Ciência e prática
Marsupialização de lesões mandibulares
Premiado com o segundo prémio do concurso de pósteres científicos da I Reunião
de Medicina Oral da Faculdade de Medicina de Lisboa (com o patrocínio da MAXILLARIS)
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Ciência
e prática
Adélia Ramazanova
Médica interna em formação específica em Estomatologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN).
[email protected]
Miguel Amaral Nunes
Médico Interno em formação específica em Estomatologia do CHLN.
António Capelo
Médico Assistente do Serviço de Estomatologia do CHLN.
Nuno Zeferino Santos
Médico Assistente do Serviço de Estomatologia do CHLN.
Cecília Caldas
Médica Assistente Graduada do Serviço de Estomatologia do CHLN.
Francisco Salvado
Professor de Patologia e Cirurgia Oral e Maxilofacial da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Diretor do Serviço de Estomatologia do CHLN.
Lisboa.
Adélia Ramazanova
Introdução e objetivos
Descrita pela primeira vez por Carl Partsch em 1892, a marsupialização consiste no estabelecimento cirúrgico de uma
comunicação entre uma cavidade patológica e o meio oral,
diminuindo a pressão hidrostática interna e permitindo a
redução progressiva das dimensões da lesão. Permite ainda
a obtenção de um diagnóstico precoce mediante biópsia
incisional da parede da lesão e a sua análise histopatológica. Os autores apresentam três casos clínicos de lesões
mandibulares em que se demonstra a importância da marsupialização prévia à enucleação.
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Caso 1
Sexo masculino, 28 anos, evacuado de São Tomé e Príncipe
para o Serviço de Estomatologia por suspeita de patologia
maligna. Sem antecedentes pessoais relevantes. Apresentava
uma tumefacção mandibular esquerda com quatro meses de
evolução, trismus, abaulamento do vestíbulo do quarto sextante
e dor à palpação (figs. 1 e 2). A ortopantomografia evidenciava
uma lesão radiotransparente extensa (32 x 26 x 32 mm), única,
ocupando quase todo o ramo ascendente esquerdo da mandíbula em relação com 3.8 incluso (fig. 3).
Efetuou-se marsupialização da lesão (fig. 4), e a biópsia
incisional da parede do quisto revelou quisto dentígero.
Após nove meses de descompressão e irrigação com soro
fisiológico observou-se uma franca diminuição das dimensões do quisto com formação de osso reduzindo o risco de
fratura e evitando a eventual necessidade de reconstrução,
pelo que foi realizada a enucleação.
Figs. 1 e 2. Apresentação clínica.
Fig. 3. Ortopantomografia inicial.
Fig. 4. Marsupialização.
. Figs. 5 a 7. Tomografia computarizada com tubo de marsupialização.
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Fig 8. Ortopantomografia aos nove meses da marsupialização.
Fig. 9. Ortopantomografia aos quatro meses do pós-operatório.
Caso 2
Sexo masculino, 41 anos. Referenciado à consulta de cirurgia
oral por tumefação dolorosa da mandibula à esquerda com episódios de parestesia homolateral com um mês de evolução (fig.
10). Refere cirurgia três anos antes por tumor odontogénico
queratoquístico e exodontia de 3.6 e 3.8. Ao exame objetivo
apresentava fístula intraoral com drenagem de pus. Teste de
vitalidade positivo para 3.5 e negativo para 3.7. Na ortopantomografia observava-se uma imagem radiotransparente do
ramo horizontal à esquerda envolvendo o apex de 3.7 com aparente envolvimento bicortical, fratura patológica do bordo inferior da mandíbula e imagem radiotransparente multiloculada
(43 x 24 x 36 mm) do ramo ascendente esquerdo (fig. 11).
Realizaram-se duas biópsias incisionais das paredes dos quistos e marsupialização de ambas lesões (figs. 15 e 16). Os resultados histopatológicos mostraram tratar-se de recidivas de
tumores odontogénicos queratoquísticos. Ocorreu a exteriorização repetida do dreno superior, pelo que manteve-se apenas
o dreno na lesão do corpo mandibular. Após um ano verificou-se diminuição marcada do tamanho da lesão com neoformação óssea e consolidação da fratura. Efetuou-se enucleação
de ambas lesões sob anestesia geral, sem complicações mas
mantendo as parestesias.
Fig. 10. Apresentação clínica.
Fig. 11. Ortopantomografia inicial.
Figs. 12 a 14. Tomografia computarizada com reconstrução 3D.
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Figs. 15 e 16. Ortopantomografia e tomografia computarizada durante a marsupialização.
Figs. 17 a 19. Ortopantomografia e tomografia computarizada aos quatro meses do pós-operatório.
Caso 3
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Sexo masculino, 44 anos. Recorreu ao serviço de urgência
central por tumefação do quarto quadrante (fig. 20) com cerca de 20 anos de evolução, assintomática até há uma semana quando iniciou quadro de dor. Negou drenagem de qualquer conteúdo ou alterações da sensibilidade. Aparente relação da tumefação com acidente de viação sofrido há 23 anos
(sic). À observação apresentava uma tumefação de consistência petrea no terço inferior da hemiface direita com um
abaulamento do vestíbulo, cárie vestiular de 4.6 com mobilidade e cáries extensas de 1.8, 2.8 e 3.7. A ortopantomografia evidenciou uma imagem radiotransparente multiloculada (74 x 31,7 x 30,7 mm), de limites bem definidos, mar-
gem esclerótica com extensão de 3.4 a 4.8, sem reabsorção
aparente de raizes dentárias (fig. 21). Os dentes incluídos
na lesão apresentavam testes de vitalidade ao frio positivos.
Realizou-se a exodontia de 4.6, biópsia da parede do quisto
e colocação de tubo de marsupialização (figs. 25 e 26). O
exame histopatológico revelou tratar-se de um tumor odontogénico queratinocítico. Após 12 meses de marsupialização constatou-se uma descompressão da lesão com ganho
ósseo marcado. Com menor risco de fratura mandibular, o
doente foi submetido a excisão da lesão sob anestesia geral,
sem intercorrências nem necessidade de recorrer a placas
de reconstrução e osteosíntese.
Fig. 20. Apresentação clínica.
Fig. 21. Ortopantomografia inicial.
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Figs. 22 a 24. Tomografia computarizada inicial.
Figs. 25 e 26. Marsupialização da lesão com controlo radiográfico.
Fig. 27. Ortopantomografia aos 12 meses da marsupialização.
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Fig. 28. Ortopantomografia aos quatro meses do pós-operatório.
A marsupialização, tal como anteriormente descrito, consiste
na fenestração e descompressão mantida de uma cavidade
quística, podendo colocar-se um tubo para manter a comunicação e permitir a irrigação da cavidade. O objetivo é a
diminuição progressiva da dimensão da lesão. Simultaneamente à colocação do tubo de marsupialização realiza-se
uma biópsia incisional da parede do quisto para a obtenção
de um diagnóstico precoce.
Esta técnica está indicada principalmente nos casos de quistos extensos diagnosticados tardiamente onde a cirurgia para
remoção completa da lesão pode aumentar o risco de comprometimento de estrutruras nobres como feixes vasculo-nervosos ou fratura mandibular. A exteriorização do tubo de mar-
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Discussão
supialização ou a sua migração para o interior da cavidade
quística são complicações descritas. Consiste numa técnica
com execução relativamente simples. Como desvantagem é
de referir o facto de implicar dois tempos cirúrgicos: a marsupialização e a enucleação. Nos casos descritos ambas as intervenções cirúrgicas realizaram-se em ambulatório.
Nos três casos apresentados, manteve-se a marsupialização
durante nove a 12 meses, havendo uma diminuição marcada
do tamanho da lesão com remodelação e neoformação óssea.
Estes resultados estão de acordo com os descritos na literatura. Segundo os autores, no caso 2 verificou-se inclusive a consolidação da fratura patológica da mandíbula, demonstrando
as claras vantagens da marsupialização pré-enucleação.
Conclusão
A marsupialização é uma técnica segura, efetuada em regime de ambulatório, que
permite a obtenção de um diagnóstico precoce e apresenta um resultado previsível. Deve considerar-se como uma alternativa para a descompressão de lesões
quísticas, permitindo na maior parte dos casos uma remodelação óssea da zona
da lesão.
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