RELATO DE CASO CÂNCER DE MAMA E GESTAÇÃO: RELATO DE CASO 1 BREAST CANCER AND PREGNANCY- CASE REPORT Fernando Artur Carvalho BASTOS 2 e Ivana Marvão MONTEIRO 3 RESUMO Objetivo: apresentar caso clínico de paciente internada em um hospital em Belém do Pará, com gestação complicada por câncer de mama. Relato do Caso: paciente de 43 anos, G4P3NA0, internada com 32 semanas de gestação, para investigar anormalidade do líquido amniótico e suspeita de restrição do crescimento fetal. Portadora de neoplasia mamária localmente avançada teve gestação confirmada na 13ª semana, após conclusão do segundo ciclo de quimioterapia neoadjuvante com AC-T (Adriblastina, Ciclofosfamida e Plactaxel). A gestação foi interrompida quando a paciente evoluiu com trabalho de parto prematuro.O diagnóstico neonatal apontou baixo índice de Apgar no primeiro minuto, prematuridade, baixo peso e suspeita de Síndrome de Down. Considerações finais: o caso estudado ratifica a importância do planejamento familiar de pacientes em idade reprodutiva submetidas à quimioterapia, bem como o impacto desta terapêutica sobre o bem estar materno-fetal. DESCRITORES: câncer de mama; quimioterapia; gestação; riscos fetais. INTRODUÇÃO Define-se carcinoma de mama na gestação como a neoplasia identificada durante o período gravídico e até um ano após o parto1,2 representa 0,2 a 3,8% de todos os cânceres que ocorrem na gestação, com prevalência de 1/3.000 a 1/10.000 casos, concentrando-se na faixa etária de 32 a 38 anos, apresenta-se como a segunda causa de neoplasia associada à gravidez, ultrapassada apenas pelo câncer de colo uterino1,2. Esta prevalência tem sido desenhada pela somatória de fatores como gestações cada vez mais tardias, a incidência de câncer de mama em grupos etários mais jovens, alta eficácia dos atuais métodos diagnósticos disponibilizados e os rigorosos programas de rastreamento3. Frequentemente o diagnóstico clínico é dificultado em razão das alterações fisiológicas sofridas pela mama durante o período gestacional, como hipervascularização, hipertrofia e ingurgitamento, acarretando em atraso no diagnóstico em grávidas4,2 e, associado às deficiências do rastreamento de rotina no período pré-concepcional; diagnóstico desta 1 nosologia durante a gestação, frequentemente, ocorre em estágios avançados da doença e a demora no diagnóstico contribui para a piora no prognóstico5 O tratamento da neoplasia maligna de mama durante a gestação tem como objetivo obter máxima radicalidade, com controle locorregional e sistêmico da doença, menor prejuízo estético e reduzida morbidade fetal. Dessa forma, a quimioterapia tem relativa segurança no período gestacional e deve ser usada a partir do segundo trimestre. A radioterapia e a terapia hormonal com citrato de tamoxifeno estão contra-indicadas3. Todos os quimioterápicos utilizados no tratamento de câncer de mama são considerados como categoria D, portanto, essa forma terapêutica é contra-indicada no primeiro trimestre de gestação1,6 OBJETIVO Relatar um caso clínico de gestação complicada por neoplasia mamária, com descrição das dificuldades frente ao diagnóstico e manejo desta doença associada à gravidez e identificar possíveis fatores de riscos fetais relacionados à quimioterapia. Trabalho realizado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará Médico Assistente da Enfermaria de Patologia Obstétrica da FSCMPA 3 Médica Residente de Ginecologia e Obstetrícia da FSCMPA 2 RELATO DO CASO Anamnese A.M.C.M., parda, 43 anos, quadrigesta com três partos vaginais anteriores sem intercorrências obstétricas, última menstruação em cinco de fevereiro de 2009, encaminhada do ambulatório de Pré-natal de Alto Risco da FSCMPA no curso da 32ª semana gestacional para avaliação de anormalidade do líquido amniótico e suspeita de restrição do crescimento fetal. Apresentava história de nódulo mamário papável em mama esquerda em novembro de 2007 e um ano após, a conclusão da mamografia apresentava nódulo de seis centímetros com contornos espiculados. Depois de quatro meses, a paciente realizou biópsia, com resultado histopatológico de Carcinoma Ductal Invasor grau II. Após este diagnóstico, a paciente foi encaminhada para serviço de oncologia do Hospital Ophir Loyola. Na primeira avaliação ambulatorial, apresentava mama esquerda com quadrantes externos superior e inferior comparênquima de consistência endurecida, aderido a pele, com aspecto de “casca de laranja”, edemaciado e com ulceração de aproximadamente dois centímetros. Na axila esquerda, foram palpados quatro linfonodos endurecidos e coalescidos, e a região supraclavicular, bilateralmente, apresentava linfonodos palpáveis. Dessa forma, a paciente apresentava uma neoplasia localmente avançada, com classificação patológicaT4cN3M0 e clínica IIIC. A conduta da equipe de oncologia clínica foi a de iniciar urgentemente a quimioterapia neoadjuvante com ciclos de 21 em 21 dias com Doxirrubicina e Ciclofosfamida, e ao final do quarto e último ciclo, a adição de Plactaxiel; solicitação de exames pré-operatórios para programação de cirurgia conservadora; avaliação pré-anestésica e risco cirúrgico; exames radiológicos para investigação de prováveis metástases, como tomografia do tórax, abdome superior e pelve e cintilografia óssea. Ao final da segunda sessão, o resultado da cintilografia óssea apontou suspeita de gestação. A paciente foi encaminhada para avaliação obstétrica no ambulatório de pré-natal de alto risco da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Iniciou a assistência pré-natalista no quarto mês gestacional, com cinco consultas médicas, sem intercorrências clico-obstétricas até o sétimo mês. Em paralelo, a equipe de oncologia decidiu pelo adiamento das últimas duas sessões de quimioterapia para quando se atingisse a maturidade pulmonar fetal e programação da cirurgia conservadora, com seguimento ambulatorial de prováveis intercorrências clínicas. Exame físico Na internação hospitalar, a paciente apresentava mamas assimétricas, com a esquerda de maior volume, endurecida, edemaciada, úlcera volumosa, ocupando os quadrantes externos, com pontos de necrose e pústulas, porém sem sinais sistêmicos de infecção, com FC: 76bpm, PA: 90x60 mmHg, FR: 14 irpm, TAX: 36,1ºC. O exame clínico obstétrico não apresentava alterações significativas, com altura uterina de 30 cm, tônus uterino normal, sem dinâmica uterina, movimentos fetais perceptíveis com 129 bpm ao sonar. Ao exame especular, conteúdo vaginal sugestivo de candidíase e colo uterino impérvio ao toque vaginal. A paciente foi internada na enfermaria de Patologia Obstétrica de Alto Risco, Exames Subsidiários A investigação complementar procedeuse por exames hematológicos e bioquímicos (sem alterações), da avaliação da vitalidade fetal por cardiotocografia basal com padrão tranquilizadore avaliação ultrassonográfica a qual evidenciou feto único e vivo, apresentação pélvica, biometria compatível com 30 semanas gestacionais, ILA de 7,65 e Doppler normal. Diagnóstico DISCUSSÃO A conclusão da investigação foi de gestação de alto risco pela associação com neoplasia mamária localmente avançada e a instituição de quimioterapia e exames radiológicos ainda no primeiro trimestre gestacional, apresentando anormalidade do líquido amniótico e suspeita de restrição do crescimento fetal no terceiro trimestre. A abordagem do câncer de mama associado àgravidez tem se modificado nasúltimas duas décadas,sendo que os preceitos de mau prognósticoforam ultrapassados2. O binômio mãe-feto deve ser valorizado durante o manejo do câncer de mama associado à gestação, o que frequentemente gera conflitos de conduta e prognóstico. Atualmente, ainda há controvérsias sobre a realização ou não de intervenções cirúrgicas, interrupção da gestação, uso de quimio ou radioterapia ou, até mesmo, proibição de uma posterior gestação como forma de controle5. Outro desafio que envolve o câncer de mama associado à gravidez deve-se ao prognóstico reservado dado a estas gestantes em decorrência de fatores como retardo no diagnóstico, com limitação nas opções de tratamento principalmente se a gestação estiver no 1º trimestre, e estadiamento no momento do diagnóstico3. Igualmente desafiadora é tentativa de associar danos fetais à exposição de agentes quimioterápicos. O risco estimado para os fetos expostos, de acordo com alguns estudos, varia de 7 a 75% para todas as malformações9. Neste grupo de pacientes, existem ainda outros fatores que podem ser correlacionados à morbidade perinatal, como a própria idade materna avançada e a evolução clínica da doença em estágios avançados de consumpção9. Os efeitos teratogênicos não são os únicos efeitos adversos relacionados à quimioterapia relatados. Doença hipertensiva da gestação (DHEG) grave, prematuridade, morte intrauterina, restrição do crescimento fetal, oligoâmnio, óbito neonatal ou perinatal, baixo peso ao nascer, neutropenia, disfunção gonádica e neoplasia nesses recém-nascidos têm sido relacionados ao uso dos quimioterápicos1, 7,8,9 Ao se discutir o tratamento do câncer de mama associado à gravidez, a conduta deve ser baseada nos mesmos princípios utilizados no tratamentode mulher não grávida, com algumas ressalvas,principalmente no primeiro trimestre degravidez, pois durante este período a administraçãode quimioterápicos está associada a teratogênese e abortamentos11. Conduta e prognóstico Quanto ao uso de quimioterápicos, foi decidido pelo adiamento dos dois últimos ciclos com Doxirrubicina e Ciclofosfamida, com adição final dePlactaxiel, para depois de interrupção da gestação, após indução da maturidade pulmonar fetal. Durante a internação, procedeu-se à investigação da redução do ILA, bem como o uso de antibioticoterapia para o tratamento de infecção secundária à necrose local da mama acometida. A paciente foi submetida à corticoterapia para indução da maturidade pulmonar fetal. Após seis dias de internação, evoluiu com rotura prematura das membranas, foi submetida à cesárea por apresentação fetal anômala, com extração de recém-nascido vivo e único, sexo feminino, 1775g, Apgar: 7/9, Capurro: 35 semanas e com alterações anatômicas sugestivas de Síndrome de Down. Recebeu alta hospitalar após término de antibioticoterapia, com medicação supressora da lactação e o recém-nascido foi encaminhado para seguimento no ambulatório dos prematuros da FSCMPA e avaliação genética para confirmação diagnóstica de provável anomalia cromossômica. Evolução Após alta hospitalar, a paciente retornou ao seguimento ambulatorial no serviço de oncologia do Hospital Ophir Loyola, sendo reiniciadas as sessões de quimioterapia, aguardando a realização de mastectomia. Os efeitos adversos potenciaisdos agentes antineoplásicos sobre feto eo recémnascido incluem efeitos imediatos, comoteratogênese e abortamento, ou efeitos tardios, como retardo de crescimento e disfunção gonádica11. Durante o primeiro trimestre, a realização daquimioterapia é contra-indicada, devido ao fato dea organogênese ocorrer durante as primeiras dezsemanas de gravidez12. No caso relatado, a paciente já estava sendo submetida à segunda sessão de quimioterapia quando teve sua gestação suspeitada, e por análise retrospectiva de sua primeira USG (2º trimestre), nesta época possivelmente se apresentava ao final do primeiro trimestre. Sendo assim, a anormalidade cromossômica do feto pode estar possivelmente associada à idade materna avançada. A prematuridade espontânea, baixos peso e índice de Apgar no primeiro minuto poderiam estar associados ao avançado estágio da doença e ao próprio uso de quimioterápicos. A administração de drogas antineoplásicas durante o segundo e o terceiro trimestres é relativamente segura, sendo que as drogas que não induziram alterações fetais foram a ciclofosfamida, o 5-fluorouracil e a doxorrubicina10. Os antagonistas do ácido fólico (metotrexato) estão relacionados com anormalidades fetais quando administrados no primeiro trimestre, porém, quando prescritos no segundo e terceiro trimestres não foram associados a alterações fetais 11. A terapêutica inicial para o caso relatado inclui o esquema quimioterápico considerado de relativa segurança (com Doxirrubicina e Ciclofosfamida), enfatizando a importância da avançada idade materna em relação à cromossopatia fetal. Além disso, é necessário ressaltar que nas pacientes que tiveram câncer de mama e estão em tratamento adjuvante, a anticoncepção deve ser realizada com o uso do dispositivo intra-uterino, métodos de barreira ou associação dos métodos não hormonais13. No caso descrito, a paciente não teve planejamento contraceptivo por intervalo de quase seis meses entre o diagnóstico histopatológico da neoplasia mamária e a indicação de tratamento quimioterápico. CONSIDERAÇÕES FINAIS A quimioterapia instituída e o estágio localmente avançado da neoplasia mamária no caso relatado somam-se com a idade materna tardia como importantes fatores de risco para as alterações encontradas: prematuridade, baixos peso e índice de Apgar e cromossomopatia. Atualmente, a paciente está em acompanhamento em serviço de referência em oncologia, para realização de mastectomia após término das sessões de quimioterapia neoadjuvante. As pacientes que estiverem gestantes no momento do diagnóstico deste tipo de neoplasia devem ser avaliadas por equipe multiprofissional para adequar o tratamento em relação ao estágio da doença, com a finalidade de dirimir o impacto das terapêuticas propostas sobre o binômio materno-fetal. Por fim, o aconselhamento contraceptivoe a investigação de provável gestação em pacientes em idade reprodutiva com planejamento quimioterápico para neoplasia mamária são condutas importantes. SUMMARY BREAST CANCER AND PREGNANCY: CASE REPORT Fernando Artur Carvalho BASTOS e Ivana Marvão MONTEIRO Objective: to present the case of a patient admitted to a hospital in Belem, in which pregnancy was complicated by breast cancer. Case Report: patient 43, G4P3NA0, was admitted with 32 weeks of gestation to investigate abnormalities of amniotic fluid and suspected fetal growth restriction. Patient with locally advanced breast cancer was confirmed in 13 gestation weeks after completion of second cycle of neoadjuvant chemotherapy with AC-T (Adriblastina, Cyclophosphamide and Plactaxel). The pregnancy was interrupted when patient developed preterm labor. The neonatal diagnosis showed low Apgar score in the first minute, prematurity, low birth weight and suspected Down syndrome. Final considerations: the case study confirms the importance of family planning patients of reproductive age receiving chemotherapy, as well as the impact of therapy on the maternal-fetal well-being. KEY-WORDS: Breast cancer, chemotherapy, pregnancy, fetal risks. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Rezende, WW et al. Câncer de mama associado à gravidez: revisão de literatura. Femina, v.33 , n.6, p. 435442, 2005 Mottola JR, J et al. Câncer de mama associado à gravidez: um estudo caso/controle. Rev. bras. ginecol. obstet., v.24, n.9,p.: 585-591, 2005. Costa, CLR et al. Câncer de mama durante a gestação: revisão bibliográfica HospUnivRev Juiz de Fora, v.32, n.4, p.109-114, out./dez. 2006 Dequanter, D et al. Breast cancer and pregnancy. Review of the literature. GynecolObstetFertil, v.29, p. 9-14, 2001 Grossmann, R et al. Avaliação de fatores prognósticos e preditivos de associação no câncer mamário durante a gestação. RevBras Mastologia, v.12, n.2, p. 23 -27, 2002 Woo, JC; Yu, H; Hurd, TC. Breast cancer in pregnancy: a literature review. Arch. surg., v.138, p. 91-98, 2003 barthelmes, L et al. Clinical review pregnancy and breast cancer. 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