empréstimo compulsório. Assim, ante a autorização legal, a Eletrobrás procedeu à conversão do crédito em ações em três etapas, abaixo descritas: 1ª Conversão: 72ª Assembleia Geral Extraordinária, em 20.04.1988, foram convertidos os créditos constituídos entre 1978 e 1985, correspondentes aos pagamentos efetuados entre 1977 e 1984; 2ª Conversão: 82ª Assembleia Geral Extraordinária, em 26.04.1990, foram convertidos os créditos constituídos entre 1986 e 1987, correspondentes aos pagamentos efetuados entre 1985 e 1986; 3ª Conversão: 143ª Assembleia Geral Extraordinária, em 30.06.2005, foram convertidos os créditos constituídos entre 1988 e 1994, correspondentes aos pagamentos efetuados entre 1987 e 1993, quando o tributo não foi mais exigido. A 1ª Seção deste Tribunal Regional decidiu, por maioria, que a prescrição do direito de postular a correção monetária do empréstimo compulsório sobre energia elétrica, conta-se das Assembleias Gerais Extraordinárias que decidiram sua conversão em ações (EIAC nº 2002.71.08.013835-5, Rel. Juiz Artur Cesar de Souza, julgado em 1º.03.2007), corroborada essa decisão, posteriormente, em 12.08.2009, pelo STJ, no julgamento do REsp 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS. Assim, antecipada a restituição do empréstimo compulsório sobre energia elétrica, prevista inicialmente para 20 anos, pela sua transformação em ações da Eletrobrás pelas Assembleias Gerais Extraordinárias (AGE), realizadas em 20.04.1988, 26.04.90 e 30.06.2005, também ficou antecipada a prescrição quinquenal do direito de ação, a partir dessas datas, pelo que está prescrito o direito à diferença de correção monetária e dos juros remuneratórios, relativamente às duas primeiras conversões. Também está prescrito o direito à diferença de correção monetária sobre os juros remuneratórios relativos aos valores recolhidos compulsoriamente no período de 1987 a 1993, entre dezembro do ano de recolhimento até julho do ano seguinte, mês em que foram creditados os juros na conta de energia elétrica, considerada esta data como a actio nata para o direito de ação. Assim, creditado o último valor relativo aos juros remuneratórios no mês de julho de 1994, a prescrição fulminou o direito de ação à diferença de juros em julho de 1999. Todavia, não está prescrito o direito a diferenças de correção moneR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 243 tária e de juros remuneratórios reflexos sobre tais diferenças dos valores recolhidos compulsoriamente no período de 1987 a 1993. Assim, tem direito a autora à diferença de correção monetária e juros remuneratórios sobre essa diferença desde a data de cada recolhimento mensal até 31 de dezembro do ano do recolhimento (itens 2.1 e 4 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS). Também são devido juros de mora e correção monetária, a incidir a partir da citação (item 6.3 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS) até a data do efetivo pagamento. No caso dos autos, em razão da data do ajuizamento e da citação, aplicada exclusivamente a Taxa Selic, que cumula juros e correção monetária. Forma de devolução dos valores decorrentes da diferença de correção monetária Em relação ao alegado direito da embargante de receber as diferenças de correção monetária exclusivamente em dinheiro, tenho que não merece prosperar tal fundamento. Os artigos em que sustenta tal pleito nada mencionam acerca da obrigatoriedade de devolução de tais diferenças se realizarem em pecúnia. Assim preveem os artigos 2º e 3º do DL 1.512/76, in verbis: “Art. 2º O montante das contribuições de cada consumidor industrial, apurado sobre o consumo de energia elétrica verificado em cada exercício, constituirá, em primeiro de janeiro do ano seguinte, o seu crédito a títulos de empréstimo compulsório que será resgatado no prazo de 20 (vinte) anos e vencerá juros de 6% (seis por cento ao ano). (grifamos) § 1º O crédito referido neste artigo será corrigido monetariamente, na forma do artigo 3º, da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1966, para efeito de cálculo de juros e de resgate. § 2º Os juros serão pagos anualmente, no mês de julho, aos consumidores industriais contribuintes, pelos concessionários distribuidores, mediante compensação nas contas de fornecimento de energia elétrica, com recursos que a Eletrobrás lhes creditará. § 3º O pagamento do empréstimo compulsório, aos consumidores, pelos concessionários distribuidores, será efetuado em duodécimos, observando o disposto no parágrafo anterior. Art. 3º No vencimento do empréstimo, ou antecipadamente, por decisão da Assembleia Geral da Eletrobrás, o crédito do consumidor poderá ser convertido em participação acionária, emitindo a Eletrobrás ações preferenciais nominativas de seu capital social. Parágrafo único. As ações de que trata este artigo terão as preferências e vantagens 244 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 mencionadas no parágrafo 3º, do artigo 6º, da Lei nº 3.890-A, de 25 de abril de 1961, com a redação dada pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 644, de 23 de junho de 1969 e conterão a cláusula de inalienabilidade até o vencimento do empréstimo, podendo a Eletrobrás, por decisão de sua Assembleia Geral, suspender essa restrição.” O parágrafo 3º do artigo 6º da Lei 3.890-A, por sua vez, assim dispõe: “Art. 6º A Eletrobrás terá inicialmente o capital de Cr$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de cruzeiros), divididos em 3.000.000 (três milhões) de ações ordinárias nominativas, no valor de Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros) cada uma. (...) § 3º As ações preferenciais terão prioridade no reembolso do capital e na distribuição de dividendos de 6% (seis por cento) ao ano e não terão direito de voto, salvo nos casos dos arts. 81, parágrafo único, e 106 do Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 644, de 1969)” Não é diverso o entendimento jurisprudencial, tanto desta Corte quanto do Superior Tribunal de Justiça, a saber: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. FORMA DE DEVOLUÇÃO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 110 DO CTN E 1.256 DO CÓDIGO CIVIL. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Conforme decidido no REsp 590414/RJ (Rel. Min. Eliana Calmon, D.J.U. de 11.10.04, p. 290), o empréstimo compulsório sobre energia elétrica tem natureza jurídica tributária e administrativa, razão por que não há como prosperar a pretensão de fazer prevalecer as regras de direito civil, sob a alegação de violação aos arts. 1256 do Código Civil e 110 do CTN. 2. Inexistente qualquer norma legal obrigando que a devolução dos créditos decorrentes de empréstimo compulsório se dê em dinheiro, e havendo previsão legal a autorizar a conversão dos respectivos valores em ações preferenciais (art. 3º do DL 1.512/76), há de prevalecer a decisão singular que manteve a forma de devolução determinada no acórdão recorrido. 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 443782 / RS Agravo Regimental no Recurso Especial 2002/0079827-0, Relator(a) Ministra Denise Arruda (1126), Órgão Julgador T1 – Primeira Turma, Data do Julgamento 24.11.2004, Data da Publicação/ Fonte DJ 17.12.2004, p. 418) “EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. ENERGIA ELÉTRICA. LEI Nº 4.156/62. CONSTITUCIONALIDADE. SÚM 23 TRF. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA FAZENDA NACIONAL. PRESCRIÇÃO. CONVERSÃO EM AÇÕES. CORREÇÃO MONETÁRIA PLENA. JUROS. TAXA SELIC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 245 1. (...) 5. É cabível a conversão do crédito em participação acionária, pois o tributo em questão tem como característica a devolução, não exigindo nenhuma norma, constitucional ou infraconstitucional, que a obrigue ser em dinheiro. A própria legislação que regula este empréstimo compulsório determina, no art. 3º do DL nº 1.512/76, a conversão em ações. 6. A correção monetária deve ser integral e desde o efetivo recolhimento, pois é mera recomposição do poder de compra da moeda decorrente de perdas inflacionárias. 7. Os juros incidirão sobre o valor corrigido à razão de 6% ao ano, forte no art. 2º do Decreto-Lei nº 1.512/76. 8. Inaplicável a taxa Selic, pois a presente ação discute a satisfação de um crédito ou eventual diferença de correção monetária, não referindo-se a tributo pago indevidamente ou a maior, devendo a restituição se dar nos moldes da legislação que rege o empréstimo compulsório. 9. Os honorários advocatícios invertidos.” (Acórdão Classe: AC – Apelação Cível. Processo: 2001.71.07.005152-2, UF: RS, Data da Decisão: 06.08.2003, Órgão Julgador: Primeira Turma, Inteiro Teor: Citação: Fonte DJ 27.08.2003, p. 499, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria) “TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. REGIME DL 1.512/76. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. CONVERSÕES EM AÇÕES. 1. Para o valor principal da dívida (devolução do empréstimo compulsório), o prazo prescricional inaugura-se no vencimento do prazo para resgate, ou com a ciência do credor da antecipação do vencimento, pela Eletrobrás, mediante a conversão dos créditos e a emissão de ações, conforme autorização legal. 1.1. As assembleias gerais extraordinárias da Eletrobrás que homologaram as conversões de créditos relativos ao empréstimo compulsório em participação acionária, ocorridas em 1988 e 1990, eram de conhecimento dos credores. 1.2. Como a parte-autora não alegou desconhecimento da conversão ou sequer o não recebimento das ações a que fez jus, não precisava a parte ré demonstrar esse fato, pois tal não restou controvertido. Portanto, para essas duas conversões, o prazo prescricional, relativamente à devolução do principal do empréstimo, iniciou-se com as respectivas assembleias homologatórias das conversões. 2. Para a parcela de juros incidente sobre o empréstimo, a cada ano vencido, com a compensação nas contas de energia elétrica, era patente o descompasso dos critérios de atualização monetária aplicados pela Eletrobrás e os pretendidos, abrindo-se o prazo prescricional para o reclamo da diferença ora pleiteada. 3. Aplica-se, à devolução do principal e aos juros, a prescrição quinquenal (DL 644/69, Dec. 20.910/32 e DL 4.597/42). 4. O valor patrimonial denota a correlação entre a situação econômico-financeira global da sociedade e o número de ações emitidas, representando um critério objetivo de aferição e menos suscetível a manipulações. 246 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 5. Por ser fato superveniente, e por economia processual, as diferenças relativas ao compulsório pago entre 1987 e 1993, não vencido ao tempo da propositura da demanda, mas convertido em ações em 2005, durante o curso processual, deve integrar a condenação. 6. A diferença de correção monetária é obtida com a aplicação dos índices oficiais, que incidem desde o pagamento de cada parcela do empréstimo compulsório, acrescida dos expurgos inflacionários reconhecidos, subtraídos os valores convertidos. 7. A diferença de juros compensatórios será obtida confrontando-se o valor decorrente da aplicação do percentual de 6% sobre o empréstimo compulsório atualizado no mês de julho de cada ano, pelos critérios antes definidos, subtraído dos valores pagos anualmente a título de juros. 8. Incidem juros moratórios civis sobre a diferença de correção monetária e sobre os valores referentes aos juros compensatórios. 9. Os créditos resultantes poderão, a critério da Eletrobrás, ser pagos em dinheiro, compensados nas contas de energia elétrica da autora, ou convertidos em ações preferenciais sem cláusula restritiva de disponibilidade.” (Classe: AC – Apelação Cível, Processo: 2005.70.00.011326-8, UF: PR, Data da Decisão: 01.08.2006, Órgão Julgador: Segunda Turma, Inteiro Teor: Citação: Fonte DJ 09.08.2006, p. 655, Relator Marcos Roberto Araújo dos Santos) Portanto, verifico que não assiste razão à embargante nos pontos acima referidos. Correção monetária paga a menor Sobre a prescrição do direito da embargante de receber a correção monetária paga a menor, o tema já foi plenamente abordado no acórdão recorrido, não restando assim omissão a ser sanada, indo apenas ao encontro dos interesses da embargante. Responsabilidade solidária da União A União é litisconsorte passivo necessário da Eletrobrás, por força do art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62, in verbis: “Art. 4º Até 30 de junho de 1965, o consumidor de energia elétrica tomará obrigações da Eletrobrás, resgatáveis em 10 (dez) anos, a juros de 12% (doze por cento) ao ano, correspondentes a 20% (vinte por cento) do valor de suas contas. A partir de 1º de julho de 1965, e até o exercício de 1968, inclusive, o valor da tomada de tais obrigações será equivalente ao que for devido a título de imposto único sobre energia elétrica. (...) § 3º. É assegurada a responsabilidade solidária da União em qualquer hipótese, pelo valor nominal dos títulos de que trata este artigo.” (grifo nosso) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 247 Apesar de ter sido instituído em favor da Eletrobrás, a União manteve sob sua responsabilidade e controle a arrecadação e o emprego dos recursos. Além disso, sua responsabilidade não é meramente subsidiária, mas solidária, como visto acima, o que implica numa comunidade de interesses ou corresponsabilidade, nas palavras de Plácido e Silva (in Vocabulário Jurídico, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, 4v., p. 262266). Em virtude dessa solidariedade legal que se sobrepõe à regra do art. 242 da Lei nº 6.404/76, por ser norma especial, é a União legitimada para responder à demanda, em litisconsórcio passivo necessário. A responsabilidade solidária da União Federal em relação ao empréstimo compulsório de energia elétrica não se restringe apenas ao valor nominal dos títulos, na forma referida no art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62. O art. 34, § 12, do ADCT recepcionou o empréstimo compulsório instituído em benefício da Eletrobrás, mantendo, entretanto, as disposições da Constituição Federal de 1967 até a entrada em vigor do sistema tributário nacional. Ou seja, o disposto na lei instituidora do empréstimo compulsório, nos idos de 1962, somente ficou convalidada naquilo em que não contrariou o novo ordenamento jurídico constitucional, o qual prevê como direito inalienável do contribuinte a restituição dos valores a que tem direito de forma plena, ou seja, com juros e correção monetária integral. Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do STJ: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA PACIFICADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO (RESP 1.208.592/RS). TERCEIRA ASSEMBLEIA DE CONVERSÃO. FATO SUPERVENIENTE. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO. (...) 5. As Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ firmaram o entendimento de que a responsabilidade solidária da União não se restringe ao valor nominal dos títulos da Eletrobrás, abrangendo, também, a correção monetária e os juros sobre as obrigações relativas à devolução do empréstimo compulsório. Esse entendimento não afasta a aplicação do mencionado artigo 4º, § 3º da Lei 4.156/62, mas apenas conduz à sua interpretação, em conformidade com os demais diplomas que regem o empréstimo compulsório e com a Constituição Federal, o que não demanda a realização do procedimento previsto no artigo 97 da CF/88. 6. Agravo regimental da Eletrobrás e da Fazenda Nacional não providos.” (AgRg 248 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 no AgRg no REsp 933358/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 09.02.2010, unânime, DJe 18.02.2010) (grifo nosso) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. DECRETO-LEI 1.512/76. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VÍCIO NÃO EVIDENCIADO. (...) 2. O acórdão embargado decidiu que a responsabilidade solidária da União não se restringe ao valor nominal dos títulos emitidos pela Eletrobrás, abrangendo, também, a correção monetária e os juros sobre as obrigações relativas à devolução do empréstimo compulsório. Esse entendimento não pressupõe declaração de inconstitucionalidade do artigo 4º, § 3º, da Lei 4.156/62, uma vez que, na espécie, não se discute a responsabilidade da União com relação aos valores dos títulos emitidos pela Eletrobrás, mas, sim, a insuficiência da constituição dos créditos em favor dos contribuintes que deu origem às ações emitidas para fins de devolução do empréstimo compulsório. 3. Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no AgRg no Ag 1093798/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 04.02.2010, unânime, DJe 12.02.2010) (grifo nosso) “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO. DIFERENÇA DE CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O PRINCIPAL E REFLEXO NOS JUROS REMUNERATÓRIOS. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO N. 20.910/32. TERMO INICIAL. TEMA JÁ JULGADO PELO REGIME DO ART. 543-C, DO CPC, E DA RESOLUÇÃO STJ 08/08 QUE TRATAM DOS RECURSOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. 1. Proposta a ação contra a União, não há que se negar o seu interesse nas causas em que se discute o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, instituído pela Lei nº 4.156/1962, visto que a Eletrobrás agiu na qualidade de sua delegada, devendo ser reconhecida a sua responsabilidade solidária não só pelo valor nominal dos créditos como também pelos juros e correção monetária. Precedentes: AgRg no REsp Nº 813.232 – RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 27.05.2008; AgRg no REsp. Nº 972.266 – SC, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 04.03.2008; AgRg no CC Nº 83.169 – RJ, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.03.2008. 2. Entendimento que não implica em afastamento da aplicação de lei ou declaração de inconstitucionalidade, uma vez que se trata de mera interpretação da norma. Nesse sentido: AgRg no Ag 939.703/RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 04.12.2007, DJ 17.12.2007 p. 163. (...)” (AgRg no REsp 515301/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 02.02.2010, unânime, DJe 18.02.2010) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 249 Considerando que os embargos de declaração são instrumento de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e tendo em vista o disposto nas Súmulas nos 282 e 356 do STF e 98 e 211 do STJ, dou por prequestionados os artigos 406 do CC, 13 da Lei 9.065/95, 5°, XXII, e 150, IV, da CF/88. Sucumbência Condeno as rés, pro rata, a pagarem honorários advocatícios às autoras de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, consideradas as alíneas do § 3º do mesmo dispositivo legal, a serem corrigidos pelo IPCA-E. Dispositivo Ante o exposto, voto por dar parcial provimento aos embargos declaratórios da autora. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.02.010414-6/PR Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida Apelante: Mariano Rios Seijas Advogado: Dr. Manoel Monteiro de Andrade Apelada: União Federal (Fazenda Nacional) Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional EMENTA Tributário. Imposto de Renda Pessoa Física. Despesas médicas. Dedução. Medicamentos para o tratamento de câncer. Interpretação analógica. Finalidade da lei. Princípios constitucionais. 1. O rol de despesas médicas listadas na alínea a do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95 não pode ser interpretado como taxativo, do 250 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 contrário a norma padeceria de vícios insuperáveis por afronta direta aos princípios da isonomia e da razoabilidade. 2. A finalidade da norma que permite a dedução de despesas médicas da base de cálculo do IR é possibilitar uma compensação aos contribuintes que enfrentem problemas de saúde e necessitem efetuar despesas não custeadas pelo Estado. 3. A interpretação analógica, in casu, não só é possível como necessária, uma vez que interpretação literal e restritiva seria inconstitucional. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2010. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Mariano Rios Seijas ajuizou ação ordinária em face da União, objetivando o afastamento do entendimento de que os valores desembolsados na aquisição de medicamentos específicos para o tratamento de patologia crônica, não incluída em conta hospitalar, destinada à dependente do contribuinte, não podem ser deduzidos da base do cálculo do imposto de renda das pessoas físicas. Requereu a declaração de nulidade da notificação de lançamento n° 2006/609450235044031, por se tratar de medicamento de alto custo, de procedência estrangeira e não distribuído pelo SUS, bem como a restituição dos valores pagos, com juros e correção monetária. Atribuiu à causa o valor de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais). A União defendeu a legalidade do lançamento, aduzindo que as despesas dedutíveis no imposto de renda, previstas no Decreto nº 3.000/1999, devem ser interpretadas restritivamente, e que não há lacuna na lei que permita a utilização das técnicas de interpretação do art. 108 do CTN. Afirma que há, sim, “silêncio eloquente” da lei, omissão proposital, e que, ademais, o emprego da equidade não pode resultar na dispensa do R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 251 pagamento de tributo devido. Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, extinguindo o processo com resolução de mérito, com fundamento no art. 269, I, do CPC. Condenou o autor ao pagamento das custas e dos honorários, fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa. Apelou o autor sustentando que, embora na legislação específica (alínea a do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95) não conste a palavra medicamento, é possível a sua dedução em face do entendimento da Coordenação do Sistema Tributário, fixado no Parecer Normativo 36/1977, publicado no DOU de 03.06.1977, no sentido de que o valor dos medicamentos fornecidos por hospitais são dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda. Ademais, alega que, havendo tal permissão, estariam sendo feridos os princípios da igualdade e da proporcionalidade ao não se dar o mesmo tratamento aos medicamentos comprados em farmácias. Afirma que também não há falar em incompetência do juízo, porquanto prevê a Constituição Federal que, em casos como o dos autos, não há invasão de esfera de atribuição dos Poderes Legislativo e Executivo pelo juiz ao aplicar a analogia e/ou os princípios gerais do direito para fazer valer o direito adquirido pela parte-postulante. Sem contrarrazões e com parecer do Ministério Público Federal pela sua não intervenção na lide, vieram conclusos os autos. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Postula o autor o reconhecimento do direito de deduzir da base de cálculo do imposto de renda, no ano-calendário de 2005, as despesas com a importação de medicamentos, não distribuídos pelo SUS, destinados ao tratamento da esposa, portadora de câncer avançado de intestino, e a consequente anulação da notificação de lançamento n° 2006/609450235044031 (fls. 58-63). Dispõe a Lei nº 9.250/95: “Art.8 – A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação de- 252 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 finitiva; II – das deduções relativas: a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias; b) a pagamentos efetuados a estabelecimentos de ensino relativamente à educação pré-escolar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos de especialização ou profissionalizantes do contribuinte e de seus dependentes, até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais); c) à quantia de R$ 1.080,00 (um mil e oitenta reais) por dependente; d) às contribuições para a Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e) às contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social; f) às importâncias pagas a título de pensão alimentícia em face das normas do Direito de Família, quando em cumprimento de decisão judicial ou acordo homologado judicialmente, inclusive a prestação de alimentos provisionais; g) às despesas escrituradas no Livro Caixa, previstas nos incisos I a III do art. 6º da Lei nº 8.134, de 27 de dezembro de 1990, no caso de trabalho não assalariado, inclusive dos leiloeiros e dos titulares de serviços notariais e de registro. § 1º A quantia correspondente à parcela isenta dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por qualquer pessoa jurídica de direito público interno, ou por entidade de previdência privada, representada pela soma dos valores mensais computados a partir do mês em que o contribuinte completar sessenta e cinco anos de idade, não integrará a soma de que trata o inciso I. § 2º – O disposto na alínea a do inciso II: I – aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País, destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, bem como a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza; II – restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte, relativos ao próprio tratamento e ao de seus dependentes; III – limita-se a pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Geral de Contribuintes – CGC de quem os recebeu, podendo, na falta de documentação, ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento; IV – não se aplica às despesas ressarcidas por entidade de qualquer espécie ou R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 253 cobertas por contrato de seguro; V – no caso de despesas com aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias, exige-se a comprovação com receituário médico e nota fiscal em nome do beneficiário. § 3º As despesas médicas e de educação dos alimentandos, quando realizadas pelo alimentante em virtude de cumprimento de decisão judicial ou de acordo homologado judicialmente, poderão ser deduzidas pelo alimentante na determinação da base de cálculo do imposto de renda na declaração, observado, no caso de despesas de educação, o limite previsto na alínea b do inciso II deste artigo.” O Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/1999, por sua vez, repete o teor do dispositivo supratranscrito em seu artigo 80. Como se vê, a lei fala em deduções com gastos relacionados a despesas médicas, ou seja, os gastos com medicamentos, a princípio, não poderiam ser deduzidos da declaração anual do imposto de renda. Contudo, tenho que o rol de despesas médicas listadas na alínea a do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95 não pode ser interpretado como taxativo, do contrário a norma padeceria de vícios insuperáveis por afronta direta aos princípios da isonomia e da razoabilidade. Com efeito, a finalidade da norma que permite a dedução de despesas médicas da base de cálculo do IR é possibilitar uma compensação aos contribuintes que enfrentem problemas de saúde e necessitem efetuar despesas não custeadas pelo Estado. Ora, seria totalmente irrazoável e contrário ao princípio da isonomia supor que a norma permite, sem restrições, a dedução de despesas de medicamentos indispensáveis para manutenção da vida quando incluídos na conta do hospital – mas não permitiria a dedução das despesas com o mesmo tipo de medicamento quando adquirido diretamente pelo contribuinte ou, como no caso dos autos, pelo seu dependente, que não se encontra internado. Assim, considero que a interpretação analógica, in casu, não só é possível como necessária, uma vez que interpretação literal e restritiva seria inconstitucional. Saliento que a taxatividade do rol da alínea a do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95 já foi afastada por esta Corte, em caso semelhante, em voto de minha lavra, inclusive, cuja ementa reproduzo abaixo: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DESPESAS MÉDICAS. DEDUÇÃO. PRÓTESE CARDÍACA. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. FINALIDADE DA LEI. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 254 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 1. O rol de despesas médicas listadas na alínea a do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95 não pode ser interpretado como taxativo, do contrário a norma padeceria de vícios insuperáveis por afronta direta dos princípios da isonomia e da razoabilidade. 2. A finalidade da norma que permite a dedução de despesas médicas da base de cálculo do IR é possibilitar uma compensação aos contribuintes que enfrentem problemas de saúde e necessitem efetuar despesas não custeadas pelo Estado. 3. A interpretação analógica, in casu, não só é possível como necessária, uma vez que interpretação literal e restritiva seria inconstitucional.” (Apelação/Reexame Necessário nº 2008.70.01.005264-2/PR, DJU 01.10.2009) Observe-se que o medicamento importado pelo autor foi prescrito para tratamento quimioterápico por oncologista do Hospital Santa Catarina (fl. 33-35), ainda que não utilizado nas dependências daquela instituição. Assim, tenho que a opção de receber tratamento no domicílio ou em instituição privada – aliviando, inclusive, o já sobrecarregado sistema público de saúde – não pode implicar tratamento desigual pela lei a quem assim o faz. Do mesmo modo, o fato de o medicamento Avastin 300mg não ser fornecido pelo SUS, em função do seu alto custo, e de a parte-autora não ter movimentado a máquina do Judiciário para obrigar o Estado a fornecê-lo não pode ser invocado em seu desfavor, porquanto, premida pela urgência e munida dos recursos financeiros necessários para realizar a importação do medicamento, optou pelo meio menos dispendioso para o Estado. Neste sentido, pela clareza e percuciência transcrevo excertos da decisão proferida pela juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Federal Cível de São Paulo, no Mandado de Segurança Coletivo nº 2001.61.00.028654-5, impetrado pelo Núcleo de Apoio ao Paciente com Câncer (Napacan) contra o Superintendente da Receita Federal de São Paulo, os quais adoto como razões de voto: “Entendo que, in casu, há malferimento aos princípios constitucionais insculpidos nos artigos 1º, III, 6º, 196 e 197, todos da Constituição Federal, verbis: ‘Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana.’ ‘Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho (...).’ R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 255 ‘Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.’ (g.n.) (...) Argumenta Claus-Wilhelm Canaris, in Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, tradução da 2ª edição alemã, 1996, p. 227, verbis: ‘(...) o princípio da igualdade é violado quando não se possa apontar um fundamento razoável, resultante da natureza das coisas ou materialmente informado para a diferenciação legal ou para quando a disposição possa ser caracterizada como arbitrária’ – destaques nossos. Donde me parece, portanto, que a proposição em foco encontra-se em total dissonância com o atual momento evolucional de nossa dogmática processual, deixando de trilhar, como consectário, os caminhos pavimentados pelo princípio da razoabilidade. (...) Assentadas essas considerações, dessumo que, sob os aspectos legal e factual, não se afigura razoável e harmônico com a mens legis permitir-se a dedução relativa a gastos com medicamentos e remédios emitidos por conta hospitalar e simplesmente nada ser preconizado quanto a deduções relativas a medicamentos utilizados no tratamento da doença degenerativa denominada câncer para as pessoas que não se encontram internadas em estabelecimento hospitalar. Mas a saúde dos pacientes com câncer internados ou tratados em suas residências não é a mesma? Os remédios não são os mesmos? A proteção não deve ser a mesma? (...) Isso posto, julgo procedente o pedido, pelo que concedo a segurança pleiteada e determino à autoridade impetrada que não puna, multe ou aplique quaisquer espécies de sanções que restrinjam a aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva às declarações de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza dos associados da impetrante e autorizo, por via de consequência, que as despesas com remédios e medicamentos necessários ao tratamento da doença possam ser dedutíveis das respectivas declarações individuais, desde que haja a devida comprovação de ser o paciente portador de câncer e ainda que as respectivas notas fiscais sejam emitidas em seu nome. Esclareço que apesar do questionamento quanto à constitucionalidade do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, em sua atual redação, data venia aplico seu comando, no sentido de restringir o alcance dos efeitos da presente sentença ao âmbito territorial do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, abrangendo, desse modo, todos os in- 256 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 teressados, portadores de câncer, residentes nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, com as limitações retro delineadas.” No tocante à prova, verifico que foram juntados relatório e outros documentos descrevendo o estado de saúde da dependente do autor e que comprovam que Rosemari de Paula Rios Feijas é portadora de câncer (fls. 30-32 e 35), além disso, foram juntados comprovantes de transferências eletrônicas e faturas (invoices), provando a aquisição dos medicamentos (fls. 36-54), bem como cópias dos comprovantes de inscrição e situação cadastral junto ao CNPJ das empresas que intermediaram a importação dos medicamentos (fls. 55-56). Assim, tenho que deve ser afastado o entendimento do Fisco de que os valores desembolsados na aquisição de medicamentos específicos, não incluídos em conta hospitalar, destinados à dependente do contribuinte, não podem ser deduzidos da base do cálculo do imposto de renda das pessoas físicas e, por conseguinte, anulada a notificação de lançamento n° 2006/609450235044031. Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.71.14.000348-7/RS Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère Apelante: Coml. Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. Advogado: Drs. Christian Stroeher e outros Dr. Fabiano Nicola Machado Dr. Fabricio Nedel Scalzilli Apelante: União Federal (Fazenda Nacional) Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional Apelados: (Os mesmos) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 257 EMENTA Tributário. Cautelar. Certidão positiva com efeitos de negativa. Caução. Possibilidade. Exclusão do nome do autor dos registros do Cadin. Necessidade de atendimento dos requisitos previstos no art. 7º da Lei 10.522/2002. Sucumbência recíproca. 1. Admissível o caucionamento intentado com o fito de antecipar o efeito da penhora atinente ao preenchimento dos requisitos previstos no art. 206 do CTN, sem, contudo, suspender a exigibilidade do crédito tributário, naquelas situações em que, inscrito em dívida ativa, não há movimento do credor no sentido de promover a respectiva execução. 2. Não autoriza a suspensão do registro do devedor no Cadin, por si só, o mero oferecimento de garantia, tendo em vista a exigência do art. 7º da Lei 10.522/2002, que condiciona essa eficácia suspensiva a dois requisitos comprováveis pelo devedor: I – tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei; II – esteja suspensa a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei. 3. Reconhecida a sucumbência como recíproca e equivalente, devem os honorários e as custas processuais ser distribuídos e compensados entre si, nos termos do art. 21 do CPC. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso interposto por Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. e dar parcial provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 27 de janeiro de 2010. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora. RELATÓRIO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. ajuizou ação cautelar, com 258 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 pedido liminar, contra a União Federal, objetivando antecipar os efeitos da penhora a ser realizada em execução fiscal ainda não ajuizada, para fins de obter certidão positiva com efeitos de negativa (CPD-EN) e a não inclusão ou exclusão do seu nome do Cadin, mediante a oferta de contracautela. A inicial não referiu discriminadamente quais os débitos que se pretende garantir. Em manifestação de fls. 135-136, a União afirmou corresponderem aos processos administrativos nº 13005-001415/200787, nº 13005-001416/2007-21 e nº 13005-901646/2006-10, somados no valor de R$ 227.854,99, e também aos débitos previdenciários apontados na fl. 135v., no montante de R$ 59.399,01, em 07.04.2008, cujo total, naquela data, perfez R$ 287.253.99. Em garantia, foram ofertados dois caminhões (fls. 123-124 e 141141v.), avaliados, conjuntamente, em R$ 375.000,00. A liminar foi concedida tão somente em relação à CPD-EN, restando indeferido o pedido relativo ao Cadin (fls. 142-145, 196-197, 218-219 e 224-229). O juízo sentenciante julgou procedente a ação e condenou a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa (R$ 5.000,00) (fls. 270-277). Irresignada, a autora apresentou recurso de apelação postulando a majoração dos honorários advocatícios para, no mínimo, R$ 2.000,00 (fls. 279-284). Já a União apelou, asseverando, em síntese, que o contribuinte não tem direito a ser executado; que a caução não está arrolada dentre as causas suspensivas do crédito tributário, previstas taxativamente no art. 151 do CTN; e que a aceitação de tal modalidade de garantia implicaria benefício à empresa que não cumpre suas obrigações tributárias em detrimento de outras que se encontram em regular situação com o Fisco (fls. 291-294). Com contrarrazões apenas da União (fls. 287-289), pois transcorrido in albis o prazo para a empresa manifestar-se sobre o recurso interposto pela ré (fl. 306), vieram-me os autos conclusos. Sentença sujeita ao reexame necessário. VOTO A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 259 1. Acerca do cabimento da ação cautelar autônoma objetivando a antecipação dos efeitos da penhora a ser realizada em processo executivo fiscal, a irretocável doutrina de Ovídio Baptista da Silva, afirmando existirem as “cauções cautelares principais”, que dispensam, embora não impeçam, a propositura de posterior ação principal: “Alcançamos agora uma outra questão importante: o eventual caráter acessório e dependente das cauções e a possibilidade de haver cauções principais, quer dizer, cauções nas quais a pretensão do requerente exaure-se no interesse em obter apenas a garantia, sem ficar obrigado a ingressar, simultaneamente ou depois, com uma ação principal. 3.2 Cauções cautelares principais O direito caucional é um dos setores mais propícios à admissão de medidas cautelares autônomas, ou seja, daquelas medidas que dispensam a propositura simultânea ou posterior de um ‘processo principal’ satisfativo, em que a medida cautelar venha a ser confirmada ou revogada. São incontáveis os exemplos de medidas cautelares consistentes em cauções que, sem perderem os traços essenciais da cautelaridade, tornam-se principais, por não carecerem de um ‘processo principal’ satisfativo. Voltamos a insistir, neste ponto, onde todo o cuidado é pouco: dizemos que as ‘cauções cautelares principais’ não carecem de um ‘processo principal’ satisfativo. Não dissemos que elas o impeçam, nem que lhe vedem a propositura por qualquer das partes. Tanto o autor da ação cautelar autônoma quanto o réu poderão promover um ‘processo principal’ com a função que a essa demanda satisfativa lhe dão os arts. 796, 806, 807 e 808, I, do CPC. Como insistentemente temos dito, a autonomia da ação cautelar resolve-se na transferência do ônus de promover a ação satisfativa correspondente ao demandado que antes sofrera, como réu, a medida cautelar. Antes escrevêramos: ‘A admissão de uma ação cautelar autônoma, fundada no direito material, em termos de pura técnica processual, resume-se num singelo expediente de inversão das partes, em que o futuro autor da ação satisfativa possa não ser o autor da ação cautelar, mas o demandado na ação assegurativa’ (A ação cautelar inominada, 1. ed., p. 244, 4. ed., p. 234).” (Curso de Processo Civil, v. 2 – Processo cautelar [tutela de urgência], Forense, 2007, p. 221-222) Corroborando o exposto, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: “Existem cauções que devem ser prestadas em processo autônomo especialmente estabelecido para esse fim (por exemplo, art. 1400 do CC). Outras podem ser prestadas incidentalmente (por exemplo, art. 475-O, III, do CPC). A jurisprudência registra que é possível obter cautelarmente – quer por tutela cautelar inominada, quer por caução, nos termos dos arts. 826 e seguintes, CPC – a expedição de certidão positiva com 260 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 efeitos de negativa de débito fiscal (STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 734.777/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. em 04.05.2006, DJ 18.05.2006, p. 192). Registra igualmente que a caução requerida pelo nunciado (art. 1280 do CC) pode ser deferida liminarmente, sem a necessidade de processo autônomo (STJ, 4ª Turma, REsp 155.683/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 07.05.1998, DJ 29.06.1998, p. 201).” (Código de Processo Civil: Comentado artigo por artigo, RT, 2008, p. 774) Além disso, o provimento postulado tem sido amplamente acolhido pela jurisprudência do STJ, como ilustram os seguintes precedentes: “PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. GARANTIA REAL. DÉBITO VENCIDO MAS NÃO EXECUTADO. PRETENSÃO DE OBTER CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA (ART. 206 DO CTN). 1. É possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito negativo (art. 206 CTN). 2. O depósito pode ser obtido por medida cautelar e serve como espécie de antecipação de oferta de garantia, visando futura execução. 3. Depósito que não suspende a exigibilidade do crédito. 4. Embargos de divergência conhecidos, mas improvidos.” (EREsp 815.629/RS, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 11.10.2006, DJ 06.11.2006, p. 299) (grifei) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CAUTELAR. OFERECIMENTO DE CAUÇÃO REAL PARA FINS DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. ART. 206 DO CTN. 1. É cediço que a caução real não suspende a exigibilidade do crédito tributário por não estar prevista nas hipóteses do art. 151 do CTN. Contudo, é possível ao devedor, em autos de ação cautelar, oferecer caução real antes do ajuizamento do executivo fiscal, antecipando, assim, os efeitos da penhora, com o fim de obter certidão positiva com efeitos de negativa nos termos do art. 206 do CTN. 2. Estando o acórdão recorrido em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, corretamente foi aplicado o Enunciado nº 83 da Súmula desta Corte. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 642.248/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 19.02.2009, DJe 25.03.2009) (grifei) 2. Não há notícia nos autos, até a presente data, do ajuizamento da respectiva execução fiscal, que tornaria prejudicado o pleito em face da própria penhora. 3. A recorrida assevera não consistir a caução causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, cujas hipóteses estão elencadas no art. 151. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 261 Ocorre, contudo, que a ora apelante não pretende a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, muito pelo contrário, afirma expressamente na inicial que não se está a postular provimento que retire qualquer faculdade legal da Administração Pública, “especialmente o direito de propor as competentes Execuções Fiscais” (fl. 19). 4. Estabelecem os arts. 205 e 206 do CTN, in verbis: “Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição. Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.” Uma interpretação teleológica indica como principal finalidade a ser alcançada pelo art. 206 a segurança do crédito tributário, a qual se tem por atendida com a caução de bem avaliado em montante superior ao da dívida. Assim, garantido o débito fiscal, seja por caução, antes de proposta a execução fiscal, seja pela penhora, após tal ajuizamento, a norma terá atingido seu fim, equivalendo-se as situações, de modo a fazer o contribuinte jus à concessão da CPD-EN, sendo que a negativa em fornecê-la configurará ofensa ao princípio da isonomia, insculpido na Constituição Federal, no art. 5º, caput, e particularizado no âmbito tributário no art. 150, II: “Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;” (grifei) Acerca da igualdade tributária, a doutrina de Leandro Paulsen: 262 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 “A diferença de tratamento entre pessoas ou situações é absolutamente presente em qualquer ramo do Direito, assim como no Direito Tributário. A questão não é a prescrição de tratamento diferenciado que, em si mesma, não evidencia qualquer vício. Há normas, inclusive, vocacionadas à diferenciação, como as normas de isenção, que identificam pessoas ou situações que de outro modo estariam normalmente sujeitas à imposição tributária e excluem, apenas quanto a elas, o respectivo crédito, desonerandoas. O problema está, pois, não em saber se há ou não tratamento diferenciado, mas em analisar a razão e os critérios que orientam a sua instituição. Identifica-se ofensa à isonomia apenas quando sejam tratados diversamente contribuintes que se encontrem em situação equivalente, sem que o tratamento diferenciado esteja alicerçado em critério justificável de discriminação ou sem que a diferenciação leve ao resultado que a fundamenta. (...) ‘A equivalência é uma igualdade mais ampla, a que se poderia chamar de equipolência... ‘Equivalente’ é um vocábulo de densidade ôntica mais abrangente do que ‘igual’. A igualdade exige absoluta consonância em todas as partes, o que não é da estrutura do princípio da equivalência. Situações iguais na equipolência, mas diferentes na forma, não podem ser tratadas diversamente. A equivalência estende à similitude de situações a necessidade de tratamento igual pela política impositiva, afastando a tese de que os desiguais devem ser tratados, necessariamente, de forma desigual. Os desiguais, em situação de aproximação devem ser tratados, pelo princípio da equivalência, de forma igual, em matéria tributária, visto que a igualdade absoluta, na equivalência, não existe, mas apenas a igualdade na equiparação de elementos...’ (MARTINS, Ives Gandra da Silva, Direito Constitucional Interpretado, RT, 1992, p. 166).” (Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do Advogado, 2009, p. 200 e 203) Em consonância com o exposto, o seguinte julgado: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. CAUÇÃO. ART. 206 DO CTN. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. 1. É lícito ao contribuinte oferecer, antes do ajuizamento da execução fiscal, caução no valor do débito inscrito em dívida ativa com o objetivo de, antecipando a penhora que garantiria o processo de execução, obter certidão positiva com efeitos de negativa. Precedentes. 2. Entendimento diverso do perfilhado pelo Tribunal de origem levaria à distorção inaceitável: o contribuinte que contra si já tivesse ajuizada execução fiscal, garantida por penhora, teria direito à certidão positiva com efeitos de negativa; já quanto àquele que, embora igualmente solvente, o Fisco ainda não houvesse proposto a execução, o direito à indigitada certidão seria negado. 3. Embargos de divergência providos.” (EREsp 779121/SC, Rel. Ministro Castro R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 263 Meira, 1ª Seção, julgado em 28.03.2007, DJ 07.05.2007, p. 271) (grifei) Assim, diversamente do alegado pela União, no sentido de que a garantia implicaria benefício à empresa que não cumpre suas obrigações tributárias em detrimento de outras que se encontram em regular situação com o Fisco, a aceitação da caução idônea, como forma de garantir o crédito tributário ainda não executado, unicamente para fins de obtenção de CPD-EN, só vem a concretizar o princípio da igualdade. 5. Sobre a função das certidões negativas e, por consequência, das positivas com efeitos de negativas, a valiosa lição do Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, no julgamento da AC 2005.70.00.028818-4: “As certidões negativas, em direito tributário, não têm como única função o registro da inexistência de débitos do sujeito passivo para com o Fisco. São elas usadas, também, com finalidades políticas, impondo ao devedor restrições em seu patrimônio jurídico. Se examinarmos, por exemplo, o rol de hipóteses em que a certidão negativa de débitos previdenciários é indispensável (art. 47 da Lei nº 8.212/91), veremos que sua falta pode inviabilizar o funcionamento de uma empresa, o mesmo ocorrendo em relação aos Estados, o Distrito Federal e os Municípios (idem, art. 56). Por esse mecanismo, portanto, o Fisco tem o poder de aniquilar seus devedores. Exatamente para que esse poder seja exercido dentro dos estritos limites de suas finalidades, não desbordando para a opressão fiscal, é que o Código Tributário Nacional trouxe as disposições de seus artigos 205 e 206 (...). (...) A disposição do art. 206 constitui um claro limite ao uso político das certidões negativas: elas não podem se prestar para constranger o devedor quando o crédito esteja suspenso (o que remete ao art. 151 do CTN) e quando o crédito já esteja garantido. E aqui fica claro que o CTN não admite o uso das certidões negativas como mero instrumento de pressão sobre o devedor. As restrições ao sujeito passivo em débito para com o Fisco devem se limitar ao estritamente necessário à garantia do crédito e, por reflexo, à segurança de terceiros que contratam com o devedor. Uma vez garantido o crédito, não poderá o devedor sofrer quaisquer constrições, que já se caracterizariam como típico abuso de direito.” Com efeito, embora inexista o direito subjetivo do contribuinte a ser executado, não pode o Estado se utilizar das mencionadas certidões como meio a compelir os devedores ao pagamento, ou seja, como um instrumento de cobrança dos créditos tributários por via oblíqua: ou paga, ou não lhe é fornecida a certidão de que necessita. Se certo é que o Estado pode exercer seu direito subjetivo de exigir 264 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 pela via judicial o pagamento do seu crédito a qualquer tempo, dentro do prazo prescricional, igualmente certo é que a possibilidade de, enquanto credor, deixar a seu alvedrio de promover a execução fiscal poderá acarretar embaraços ao contribuinte, que fica impedido de, por ausência da certidão, contratar determinados negócios jurídicos. A negativa da CPD-EN, quando garantida de forma satisfatória a dívida, com o intuito de compelir o contribuinte ao pagamento do tributo constitui verdadeira sanção política, já rechaçada pelo STF em diversas ocasiões. Como bem colocado pelo Min. Joaquim Barbosa, Relator na ADI nº 173-6: “O Supremo Tribunal Federal possui uma venerável linha de precedentes que considera inválidas as sanções políticas. Entende-se por sanção política as restrições não razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos. Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas os exemplos mais conspícuos.” Conforme explica a veneranda decisão da Corte Suprema, “a sanção política também viola o substantive due process of law na medida em que implica o abandono dos mecanismos previstos no sistema jurídico para apuração e cobrança de créditos tributários (e.g., ação de execução fiscal), em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução”. Ora, não há como se permitir que o Estado, sob a égide da Constituição Federal de 1988, impute sanção política para receber tributos, apenas abrindo margem ao afastamento desse mecanismo com o ajuizamento de ação individual pelo contribuinte. 6. Impende ainda referir que o valor total dos bens caucionados (R$ 375.000,00) supera o da dívida (R$ 287.253,99) e que, instada a manifestar-se sobre o primeiro bem ofertado (fls. 135-136), a União limitou-se a alegar a insuficiência da garantia ante o valor, nada aduzindo acerca da sua qualidade, vindo a autora a complementar a caução com outro bem de mesma natureza, razão pela qual tenho por idônea a garantia. 7. Quanto ao registro no Cadin, reformo a sentença valendo-me dos fundamentos da decisão desta Corte, de fls. 224-228, da qual transcrevo R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 265 o excerto a seguir: “A possibilidade de oferecimento de caução relativamente a valores objeto de inscrição em dívida ativa da Fazenda Pública, impeditivos de obtenção de CND, cuja execução ainda não tenha sido manejada, tem sido, sistematicamente, reconhecida por esta Turma (AG 2004.04.01.007186-0/PR, Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, DJU de 15.09.2004; AG 2003.04.01.049338-5/RS, Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, DJU de 25.02.2004; AC 2004.70.04.003994-4/PR, DJU data: 26.10.2005, página: 399, Relator Des. Federal Vilson Darós). Assim, garantidos os créditos tributários mediante referida caução, deve ser expedida certidão positiva com efeitos de negativa – artigo 206 do CTN – em favor da contribuinte, salvo se existirem outros débitos impeditivos, além dos abrangidos pela demanda originária. O caucionamento de bens, no entanto, não suspende a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151 do CTN, limitando-se a garanti-lo, para o fim previsto no artigo 206 do CTN. Desse modo, pode o Fisco dar seguimento a ação executiva para a cobrança de seus créditos, na qual a caução de bens converter-se-á em penhora, podendo, inclusive, requerer a sua substituição (artigo 11 da Lei nº 6.830/80). Com relação à não inclusão do nome da empresa no Cadin, entendem as Turmas Tributárias deste Tribunal que a suspensão do registro no Cadastro de Inadimplentes somente é possível quando presentes os requisitos do artigo 7º da Lei nº 10.522/2002, que assim dispõe: ‘Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que: I – tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei; II – esteja suspensa a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei.’ (...) No caso dos autos, há caução oferecida a fim de garantir o juízo, mas não há notícia do ajuizamento de ação em que se discute a existência, a natureza ou a extensão do débito, motivo pelo qual não resta preenchido o suporte fático da regra em questão. Assim, inviável a determinação de não inclusão ou de exclusão do nome da empresa do Cadin.” Na mesma linha, a jurisprudência do STJ: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSOS ESPECIAIS. OFERECIMENTO DE CAUÇÃO PARA OBTENÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. PRETENDIDA SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO MEDIANTE OFERECIMENTO DE CAUÇÃO EM AÇÃO CAUTELAR. IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DO NOME DO AUTOR DOS REGISTROS DO CADIN. NECESSIDADE DE ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 7º DA LEI Nº 10.522/2002. 1. A Primeira Seção desta Corte, ao apreciar os EREsp 815.629/RS (Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon, DJ de 06.11.2006), firmou orientação no sentido de que ‘é possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e 266 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa (art. 206 CTN)’. 2. É juridicamente impossível o pedido de suspensão da exigibilidade do crédito tributário fora das hipóteses previstas no art. 151 do CTN, mediante simples oferecimento de caução em ação cautelar. 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que não é devida a suspensão do registro do devedor no Cadin, por força da mera existência de demanda judicial, haja vista a exigência do art. 7º da Lei nº 10.522/2002. 4. Recurso especial da UNIÃO (Fazenda Nacional) desprovido. Recurso especial da empresa parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (REsp 870.566/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, julgado em 18.12.2008, DJe 11.02.2009) 8. Por fim a questão dos honorários. A empresa apresentou recurso de apelação postulando a majoração dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa (R$ 5.000,00) para, no mínimo, R$ 2.000,00 (fls. 279-284). O percentual sobre o valor da causa aplicado pelo juiz (10%) não é ínfimo. A autora fixou o valor da causa em R$ 5.000,00, não obstante a demanda pretendesse a garantia de dívida fiscal em montante superior a R$ 200.000,00, sendo, portanto, descabida a condenação no patamar mínimo de R$ 2.000,00 (quase 50% do valor da causa), principalmente por tratar-se de questão singela, já examinada por esta Corte e pelo STJ inúmeras vezes, como a própria apelante reconhece, além de ser matéria de direito, que não demandou instrução. Logo, com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC, mantenho os honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizado pelo IPCA-E. Havendo sucumbência recíproca e equivalente, em virtude da parcial reforma da sentença, os honorários deverão ser compensados pelas partes, segundo autoriza o art. 21 do Código de Processo Civil, corroborado pelo enunciado da Súmula 306 do STJ. Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso interposto por Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. e dar parcial provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial. Reconheço a sucumbência como recíproca e equivalente, determinando que os honorários e as custas processuais sejam distribuídos e compensados entre si, nos termos do art. 21 do CPC. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 267 268 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010 SÚMULAS R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 269 270 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 SÚMULA Nº 1 “É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p. 24.184) SÚMULA Nº 2 “Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contribuição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p. 241) SÚMULA Nº 3 “Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p. 3.665) SÚMULA Nº 4 “É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.” (DJ 22.04.92, p. 989) SÚMULA Nº 5 “A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081) SÚMULA Nº 6 “A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81 – SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384) SÚMULA Nº 7 “É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ 20.05.92, p. 13.384) SÚMULA Nº 8 “Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p. 13.385) SÚMULA Nº 9 “Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa, a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previdenciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897) SÚMULA Nº 10 “A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 271 SÚMULA Nº 11 “O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907) SÚMULA Nº 12 “Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p. 18.986) SÚMULA Nº 13 “É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gasolina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p. 18.987) SÚMULA Nº 14 (*) “É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93, p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA) SÚMULA Nº 15 “O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516) SÚMULA Nº 16 “A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p. 46.086) SÚMULA Nº 17 (*) “No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28% relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA) SÚMULA Nº 18 “O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) SÚMULA Nº 19 “É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p. 55.316) SÚMULA Nº 20 “O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais, quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316) 272 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 SÚMULA Nº 21 “É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316) SÚMULA Nº 22 “É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933) SÚMULA Nº 23 “É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933) SÚMULA Nº 24 “São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934) SÚMULA Nº 25 “É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p. 20.934) SÚMULA Nº 26 “O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem por base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p. 20.934) SÚMULA Nº 27 “A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se superveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934) SÚMULA Nº 28 “São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social (PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934) SÚMULA Nº 29 “Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em curso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934) SÚMULA Nº 30 “A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao servidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113) SÚMULA Nº 31 “Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 273 SÚMULA Nº 32 (*) “No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17) SÚMULA Nº 33 “A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p. 58.814) SÚMULA Nº 34 “Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.” (DJ 22.12.95, p. 89.171) SÚMULA Nº 35 “Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744) SÚMULA Nº 36 “Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744) SÚMULA Nº 37 “Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relativos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388) SÚMULA Nº 38 “São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558) SÚMULA Nº 39 “Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959) SÚMULA Nº 40 “Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuição e o salário de benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p. 81.959) SÚMULA Nº 41 “É incabível o sequestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959) 274 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 SÚMULA Nº 42 (*) “A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97, p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO) SÚMULA Nº 43 “As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329) SÚMULA Nº 44 “É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos administradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p. 329) SÚMULA Nº 45 “Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação de tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329) SÚMULA Nº 46 “É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725) SÚMULA Nº 47 “Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381) SÚMULA Nº 48 “O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de setembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381) SÚMULA Nº 49 “O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381) SÚMULA Nº 50 “Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20 salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381) SÚMULA Nº 51 “Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p. 381) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 275 SÚMULA Nº 52 (*) “São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório complementar.” (DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA) SÚMULA Nº 53 “A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382) SÚMULA Nº 54 “Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p. 386) SÚMULA Nº 55 “É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 – com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584) SÚMULA Nº 56 “Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298) SÚMULA Nº 57 “As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298) SÚMULA Nº 58 “A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518) SÚMULA Nº 59 “A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários, passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519) SÚMULA Nº 60 “Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido estrito.” (DJ 29.04.99, p. 339) SÚMULA Nº 61 (*) “A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*) CANCELADA) SÚMULA Nº 62 (*) “Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA) 276 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 SÚMULA Nº 63 “Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657) SÚMULA Nº 64 “É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p. 619) SÚMULA Nº 65 “A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p. 499) SÚMULA Nº 66 “A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos, não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p. 499) SÚMULA Nº 67 “A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499) SÚMULA Nº 68 “A prova de dificuldades financeiras, e consequente inexigibilidade de outra conduta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499) SÚMULA Nº 69 “A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499) SÚMULA Nº 70 “São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459) SÚMULA Nº 71 “Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586) SÚMULA Nº 72 “É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524) SÚMULA Nº 73 “Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524) R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 277 SÚMULA Nº 74 “Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge 21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524) SÚMULA Nº 75 “Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524) SÚMULA Nº 76 “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524) SÚMULA Nº 77 “O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p. 290) SÚMULA Nº 78 “A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434) SÚMULA Nº 79 “Cabível a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal nas ações em que os ex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária relativamente aos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processo de privatização da instituição.” (DE 26.05.2009) 278 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010 RESUMO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010 279 280 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010 Resumo Trata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelentíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, arguições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte. Summary This is about an official trimestrial publication of Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Circuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. It also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court. Resumen Esta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región, con periodicidad trimestral y distribución nacional. La Revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados comR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010 281 ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, súmulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte. Sintesi Si tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale della Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione nazionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali. Résumé Il s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux et internationaux renommés. 282 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010 ÍNDICE NUMÉRICO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010 283 284 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010 DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL 2005.71.00.016492-8/RS (AC) Rel. Desa. Federal Silvia Goraieb...........................................45 2006.70.00.009929-0/PR (AC) Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha................................63 2008.72.10.001467-1/SC (AC) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria.............................77 DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL 2001.70.00.013395-0/PR (ENUL) Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro..............................................85 2001.70.03.001572-3/PR (ACR) Rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz...................................95 2009.04.00.019539-2/RS (MS) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz............................105 2009.04.00.041388-7/RS (HC) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose........................................115 2009.04.00.042727-8/PR (MS) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus.....................122 2009.70.00.006691-0/PR (AGEXP) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado................139 DIREITO PREVIDENCIÁRIO 2002.04.01.050791-4/RS (AR) Rel. Des. Federal Celso Kipper.............................................147 2005.70.00.018333-7/PR (EINF) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti.....................................162 2008.72.05.001963-0/SC (APELREEX) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle.............172 DIREITO PROCESSUAL CIVIL 2007.04.00.005720-0/RS (AR) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira........................197 2009.04.00.030605-0/RS (AR) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona.........................201 2009.04.00.037166-2/RS (AGVAG) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz...207 2009.04.00.042328-5/SC (AG) Rel. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler........................218 2004.71.00.020018-7/RS (AGVAC) 2005.70.00.034985-9/PR (EDAGR) 2008.70.02.010414-6/PR (AC) 2008.71.14.000348-7/RS (AC) DIREITO TRIBUTÁRIO Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik....................................229 Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira........................236 Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida...........................250 Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère..........257 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010 285 286 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010 ÍNDICE ANALÍTICO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 287 288 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 A ABANDONO DA CAUSA Advogado constituído – Vide MULTA AÇÃO CAUTELAR Caução – Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Animal de circo – Vide MAUS TRATOS Associação de moradores – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO Ministério Público Federal – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AÇÃO RESCISÓRIA Dispositivo constitucional – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO Extinção do processo sem resolução de mérito. Incompetência, TRF. Irrelevância, STJ, não, apreciação, objeto, ação rescisória, exigibilidade, contribuição, incidência, folha de salários, arrecadação, INSS, destinação, Incra. STJ, anterior, apreciação, mérito, possibilidade, compensação, mesma, exação, com, outra. ....................................................................................................................... 201 Não conhecimento. Incidente processual, não, caracterização, como, mérito. Pedido, desconstituição, decisão interlocutória, execução de sentença, para, manutenção, coisa julgada. Impossibilidade jurídica do pedido. Extinção do processo sem resolução de mérito. Condenação, INSS, pagamento, honorários advocatícios. ..................................... 197 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 289 ADVOGADO CONSTITUÍDO Abandono da causa – Vide MULTA ANATEL Sucessão tributária – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ANIMAL DE CIRCO Ação civil pública – Vide MAUS TRATOS APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO Violação, dispositivo constitucional, decorrência, não reconhecimento, exercício, atividade rural, período, trabalhador rural, idade, menor de catorze anos. Cabimento, ação rescisória, decisão rescindenda, com, fundamentação, interpretação controvertida, tribunal. Inaplicabilidade, súmula, STF. .......................................... 147 APRENDIZ Regime de economia familiar – Vide TEMPO DE SERVIÇO ASSOCIAÇÃO DE MORADORES Ação civil pública – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO ATIVIDADE RURAL Menor de catorze anos – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO AUTARQUIA FEDERAL Imunidade recíproca – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA B BENEFÍCIO ASSISTENCIAL Ou, benefício previdenciário, legitimidade, pagamento, segurado, doente mental, sem, comprovação, existência, curatela. Admissibilidade, pagamento, para, pai, mãe, ou, cônjuge. Herdeiro necessário, possibilidade, recebimento, hipótese, inexistência, pai, mãe, ou, cônjuge. Necessidade, demonstração, andamento do processo, curatela, após, prazo, seis meses, concessão, benefício previdenciário. Ação civil pública, Ministério Público Federal, legitimidade ativa, defesa, direito individual homogêneo. Desnecessidade, litisconsórcio passivo, com, União Federal......172 C CADIN Exclusão – Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA 290 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 CAUÇÃO Ação cautelar – Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA Possibilidade, obtenção, decorrência, realização, caução, em, ação cautelar. Observância, princípio da isonomia. Descabimento, exclusão, nome, devedor, Cadin, pelo, não, preenchimento, requisito, previsão legal. Não ocorrência, ajuizamento, ação judicial, objetivo, discussão, existência, débito tributário. .......................................................................................... 257 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Aplicação – Vide MEDIDA CAUTELAR COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Justiça Estadual. Roubo, contra, empresa, franquia, ECT, ou, Banco do Brasil, ou, instituição financeira privada. Anulação, sentença judicial, Justiça Federal. Suscitação, conflito negativo de competência, STJ. ................................................................................................................ 95 CONCURSO PÚBLICO Cargo técnico, Seguridade Social. Manutenção, candidato, lista, destinação, portador, deficiência física. Necessidade, comparação, com, padrão, homo medius. Comprovação, deformidade permanente, membro superior. Irrelevância, Carteira Nacional de Habilitação, não, indicação, condição, portador, deficiência física. Legitimidade passiva, INSS. ..................................................................................... 77 CONTRIBUIÇÃO Incra – Vide AÇÃO RESCISÓRIA CONVÊNIO Município – Vide DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE CORREÇÃO MONETÁRIA Prescrição quinquenal – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO CORRETORA DE SEGURO Fraude – Vide GESTÃO FRAUDULENTA CURATELA Doente mental – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 291 D DANO MORAL Indenização, arbitramento. Responsabilidade objetiva do Estado. Indeferimento, pedido, salário-maternidade, decorrência, registro, óbito, nome, segurado. Demora, INSS, correção, irregularidade. Após, publicação, imprensa, erro, autarquia federal, regularização, registro, nome, segurado. Suficiência, comprovação, situação fática. Doutrina, jurisprudência, entendimento, presunção relativa, dano moral. ................................................................................ 45 DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Não conhecimento – Vide AÇÃO RESCISÓRIA DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE Necessidade, apreciação, pela, Corte Especial, TRF. Quorum. Exigência, soma, votos, com, concordância, maioria absoluta, membro, Órgão Especial. Descabimento, concessão, efeito suspensivo, decisão agravada, juízo a quo. Indeferimento, tutela antecipada, pedido, liberação, valor, referência, última parcela, para, cumprimento, convênio, entre, município, União Federal, objetivo, construção, casa popular. Não, comprovação, execução, totalidade, projeto, conformidade, previsão, contrato, repasse. Atraso, término, obra. Impossibilidade, liberação, valor, não, mais, previsão, orçamento, União Federal. Inscrição, despesa, como, restos a pagar. Juízo, liminar, não, preenchimento, requisito, para, deferimento, tutela antecipada...207 DEFORMIDADE PERMANENTE Candidato – Vide CONCURSO PÚBLICO DEVIDO PROCESSO LEGAL Violação – Vide MULTA DOENTE MENTAL Curatela – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL 292 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 E EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO Energia elétrica, devolução, valor, com, correção monetária, incidência, valor principal, inclusão, expurgo inflacionário. Prescrição quinquenal, termo inicial, data, Assembléia Geral Extraordinária, decisão, conversão, crédito, em, ações. Juros remuneratórios, fixação, 6%, ano, referência, diferença, correção monetária, incidência, valor principal, com, inclusão, expurgo inflacionário. Possibilidade, pagamento, em, dinheiro, ou, conversão, ações preferenciais. Juros de mora, incidência, 6%, ano, até, data, início, vigência, novo, Código Civil. Data, posterior, aplicação, apenas, Taxa Selic. Observância, recurso repetitivo, STJ. Responsabilidade solidária. União Federal, formação, litisconsórcio passivo necessário, com, Eletrobrás. ................................................................................................ 236 ERRO INSS – Vide DANO MORAL EXECUÇÃO DA PENA Preso, tentativa, lesão corporal, contra, outro, preso, caracterização, falta grave, previsão, Lei de Execução Penal. Admissibilidade, diretoria, presídio, aplicação, sanção administrativa. Desnecessidade, instauração, processo penal, com, recebimento, denúncia. ..................................................................................................................... 139 EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO Vide AÇÃO RESCISÓRIA F FALTA GRAVE Lesão corporal – Vide EXECUÇÃO DA PENA Sanção administrativa – Vide EXECUÇÃO DA PENA FRAUDE Corretora de seguro – Vide GESTÃO FRAUDULENTA R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 293 G GESTÃO FRAUDULENTA Empresa, corretora de seguro, enquadramento, conceito, instituição financeira, por, equiparação. Aplicação, lei, crime contra o sistema financeiro. Fraude, administração, corretora de seguro, objetivo, apropriação, valor, pagamento, cliente, como, prêmio. ............................................................................................... 85 H HOMO MEDIUS Comparação – Vide CONCURSO PÚBLICO I IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO Decisão interlocutória – Vide AÇÃO RESCISÓRIA IMPOSTO DE RENDA Pessoa física. Necessidade, anulação, notificação de lançamento. Direito, dedução, base de cálculo, despesa, dependente, contribuinte, com, importação, medicamento, para, neoplasia maligna, não, inclusão, conta, hospital. Tratamento médico, domicílio, com, relevância, custo, medicamento, não, distribuição, pelo, SUS. Previsão legal, ano, 1995, lista, sem, caráter taxativo, hipótese, dedução, base de cálculo, Imposto de Renda, medicamento, emissão, conta, hospital. Necessidade, interpretação analógica. Observância, princípio da razoabilidade, princípio da isonomia. Inconstitucionalidade, interpretação literal, interpretação restritiva. ...................... 250 IMUNIDADE RECÍPROCA Autarquia federal – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Inexigibilidade, IPTU, exercício, anterior, aquisição, imóvel, pela, Anatel. Imposto, sub-rogação, adquirente, gozo, imunidade tributária. Irrelevância, implementação, fato gerador, anterior, sucessão tributária. Imunidade recíproca, extensão, autarquia federal. Município, reconhecimento, afetação, imóvel, para, finalidade essencial, Anatel. .229 INCOMPETÊNCIA TRF – Vide AÇÃO RESCISÓRIA 294 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 INCRA Contribuição – Vide AÇÃO RESCISÓRIA INSS Erro – Vide DANO MORAL INSTITUIÇÃO FINANCEIRA Corretora de seguro – Vide GESTÃO FRAUDULENTA INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA Vide IMPOSTO DE RENDA IRMÃO Sociedade de fato (comercial) – Vide TEMPO DE SERVIÇO J JUROS DE MORA Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO JUROS REMUNERATÓRIOS Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO L LESÃO CORPORAL Falta grave – Vide EXECUÇÃO DA PENA LITISCONSÓRCIO PASSIVO Inclusão, associação de moradores, pessoa jurídica, atuação, meio ambiente, polo passivo, ação civil pública, objeto, recuperação, dano ambiental, região, lagoa, localização, Santa Catarina. Réu, associado, associação de moradores. Doutrina, divergência, sobre, caracterização, ou, não, como, assistência, instituto, lei, ação civil pública, criação. ...................................................................................... 218 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 295 M MAUS-TRATOS Animal de circo. Ação civil pública. Condenação, Ibama, totalidade, território, estado, Paraná, promoção, licenciamento, guarda, manutenção, animal de circo, observância, instrução normativa, ano, 1998. Fixação, prazo, trinta dias, proprietário, adequação, guarda, animal silvestre, em, cativeiro. Concessão, terceiro, condição, fiel depositário, hipótese, proprietário, descumprimento, dever, guarda, com, observância, mesma, instrução normativa. Propriedade, animal, não, direito adquirido, manutenção, hipótese, inadequação, custódia. Necessidade, publicidade, característica, animal, para, sociedade civil, aceitação, custódia. Descabimento, repatriamento, animal de circo, decorrência, necessidade, participação, governo, país estrangeiro. .............................................................. 63 MEDICAMENTO Neoplasia maligna – Vide IMPOSTO DE RENDA MEDIDA CAUTELAR Revogação, decorrência, prolação, sentença absolutória. Desnecessidade, ocorrência, trânsito em julgado. Observância, princípio da presunção de inocência. Aplicação, Código de Processo Penal. ...................................................................................... 105 MEIO AMBIENTE Ação civil pública – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO MENOR DE CATORZE ANOS Atividade rural – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO MULTA Descabimento, cobrança. Advogado constituído, não, apresentação, defesa prévia, após, intimação, recebimento, denúncia. Descaracterização, como, abandono da causa. Não ocorrência, afastamento, com, caráter permanente. Comprovação, pedido, prorrogação, prazo, realização, defesa. Violação, devido processo legal. Juízo, não, oferecimento, oportunidade, acusado, apresentação, justificativa, para, não, elaboração, defesa prévia.............................122 N NEOPLASIA MALIGNA Medicamento – IMPOSTO DE RENDA 296 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 P PORTADOR Deficiência física – Vide CONCURSO PÚBLICO PRESCRIÇÃO QUINQUENAL Correção monetária – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO PRINCÍPIO DA ISONOMIA Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Vide MEDIDA CAUTELAR Q QUORUM Vide DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE R RECURSO REPETITIVO STJ – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR Aprendiz – Vide TEMPO DE SERVIÇO RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA União Federal – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO ROUBO Banco do Brasil – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL Instituição financeira privada – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL S SALÁRIO-MATERNIDADE Indeferimento – Vide DANO MORAL SANÇÃO ADMINISTRATIVA Falta grave – Vide EXECUÇÃO DA PENA R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 297 SENTENÇA ABSOLUTÓRIA Trânsito em julgado – Vide MEDIDA CAUTELAR SOCIEDADE DE FATO (COMERCIAL) Irmão – Vide TEMPO DE SERVIÇO SUCESSÃO TRIBUTÁRIA Anatel – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA SÚMULA STF – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO Revogação, decorrência, instauração, outro, processo penal, contra, réu. Irrelevância, objeto, nova, denúncia, inclusão, mesma, situação fática, ação penal, anterior. .... 115 T TEMPO DE SERVIÇO Impossibilidade, reconhecimento, período, trabalho, cartório de registro de imóveis, titularidade, pai, após, idade, doze anos, até, vinte anos. Caracterização, atividade, aprendiz, regime de economia familiar. Inexistência, qualidade, segurado, período, condição, dependente previdenciário. Descabimento, contagem, tempo de serviço, período, posterior, decorrência, sociedade de fato (comercial), com, irmão. Inexistência, vínculo empregatício. Não ocorrência, recolhimento, contribuição previdenciária, como, trabalhador autônomo. ...... 162 TRF Incompetência – Vide AÇÃO RESCISÓRIA TUTELA ANTECIPADA Indeferimento – Vide DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE U UNIÃO FEDERAL Responsabilidade solidária – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO 298 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010 ÍNDICE LEGISLATIVO R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010 299 300 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010 Código Civil de 1916 Artigo 384................................................................................................................ 162 Código Civil Artigo 186.................................................................................................................. 45 Artigo 406.................................................................................................................. 45 Artigo 944.................................................................................................................. 45. Código Penal Artigo 14.................................................................................................................. 139 Artigo 129................................................................................................................ 139 Artigo 157.................................................................................................................. 95 Código de Processo Civil Artigo 20.................................................................................................................. 201 Artigo 267................................................................................................................ 197 Artigo 273................................................................................................................ 207 Artigo 334.................................................................................................................. 45 Artigo 485................................................................................................................ 147 Artigo 488................................................................................................................ 201 Código de Processo Penal Artigo 265................................................................................................................ 122 Artigo 386................................................................................................................ 105 Artigo 396................................................................................................................ 122 Código Tributário Nacional Artigo 161.................................................................................................................. 45 Artigo 205................................................................................................................ 257 Artigo 206................................................................................................................ 257 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010 301 Constituição Federal/1988 Artigo 1º................................................................................................................... 250 Artigo 5º....................................................................................................... 45/105/257 Artigo 6º................................................................................................................... 250 Artigo 7º................................................................................................................... 147 Artigo 37.................................................................................................................... 45 Artigo 97.................................................................................................................. 207 Artigo 105................................................................................................................ 201 Artigo 109.................................................................................................................. 95 Artigo 127................................................................................................................ 172 Artigo 129................................................................................................................ 172 Artigo 150......................................................................................................... 229/257 Artigo 196................................................................................................................ 250 Artigo 197................................................................................................................ 250 Artigo 201................................................................................................................ 147 Artigo 225........................................................................................................... 63/218 Artigo 227.................................................................................................................. 77 Convenção da ONU sobre Direito das Pessoas com Deficiência.......................... 77 Declaração de Estocolmo de 1972......................................................................... 218 Declaração Universal dos Direitos dos Animais Artigo 3º..................................................................................................................... 63 Decreto nº 20.910/32 Artigo 1º................................................................................................................... 236 Decreto nº 3.000/99 Artigo 80.................................................................................................................. 250 Decreto nº 3.298/99 Artigo 3º..................................................................................................................... 77 Artigo 4º..................................................................................................................... 77 Decreto nº 6.049/2007 Artigo 45.................................................................................................................. 139 Decreto Federal nº 24.645/34 Artigo 1º..................................................................................................................... 63 Artigo 3º..................................................................................................................... 63 302 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010 Decreto-Lei nº 1.512/76 Artigo 2º................................................................................................................... 236 Artigo 3º................................................................................................................... 236 Emenda Constitucional nº 1/69 Artigo 165................................................................................................................ 147 Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007 ..................................................... 172 Instrução Normativa do Ibama nº 169/2008 ......................................................... 63 Lei nº 4.156/62 Artigo 4º................................................................................................................... 236 Lei nº 4.357/64 Artigo 3º................................................................................................................... 236 Artigo 7º................................................................................................................... 236 Lei nº 6.938/81 Artigo 3º................................................................................................................... 218 Lei nº 7.181/83 Artigo 3º................................................................................................................... 236 Lei nº 7.210/84 Artigo 49.................................................................................................................. 139 Artigo 52.................................................................................................................. 139 Lei nº 7.347/85 Artigo 5º................................................................................................................... 218 Lei nº 7.492/86 Artigo 1º..................................................................................................................... 85 Artigo 4º..................................................................................................................... 85 Lei nº 7.853/89 ......................................................................................................... 77 Artigo 3º................................................................................................................... 172 Lei nº 8.213/91 Artigo 110................................................................................................................ 172 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010 303 Lei nº 8.742/93 Artigo 20.................................................................................................................. 172 Artigo 31.................................................................................................................. 172 Lei nº 8.906/94 Artigo 34.................................................................................................................. 122 Lei nº 9.099/95 Artigo 89...................................................................................................................115 Lei nº 9.250/95 Artigo 8º................................................................................................................... 250 Lei nº 9.494/97 Artigo 1º................................................................................................................... 207 Lei nº 9.605/98 Artigo 32.................................................................................................................... 63 Lei nº 9.711/98 .......................................................................................................... 45 Lei nº 10.257/2001 Artigo 2º................................................................................................................... 218 Lei nº 10.522/2002 Artigo 7º................................................................................................................... 257 Lei nº 11.690/2008 .................................................................................................. 105 Medida Provisória 1.415/96 .................................................................................... 45 Súmula do Supremo Tribunal Federal Nº 343 ..................................................................................................................... 147 Súmula do Superior Tribunal de Justiça Nº 54 ......................................................................................................................... 45 Nº 362........................................................................................................................ 45 Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Nº 63 ....................................................................................................................... 201 304 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010