Da Responsabilidade Civil Dos Anestesistas à Luz do Novo Código
Civil e Sua Atribuição como Obrigação de Meio.
Rui Licinio Filho
Sumário:
1.
Introdução;
2.
Noções
de
Responsabilidade Civil; 2.1. Responsabilidade Civil
Objetiva e responsabilidade Civil Subjetiva; 2.2.
Obrigação de Meio e Obrigação de Resultado;
Pressupostos da Responsabilidade Civil; 3. Da
Anestesiologia; 3.1. Considerações Gerais; 3.2.
Erros
do
Anestesista;
3.3.
Da
Atuação
do
Anestesista; 3.4. Caracterização da Atividade do
Anestesista Dentro da Responsabilidade Civil; 4.
Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Dentre os ramos da medicina, poucos tiveram uma evolução tão
acentuada e marcante quanto a anestesia. Em tempos idos, esta era apenas mais
um procedimento no centro cirúrgico que poderia ser executado pro qualquer um
eu trabalhasse com o cirurgião, como um recém-formado, uma enfermeira ou até
mesmo uma freira.
Devido às grandes descobertas do Século XX, muitas substâncias
que tem como finalidade controlar a dor foram criadas. Entretanto, seu manuseio
Ra extremamente difícil, pois, para que essas substâncias atendessem ao fim a que
se destinavam, uma série de requisitos teriam que ser observados, Omo a
quantidade
a
ser
utilizada
para
não
deixar
seqüelas
no
paciente,
o
acompanhamento adequado ao paciente enquanto a substância estivesse fazendo
efeito e quais os remédios mais eficazes no controle da dor.
Diante
disso,
a
anestesia
passou
a
ser
cada
vez
mais
especializada e sofisticada, a ponto de exigir a criação de um ramo da medicina só
para tratar do controle da dor e, conseqüentemente, de profissionais que atuassem
na área.
Hoje, a anestesiologia é de fundamental importância para o
sucesso de uma intervenção cirúrgica. O anestesista chegou a uma posição tal que,
apesar de fazer parte de uma equipe médica, ele não está subordinado ao
cirurgião. Ambos atuam paralelamente, tendo o anestesista, inclusive, o poder de
suspender a cirurgia caso julgue que as condições para a execução de um bom
procedimento anestésico não sejam favoráveis.
Por ter esse poder tão grande nas mãos, e devido à própria
natureza da especialidade, que envolve muitos riscos e pressões, haja vista que
uma anestesia mal conduzida pode deixar o paciente com seqüelas irreversíveis, o
anestesista é um dos profissionais mais visados quanto a sua responsabilidade civil.
Apesar de no Brasil ocorrerem um acidente anestésico a cada
5.000 operações,1 uma média relativamente baixa, quando isso acontece gera
muita polêmica, o que torna de fundamental importância o estudo da atuação do
anestesista e dos limites de sua responsabilidade para evitar eu injustiças venham
a ser cometidas com um profissional tão importante pra o sucesso de qualquer
intervenção cirúrgica.
2 – NOÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1. Responsabilidade Objetiva e Responsabilidade Subjetiva
Nos
casos
envolvendo
responsabilidade
civil,
é
de
suam
importância, conforme cada caso, averiguar se a culpa pode ou não ser considerada
elemento essencial da obrigação de reparar o dano. Diante disso, os estudiosos
dividiram a responsabilidade civil em objetiva e subjetiva.
Sílvio de Salvo Venosa diferencia a responsabilidade civil objetiva
da
subjetiva
apenas
pela
existência
ou
não
de
culpa,
alegando
que
a
responsabilidade só será objetiva, ou seja, sem culpa, se houver li expressa que a
autorize. Na ausência desta, a responsabilidade será subjetiva.2
A
responsabilidade
civil
subjetiva,
segundo Carlos
Roberto
3
Gonçalves, é aquela que se esteia na idéia de culpa. Para Gagliano & Pamplona, “a
Revista Veja, 02/05/1990
VENOSA. Sílvio de Salvo; Direito Civil, Vol. IV. 3ª Ed. São Paulo: Editora Atlas.
2003, p. 15
3
GONÇALVES; Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª Ed. São Paulo: Editora
Saraiva. 2003. p. 21
1
2
responsabilidade civil é a decorrente de dano causado em função de ato doloso ou
culposo.”4 Assim, qualquer conceituação de responsabilidade civil subjetiva deve
sempre var em conta a prova da culpa do agente para que o dano causado possa
ser indenizado. Caso contrário, a responsabilidade não se configura.
No tocante a responsabilidade objetiva, de acordo om Carlos
Roberto Gonçalves, “não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado
a reparar o dano.”5Gagliano e Pamplona argumentam que “o dolo ou culpa do
agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será
necessária a existência do elo da causalidade entre o dano e a conduta do agente
responsável para que surja o dever de indenizar.”6
Desta forma, é possível perceber que a culpa do agente não é
requisito necessário para se avaliar se o mesmo tem o dever de indenizar o dano
causado ou não. A responsabilidade objetiva pode ser dividida em:
a)pura: quando a configuração da culpa não é essencial, haja
vista que a responsabilidade se baseia no risco;
b)impura: quando a culpa é presumida, ou seja, está na lei.
Nesses casos, o ônus da prova invertido, devendo o autor provar
apenas a relação entre o ato praticado ou não pelo Ru e o dano resultante.
O Código Civil de 1916 adotou a teoria subjetiva, atribuindo ao
dolo ou culpa requisito essencial para a obrigação de reparação do dano, conforme
o disposto no art. 159. Todavia, o atual Código Civil subverteu essa máxima, sendo
extremamente objetivista. Tal mudança ocorreu porque o legislador passou a
entender que a culpa não tinha condições de elencar todos os casos de
responsabilidade, haja vista que a responsabilidade civil é uma matéria muito
vasta, que pode abranger as mais variadas situações.
Para resolver este impasse, o atual Código Civil, em seu art. 186,
define por ato ilícito o cometido pelo indivíduo que “por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direto e causar dano a outrem, ainda que
GAGLIANO. Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO. Rodolfo; Novo Curso de Direito Civil
Vol. III. 1ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 14
5
Op. Cit.
6
Op. Cit. P. 15 e 16
4
exclusivamente moral”. Por fim, em complementação a este dispositivo legal, o art.
927 dispõe que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.”
2.2. Obrigação de Meio e Obrigação de Resultado
Sempre que o indivíduo realiza atividade decorrente de sua
atuação profissional, haveremos de estar diante de uma responsabilidade civil
contratual. Isso ocorre porque o exercício de tal atividade implica na realização de
um negócio jurídico, onde o profissional se vê obrigado a efetuar obrigação
estabelecida com a outra parte que solicitou seus serviços.
Assim, torna-se essencial diferenciar as obrigações de meio das
obrigações de resultado já que ambas decorrem de um contrato pré-estabelecido
entre as partes.
Na obrigação de resultado, para Gagliano & Pamplona, “o devedor
se obrigado não apenas a empreender a sua atividade, mas, principalmente, a
produzir o resultado esperado pelo credor.”7
Neste tipo de obrigação, o profissional deve, além de praticar sua
atividade laborativas, atender os fins pretendidos por seu contratante, de modo a
cumprir o contrato assinado entre ambas às partes. Genival Veloso de França
entende que, na obrigação de resultado, “a prestação do serviço tem um fim
definido. Se não houver o resultado esperado, há inadimplência e o devedor
assume o ônus por não satisfazer a obrigação que prometeu.”8
Um exemplo claro disto ocorre quando um indivíduo contrata uma
transportadora para levar sua mobília para outra cidade para fins de mudança. Se a
transportadora não cumprir com o que foi pactuado, ou não o fizer no tempo
devido, ou durante o percurso danificar a mobília, ela responde civilmente por
quaisquer prejuízos causados.
7
Op. Cit., p. 229
FRANÇA, Genival Veloso de. Anestesia: Obrigação de Meio ou de Resultado? In:
BuscaLegis:http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/7027/pu
blic/7027-7026-1-PB.htm
8
DE acordo com Genival Vloso de França, na obrigação de meio há
“o compromisso da utilização de todos os recursos disponíveis para se ter um
resultado, sem, no entanto, a obrigação de alcançar esse êxito tão legítimo.”9
Para Gagliano & Pamplona, a obrigação de meio é ”aquela em que
o devedor se obriga a empreender a sua atividade, sem garantir, todavia, o
resultado esperado.”
10
Nela, o profissional pode exercer sua atividade sem a necessidade
de se comprometer em alcançar os fins desejados pela parte que o contratou.
Em geral, a atividade do médico e a do advogado ao consideradas
obrigações de meio visto que, em ambas, apesar de lhe serem exigidos que atuem
da melhor maneira possível e de acordo com as regras técnicas e científicas
adequadas, tais profissionais, pela natureza de suas profissões, não podem garantir
o resultado pretendido por seu contratante.
Entretanto, no tocante ao anestesista, isto é objeto de sérias
controvérsias no mundo jurídico, haja vista que há sérias dificuldades de ligar esta
especialidade da medicina a uma obrigação de meio ou de resultado.
2.3. Pressupostos da Responsabilidade Civil
Para
que
a
responsabilidade
civil
possa
ser
devidamente
configurada dentro do ordenamento legal, ela deve ser composta de quatro
elementos básicos:
a)Ação ou omissão: nesses casos a responsabilidade pode derivar
tanto de ato próprio quanto de atos de terceiro que estejam sob a guarda do
agente, até mesmo por danos causados por coisas ou animais que sejam de sua
propriedade.
A responsabilidade por ato próprio, segundo Carlos Roberto
11
Gonçalves , se faz ver nos casos de calúnia, difamação, injúria, cobrança de dívida
não vencida ou já paga e abuso de direito.
9
Op. Cit.
Op. Cit. P. 229
11
Op. Cit.. p. 32
10
Quanto à responsabilidade por atos de terceiro, ela se configura
nos seguintes relacionamentos: pais, tutores e curadores por seus filhos, tutelados
ou curatelados, educadores e hoteleiros por seus educandos ou hóspedes, os
farmacêuticos por seus prepostos, as pessoas jurídicas de direito provado por seus
empregados e as de direito público por seus agentes.
Quanto à responsabilidade por danos causados por coisas e
animais, a doutrina entende que esta é eminentemente objetiva, devido ao
aumento do número de acidentes envolvendo estes dois fatores.
b) Culpa ou dolo do agente: Carlos Roberto Gonçalves, citando
12
Savigny , define o dolo como “a vontade de cometer uma violação de direito, e a
culpa, na falta de diligência.”
Para que haja reparação do dano, a vítima deve, antes de tudo,
provar o dolo ou culpa strictu sensu do agente, característica básica da
responsabilidade subjetiva. Entretanto, na maioria das vezes, essa prova é
extremamente difícil de ser obtida, obrigando nosso ordenamento jurídico a
admitir, em algumas hipóteses, a responsabilidade sem culpa, ou seja, a
responsabilidade objetiva baseada na teoria o risco, incluindo casos de culpa
presumida.
A culpa, quanto a sua natureza ou extensão, pode ser grave (falta
imprópria praticada contra a vítima), leve (falta evitável com atenção ordinária) e
levíssima (falta evitável com atenção extraordinária).
Quanto à classificação, a culpa pode ser:
-in
eligendo:
quando
decorre
da
escolha
errônea
do
representante;
-in vigilando: quando se origina da falta de fiscalização;
-in committendo: quando decorre de uma ação;
-in omittendo: quando decorre de uma ação, quando havia o
edver de não se abster;
12
SAVIGNY, Le Droit dês Obligations, trad. Gerardin et JOzon, §82. APUD
GONÇALVES; Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª Ed. São Paulo: Editora
Saraiva. 2003. p. 32
-in custodiendo: quando se origina da falta de cuidados na guarda
de algum animal ou objeto.
c) Relação de causalidade: é basicamente a relação que interliga
a ação ou omissão o agente e o dano causado. Sem ela, não existe a obrigação de
indenizar, fazendo com que a responsabilidade civil perca o sentido. Havendo o
dano sem que sua causa esteja diretamente relacionada com o comportamento do
agente também inexiste a obrigação de indenizar.
d) Dano: é o prejuízo causado pela ação ou omissão do agnte.
Sem a sua ocorrência, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode
ser material ou moral, dependendo se o prejuízo afetou o patrimônio ou a honra e a
imagem da vítima.
3 – DA ANESTESIOLOGIA
3.1. Considerações Gerais
O controle da dor em operações cirúrgicas sempre foi uma das
grandes metas da medicina. Tais mecanismos remontam desde as primeiras
civilizações, mais notadamente aos egípcios que, segundo pergaminhos datados de
mais de quarenta séculos atrás, já utilizavam substâncias de natureza anestésicas
em seus procedimentos médicos.
Outras civilizações antigas também se preocupavam com o
controle da dor em procedimentos cirúrgicos e, para isso, empregaram diversos
produtos, como a papoula, folhas de coca, raiz de mandrágora, álcool e até
flebotomia para permitir que os cirurgiões operassem.13
Entretanto, em 1842, ao usar éter visando diminuir a dor em um
procedimento cirúrgico, Crawford Willianson Long criou o moderno conceito de
anestesia, transformando-o em uma especialidade autônoma e independente de
quaisquer procedimentos cirúrgicos.
Com os avanços tecnológicos propiciados pelo Século XX, a
anestesia tornou-se cada vez mais autônoma e sua importância cresceu dentro da
medicina. Atualmente, o anestesista, apesar de atuar junto a uma equipe médica, é
completamente independente quanto a seus procedimentos. Seu poder de decisão
13
Http://www.coopanest.com.br/?dest=história
é tanto que ele pode até interferir no trabalho do cirurgião e interromper a
operação caso haja alguma complicação que ponha em riso a ida do paciente.
Com tamanho poder em mãos, é natural que o anestesista esteja
sempre sob constante vigilância em casos de erros médicos, pois uma atitude
errada deste profissional compromete todo o ato operatório, representando,
conseqüentemente, risco para o paciente. Daí a importância para a delimitação da
responsabilidade civil do anestesista em capítulos específicos dos livros que tratam
de responsabilidade civil do médico.
Para que isso ocorra, é de fundamental importância que se
esclareça se a anestesia é uma finalidade em si ou um meio para que se chegue a
determinado
fim.
Tal
questionamento
gerou
sérias
controvérsias
entre
os
estudiosos, mas atualmente este estão chagando a um consenso sobre a segunda
alternativa.
3.2. Erros do Anestesista
Os erros que podem ser cometidos pelo anestesista, segundo
monografia elaborada por João Baptista de Oliveira14, são divididos em três tipos:
a) Erros de diagnóstico: referem-se a falhas envolvendo o
diagnóstico, onde o anestesista avaliado de maneira equivocada os riscos que os
pacientes podem vir a se submeterem, bem como a resistência ao pós-operatório.
Para que a anestesia seja bem sucedida, o profissional deve ter em mãos todos os
exames do paciente (sangue, urina, eletrocardiográfico, etc.) para que, a partir daí,
a anestesia possa ser feita sem maiores riscos.
b) Erros de terapêutica ou conduta: esse tipo de erro é mais
freqüentemente associado à negligência do anestesista, e ocorrem quando, por
exemplo, este deixa o paciente sem vigilância, haja vista que complicações podem
ocorrer seja no período pré-anestésico ou pós- anestésico, bem como quando o
anestesista não trata devidamente do estresse cirúgico-anestésico ou qualquer
outro quadro patológico.
SANT’ANNA, Guilherme Chaves. Responsabilidade Civil dos Médicos Anestesistas.
Buscalgis:http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/6883/publ
ic/6883-6882-1-PB.html
14
c) Erro de técnica: são os mais destacados o uso de anestésico
local em paciente hipersensível, uso inadequado de substância anestésica ou
oxigenação insuficiente (Durant a anestesia, a ventilação, oxigenação e circulação
devem ser avaliadas intermitentemente).
A Resolução 1802/2006 do Conselho Federal de Medicina, em seu
art. 1º, II, diz expressamente que o anestesista “para conduzir as anestesias gerais
ou regionais com segurança, deve o médico anestesiologista manter vigilância
permanente a seu paciente.”15
Desta forma, o anestesista, durante a realização do seu ofício,
como parte integrante da equipe médica, tem como dever fundamental permanecer
o tempo inteiro junto ao paciente, até que todos os efeitos da anestesia sejam
dissipados.
3.3. Da Atuação do Anestesista
Em virtude do que foi dito anteriormente, eventuais fracassos
envolvendo a anestesia tem uma repercussão enorme junto à sociedade. Miguel
Kfouri Neto, citando Aguiar Dias16, cita seis regras básicas a serem usadas por
todos os anestesistas de modo que o mesmo possa preservar sua responsabiliade:
a) Jamais o risco da anestesia pode ser maior que o da operação;
b) Não se praticar a anestesia sem o consentimento do
paciente17;
c) Nunca se deve anestesiar sem testemunhas;
d) O anestesista deve sempre proceder a exame prévio das
condições fisiopsiquicas do paciente, inclusive exames de laboratório e peças
dentárias;
e)
Não
deve
proporcionar
anestesia
a
operação
ilíita
ou
fraudulenta;
f) Jamais usar drogas anestésicas ou entorpecentes senão nas
condições imperativas e precisas para aliviar a dor.
15
http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1802_2006.htm
AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil, Vol.I, p. 296.296 APUD
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, 5ª Ed., São Paulo: RT.
2003, p. 144/145.
17
TJRS, Apelação Cível nº 597009992, Rel. Des. Paulo Augusto Monte Lopes, 5ª
Câmara Cível, julgado em 20/03/1997.
16
Apesar de algumas dessa regras não estarem devidamente
consagradas em lei, a violação das mesmas pressupõe atos de negligência,
imprudência, imperícia ou ate mesmos de torpeza. Todavia, a depender do caso e
das condições apresentadas ao anestesista, tais princípios não poderão ser
observados, vez que a preocupação de salvar a vida humana a qualquer custo
inerente ao ofício ad medicina pode dar margem a tais situações.
Assim existem casos, por exemplo, que a anestesia pode ser
praticada sem o consentimento do paciente ou de seus representantes legais.
Segundo Guilherme Chaves de Sant’Anna18, isso só ocorre em casos de eminente
perigo de morte, quando o paciente não pode manifestar sua vontade, ou frente ao
assim denominado “tratamento arbitrário”, quando o paciente ou seu representante
legal recusa uma intervenção inadiável, grave e imprescindível do anestesista,
devido a ignorância ou por sentimentos religiosos.
O anestesista, no entanto, rejeitam a primeira regra. Dependendo
do caso, o risco de anestesia pode tornar-se de fato maior que o da operação,
como, por exemplo, em casos onde o paciente é cardiopata, tem idade avançada e
precisa se submeter a um procedimento cirúrgico qualquer onde há necessidade de
indução anestésica e em demais oportunidades onde o anestesista é submetido a
grande estresse, como em cirurgias a céu aberto e de longa duração.
Devido a essas situações extremas e a natureza dos pacientes, os
riscos tornam-se muito elevados em relação ao que seriam se a cirurgia ocorresse
em circunstâncias normais, isto que a intervenção cirúrgica torna-se complicada e
longa, aumentando, conseqüentemente, o estresse do anestesista.
Miguel Kfouri Neto, citando Guilherme Chaves de Sant’Anna19,
afirma que o anestesista tem quatro obrigações fundamentais em relação ao
paciente:
a) Prepará-lo ara o ato e no campo médico e psicológico: o Art.
1º, I, da Resolução 1802/2006 é bastante enfático ao tratar do tema, dispondo que
18
Op. Cit.
SANT’ANNA, Guilherme Chaves. Responsabilidade Civil dos Médicos Anestesistas.
APUD KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, 5ª Ed., São Paulo:
RT. 2003, p. 145.
19
“antes da realização de qualquer anestesia, exceto nas situações de urgência, é
indispensável conhecer, com a devida antecedência, as condições clínicas do
paciente, cabendo ao médico anestesiologista decidir da conveniência ou não da
prática do ato anestésico, de modo soberano e intransferível”;20
b) Vigiar de perto seu estado durante a intervenção: tal ato
consiste na monitoração constante e intermitente dos efeitos da anestesia durante
a cirurgia, de modo a garantir que o paciente não sinta dor durante o processo
operatório, para que a cirurgia aconteça de forma tranqüila;
c) Evitar todas as complicações possíveis: tal tópico é um
desdobramento o anterior, onde tal vigilância deva ser fita de modo a evitar a
incidência de situações que prejudiquem o procedimento cirúrgico;
d) Após o ato cirúrgico, ajudá-lo a voltar a si: o anestesista deve
monitorar o paciente inclusive após a operação, com o objetivo de acordar o
paciente sem que o mesmo venha a sofrer seqüelas da anestesia.
Quanto
à
responsabilidade
civil
dos
anestesistas
perante
terceiros, devido a posição autônoma deste em relação à equipe médica, não pode
o cirurgião responder sozinho por quaisquer danos advindos antes, durante e
depois da intervenção cirúrgica, devendo, portanto, ambos responderem, conforme
o limite de suas responsabilidades.21
Segundo Miguel Kfouri Neto, a anestesia, quanto a sua aferição
de culpa, segue a seguinte equação:
Ação ou omissão culposa + relação de causalidade + dano =
responsabilidade civil indenizatória22
Desta forma, durante uma operação, o anestesista responde pelo
que ocorrer nos período pré e pós operatórios. A grande difiuldade eu sempre
houve nessa questão é separar a responsabilidade do cirurgião e o anestesista
durante a operação.
20
Op. Cit.
TJRS, Apelação Cível nº 70003343761, Rel. Des. Cacildo de Andrade Xavier, 6ª
Camara Cível, julgado em 18/12/2002.
22
Op. Cit. p. 147
21
Quanto à atividade deste profissional, este estará agindo de
forma devida em relação ao paciente se, durante sua atividade profissional, agir de
acordo com as normas técnicas universalmente consagradas na medicina,23 pois
assim evitará ser responsabilizado civilmente por imprudência, negligência ou
imperícia. Miguel Kfouri Neto reafirma isso ao defender que “o médico está
obrigado a aplicar todos os meios apropriados para obter a cura.”24
3.4. Caracterização da Atividade o Anestsista dentro da Responsabilidade
Civil
Uma das grandes questões envolvendo a responsabilidade civil do
anestesista tem sido como caracterizar esta atividade profissional, haja vista que,
para alguns estudiosos, teoricamente falando, a anestesiologia, sendo uma
especialidade da área médica, seria uma atividade de resultado, como todas as
outras. Entretanto, outra corrente, esta majoritária, discorda desta linha de
raciocínio, colocando a anestesia como obrigação de meio.
A obrigação de resultado é aquela onde o devedor assume junto
ao credor o compromisso de atingir um objetivo certo e determinado, ou seja, visa
a um fim específico.
Na obrigação de meio, isso não ocorre, já que o devedor não tem
a obrigação de atingir as metas do credor, e sim, tornar possível que as mesmas
sejam alcançadas.
O paciente, quando procura assistência médica, o faz visando a
ura para o mal que o aflige.
A anestesia, devido a sua própria essência, que é o controle da
dor, ao contrário dos outros ramos da medicina, não tem como objetivo curar
ninguém, e sim utilizar todos os meios disponíveis para suprimir a dor e facilitar a
intervenção cirúrgica.
Isto posto, atribuir a obrigação de resultado à anestesia, além de
ir contra um dos temas mais elementares da responsabilidade civil, atenta contra o
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Apelação nº 5325076/2000, publicado no D.O.U. em 12/06/2001.
24
Op. Cit. p. 146
23
“modus operandi” da anestesiologia. Ninguém procura um anestesista para tratar
do coração, fígado ou pulmão. É para isso que existem os especialistas da área e
são estes que tem que alcançar o objetivo pretendido pelo paciente.
Todavia, estes profissionais, na sua atuação, se valem da ajuda
de um anestesista para que esta, com seus conhecimentos, evite que o paciente
sinta dor durante o procedimento cirúrgico, facilitando que o especialista atinja o
objetivo pactuado com o paciente. A anestesia é a síntese da obrigação de meio.
Caso o paciente venha a sentir dor, ou resulte dano da mesma, Miguel Kfouri neto
dispõe que o profissional deve provar, enquanto médico, que não conseguiu atingir
seu objetivo “devido a interferência de fatores imprevisíveis e imponderáveis, por
uma súbita fatalidade, por aspectos subjacentes à saúde do paciente, que não
conhecia nem poderia conhecer, mesmo trabalhando com toda a diligência e
cuidado.”25
Já no que tange o anestesista, o profissional deve ser substituído
por outro colega, a ao mesmo deve ser dada toda a informação que o primeiro
possuía sobre o caso, bem como fornecido os dados e métodos aplicados e aceitos
pela ciência médica conhecido pelo anestesista, em virtude de sua formação
profissional.
Os doutrinadores modernos também seguem o mesmo raciocínio.
Sílvio de Salvo Venosa diz, de maneira bem suscita, eu a anestesia encerra uma
obrigação de meio, pois possibilita a intervenção cirúrgica.26
Gagliano & Pamplona também seguem a mesma posição ao
afirmarem que a finalidade da anestesia é “possibilitar a atiidade cirúrgica, pelo que
o elemento culpa deve ser provado, sendo hipótese de responsabilidade civil
subjetiva.”27
Genival Veloso de rança é categórico ao afirmar que a obrigação,
em se tratando da anestesiologia, “é de meio porque o objeto do seu contrato é a
própria assistência ao seu paciente, quando se compromete empregar todos os
recursos ao seu alcance, sem, no entanto, poder garantir sempre um sucesso. Só
pode ser considerado culpado se ele procedeu sem os devidos cuidados, agindo
25
26
27
Op. Cit. p. 146
Op. Cit. p. 103
Op. Cit. p. 236
com insensatez, descaso, impulsividade ou falta de observância às regras
técnicas.”28
4 – CONCLUSÃO
Boa parte dos procedimentos cirúrgicos aplicados hoje seriam de
extrema dificuldade, ou até mesmo inviáveis, sem que houvessem métodos de
controle da dor para possibilitar uma ação mais incisiva por parte do cirurgião. A
maioria destes procedimentos só pode ser executada mediante a ação do
anestesista, que, dependendo do contexto da cirurgia, pode até cancelar a
intervenção cirúrgica.
Devido a sua natureza distinta de outros ramos da medicina, o
profissional anestesista é encarado pelo paciente de maneira errônea como se ele,
ao lado do cirurgião, tivessem a obrigação de cuidar para que a cura seja
alcançada. Como foi visto anteriormente, esta obrigação cabe apenas ao cirurgião,
incumbindo ao anestesista apenas propiciar os meios para que tal finalidade seja
alcançada.
Desta forma, é impossível dissociar as atividades envolvendo a
anestesiologia da obrigação de meio. Atribuir a obrigação de resultado a este ramo
da medicina atenta tanto contra todos os seus princípios básicos quanto também
aos conceitos mais elementares da responsabilidade civil. A obrigação de meio lhe é
inerente e qualquer tentativa de lhe tirar essa prerrogativa é negar fundamentos de
ordem médica e jurídica.
Ao anestesista caberia apenas responder por seus atos no
tocante ao período pré e pós anestésico, além de vigiar e cuidar do paciente
durante a intervenção cirúrgica. Tal cuidado é necessário porque o profissional da
área, antes da operação, precisa se certificar que a anestesia surtiu efeito, até
mesmo para dar o seu aval para a continuação da mesma.
Tal vigilância também deve continuar durante a operação para
que o controle da dor possa ser feito com a devida presteza, facilitando o trabalho
do cirurgião. Até mesmo depois de terminada a cirurgia, o anestesista precisa ficar
ao lado do paciente para que o mesmo possa voltara a si sem maiores riscos.
28
OP. Cit.
Esses cuidados parecem ser excessivos, mas são de extrema
importância, pois um erro em todo esse procedimento pode deixar o paciente com
seqüelas para a vida inteira. Conseqüentemente, o anestesista só deve responder
civilmente em relação ao tempo em que o indivíduo ficou sob seus cuidados, ou
seja, nos períodos pré e pós anestésico e durante a operação, no tocante a
monitoração do estado do paciente em virtude da cirurgia, e não do ato cirúrgico
em si.
Isto posto, o anestesista só responderá pelo que for de sua
estrita
competência
e
de
acordo
com
suas
funções,
evitando-se
assim
interpretações equivocadas em relação à atividade deste profissional.
BIBLIOGRAFIA
VENOSA. Sílvio de Salvo; Direito Civil, Vol. IV. 3ª Ed. São Paulo: Editora Atlas.
2003.
GONÇALVES; Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª Ed. São Paulo: Editora
Saraiva. 2003.
GAGLIANO. Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO. Rodolfo; Novo Curso de Direito Civil
Vol. III. 1ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
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Da Responsabilidade Civil Dos Anestesistas à Luz do Novo Código