APONTAMENTOS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE O CONTRATO CORRESPONDER À MINUTA CONTRATUAL ANEXADA AO ATO CONVOCATÓRIO. Por: Cassiana de Almeida Cezar Advogada e Coordenadora Jurídica na área de Licitações e Contratos Administrativos. Especialista em Direito Administrativo. MBA em Gestão Comercial, com ênfase no setor público. Especialista em Gestão de Direito Empresarial. Especialista em Administração de Empresas. O instrumento convocatório da licitação – que precede o contrato - tem por finalidade fixar as condições necessárias à participação dos licitantes; ao desenvolvimento do processo licitatório, de modo a definir e tornar conhecidas todas as regras do certame; e à futura contratação. Por tal razão, os atos convocatórios (edital ou carta-convite) deverão conter todas as informações pertinentes ao objeto licitado e necessárias à realização da licitação, assim como outras condições - essenciais e relevantes -, previstas no art. 40 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Nesse sentido, complementa Adilson Abreu Dallari: “O edital há de ser completo, de molde a fornecer uma antevisão de tudo que possa vir a ocorrer no decurso das fases subseqüentes da licitação. Nenhum licitante pode vir a ser surpreendido com coisas, exigências, transigências, critérios ou atitudes da Administração que, caso conhecidas anteriormente, poderiam afetar a formulação de sua proposta”.1 É por esse motivo que o objeto do edital deve estar bem caracterizado e descrito de forma bastante clara, a fim de assegurar que o resultado obtido, por meio da licitação, atenda aos anseios, às expectativas e às necessidades da Administração, levando sempre em consideração um padrão mínimo necessário e razoável de qualidade e a identificação e seleção de uma solução econômica (com menor dispêndio de recursos financeiros). Além dessas condições, há que ser observado, também, o §2º do art. 40 do mesmo diploma legal. Em homenagem à clareza, transcrevo a norma: “Art. 40 - (...) §2º - “Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: (...) III – a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor”. Note-se que, em face da legislação brasileira vigente, a minuta do futuro contrato, elaborada na fase interna da licitação, deverá acompanhar, obrigatoriamente, o ato de convocação. Neste diapasão, o §1º do art. 62 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos determina: “Art. 62 – (...) §1º - A minuta do futuro contrato integrará sempre o edital ou ato convocatório da licitação”. Nas lições do ilustre Prof. Toshio Mukai: “(...) o §1º do art. 52 do Decreto-Lei nº 2300/86, que tratava do mesmo assunto, não exigia que a minuta do contrato acompanhasse o ato convocatório da licitação, pois dispunha: será fornecida aos interessados, sempre que possível, a minuta do futuro contrato”. “Pela nova Lei de Licitações sempre deverá constar do edital ou ato convocatório a minuta”.2 A lei é bastante clara e impositiva. A Administração Pública está, por conseguinte, obrigada a incluir a minuta do contrato como anexo do instrumento convocatório, até porque esse documento deverá ser previamente examinado e aprovado pela assessoria jurídica do órgão licitador. Como se disse anteriormente, a formalização da minuta de contrato tem um limite temporal a ser respeitado, que é na fase interna da licitação. Sobre a submissão prévia à assessoria jurídica, o entendimento do Tribunal de Contas da União é de que “as minutas de editais, de contratos e de termos aditivos, inclusive nas contratações por dispensa ou inexigibilidade de licitação, necessariamente, devem ser submetidas a exame prévio e aprovação pelo setor jurídico do órgão ou entidade”. Por meio do Acórdão nº 6571/2009, a 1ª Câmara do TCU determinou, entre outras medidas, que “somente publique edital licitatório cuja minuta tenha sido prévia e formalmente examinada e aprovada pela sua área jurídica”. 1 2 DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação. 7ª edição. Editora Saraiva. São Paulo – 2006. p. 112. MUKAI, Toshio. Licitações e Contratos Públicos. 6ª edição. Editora Saraiva. São Paulo – 2004. p. 150. Acerca da obrigatoriedade de a minuta do contrato integrar o ato de convocação, o Acórdão 1705/2003, do Plenário do Tribunal de Contas da União assim determina: “Faça constar dos atos convocatórios a minuta dos futuros instrumentos de contrato a serem firmados, consoante preceituado no art. 62, §1º, da Lei nº 8.666/93”. Pois bem. Uma vez fixadas as regras do ato convocatório e de seus anexos, em especial da minuta do contrato, as exigências lá estatuídas deverão ser cumpridas rigorosamente, tanto pela Administração Pública, quanto pelos licitantes, em respeito ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, entre outros correlatos, e, em razão da aplicação da regra da imutabilidade do objeto previsto no edital de licitação. Assim, com a intenção de fomentar a discussão sobre a necessidade do conteúdo e das cláusulas do contrato administrativo – decorrentes da licitação -, corresponder à minuta contratual anexada ao ato de convocação, gostaria de efetuar alguns breves comentários e apontamentos. Toda contratação administrativa é antecedida de um procedimento, que se destina a avaliar a forma mais adequada de atendimento dos interesses públicos. O Professor Dr. Marçal Justen Filho disserta que: “(...) Esse procedimento conduz à definição do objeto licitado e à determinação das regras do futuro contrato. Quando a Administração pactua o contrato, já exercitou a competência “discricionária” correspondente”.3 Sempre que a Administração Pública, por intermédio de seu gestor, resolve contratar com particulares, a sua decisão precisa respeitar os procedimentos formais e legais - agir de acordo com a legislação -, além de estar pautada nos princípios constitucionais e naqueles que regem as licitações e contratos, os quais possuem o condão de controlar os atos administrativos. Isto porque, inevitavelmente, a decisão de contratar acaba atingindo um universo de pessoas, de forma a restringir direitos de uns e ampliar direitos de outros. Portanto, a Administração não pode alterar as regras do contrato firmado entre as partes, que já se encontravam disciplinadas em ato preliminar anterior, qual seja, na minuta contratual. Isto quer dizer que o contrato não pode destoar da minuta do contrato, que acompanhou o ato convocatório. Renato Geraldo Mendes, quando aborda o significado do contrato, assevera que: “(...) Sendo o contrato um acordo de vontades, é preciso identificar em que momento do processo de contratação ocorre tal acordo e como ele é informado. Não é difícil perceber que a vontade da Administração é integralmente manifestada no edital. Logo, o edital traduz a vontade da Administração na sua inteireza. (...) Portanto, com o edital a Administração está dizendo esta é a minha manifestação de vontade. E só quem pode fazer isso é quem tem competência ou poder para vincular a Administração contratualmente”.4 E, uma vez que a minuta do contrato constitui anexo do edital, da mesma forma, traduz a vontade da Administração. Por essa razão, não se pode admitir que o contratado seja penalizado em decorrência de erro, defeito ou omissão da Administração, na formulação da minuta do contrato. A Decisão nº 764/2000, do Tribunal de Contas da União, determinou que seja observado: “(...) quando da celebração do contrato, os exatos termos da minuta de contrato anexa ao edital de licitação”. Os termos do contrato estão, pois, vinculados ao contido na minuta contratual, integrante do instrumento convocatório. Não obstante o que se disse acima, Adilson Abreu Dallari (p.114) assinala que “não se pode exigir que o texto do futuro contrato seja exatamente igual à minuta que figurou no edital”. E continua: “Na verdade, nada impede que se aumentem os encargos do particular e as vantagens ou garantias da Administração Pública. Isso não violaria direitos ou interesses de eventuais licitantes que não apresentaram propostas”. Excepcionalmente, existem situações em que a doutrina tem admitido a divergência entre o conteúdo da minuta do contrato e do contrato propriamente dito, quando, por exemplo, a modificação se fizer necessária para melhor atender aos interesses públicos, trouxer benefícios ou favorecer a Administração Pública, assim como quando dela não decorrer prejuízo (restrições) à competitividade, preservando-se, por conseguinte, o princípio da isonomia entre os licitantes. Observe-se, no entanto, que a essência ou a natureza do contrato não podem ser alteradas, sob pena de caracterizar a desnaturação do próprio objeto. 3 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª edição. Dialética. São Paulo – 2005. p. 538. 4 GERALDO MENDES, Renato. O Regime Jurídico da Contratação Pública. 1ª edição. Zênite Editora. Curitiba – 2008. p. 108. A matéria está longe de ser pacífica, tanto que mereceu comentário de Márcia Walquiria Batista dos Santos: “(...) Existe, ainda, um consenso entre os doutrinadores no sentido de ser possível efetuar alterações na minuta contratual, desde que sejam para beneficiar a Administração. Concordamos com tal posicionamento, ressalvando que as alterações permitidas, mesmo que beneficiem a Administração, deverão ser restritas a cláusulas que, ao serem modificadas, não venham a afrontar o princípio da igualdade entre os licitantes (art. 3º, caput). Em suma, a alteração não pode ser do tipo que, se fosse prevista ou excluída da convocação, teria possibilitado o ingresso no certame de outros licitantes. Desta feita, se a alteração da minuta contratual é uma exceção, a viabilidade deve ser aferida caso a caso.”5 Por fim, a alteração pretendida também não pode ser prejudicial à licitante vencedora do certame, a qual não está obrigada a aceitar novas condições e exigências, diversas dos termos da minuta contratual. Em resumo, o contrato pode vir a sofrer alterações ou adaptações de sua minuta originária, desde que, evidente, sejam mantidas todas as condições da proposta da licitante vencedora. 5 WALQUIRIA BATISTA DOS SANTOS, Márcia. Alterações na minuta do contrato antes de sua celebração. Vinculação ao instrumento convocatório in Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. 5ª edição. São Paulo – 2006. 210.