I N S T I T U T O
P Ó L I S
e sociedade
governo
IDÉIAS PARA A AÇÃO MUNICIPAL
No 236
2007
DIAGNOSTICAR A SEGURANÇA NO MUNICÍPIO
Identificar problemas e potencialidades presentes no município, envolvendo a comunidade
local, permite desencadear ações mais efetivas para a prevenção do crime e da violência.
A
violência urbana e o sentimento de insegurança são alguns dos principais
problemas que os municípios enfrentam. A violência criminal atinge todos os segmentos, dos
mais ricos aos mais pobres: crimes contra o
patrimônio atingem preferencialmente os estratos
superiores e os crimes contra a pessoa, em especial os mais graves, como os homicídios, vitimam,
sobretudo, os jovens pobres, do sexo masculino e
afrodescendentes. A resposta a este quadro de violência tem sido, muitas vezes, exclusivamente aumentar a repressão e o controle, investindo em viaturas, equipamentos e modernização de delegacias, sem que isto altere a situação.
É fundamental apostar em ações de prevenção, ou
seja, compreender o processo em curso e os diferentes fatores que levam ao aumento do crime e da
violência. Embora a Constituição Federal atribua
a responsabilidade pela segurança pública aos governos estaduais, são os municípios que convivem
com a violência cotidiana. Ainda que a maior parte
das questões não estejam sob a governabilidade da
prefeitura, no âmbito local tem-se maior possibilidade de articulação entre os agentes dos diversos
setores envolvidos com a questão.
Sem conhecer o cenário que se quer alterar, a
prefeitura gastará tempo e energia em ações
fragmentadas, movidas pelo impulso de resolver problemas pontuais. O melhor começo é
compreender o que se passa no município, isto
é, fazer um diagnóstico dos principais problemas encontrados na gestão da segurança pública e identificar quais podem ser, de alguma
maneira, enfrentados com recursos locais.
OBJETIVOS
O
s objetivos de um diagnóstico são
mapear a violência e saber onde e como
atuar para combatê-la, permitindo definir prio-
ridades para dar início às ações, acompanhar seu
desenvolvimento no decorrer do tempo, analisando a eficiência e a eficácia dos projetos.
Também é função do diagnóstico mapear as
formas de organização, mobilização e participação da sociedade, analisando o tipo de relação que se estabelece entre o poder público e
os diferentes atores municipais, e identificando as potencialidades de cada um, no que se
refere à prevenção do crime e da violência.
Além disto, o diagnóstico pode identificar organizações de outros níveis de governo que atuam no município e suas possibilidades de ação.
ETAPAS
I
niciar um processo municipal de superação
do crime e da violência exige que o próprio
prefeito assuma a coordenação dos trabalhos
ou que haja alguém por ele investido publicamente de poder para tanto. Não é por falta de
vontade que muitas prefeituras nada fazem, mas
é porque o tema é complexo, está interconectado com diversos aspectos da vida urbana e se
relaciona com diferentes grupos e organizações
subordinadas a outros níveis de governo que
nem sempre têm canais de diálogo entre si.
Um primeiro passo pode ser convidar as organizações, ligadas ou não ao poder público, para
conversar, buscando estabelecer um mínimo
denominador comum na leitura do cenário. Uma
das maneiras de reunir os parceiros pode ser a
realização de conversas bilaterais e, num segundo momento, reuniões de articulação, com dinâmicas de mediação que efetivamente levem
em conta as sugestões e restrições de cada um.
A partir desta articulação inicial, consolida-se
um grupo de parceiros da prefeitura para prevenção do crime e da violência. Isto não quer
dizer que outros grupos não serão mais envolvi-
dos. Pelo contrário, com o andar do processo é
fundamental envolver cada vez mais organizações de mais níveis de governo. Será papel deste primeiro grupo constituído coordenar o processo de diagnóstico e seus desdobramentos.
Internamente ao grupo é importante estabelecer
e pactuar as responsabilidades de cada um.
Um diagnóstico deve incorporar informações
objetivas, como dados quantitativos, e subjetivas, como grupos focais, entrevistas ou rodas
de debate com diferentes perfis de moradores,
sobre diversos aspectos relacionados ao crime
e à violência. Um diagnóstico participativo, e
que leve em conta a sensação dos moradores a
respeito da segurança, além de trazer para o
centro da discussão a leitura de diferentes grupos locais sobre a realidade vivida, também
envolve estes grupos desde o início para a compreensão do problema e a identificação das
potencialidades de cada um para a superação
da situação constatada.
Quanto ao levantamento das informações objetivas, pode-se optar por informações primárias
ou secundárias. As primárias são aquelas produzidas diretamente por quem vai utilizá-las,
como um questionário aplicado pela própria prefeitura. As fontes secundárias são aquelas geradas por algum órgão oficial de pesquisa, como
IBGE, centros universitários, centros de produção de mapas de georreferenciamento, etc.
Nem sempre as informações estão acessíveis
ou sistematizadas de acordo com a necessidade do diagnóstico. É preciso ser criativo para
utilizar os diferentes registros feitos no cotidiano de uma gestão, como anotações informais
de atendimentos realizados ou dados que aparentemente só interessam para uma secretaria
e por isto não são muito publicizados, etc.
Independentemente da fonte utilizada, é importante articular as informações provenientes das
múltiplas fontes oficiais (polícias, guarda municipal, Consegs, secretarias de saúde, educa-
ção, assistência social, planejamento urbano,
dentre outras) com a informação proveniente
da escuta de diversos grupos.
O passo seguinte é territorializar as informações, ou seja, compreender como a violência
se distribui na região estudada, buscando identificar alguns fatores que estejam aumentando
ou reduzindo a violência, como densidade
populacional, condições socioeconômicas,
acesso a terra e infra-estrutura urbanas e acesso a serviços como saúde, educação e lazer.
O vasto levantamento e territorialização das
informações consolida-se com sua análise pelos diferentes atores envolvidos (gestores, comunidade, policiais, pesquisadores). Para que
todos possam participar do debate, os dados
devem ser apresentados em linguagem compreensível, de preferência com metodologia que
facilite a análise. Não raro, faz-se um levantamento exaustivo e, no momento de se utilizar
as informações, não há como compreender ou
relacionar uma informação com a outra.
A partir de uma compreensão mais ampla da realidade do município, é possível estabelecer algumas prioridades de ação. Cada uma das prioridades exigirá estratégias, identificação dos principais grupos a serem envolvidos, levantamento de
recursos necessários e os já disponíveis, estabelecimento de prazos para se reavaliar a situação.
O diagnóstico é um primeiro momento para a formulação de uma política ou projeto, e deve ser
atualizado no decorrer do processo de implementação da política. Não é porque já se diagnosticou
o problema que o trabalho está encerrado, pelo
contrário, se as informações de diagnóstico não
forem constantemente atualizadas, corre-se o risco de se perder o foco da política ou do projeto.
PARCERIAS
A efetividade de um diagnóstico está diretamente
relacionada à capacidade de envolver diferentes
parceiros desde o início. Diversas secretarias
municipais, além da secretaria ou órgão responsável pela segurança cidadã, devem estar
conectadas ao tema, especialmente planejamento
urbano, educação, saúde, geração de trabalho e
renda, vias públicas e assistência social.
Além disto, é importante envolver as diferentes
polícias atuantes no município, como Polícia
Militar, Civil, Federal e a própria Guarda Municipal. Cada uma destas corporações têm atuações e lógicas de funcionamento distintas, mas
estão diretamente ligadas à questão da segurança. Na medida em que se articulam estas diferentes organizações, o município deve envolver
também os diferentes níveis de governo aos quais
estão subordinadas, de maneira a garantir a legitimidade do processo a ser desencadeado com a
elaboração de um diagnóstico neste campo.
Não podem ser esquecidos grupos de atuação
local como associações de moradores, associações comerciais, igrejas, sindicatos e organizações profissionais, bem como grupos que já
atuam com o tema, como entidades que realizam campanhas contra a violência doméstica,
grupos de mulheres, grupos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, casas de
apoio a vítimas de violência, serviços de proteção de testemunhas, etc. Estes grupos são
fundamentais por terem acesso a informações
que os registros policiais não acessam.
A parceria com universidades e centros de estudos e pesquisas especializados contribui para
qualificar e facilitar a análise e compreensão
das informações reunidas.
DIFICULDADES
As situações de violência e insegurança levam os
cidadãos a pressionar o poder público por ações
imediatas e de visibilidade. Um diagnóstico leva
tempo. Uma alternativa é ampliar ao máximo a
participação da população no reconhecimento da
situação vivida no local. Assim, ao mesmo tempo em que se terá um diagnóstico mais completo,
a comunidade se sentirá empoderada para fazer
frente à realidade, inclusive identificando os recursos disponíveis e as ações que já são realizadas descentralizadamente.
Como há diferentes visões da realidade local, os
espaços de diálogo devem ser construídos de
maneira a garantir diferentes pontos de vista, para
se chegar a uma visão mais geral e menos parcial. Para garantir o diálogo efetivo, deve-se apostar em metodologias específicas para isto.
Deve-se tomar um cuidado especial em não caracterizar grupos ou áreas de risco, uma vez que pode
levar à sua estigmatização. O processo de diagnóstico torna-se mais rico ao identificar os fatores de
risco associados ao crime e à violência.
EXPERIÊNCIAS
Em Belo Horizonte-MG, a experiência de prevenção e controle de homicídios diferenciou-se
por ser uma estratégia de intervenção local assumida por
um conjunto de parceiros além
da Prefeitura: Centro de Estudos e Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp),
Governo do Estado de Minas,
Polícia Civil e Militar, entidades
empresariais e comunidade.
Uma outra particularidade foi
o fato de a experiência ter seguido uma metodologia proposta pelo Crisp. A primeira
etapa consistiu no mapeamento dos homicídios e outros
fatores relacionados a eles.
Esta etapa cruzou informações
produzidas pelos diferentes
parceiros envolvidos, garantindo a elaboração de um diagnóstico bastante preciso.
Em seguida foram analisados os homicídios, identificando os locais de concentração dos crimes, o perfil das
vítimas e dos autores, bem
como a distribuição policial
nestes locais. Eleita uma
área para a implantação do
piloto, foram desenhadas algumas respostas aos problemas identificados, em seguida foi feita a avaliação que
consolidou a metodologia
utilizada, ampliando a expe-
riência para outros lugares.
A Prefeitura de São Paulo-SP,
em parceria com o Instituto Sou
da Paz, iniciou uma experiência
piloto de prevenção da violência em três distritos do município, levando em conta taxas de
homicídio, potencial de articulação comunitária e índices de
vulnerabilidade social e juvenil.
Um dos distritos selecionados,
Lajeado, na região leste, apesar de ter uma taxa de homicídios relativamente baixa, apre-
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Autoras: Veronika Paulics e Bezinha Lopes da Cunha Soares.
Elaborado no âmbito do Projeto Segurança Urbana e Prevenção da
Violência nas Cidades, utilizando textos de Carolina Ricardo e Haydee
Caruso, Marcos Rolim e Paulo Mesquita Neto.
Apoio: Fundação Friedrich Ebert - Revisor: Renato Fabriga.
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sentava alta vulnerabilidade
social e juvenil.
O diagnóstico consistiu no levantamento de dados oficiais,
inclusive de programas implementados pela prefeitura, e na
realização de rodas de conversa temáticas reunindo equipes
de saúde, educação, policiais,
guardas metropolitanos. Constatou-se que um dos principais
problemas era a violência doméstica, sobre o qual o município tem grande governabilidade em ações de prevenção
e controle. A partir daí, foram
desenhadas estratégias de
implementação de serviços
específicos de atendimento a
crianças e adolescentes, ampliação de espaços públicos
de convivência, bem como o
fortalecimento do ciclo de
atendimento a mulheres vítimas de violência.
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