Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Escola Nacional de Botânica Tropical Estudo etnobotânico de plantas de uso medicinal e místico na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Rúbia Graciele Patzlaff 2007 Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Escola Nacional de Botânica Tropical Estudo etnobotânico de plantas de uso medicinal e místico na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Rúbia Graciele Patzlaff Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Botânica, Escola Nacional de Botânica Tropical, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Botânica. Orientadora: Ariane Luna Peixoto Rio de Janeiro 2007 ii iii P322e Patzlaff, Rubia Graciele Estudo etnobotânico de plantas de uso medicinal e místico na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, Brasil / Rubia Graciele Patzlaff . – Rio de Janeiro, 2007. xiv, 124f. : il. Dissertação (mestrado) – Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro/Escola Nacional de Botânica Tropical, 2007. Orientadora: Ariane Luna Peixoto Bibliografia. 1. Etnobotânica. 2. Plantas Medicinais. 3. Pedra de Guaratiba (RJ) 4. Rio de Janeiro (Estado). I. Título. II. Escola Nacional de Botânica Tropical. CDD 581.63 iv Dedico este trabalho à Serra da Capoeira Grande e aos moradores de seu entorno. Que as linhas escritas aqui, que mostram um pouco da beleza e do potencial do conhecimento existente na região, possam servir de inspiração e sensibilização para que providências sejam tomadas em relação aos problemas ali existentes. v “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, Capítulo VI - Do Meio Ambiente vi Ó garrafada das ervas maceradas do breu das brenhas Se adonai de mim e do meu peito lacerado Ó senhora dos remédios ó doce dona ó chá ó unguento ó destilado ó camomila ó belladonna ó phármakon Respingai grossas gotas de vossos venenos ó doce dona ó camomila ó belladonna Serenais minhas irremediáveis pupilas dilatadas Ó senhora dos sem remédios Domai as minhas brutas ânsias acrobáticas Que suspensas piruetam pânicas nas janelas do caos Se desprendem dos trapézios E, tontas, buscam o abraço fraterno e solidários dos espaços vácuos Ó garrafada das maceradas ervas do breu das brenhas Adonai-vos do peito lacerado e do lenho oco que ocupo. FEITIO DE ORAÇÃO (Poema de Wally Salomão/CD Cânticos Preces e Súplicas à Senhora dos Jardins do Céu, Maria Bethânia) vii AGRADECIMENTOS Ao meu marido, Elielton Resende Coelho, por toda força e incentivo para recomeçar um mestrado e por toda paciência durante este processo, até agora no final (que diga-se de passagem, é a parte mais difícil de se aturar um mestrando!!), conseguiu manter o bom humor me chamando “carinhosamente” de M.M. - Mulher Monografia!!! À minha orientadora, Ariane Luna Peixoto, pela confiança e coragem em aceitar uma “aspirante a parasitologista molecular” para fazer um trabalho em etnobotânica”! Ao Giovanni Battista Antonio Lucente Gazzo e à Fernanda Fracalanza, pela amizade e pelo apoio, sem os quais muito provavelmente este trabalho não teria tanto êxito; Aos informantes, pessoas maravilhosas, a alma deste trabalho, pela confiança, pelo carinho, e por toda contribuição! À Inês Machline, doutoranda da Escola Nacional de Botânica Tropical e professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pela grande ajuda e pela força em todos os momentos; Ao Grupo de Estudos de Etnobotânica, que está conseguindo reunir pessoas e profissionais muito bons, pela troca de experiência que tem sido maravilhosa, Juliana Posse, Dra. Maria Carmem Pirassinunga Reis, Paulo Henrique Oliveira Leda, Ivone Manzali e a todos do grupo, obrigada! Ao grupo do Módulo do Programa de Saúde da Família do Jardim Cinco Marias, em especial à enfermeira Silvia Regina Maurílio Lima, pelo aprendizado e pela amizade; Ao grupo da disciplina Etnobotânica do Museu Nacional, incluindo a professora Mara Zélia de Almeida, da Universidade Federal da Bahia, pela imensa ajuda em todas as minhas infindáveis dúvidas, e pelas sugestões e críticas, além claro da agradável convivência; viii À professora Luci Vale Senna, do Museu Nacional, que além de ter coordenado a disciplina acima que foi incrível, contribui muito também sendo revisora da prévia desta dissertação; Á professora Regina Helena Potsch Andreata, da Universidade Santa Úrsula, pela contribuição tanto no meu projeto de mestrado quanto na finalização deste. Aos especialistas em taxonomia do Jardim Botânico e a Carlos Henrique Reif de Paula (Caíque), Universidade Santa Úrsula e Fátima Regina Gonçalves Salimena, Universidade Federal de Juiz de fora, pelas identificações dos grupos Loranthaceae e Verbenaceae respectivamente; Aos companheiros de mestrado Maria Otávia Crepaldi, Rodrigo Borges, Felipe de Araújo Pinto Sobrinho e Marcos Gonzales, pelas trocas de informações, pela companhia e pelos desabafos; Aos colegas de turma do mestrado pela convivência muito bacana nas disciplinas, pelos almoços, conversas, trocas de desesperos e desabafos (rs...) e pelas sugestões no trabalho. Este trabalho é dedicado a todos vocês, pessoas que acreditaram nele e deram todo seu apoio. O meu MUITO OBRIGADA a todos vocês!!! ix RESUMO A Serra da Capoeira Grande, em Pedra de Guaratiba, é uma das duas áreas de proteção ambiental (APA) desta localidade. Pedra de Guaratiba é o principal núcleo urbano do bairro de Guaratiba, localizado na Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro. A APA da Serra da Capoeira Grande, em processo de regulamentação, é um importante remanescente de floresta atlântica de baixada que possui espécies ameaçadas de extinção entre as quais o pau-brasil. A expansão urbana em direção à Zona Oeste vem alterando o perfil dos moradores do entorno da Serra da Capoeira Grande, antes predominantemente pequenos agricultores, hoje convivendo com pessoas que optaram por sair dos grandes centros urbanos em direção a áreas menos urbanizadas. Este trabalho objetivou conhecer e registrar o saber sobre as plantas de uso medicinal e místico dos moradores do entorno da APA da Serra da capoeira Grande e sua relação com o ambiente. A pesquisa de campo foi realizada entre junho de 2005 e setembro de 2006 através de entrevistas abertas e caminhadas pelos quintais de 10 moradores (seis homens e quatro mulheres). A escolha dos informantes foi realizada através da técnica bola-de-neve, a partir de contato inicial com a associação de moradores local. A idade dos informantes variou entre 40 e 77 anos e todos eles concordaram em gravar as entrevistas. Foram indicadas como de uso medicinal e/ou místico 114 espécies botânicas pertencentes a 42 famílias. Espécimes foram coletados, identificados e depositados no herbário RB do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. As famílias que apresentaram o maior número de espécies foram Lamiaceae (13) Asteraceae (9), Solanaceae e Leguminosae (6). Entre as espécies medicinais indicadas encontram-se plantas nativas dos ecossistemas locais, subespontâneas e cultivadas. Entre as primeiras destacam-se: aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi), ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa (Mart.ex DC.) Standl. ), carobinha (Jacaranda puberula Cham.) e cincofolhas (Sparattosperma leucanthum (Vell.)Schum.); entre as subespontâneas a erva-desanta-maria (Chenopodium ambrosioides L.), picão (Bidens pilosa L.), parietária (Acalypha comunis Mull. Arg.), quebra-pedra (Phyllanthus niruri L. e P. tenellus Roxb.); e entre as exóticas, eucalipto (Eucaliptus citriodora Hook) e colônia (Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm.). As espécies mais citadas foram erva-cidreira (Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson) e capim-limão (Cymbopogon citratus Stapf.). As folhas e a decocção como forma de preparo foram as mais utilizadas. Os moradores cultivam e incentivam plantas de uso medicinal e místico em seus quintais, utilizando-se muito pouco de canteiros específicos para tal finalidade ou vasos. As plantas místicas foram bem representadas pela família Lamiaceae. A espécie medicinal mais versátil e a de maior importância relativa (IR=2) foi Schinus terebinthifolius e as doenças mais tratadas com plantas foram as infecciosas e parasitárias. Lippia alba (CUP=85,7%;como calmante) e Chenopodium ambrosioides (CUP=70%; contra vermes) foram as plantas com maior Concordância de Uso Principal. Os resultados mostram que o conhecimento dos informantes está bem consolidado e reforça a necessidade de conhecer e preservar o conhecimento desta população, principalmente tendo em vista o fato de que a importância dos quintais parece diminuir na comunidade, com a pressão de urbanização. Desta forma, com o passar do tempo, poderá ser perdido um acervo de conhecimento valioso para a nossa geração e para as gerações futuras, referente à relação homem-natureza. Palavras-chave: Etnobotânica, plantas medicinais, conhecimento popular, quintais. x ABSTRACT Serra da Capoeira Grande is one of two Environmental Protection Areas in Pedra de Guaratiba, the main urban core of Guaratiba quarter, located in the western region of Rio de Janeiro city. The Serra da Capoeira Grande Environmental Protection Area, under regulamentation process, is an important remnant of the Lowlands Atlantic Rain Forest, which presents extinction threatened species including brazilwood. Urban expansion towards western region of the city is altering the profile of the population residing around Serra da Capoeira Grande, which used to be mainly composed by small farmers, and currently is cohabiting with people who decided to leave big urban centers towards less urbanized areas. This work aims to experience and record the knowledge of the residents around the Serra da Capoeira Grande Environmental Protection Area about medicinal and mystic plants uses and their relantionship with the environment. The field research was conducted from june/2005 to september/2006 through open interviews and walks in the homegardens of 10 local inhabitants (six males and four females). The selection of the informers was done through snowball technique, started in an inicial contact with the local residents association. Informers age ranged from 40 to 77 years old and all of them agreed to have their statements recorded in interviews. A total of 114 botanical species, belonging to 42 families, were indicated as medicinal or mystic use. Specimens were collected, identified and deposited in the RB herbarium. Families presenting the greater number of species were Lamiaceae (13) Asteraceae (9), Solanaceae e Leguminosae (6). Among the medicinal plants indicated, from local ecosystems natives, subspontaneous and cultivated plants are encountered. The main native species were aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi), ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa (Mart.ex DC.) Standl. ), carobinha (Jacaranda puberula Cham.) and cinco-folhas (Sparattosperma leucanthum (Vell.)Schum.); the main subspontaneous: erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides L.), picão (Bidens pilosa L.), parietária (Acalypha comunis Mull. Arg.), quebra-pedra (Phyllanthus niruri L. and P. tenellus Roxb.); and among the exotic plants, the main were: eucalipto (Eucaliptus citriodora Hook) and colônia (Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm.). The most cited species were erva-cidreira (Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson) and capim-limão (Cymbopogon citratus Stapf.).Leaves and the way of preparation by decoction were the most used ones. Residents cultivate and encourage mystic and medicinal useful plants in their homegardens, with little use of plots or vases for this specific purpose. Mystic plants are well represented by the Lamiaceae family. The most versatile and important (IR=2) medicinal species was Schinus terebinthifolius and the most frequent illnesses treated with plants were the infectious and parasitic ones. Lippia alba (CUP=85,7%; as tranquilizer) and Chenopodium ambrosioides (CUP=70%; against worms) were the plants with the greater Principal Use Concordance Index. The results show that informers knowledge is consolidated and reinforces the need of knowing and preserving this population's knowledge, mainly considering the fact that homegardens importance seems to decrease in the community, with the urbanization pressure. By this way, as time goes by, a precious knowledge collection for us and future generations about the relation human-nature may be lost. Key-words: Ethnobotany, medicinal plants, popular knowledge, homegardens. xi Lista de Figuras Figura 1 - Localização de Pedra de Guaratiba no Município do Rio de Janeiro e da 12 Comunidade da Capoeira Grande. Figura 2 - APA da Serra da Capoeira Grande e entorno. Adaptado de Google Earth: 13 http:// earth.google.com. Acesso em 27/09/2006. Figura 3. APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. 13 Figura 4a,b - Prospecto de vendas de lotes no Jardim Garrido em 1955. 23/24 Figura 5. Partes das plantas empregadas na preparação de remédios caseiros ou de uso 38 místico, na comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 6. Formas de emprego nas preparações de remédios caseiros, ou místicas na 38 comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 7 - Croqui de quintal da informante 1 do entorno da Serra da Capoeira Grande, 54 Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 8. Croqui do quintal da informante 2 do entorno da Serra da Capoeira Grande, 55 Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 9. Croqui do quintal da informante 3 do entorno da Serra da Capoeira Grande, 56 Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 10. Croqui do quintal do informante 4 do entorno da Serra da Capoeira Grande, 57 Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 11. Croqui do quintal da informante 5 do entorno da Serra da Capoeira Grande, 58 Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Figura 12. Quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da 59 Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro: A. Cajueiro; B. Aroeira; C. Plantas em vasos; D. Vista geral de um quintal; E. Mangueira e milharal; F.Ornamentais; G.Ornamentais na entrada; H. Canteiro de boldo-do-chile. Figura 13. Algumas plantas de uso medicinal e místico citadas pelos moradores do 60 entorno da APA da Serra da Capoeira Grande. A.Pinhão-roxo; B.Colônia; C.Ervamacaé; D. Algodão; E. Erva-de-santa-maria; F.Erva-cidreira; G.Vidros dona Zelinda; H. Erva-doce; I.Cajueiro. Figura 14. Categorias de doenças mais tratadas com plantas, citadas pelos informantes 98 da Capoeira Grande, Rio de Janeiro, segundo a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005). Ver códigos no Tabela 1. Lista de Tabelas xii Tabela 1. Classificação Internacional de doenças, injúrias e causas de morte 19 (WHO, 2003) Tabela 2. Informantes e respectivas idades, níveis de escolaridade e tempo de 27 residência na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro. Tabela 3. Lista de espécies medicinais e místicas citadas por moradores do 39 entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ (me. medicinal, mi. mística, fo. folha, fl. flor, pl. planta inteira, muc. mucilagem, ra. raiz, cas. casca, sem. sementes, fr. fruto, cas/fr. casca do fruto, br/fo. broto das folhas; E. espontânea; C. cultivada; 1. comprada; 2. entorno do bairro; 3. APA da Serra da Capoeira grande; 4. entorno da APA; 5. quintal). Tabela 4. Plantas místicas citadas pelos informantes da Capoeira Grande, Pedra 71 de Guaratiba, Rio de Janeiro. Tabela 5. Plantas de uso medicinal citadas pelos informantes do entorno da 85 APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, em ordem alfabética de nome popular e classificadas de acordo com a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005). Tabela 6. Importância Relativa das espécies citadas por mais de 2 informantes 101 da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Tabela 7 - Concordância de uso principal para espécies medicinais e místicas 104 citadas por mais de 2 informantes da Capoeira Grande, por ordem crescente da CUPc (CUP=concordância quanto ao uso principal; Fc= fator de correção; CUPc=concordância de uso principal corrigida). xiii SUMÁRIO Lista de Figuras Lista de Tabelas 1. INTRODUÇÃO 1.1. A utilização das plantas pelo homem 1.2. A Etnobotânica 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Área de Estudo 2.2. Metodologia de trabalho 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Caracterização da área de trabalho 3.1.1. Histórico 3.1.2 Caracterização dos informantes 3.1.2.1. Relação com o ambiente e com as plantas, e a transmissão do xii xiii 1 1 5 9 9 14 20 20 20 25 27 conhecimento 3.2. Plantas utilizadas e suas indicações 31 3.3.Caracterização e organização das plantas nos quintais dos informantes 50 residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande 3.4. As plantas nas crenças e religião: influências observadas na Capoeira Grande 61 3.5. Formas de Preparo de remédios caseiros na Capoeira Grande 74 3.6. Análises quantitativas 83 3.6.1. Importância relativa (IR) 99 3.6.2. Concordância de Uso Principal (CUP) 103 4. CONCLUSÕES 110 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 113 ANEXOS 125 xiv 1. INTRODUÇÃO 1.1 A utilização das plantas pelo homem No curso de sua história, o ser humano acumulou informações sobre o ambiente que o cerca e, sem dúvida, esse acervo baseou-se na observação dos fenômenos e características da natureza e na experimentação empírica desses recursos. A preocupação com a descoberta e resgate do conhecimento referente ao uso que outros povos fazem dos elementos de seu ambiente natural, vem desde a Antigüidade. Neste, inserem-se os saberes relativos ao mundo vegetal. Com o avanço da ciência, principalmente da Arqueologia e Antropologia foram possíveis descobertas de verdadeiras farmacopéias ligadas a uma determinada cultura ou civilização. Exemplos destes fatos são documentos escritos em placas de barro, atualmente conservados no British Museum, onde se encontram registrados, em caracteres cuneiformes por ordem do rei assírio Ashurbanipal, documentos suméricos e babilônicos, datando alguns mais de 3000 anos antes da era Cristã. Destas placas várias receitas foram traduzidas, como o uso da beladona, fonte de atropina, do cânhamo da índia, a Cannabis sativa L. indicada para dores em geral, bronquite e insônia. Em uma destas placas há a descrição da coleta do “Gil”, que significa prazer, em referência à coleta e uso ritual da papoula, Papaver somniferum L. (Almeida 1993; Almeida 2003). No código de Hamurabi, já se descreve o ópio, o gálbano, a assafétida, o meimendro e muitos outros produtos vegetais (Cunha 2005). Outro documento escrito, o papiro decifrado em 1873 pelo egiptólogo alemão Georg Ébers, apresenta a seguinte frase introdutória: “Aqui começa o livro relativo à preparação dos remédios para todas as partes do corpo humano”. Este papiro representa o primeiro tratado médico egípcio conhecido, datado de aproximadamente 1500 anos antes da era Cristã em que, parte de seu texto é destinado ao tratamento das doenças internas e o restante dá indicações sobre a constituição dos medicamentos a serem empregados (Cunha 2005). Desta forma o mundo tomou ciência de uma farmacopéia egípcia contendo a descrição de espécies vegetais como a mirra, de uso adstringente e antiinflamatório, o látex do olíbano, para inflamações bucais, o sândalo como antidiarréico. A papoula, fonte do ópio era chamada de “remédio para acabar com a choradeira”. Uma outra grande fonte histórica é a Bíblia Sagrada (Almeida 1993; Almeida 2003; Cunha 2005). 1 xv Nas culturas chinesa e indú, o conhecimento sobre as plantas também se estende por milênios. Na China é célebre a obra denominada Pent Ts´ao, escrito pelo herborista chinês Shen Nung, datado de 2800 antes da era Cristã. É constituída de vários volumes onde existem referências a inúmeros fármacos, entre os quais a Ephedra, que só entrou na terapêutica dos povos de cultura ocidental já no final do século XIX. A Índia foi considerada por alguns autores como o “Eldorado dos Medicamentos Ativos”, pela riqueza de sua flora medicinal. Comercializava drogas vegetais provavelmente desde 2500 anos antes da era Cristã, seu maior legado está citado nos Vedas, principalmente em sua parte “Athatva Veda”, e na tradição dos sábios “Vaidya”, no império do Vale do rio Indo, a noroeste da Índia (Almeida 2003; Cunha 2005). Em relação a civilizações mais recentes, clássicas, uma contribuição importante é dada pelos povos helênicos, que ao receberem dos persas muitos produtos orientais, tiveram grandes médicos como Hipócrates, o “pai da medicina”, Galeno que criou formas farmacêuticas, sendo que algumas são precursoras das que ainda são usadas hoje e Teofrasto que, com a sua “História das plantas”, deixa descrições botânicas muito precisas, acompanhadas de indicações sobre efeitos tóxicos e propriedades curativas. Contudo, quem posteriormente se destaca no campo das plantas medicinais é Dioscórides, que, ao acompanhar os exércitos romanos na Península Ibérica, no Norte de África e na Síria, recolhe abundante informação sobre plantas dessas regiões. Escreve o tratado “De Materia Medica” que representa um marco histórico no conhecimento de numerosos fármacos, muitos dos quais ainda hoje são usados. Nele, se descrevem cerca de 600 produtos de origem vegetal, animal e mineral, com indicações sobre o seu uso médico. Foi tal a projeção da obra de Dioscórides que, tendo sido escrita no ano 78 da nossa era, passa a ser usada como guia de ensino no mundo romano e no árabe, continuando em vigor até final da Idade Média, sendo feitas ainda no século XV cópias em latim dessa obra. Acredita-se que a matéria-médica, transformada em disciplina didática, deu origem à moderna Farmacognosia (Almeida 2003; Cunha 2005). Com a queda do império Romano, a Europa atravessou um longo período de obscurantismo científico entre os séculos V e XV, a chamada Idade Média. Neste mesmo período, de forma paralela, o mundo árabe emergiu com grande atividade científica, surgindo a “Medicina Árabe”. Estes, ao dominarem a partir do século VIII o comércio do oceano Índico e os caminhos das caravanas provenientes da Índia e da África, tiveram acesso a muitas plantas dessas regiões, tais como o ruibarbo, a cânfora, o sândalo, a noz moscada, o tamarindo e o cravinho. Destaca-se, no século XIII, o médico árabe Ibn Al 2xvi Baitar, de Granada, que na sua enciclopédia médico-botânica “Corpus simplicium medicamentarium” incorpora os conhecimentos clássicos e a experiência árabe, caracterizando mais de 2000 produtos, dos quais cerca de 1700 são de origem vegetal (Almeida 2003; Cunha 2005). Ibn Sina, conhecido como Avicena, considerado o maior filósofo do Islamismo e "o Filósofo dos Árabes", também se destaca neste período. Atribui-se a Avicena cerca de duzentas obras. Muitas destas, na área da medicina, foram utilizadas na Idade Média. O Livro de cura é uma delas, enciclopédia composta de 18 volumes, abrange metafísica, matemática, psicologia, física, astronomia e lógica. Outra obra foi o Cânon de Medicina, em cinco volumes: o volume I trata dos princípios gerais da medicina; o volume II aborda a maneira de determinar a natureza dos remédios e uma lista de 760 produtos farmacêuticos; o volume III aborda a etiologia, sintomas, diagnósticos, prognósticos e o tratamento sistemático das doenças; o volume IV trata das enfermidades em geral; e o volume V é um formulário que contém prescrições para diversas doenças. O Cânon de Medicina foi traduzido para o latim no final do século XII e foi estudado nas universidades européias até o século XVII. Através da península Ibérica os conhecimentos árabes ganharam toda a Europa, quando novas drogas foram introduzidas na terapêutica européia (Iskandar 1999; Almeida 2003, Grandes Cientistas muçulmanos 2006). Com o Renascimento, o charlatanismo e o empirismo da medicina e da farmácia da Idade Média, cedem lugar, pouco a pouco à experimentação, ao mesmo tempo em que vão sendo introduzidos na terapêutica novas drogas vegetais, com a chegada dos nossos antepassados à África, à Índia e ao Brasil e, dos espanhóis, aos outros países da América do Sul (Cunha 2005). A medicina popular brasileira formou-se e desenvolveu-se devido à confluência de três correntes básicas: a cultura negra africana, a indígena e a européia. Atualmente é muito difícil identificar tais influências, já que o contato entre estas culturas tem sido uma característica fundamental da formação social brasileira (Almeida 2003; Camargo 2000, 2005). No livro Medicinal Plants of Brazil (Mors et al. 2000) pode ser encontrado um interessante histórico da herança cultural do uso das plantas medicinais pelos índios e primeiros colonizadores, assim como uma compilação dos primeiros trabalhos realizados com as plantas medicinais brasileiras. Os negros africanos vieram como escravos para o Brasil, trazendo espécies vegetais que se adaptaram bem neste país e tornaram-se espontâneas, como a mamona, o dendê, o quiabo, o inhame, o tamarindo e a jaca. Os libertos e seus descendentes, que voltaram às 3xvii terras de origem, levaram milho, guiné, pinhão branco, batata doce, fumo e algumas espécies de Annona (pinha, fruta do conde, gravilola) (Almeida 2003). Os primeiros colonizadores chegaram ao Brasil, no séulo XVI, trazendo com eles as missões religiosas que desempenhavam trabalhos de catequese junto aos habitantes nativos das terras conquistadas. Neste fato têm início as primeiras relações interculturais (Camargo 1998). Alguns naturalistas que acompanhavam as expedições exploratórias às terras do Novo Mundo se referiam às plantas, sem, contudo, contextualizar seu manejo pelas sociedades consideradas primitivas, tais como observado em Thevet (Pires 1984), outros, entretanto, relatam alguns dados sobre o uso e manejo de plantas. Assim, comerciantes, missionários, antropólogos e naturalistas registraram os usos de plantas por culturas diferentes daquelas presentes no continente europeu (Davis 1995). No Brasil, no período da colonização holandesa no Nordeste (no século XVII), Wilhelm Piso e Georg Marggraf, coletaram plantas e registraram usos conhecidos pelos habitantes locais; estes espécimes constituem as primeiras plantas herborizadas do país (Moulin et al, 1986; Peixoto 1999). Os alemães J. B. von Spix e Carl F. P von Martius, no início do século XIX, fizeram notas do uso de plantas pelos indígenas e outros grupos humanos, este último dedicando-se especialmente a documentação da flora brasileira, sendo farta a documentação em espécimes herborizados e publicações (Spix e Martius 1938; Martius 1979; Emmerich 1994). Com o desenvolvimento da ciência médica, as plantas medicinais passam a ser associadas a profissões, principalmente à farmacêutica. O impulso tecnológico gerado pelos investimentos internacionais durante a Segunda Guerra Mundial, leva as indústrias multinacionais a colocarem no mercado novos medicamentos que superam os fitoterápicos em rapidez e eficiência de cura e também na agilidade de produção, e com isso, o mercado de plantas medicinais tem seu declínio (Almeida 2003). Porém, o uso das espécies vegetais com fins de tratamento/cura de doenças/sintomas se perpetuou na história da civilização humana. Inicialmente através da transmissão oral e posteriormente através de documentos manuscritos, o ser humano foi acumulando informações sobre plantas com uso medicinal e descrevendo seus valores terapêuticos através de muitos séculos, até chegar aos dias atuais. Hoje, vê-se um crescente interesse pelo uso de plantas medicinais, sendo amplamente utilizadas por grande parte da população mundial como eficaz fonte terapêutica. O estudo científico das plantas medicinais constitui um dos programas prioritários da Organização Mundial da Saúde 4xviii (OMS), como parte do programa “Saúde para Todos no Ano 2000”. Segundo a OMS, 80% da população mundial se utiliza de plantas medicinais tradicionais para suprir suas necessidade de assistência médica primária (WHO 1978; Almeida 2003). 1.2. A Etnobotânica Em 1895 o americano J. W. Harshberger designou formalmente o termo Etnobotânica, como sendo o estudo de plantas usadas por povos primitivos e aborígines e, por força desta definição inicial, durante muito tempo foi entendida com base neste conceito (Amorozo 1996). Porém, para Amorozo (1996), Harshberger só apontou maneiras pelas quais a etnobotânica poderia servir à investigação científica. Para Prance (1995) foi a partir dos trabalhos de Carl Linnaeus que se inicia a história da etnobotânica, porque seus diários de viagens continham dados referentes às culturas visitadas, os costumes de seus habitantes e o modo de utilização das plantas. Em 1886, Alphonse de Candolle publica “Origin of cultivated plants”, onde dados etnobotânicos foram empregados nos estudos sobre a origem e distribuição de plantas cultivadas (Albuquerque 2002). Segundo Martin (1995), a Etnobotânica é a ciência que estuda as interações entre populações humanas e as plantas, assim como investiga novos recursos vegetais. Uma definição mais completa é dada por Alexiades (1996), onde diz que a Etnobotânica compreende o estudo das sociedades humanas, passadas e presentes, e suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais com as plantas. Atualmente, com base nos trabalhos já realizados, pode-se entender a Etnobotânica como sendo o estudo das inter-relações (materiais ou simbólicas) entre o ser humano e as plantas, devendo-se somar a este os fatores ambientais e culturais, bem como os conceitos locais que são desenvolvidos com relação às plantas e ao uso que se faz delas (Ming et al. 2002). A prática etnobotânica recebeu diferentes enfoques com o passar do tempo, cada qual refletindo a formação acadêmica dos pesquisadores envolvidos. Sendo de natureza interdisciplinar, permitiu e permite agregar colaboradores de diferentes ciências, com enfoques diversos como o social, cultural, da agricultura, da paisagem, da taxonomia popular, da conservação de recursos genéticos, da lingüística e outros (Ming et al. 2002). 5xix Existem duas linhas filosóficas distintas dentro da etnobotânica: a escola dos países do Norte e as do Sul. As escolas dos países do Norte possuem como principal objetivo descobrir espécies que possibilitem novos mercados e/ou patenteamento de princípios ativos. Já as do Sul, procuram o conhecimento da biodiversidade regional para a manutenção do meio ambiente (Lima & Guedes-Bruni 1996). A Etnobotânica hoje tem merecido destaque devido ao crescente interesse pelos produtos naturais. No entanto, a degradação dos sistemas de vida tradicionais que acompanha a devastação do ambiente e a intrusão de novos elementos culturais, ameaça muito de perto um acervo de conhecimentos empíricos e um patrimônio genético de valor inestimável para as gerações futuras (Amorozo & Gély 1988). Pesquisas nesta área facilitam a determinação de práticas apropriadas ao manejo da vegetação com finalidade utilitária, pois empregam os conhecimentos tradicionais obtidos para solucionar problemas comunitários ou para fins conservacionistas (Beck & Ortiz 1997). Aplica-se o termo “conhecimento tradicional” para referir-se ao conhecimento que o povo local, isto é residentes da região sob estudo, conhece sobre o ambiente natural (Martin 1995). Podem ainda subsidiar trabalhos sobre o uso sustentável da biodiversidade através da valorização e do aproveitamento do conhecimento empírico das sociedades humanas, a partir da definição dos sistemas de manejo, incentivando a geração de conhecimento científico e tecnológico voltados para o uso sustentável dos recursos naturais (Fonseca-Kruel & Peixoto 2004). Neste sentido, Schultes & Reis (1995) listam alguns aspectos de contribuição da etnobotânica para o progresso da ciência: proteção de espécies vegetais em perigo de extinção; registro do conhecimento sobre os vegetais das culturas que estão em perigo de desaparecimento; domesticação de novas plantas úteis e conservação de germoplasma de plantas de importância econômica. Estudos etnobotânicos, especialmente os referentes à plantas de uso medicinal, são importantes no Brasil uma vez que seu território abriga uma das floras mais ricas do globo, da qual 99,6% é desconhecida quimicamente (Gottlieb et al. 1996). A forte pressão antrópica que os ecossistemas vêm sofrendo tem levado à perda de extensas áreas verdes, da cultura e de tradições das comunidades que habitam estas áreas, que dependem de recursos do meio para sobreviver. Estes fatores demonstram a necessidade de continuar desenvolvendo estudos sobre Etnobotânica e Botânica Econômica no Brasil (Fonseca & Sá 1997). 6 xx Neste sentido, órgãos mundiais estão se mobilizando, como é o caso das “Diretrizes sobre Conservação de Plantas Medicinais”, elaboradas pela OMS, IUCN e WWF, objetivando estabelecer um marco para a conservação e o uso sustentável das plantas medicinais (OMS, IUCN &WWF 1993) Estudos desta natureza tornam-se ainda mais necessários na zona costeira brasileira, onde os diversos ecossistemas que a compõem, como manguezal, restinga, mata atlântica e estuários vêm sendo fortemente impactados devido às atividades de especulação imobiliária e expansão urbana. Fonseca & Sá (1997) constataram que os trabalhos sobre Etnobotânica e Botânica Econômica desenvolvidos entre 1985 e 1995 além de serem em número reduzido, concentraram-se predominantemente no Estuário Amazônico e na região Sudeste. Os recursos da biodiversidade são fundamentais para o desenvolvimento econômico, social e cultural das sociedades humanas. O homem faz uso das plantas, pela necessidade de sobrevivência, desde o início da civilização, levando a descoberta de possíveis aplicações terapêuticas de determinadas espécies (Ribeiro 1996). A transmissão oral do conhecimento sobre este uso por sociedades humanas é praticada a gerações. Porém, o processo de aculturação, onde as novas gerações buscam meios mais modernos de comunicação, causa a perda desta tão valiosa transmissão oral. Outro fator que se soma a esta perda cultural é a destruição do habitat natural onde estão inseridas estas sociedades (Brito & Brito 1996). O Estado do Rio de Janeiro, anteriormente ao descobrimento, possuía uma área florestada que cobria cerca de 97% de seu território. Em 500 anos de diferentes ciclos econômicos, baseados essencialmente na exploração de recursos naturais, acarretaram enormes perdas na área anteriormente coberta por mata atlântica. Hoje esta se resume a fragmentos isolados que, somados, perfazem 7.346,29 km ², ou seja, cerca de 17,10% da cobertura original (SEMA 2001). Estudos sobre a composição florística de fragmentos florestas, vêm sendo realizados no Estado do Rio de Janeiro. Peixoto et al. (2004) citam 19 trechos de floresta inventariados. Além destes, outros trechos também foram objeto de inventários. Estes estudos abrangem fragmentos de diferentes tamanhos, muitos deles protegidos em unidades de conservação (UCs) já devidamente regulamentadas, outros, porém, não protegidos ou em UCs ainda não regulamentadas, estando, portanto, sujeitas a diferentes processos de devastação. Pedra de Guaratiba, bairro da zona oeste do município do Rio de Janeiro, possui, na Serra da Capoeira Grande um pequeno fragmento florestado, que foi objeto de inventário 7xxi florístico e fitossociológico (Peixoto et al. 2004, 2005) cuja criação de uma APA ainda não está regulamentada. Antes área de predomínio de comunidades de pescadores artesanais, pequenos agricultores e pequenos pecuaristas, hoje têm seu modo de vida em acelerado processo de transformação devido à expansão urbana em direção à zona oeste. O presente estudo teve como objetivo conhecer o saber popular sobre as plantas de uso medicinal e místico, e a relação com o ambiente da comunidade residente no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, parte mais rural do bairro, buscando testar a seguinte hipótese: os moradores da Capoeira Grande, embora pressionados pela expansão urbana, com conseqüente perda de suas características rurais, fazem uso ainda de um grande número de espécies medicinais nativas da região e/ou cultivadas em seus quintais. Para isso, objetivou-se, especificamente, fazer o levantamento das plantas medicinais e místicas utilizadas pela população, detectando seu modo de uso terapêutico e/ou místico; Verificar a identidade botânica das mesmas, coletando e herborizando exemplares para documentação em herbário; Registrar os nomes vernáculos atribuídos pela população; Verificar se há um padrão de organização dos canteiros e/ou vasos mantidos nos quintais; Verificar s e há plantas nativas dos ecossistemas locais, encontradas nas áreas do bairro e/ou cultivadas, utilizadas pelos moradores. xxii 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1. Área de Estudo Guaratiba é um bairro localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Abriga três núcleos urbanos – Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Ilha de Guaratiba. O primeiro abriga o principal núcleo urbano do bairro e tem duas Áreas de Proteção Ambiental, uma regulamentada, a APA das Brisas, e outra em processo de regulamentação já há alguns anos, a APA da Serra da Capoeira Grande. É um bairro que embora venha sofrendo intenso e desordenado processo de urbanização, continua mantendo, em parte de seu território, características predominantemente rurais e reúne ainda parte da agricultura e pecuária praticadas no município do Rio de Janeiro. Abriga trechos naturais de mata atlântica, manguezais e restingas. A pesca e comercialização de pescados são o esteio de dezenas de famílias da região. Suas características peculiares bastante diferenciadas de outras regiões da cidade, o coloca como pólo turístico da zona oeste, com vocação, principalmente, para o turismo ecológico e a gastronomia. Pedra de Guaratiba está passando por significativas transformações espaciais, ambientais e sócio-econômicas nas últimas décadas e as comunidades residentes têm sido muito afetadas por estas mudanças. Hoje, pode-se reconhecer quatro atividades principais que englobam grande parte da população local: a pesca e o comércio de pescados, incluindo aqui os restaurantes; o comércio e atividades de serviços diversos no próprio bairro e em bairros próximos; atividades rurais em pequenas propriedades, criação de gado e cavalos; lazer de habitantes de fins de semana e veranistas. Em Guaratiba a temperatura do ar média anual é de 23,6ºC, sendo o mês de fevereiro o mais quente, com temperatura média de 26,7ºC, e junho, o mais frio, com média de 21,0ºC. O total médio anual de precipitação é de 1.027,2 mm, sendo o mês de agosto o mais seco, com 47,4 mm e março o mais chuvoso, com 140,6 mm (Menezes & Araujo 1999). De acordo com o sistema de Köppen, o clima da região é do tipo Aw Clima Tropical Chuvoso, com chuvas abundantes no verão e escassas no inverno (Peixoto et al. 2004). O presente estudo foca o conhecimento e as mudanças ocorridas na comunidade residente no entorno da Serra da Capoeira Grande que ainda mantém suas características rurais (Fig. 1). Neste local uma Área de Proteção Ambiental (APA) foi requerida à prefeitura do Rio de Janeiro pela população, sendo esta criada no dia 30 de Julho de 1999, 9xxiii através da Lei nº. 2.835. Esta área era habitada predominantemente por pequenos agricultores e pecuaristas. Nas últimas décadas o perfil dos moradores vem mudando e convivem lado a lado os antigos moradores, pessoas que saíram de outras áreas do Rio de Janeiro em busca de moradia a menor custo e com mais segurança e outros mais abastados que optaram por morar fora dos grandes centros urbanos. A Serra da Capoeira Grande (22º59’03”S e 43º38’59”W) (Fig. 2 e 3) embora pertença ao Complexo Geológico do Maciço da Pedra Branca, não se insere nos limites do Parque Estadual da Pedra Branca. Essa Serra se destaca na planície da região de Guaratiba por alcançar altitude de até 159 m sustentando um pequeno remanescente da mata de planície litorânea (Peixoto 1992) abundante no município no passado e hoje escassamente representada. O solo muito raso e rochoso na porção médio-superior da serra cria ambiente com limitações em oferta hídrica e de profundidade, restringindo maior desenvolvimento das árvores (Peixoto et al. 2004). A floresta da APA da Serra da Capoeira Grande (Fig. 3) representa importante remanescente da Floresta Atlântica, com a presença de duas espécies arbóreas que estão na lista oficial da flora brasileira ameaçada de extinção: Caesalpinia echinata Lam., Cariniana ianeirensis R.Knuth, e outras duas que estão na lista das espécies ameaçadas de extinção no município do Rio de Janeiro: Acosmium lentiscifolium Schott e Machaerium incorruptibile Benth (Peixoto et al. 2004). Estudos sobre a composição florística e a estrutura fitossociológica da APA da Serra da Capoeira Grande foram realizados por Peixoto et al. (2004, 2005). Estes autores encontraram, utilizando a metodologia de quadrantes e considerando os indivíduos amostrados nos quadrantes e os coletados fora da amostra, 69 espécies, pertencentes a 58 gêneros e 29 famílias. As famílias que apresentaram maior número de espécies foram Leguminosae, com 13 espécies (Mimosoideae com sete, Papilionoideae com cinco e Caesalpinioideae com uma), Myrtaceae com seis, Euphorbiaceae representada por cinco espécies e Bignoniaceae, Bombacaceae, Celastraceae, Flacourtiaceae, Moraceae, Rubiaceae e Solanaceae, representadas por três espécies cada uma. Segundos os autores, a baixa representatividade de Lauraceae e Rubiaceae, ambas com muitas espécies tardias, pode sugerir que a floresta da Serra da Capoeira Grande se encontra em processo de sucessão secundária. Na distribuição das espécies em grupos sucessionais, a predominância de espécies secundárias iniciais e tardias mostrou o avanço da sucessão no fragmento estudado da APA da Serra da Capoeira Grande. Porém, quando avaliaram os grupos sucessionais em relação ao número de indivíduos, notaram clara predominância de 10 xxiv indivíduos pertencentes ao grupo das secundárias iniciais, o que indica que a área ainda não alcançou seu desenvolvimento total, ou que existe algum fator que está impedindo o pleno desenvolvimento esta floresta. Sugerem que, entre os fatores que podem estar retardando o avanço sucessional neste trecho, estão a ocorrência de fogo e o corte seletivo de algumas espécies, eventos que acontecem até os dias de hoje, principalmente por este fragmento estar inserido em área residencial, fato este percebido também pelo grande número de espécies frutíferas exóticas que ocorrem no local. 11 xxv Figura 1 - Localização de Pedra de Guaratiba no município do Rio de Janeiro e da Comunidade da Capoeira Grande em Pedra de Guaratiba. xxvi 12 Figura 2 - APA da Serra da Capoeira Grande e entorno. Adaptado de Google Earth: http:// earth.google.com. Acesso em 27/09/2006 Figura 3. APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. xxvii 13 2.2. Metodologia de trabalho O trabalho de campo foi realizado no período de abril de 2005 a setembro de 2006. As primeiras duas visitas à área de estudo tiveram a finalidade de estabelecer contato com os moradores, conhecer seus hábitos e contactar a Associação de Moradores local. Após estas visitas, foi realizada uma explanação da proposta de pesquisa, mediada pela Associação de Moradores da Capoeira Grande. Terminadas estas etapas, iniciou-se visitas a casa dos moradores, em companhia, a princípio, de um dos integrantes da Associação de Moradores. A cada morador visitado, fez-se uma explanação dos objetivos da pesquisa, questionando se teriam interesse em participar. Nesta primeira entrevista, empregou-se a técnica Bola de Neve (Patton 1990), que consiste em perguntar à pessoa entrevistada se ela conhece alguém que poderia contribuir para a pesquisa, aumentando a amostra e direcionando para os especialistas locais, que foram o foco desta pesquisa. Especialistas locais são aquelas pessoas reconhecidas em sua comunidade como conhecedoras de plantas da região, e neste caso conhecedoras de plantas de uso medicinal (Albuquerque & Lucena 2004a). Após terem sido selecionados os informantes e, estes concordado em participar da pesquisa, foi redigido um termo de concordância que foi assinado pela Presidente da Associação de Moradores, reconhecida por todos como representante da comunidade. Entrevistas semi-estruturadas (Bernard 1988) foram realizadas, utilizando-se como base um questionário adaptado de Cunningham (2000) e Camargo (2003), com perguntas abertas e fechadas (Albuquerque & Lucena 2004b). O questionário utilizado encontra-se no Anexo 1. Também utilizou-se a técnica de História de Vida, onde a partir de uma pergunta deixou-se o informante falar de sua história, privilegiando-se assim os relatos orais da comunidade. Esta técnica tem a peculiaridade de focalizar a coleta sobre a reconstrução das experiências vividas pelo informante (Minayo 1994; Albuquerque & Lucena 2004b). A partir desta técnica podem-se encontrar explicações ou justificativas para problemas, dúvidas, ou simplesmente resultados encontrados durante a pesquisa. Além de permitir traçar o perfil dos informantes como moradores do bairro. Após esta etapa, visitas mensais à comunidade foram realizadas, adaptadas à disponibilidade dos informantes. Cada informante foi entrevistado individualmente e as entrevistas gravadas em mini-fitas cassete, com prévia concordância dos entrevistados. 14 As espécies de uso medicinal e místico cultivadas pelos informantes em seus quintais, e aquelas que provenientes de outros sítios, foram coletadas (com a autorização dos mesmos) e registradas em fotografias e com informações referentes à nomenclatura popular, indicação terapêutica, modo de preparo, dosagem de uso, parte utilizada, procedência e outras questões relevantes. Os termos a seguir foram utilizados para categorização de procedência: comprada - quando o informante compra a planta in natura ou seca; entorno do bairro: quando a planta é encontrada pelo informante em locais como beira de estradas, calçadas e terrenos baldios; APA da Serra da Capoeira Grande: quando a planta é encontrada pelo informante dentro da APA; entorno da APA: quando a planta é encontrada nos ambientes naturais no entorno da APA e quintal: quando a planta é encontrada no quintal do informante. O termo “espontânea” foi utilizado para classificação das plantas de ocorrência natural na área, tanto as nativas quanto as espontâneas naturalizadas. As plantas que não puderam por algum motivo ser coletadas nos quintais, foram coletadas em outras localidades ou compradas, no caso de plantas ritualísticas, e levadas até os informantes para serem reconhecidas. O material botânico coletado foi herborizado segundo Mori et al. (1985) e incluído no herbário do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RB). A identificação do material coletado foi realizada utilizando bibliografia especializada, comparação com acervo do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RB), além de consultas a especialistas, quando necessário. As espécies estão classificadas seguindo-se APG II (2003). A classificação para a família Leguminosae é aquela que a subdivide em três subfamílias Caesalpinioidea, Mimosoideae e Papilonoidea. A organização das plantas nos quintais foi avaliada visualmente através da comparação de croquis dos quintais. Para a realização desta análise foram selecionados aqueles quintais cujos donos (informantes) se dedicam com freqüência aos seus cuidados. Alguns informantes possuem uma área em sua casa, no entanto esta não se caracteriza como quintal, pois não há cuidado com o mesmo, nada é cultivado ou incentivado. Desta forma, foram confeccionados croquis dos quintais de cinco informantes, com sua estrutura horizontal, levando em consideração a posição das plantas em relação à casa. Os croquis foram confeccionados pelo paisagista Leandro Martins com base em anotações e desenhos feitos pela autora, in loco. Os informantes foram tratados neste tópico por números com o objetivo de evitar exposição dos mesmos, embora esta solicitação não tenha sido feita. 15 Para determinar as espécies mais importantes na comunidade, foi calculada a Importância Relativa (IR) para cada espécie medicinal, utilizando o número de propriedades farmacológicas (NP) e o número de sistemas corporais (NSC) afetados, com base na proposta de Bennett & Prance (2000). A importância relativa é uma medida de versatilidade. O cálculo da importância relativa foi realizado de acordo com a fórmula: IR = NSC + NP onde NSC = número de sistemas corporais tratados por uma determinada espécie (NSCE) dividido pelo número total de sistemas corporais tratados pela espécie mais versátil (NSCEV); NP = número de propriedades atribuídas a uma determinada espécie (NPE) dividido pelo número total de propriedades atribuídas à espécie mais versátil (NPEV). A espécie mais versátil é aquela que trata o maior número de sistemas corporais e a qual é atribuído maior número de propriedades. As propriedades utilizadas neste índice são as propriedades terapêuticas para cada planta de uso medicinal citadas pelos informantes. Para categorização dos sistemas corporais, a partir dos dados obtidos com o levantamento etnobotânico sobre as indicações terapêuticas das plantas, foi realizada a decodificação das doenças/sintomas citadas pelos informantes de acordo com o sistema biomédico convencional, seguindo a classificação adotada pela décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005), realizada pela Organização Mundial da Saúde em 2003 (WHO 2003). Ela agrupa as doenças em 21 categorias como pode ser observado na Tabela 1. A partir desta decodificação pode ser traçado o perfil epidemiológico da comunidade (Almeida 1997). Segundo Novais et al. (2004), “as categorias terapêuticas mais citadas são aquelas que mais afetam a população estudada” e, uma tentativa de definir este perfil para esta comunidade foi realizada. Para avaliar a concordância entre as respostas dos informantes sobre o uso medicinal e místico das plantas, utilizou-se o cálculo de porcentagem de Concordância de Uso Principal (CUP) descrito por Amorozo & Gely (1988) a partir de uma adaptação da metodologia de Friedman et al. (1986). Este tipo de técnica quantitativa está assentada na idéia de que cultura é conhecimento compartilhado. A partir deste cálculo podem-se 16 avaliar as condições da cultura desta área, em que nível os informantes compartilham seu conhecimento, como o conhecimento sobre a planta se encontra distribuído entre eles. A CUP, para cada espécie, é encontrada da seguinte forma: CUP = nº de informantes que citaram usos principais para a sp x 100 nº de informantes que citaram usos para a sp O uso principal é aquele mais citado em comum pelos informantes. Para realização deste cálculo utilizaram-se apenas aquelas plantas citadas por mais de dois informantes. Para evitar distorções entre as plantas citadas por muitos informantes e as citadas por poucos, o valor da CUP encontrado foi multiplicado por um fator de correção (FC), que corresponde a: FC = nº de informantes que citaram a espécie nº de informantes que citaram a espécie mais citada Então, a CUP corrigida (CUPc) é dada pela fórmula: CUPc = CUP x FC Como meio de devolução do conhecimento de forma sistematizada à comunidade da Capoeira Grande, foram realizadas algumas atividades abordando o tema da pesquisa, conforme recomendação contida na Declaração de Belém (Campos 2002). Até o momento foi realizada uma palestra na escola pública Emma Dávila Camillis, única escola dentro da comunidade, no II Fórum de Meio Ambiente realizado lá (Anexo 3), sobre a importância do conhecimento dos mais velhos e dos quintais. Na semana de Ciência e Tecnologia de Guaratiba de 2005 (Anexo 2), foram elaborados folhetos com informações sobre oito plantas que a comunidade da Capoeira Grande utiliza. Estes folhetos foram distribuídos e discutidos com a população no dia de culminância do evento, realizado na praça Dr. Raul 17 Capelo Barroso da Pedra de Guaratiba. Em 2006, no mesmo evento, foi realizada uma oficina de fabricação de xampu contra piolhos, em conjunto com o grupo de fitoterapia do Módulo de Saúde do Programa de Saúde da Família (PSF) do Jardim Cinco Marias de Pedra de Guaratiba (Anexo 4). Foram afixados na barraca onde a oficina foi realizada, pôsteres com informações sobre plantas tóxicas, e com informações sobre o Programa de Fitoterapia do Município do Rio de Janeiro, do qual este módulo de saúde faz parte, afim de se discutir estas informações com os participantes. Também foram distribuídos panfletos informativos sobre o Programa de Fitoterapia e a Coleção de Plantas Medicinais do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Além disso, a horta de plantas medicinais da Secretaria Municipal de Saúde, localizada na Fazenda Modelo em Guaratiba, cedeu para esta oficina mudas de plantas medicinais, que foram utilizadas para a fabricação dos xampus, reconhecimento e discussão com os participantes e, ao final do evento foram sorteadas entre os participantes. Ao final da pesquisa uma nova palestra será realizada na mesma escola, abordando os resultados principais. Uma apresentação dos resultados do trabalho também será realizada na Associação de Moradores do Bairro. Será elaborada uma cartilha com as plantas citadas pelos informantes, seus nomes vernáculos e científicos e o uso indicado, contendo orientações sobre comprovação científica, quando houver, e possíveis efeitos tóxicos. 18 Tabela 1. Classificação Internacional de doenças, injúrias e causas de morte (WHO 2003) I - Algumas doenças infecciosas e parasitárias II - Neoplasias [tumores] III - Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários IV - Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas V - Transtornos mentais e comportamentais VI - Doenças do sistema nervoso VII - Doenças do olho e anexos VIII - Doenças do ouvido e da apófise mastóide IX - Doenças do aparelho circulatório X - Doenças do aparelho respiratório XI - Doenças do aparelho digestivo XII - Doenças da pele e do tecido subcutâneo XIII - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo XIV - Doenças do aparelho geniturinário XV - Gravidez, parto e puerpério XVI - Algumas afecções originadas no período perinatal XVII - Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas XVIII - Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte XIX - Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas XX - Causas externas de morbidade e de mortalidade XXI - Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde . 19 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Caracterização da área de trabalho 3.1.1 Histórico Este tópico objetiva inserir o estudo no contexto histórico da região de Guaratiba, no entanto, cabe salientar que este relato constitui apenas uma parte da trajetória deste bairro na história, sendo relatado apenas os fatos de interesse para a presente pesquisa. Guaratiba possui uma história muito rica que não caberia no espaço aqui disponível, além de não ser o foco do presente estudo. Guaratiba se insere na história nacional em períodos de grande riqueza e também de decadência. Sua área foi intensamente explorada nos grandes ciclos da agricultura. No período colonial integrou a Fazenda Santa Cruz, a mais importante e próspera propriedade dos Jesuítas no Brasil (Freitas 1985). É parte do que foi conhecido como o Sertão Carioca. O Almanaque de Laemmert de 1900 informava que a circunscrição de Guaratiba, a outrora “mais rica e florescente” do Distrito Federal, encontrava-se com seus cafezais destruídos, seus vastos campos de criação em agonia, infestada por doenças. A única coisa que talvez destoasse desse desalento era o desenvolvimento da pequena lavoura. Noronha Santos, escrito no mesmo ano, é emblemático dessa visão calcada na idéia da decadência. Escrevia ele que em Guaratiba, que pese o desenvolvimento da pequena lavoura e outras atividades como a extração de madeira, “sua decadência é sensível devido às secas que têm consumido suas plantações e importantes cafezais” (Santos 1965). Já nas três primeiras décadas do século XX a região era vista como importante centro de abastecimento da então capital federal. Delgado de Carvalho notava que em Guaratiba, “o mais rico de todos os distritos agrícolas”, mais precisamente na “encosta ocidental do maciço da Pedra Branca”, havia grandes pomares, plantações extensas de bananeiras, de laranjeiras e de outras frutas. Segundo o censo de 1920, os distritos rurais concentravam o maior número de cabeças de gado, tinham maior produção de arroz, feijão, e outros, eram os únicos que produziam algodão e mamona, e que tinham a segunda maior produção de café, milho e mandioca (Santos 1965). No entanto, estes mesmos distritos começavam a ser alcançados pela ação de um mercado de terras orientado por uma lógica não agrícola. Por ela, as terras comercializadas passavam a combinar usos agrícolas e urbanos, eram os chamados terrenos de veraneio (Santos 2005). 20 Entretanto, as décadas de 30 e 40 testemunharam o desenvolvimento de um evento que parecia justamente reforçar ainda mais a imagem da zona rural como uma espécie de celeiro do Distrito Federal: a exemplo do que acontecia na Baixada Fluminense houve grande disseminação da cultura da laranja por praticamente toda a região. As principais regiões atingidas pelo “mar de laranjas” foram Campo Grande, Realengo, Santa Cruz, Guaratiba e em menor escala Jacarepaguá (Musumeci 1987). As obras realizadas pela Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense (DSBF) nas baixadas de Jacarepaguá e Sepetiba foram outro importante acontecimento verificado na zona rural nesta época. Junto com a “febre da laranja”, essas obras ajudaram a consolidar a imagem da zona rural como uma região de “cinturão verde” capaz de promover o abastecimento quase completo do Distrito Federal. Mas a importância daquelas obras reside também no fato de ter feito da zona rural uma área de expansão não apenas para a agricultura. Com os melhoramentos da DSBF a região estava definitivamente aberta para uma outra expansão, a dos negócios imobiliários. Estes, por sua vez, eram cada vez mais regidos por uma nova modalidade: a produção em massa de lotes urbanos (Santos 2005). Tamanho era o crescimento dos negócios imobiliários na década de 50 que ela ficaria conhecida como a época da “febre imobiliária” (Abreu 1988). Quarenta por cento do total de loteamentos feitos durante o século XX nos distritos de Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz - quase todo o Sertão Carioca - datam da década de 50, quando ocorre uma significativa redução da área agricultável do Sertão Carioca. A imprensa noticia o papel exercido pela expansão das loteamentos na retração da agricultura do Distrito Federal. Mais que isso, a “febre imobiliária” estaria criando uma grave questão social com a expulsão de centenas de lavradores de suas terras. Desta forma, os antigos lavradores acabaram por assumir uma nova identidade, a de posseiros, travando uma árdua luta pelo direito a terra (Pedroza 2003; Santos 2005). Guaratiba hoje continua mantendo algumas características rurais e reúne ainda parte da agricultura e floricultura praticada no município do Rio de Janeiro. Abriga trechos naturais de mata atlântica, manguezais, apicuns e restingas. A pesca e comercialização de pescados são o esteio de dezenas de famílias da região. Suas características peculiares bastante diferenciadas de outras regiões da cidade, a coloca como pólo turístico da zona oeste, com vocação, principalmente, para o turismo ecológico e a gastronomia. Este bairro abriga três núcleos urbanos – Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Ilha de Guaratiba. O primeiro abriga o principal núcleo urbano do bairro e tem duas Áreas de Proteção 21 Ambiental, uma regulamentada, a APA das Brisas, e outra em processo de regulamentação, a APA da Serra da Capoeira Grande. Segundo o Censo 2000 (IBGE 2006), Pedra de Guaratiba possui 2.905 domicílios com 9.656 moradores, sendo, em média, 3,32 moradores por domicílio. A Fundação Xuxa Meneguel, localizada em Pedra de Guaratiba, estima que este número seja hoje de 15.000 habitantes (Fundação Xuxa Meneguel 2006). Segundo censo que está sendo realizado pela Associação de Moradores e Amigos da Capoeira Grande - AMA Capoeira Grande, estimase que esta área, que possui trinta e seis ruas não asfaltadas, possua 500 domicílios com 3.000 moradores, sendo uma média de 6 habitantes por domicílio (Associação de Moradores da Capoeira Grande, comunicação pessoal). Em relação à meios de transporte, Pedra de Guaratiba é servida por poucas linhas de ônibus que passam pelo bairro em direção a Santa Cruz e Campo Grande, e na direção contrária, indo para a Barra da Tijuca e para o Castelo, centro do Rio de Janeiro. Os transportes mais utilizados em Pedra de Guaratiba são combis e vãs, que aproveitam a falta de transporte regulamentado e criam uma nova categoria de serviço. Além deste transporte informal há transporte por moto, também informal, conhecido no bairro como mototaxi. A Capoeira Grande não é servida por nenhuma linha de ônibus; o transporte mais utilizado é o mototaxi ou, em alguns horários, combis. Além disso, na localidade existe apenas uma escola, nenhuma farmácia, sendo a mais próxima, assim como o posto de saúde mais próximo ficam no centro de Pedra de Guaratiba, relativamente distante para pessoas idosas e crianças irem à pé, levando em consideração o problema de transporte. Giovani, Diretor de Coordenadorias da AMA Capoeira Grande, conta como foi quando começaram a vender os lotes nesta área, e fala do transporte: “A Capoeira Grande que é mais conhecida como Capoeira Grande por causa da Serra da Capoeira Grande, que eu sinto um orgulho do meu lugar ser Capoeira Grande, mas na verdade o nome disso daqui é Jardim Garrido. Na época que lotearam lá por 1955 eu tive com um prospecto da época, então eles diziam, eles comentavam ali que era farta condução, bonde, lotação e ônibus [Figuras 4a,b]. Quer dizer, hoje...bonde já não existe mais no Rio desde 77, 78 por aí, lotação muito menos e ônibus escasseou, em Pedra de Guaratiba toda, não é só na Capoeira. O que nós temos é transporte alternativo, também não temos ruas que possam transitar ônibus, no prospecto dizia que eram ruas pavimentadas, asfalto, saneamento básico, água, tudo que falta pra gente”. 22 Figura 4a - Prospecto de vendas de lotes no Jardim Garrido em 1955. Capa e contra capa. 23 Figura 4b - Prospecto de vendas de lotes no Jardim Garrido em 1955. Interior. 3.1.2. Caracterização dos informantes 24 O bairro de Pedra de Guaratiba atualmente está num processo de transformação, principalmente com a expansão urbana em direção à zona oeste, com o crescimento do turismo e oferta de novas atividades e produtos. O confronto entre modos de pensar e agir mais comuns ao meio rural e novas idéias e costumes trazidos com o contato intensificado, nas décadas recentes, com a sociedade mais urbanizada refletem-se também nas questões ligadas a doença e saúde. Apesar desta expansão ainda se concentrar em outras áreas do bairro, a área da Capoeira Grande também tem sido alvo destas transformações, com invasões de terrenos e especulação imobiliária. O resultado disso é a reunião de pessoas de diversas regiões formando uma população mista, que hoje se encontra sob o mesmo contexto histórico, político e cultural. Nas populações brasileiras esta característica é muito comum. Este fato é corroborado por Renan (1997), “Não existem grupos racialmente puros, mas populações que esqueceram o fato de serem originárias de uma fusão”. Como já dito anteriormente, esta área ainda, apesar de se localizar num centro urbano, acumula características rurais e, aliado ao fato de se localizar no entorno de uma Área de Proteção Ambiental, se diferencia do restante do bairro. Através da técnica bola de neve, chegou-se aos especialistas locais da comunidade, pessoas indicadas pela associação de moradores e por outros moradores do bairro, como grandes conhecedores de plantas. Alguns destes especialistas, apesar de participarem de uma entrevista prévia, onde os objetivos do trabalho foram explanados, não quiseram participar da pesquisa. Este foi o caso de um senhor, indicado por mais de três pessoas como conhecedor da mata, suas ervas místicas e medicinais. O motivo para esta decisão foi certa insegurança, pois ficou preocupado com as perguntas que lhe seriam feitas e, para onde seria levado seu conhecimento. Este caso faz pensar que, talvez, esta pessoa possa ter sofrido algum tipo de preconceito relacionado com seu conhecimento sobre as plantas. Isto poderia explicar seu “medo” em falar sobre este assunto para pessoas de fora da comunidade. Outro motivo pode ser o fato da pessoa interessada estar no papel de pesquisadora, fazer parte de um instituto de pesquisas. Este rótulo muitas vezes atrapalha as pesquisas, principalmente quando a comunidade já possui uma experiência não muito boa com pesquisadores, como relatado por Edwards et al. (2005). Concordaram em participar mais de dez especialistas locais, no entanto, decidiu-se realizar o trabalho com dez deles, quatro mulheres e seis homens. Na comunidade os homens indicados como especialistas locais foram maioria o que contraria alguns trabalhos, pois na maior 25 parte das vezes, as pessoas que mais têm intimidade com as plantas, especialmente em quintais, são as mulheres (Ceccolini 2002; Blanckaert et al. 2004; Oakley 2004; Silva, 2004; Silva & Ribeiro 2004). A idade varia entre 40 e 77 anos, sendo que apenas dois estão na faixa dos 40 anos, e os outros têm mais de 53 anos, confirmando a informação de que normalmente as pessoas que conhecem as plantas são as mais velhas (Ribeiro 1996; Amorozo & Gely 1988; Begossi et al. 1993; Boscolo 2003;). Em relação ao nível de escolaridade, dois informantes não tiveram ensino formal, cinco cursaram o ensino fundamental, dois o ensino médio e uma o ensino superior (Tabela 2). Amorozo (2002), Pinto et al. 2006 e Hanazaki et al. 2006 obteveram resultados semelhantes em relação à idade em trabalho realizado com populações rurais no Mato Grosso, onde os entrevistados tinham idade acima de 50 anos. No entanto, os resultados do presente trabalho diferem dos anteriores no que diz respeito ao grau de escolaridade. Em Amorozo (2002) os informantes não ultrapassam as quatro primeiras séries do primeiro grau e 24% não têm nenhuma escolaridade ou são analfabetos funcionais. Em Pinto et al. (2006) 42% dos informantes não tiveram ensino formal e 54% não completaram o ensino médio. No presente trabalho encontrou-se dois informantes com ensino médio e um informante com nível superior. Este fato é interessante, pois mostra que o nível de escolaridade não segrega os moradores conhecedores de plantas medicinais. Grande parte dos informantes está ou esteve durante a maior parte de sua vida, ligada a atividades agrícolas. O mesmo foi encontrado por Amorozo (2002), Pinto et al. 2006 e Hanazaki et al. 2006. O tempo de moradia na comunidade variou muito. Apesar de alguns deles morarem há pouco tempo neste local, conhecem muito de sua história e principalmente a APA e as plantas, pois residiam anteriormente em bairros próximos. Este é o caso do informante Antônio que apesar de residir na Capoeira Grande há apenas três anos, morou desde os nove anos de idade num bairro próximo, e devido ao contato que sempre teve com a área, a conhece muito. Portanto, o tempo de residência na comunidade não foi pré-requisito para a escolha dos informantes e variou entre três e 48 anos (Tabela 2). 26 Alguns informantes, devido à idade avançada, têm problemas de saúde. Por este motivo, muitos deles não puderam ir à campo. Um exemplo disso é o caso de algumas pessoas conhecerem a APA, por já terem feito uso das plantas no passado, mas não terem condições de ir até lá para coletar plantas. 27 Tabela 2. Informantes e respectivas idades, níveis de escolaridade e tempo de residência na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro. Informante Idade Dona Antônia 77 Nível de escolaridade Ensino fundamental+ Seu Manoel 68 Não teve ensino formal Dona Zelinda 68 Ensino superior Seu Antônio 66 Ensino fundamental Seu Joaquim 64 Não teve ensino formal Dona Cremilda 59 Ensino fundamental incompleto Dona Lúcia 54 Ensino fundamental Giovani 53 Ensino médio Antônio 41 Ensino fundamental incompleto Fábio 40 Ensino médio + Refere-se ao ensino de primeira a oitava série. Tempo de residência na Capoeira Grande 14 anos Mais de 30 anos 10 anos 48 anos 8 anos 20 anos 27 anos 25 anos 3 anos 10 anos 3.1.2.1. Relação com o ambiente e com as plantas, e a transmissão do conhecimento Inicia-se este tópico com uma frase retirada de Boscolo (2003), se referindo ao fato de que o conhecimento sobre as plantas está geralmente com os mais idosos: isso ocorre “talvez porque essas gerações viveram em outras condições, em áreas rurais, distantes de qualquer assistência médica e farmacêutica e mais próximos à natureza, o que tornava mais fácil de achar a planta perto de casa ou plantada em seu quintal”. Essa ainda é a realidade na comunidade da Capoeira Grande. Além das pessoas ainda terem uma convivência próxima com a natureza, e este ser um dos motivos da expansão em direção a esta área, estão também distantes de uma assistência médica eficaz. Porém, os informantes já sentem falta de algumas plantas que, devido ao processo de loteamento e transformações no bairro não são mais encontradas: “Dava muito na areia [cânfora] agora não existe [...] mas esse não tinha pra ninguém, ele curava tudo. Ele dava rasteiro pela areia[...] acabou com minha sinusite”. Dona Lúcia 25 “A folha dela é um santo remédio, erva-de-bicho, pra coceira né. Essa sumiu tudo depois que o home aterro [dono do terreno que ele cuida], só dá em brejo”. “Seu” Manoel “Tinha outro aí [assapeixe] também que era muito bom mas acabou porque o homem aterrou”. “Seu” Manoel Mesmo com modo de vida ainda predominantemente rural a comunidade do entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, com a chegada do “progresso”, e a “melhora” do sistema de saúde (entre aspas, pois esta melhora é em relação a alguns anos atrás, quando eles precisavam se deslocar para o Campo Grande, Santa Cruz ou centro do Rio para ter acesso à postos de saúde), aliada ao aparente desinteresse em relação ao aprendizado sobre as plantas por parte dos mais jovens, as pessoas tendem cada vez mais a depender dos postos de saúde e dos remédios que eles, por vezes, oferecem. Na área em estudo, encontramos pessoas que praticam os antigos costumes e entendem como este aprendizado pode ser útil no atendimento primário à saúde, expressando a vontade que têm que as pessoas voltem a se interessar e continuem a praticá-los, como é o caso de Seu Manoel. “As pessoas não sabem o que eles recebem de bom. Não é verdade? Aí cê fala pra uma pessoa, vamos dizer assim, que é ingnorante, que você entrou ali dentro [na Capoeira Grande] você já fica bem já se sente bem, porque ele não sabe o que é a natureza. Aqui a pessoa consegue viver um pouco, dentro do mato, porque aqui cê só recebe coisas boas [...]. Muitas pessoas num sabe disso né, fala até que a gente é ingnorante”. “Capim-limão com erva-cidreira misturada, é gostoso, te faz bem. Mas tem gente que diz “ aaahh...isso aí num vale nada não, eu vou é ali na farmácia”, vai lá...não vou dizer que a pessoa não vai na farmácia né, cada um tem um jeito né, não vou obrigar ela a seguir o que eu sigo né”. “Seu” Manoel Através destes comentários fica exposto a valorização deste conhecimento pelos informantes e a vontade que eles têm de que as pessoas reconheçam o valor das plantas para a saúde. No entanto, existe uma dificuldade de transmitirem seu conhecimento, e em alguns casos percebe-se até uma desistência para cumprir este papel. Este trabalho não abordou o conhecimento dos mais jovens, no entanto, segundo os informantes, os 26 mais jovens não têm interesse em ouvir suas histórias, ou aprender sobre as plantas. Geralmente procuram estas pessoas pedindo uma planta pra tratar algum mal, mas não se interessam por tê-la em casa, nem sobre o uso de outras plantas. “ Já fui muito, já fui muito, [procurada por pessoas pra pedir plantas ou remédios] mas de alguns anos pra cá eu me lacrei aqui dentro”. Dona Lucia “...mas a noitezinha o pessoal vai ali fora, nossa mãe do céu, é uma garotada, uma meninada, não tem nada, cê não aproveita nada, cê vê só imundiça, é...só imundiça...é um ambiente que só serve pra eles né? [...] Aí as pessoas começa a me dizer assim: aaahh rapaz, cê num ta gostando porque cê é do tempo antigo...eles fala...brincando eles fala [...]. Eu até dou razão a eles, porque a minha criação era uma civilidade muito muito bonita, muita bonita mesmo, era muito brilhante, a educação da gente com os outros, respeito, então hoje em dia hoje não tem mais nada disso”. “Seu” Manoel falando do comportamento dos jovens de hoje na Capoeira Grande. “Pessoas da minha faixa de idade que já tiveram algum contato com planta que já ouviram, ainda tem algum interesse, mas o pessoal mais jovem...basta te dizer que esta menina aqui que a mãe tinha um conhecimento grande, a filha nunca se interessou [falando de Dona Maria, uma senhora que todos dizem que conhecia muito as plantas medicinais, que faleceu e a filha nunca se interessou pelo conhecimento da mãe]”. Dona Zelinda Apesar da maioria dos comentários acenarem para o fato de que os jovens não se interessam pelo conhecimento dos mais velhos, uma das informantes teve uma experiência diferente: “Tava até falando pro meus filhos, tem que catá [plantas] né, porque a pessoa chega na maioridade e não entende nada, aí vai descartando tudo, ah esse é mato [...] Não, não se interessam, não querem aprender. Se interessam não. A mais velha se interessa, a única, os outros mais ninguém. Ela pergunta, ela faz também, ela pega a erva, ela conhece. Ela se interessa muito muito mesmo”. Dona Cremilda falando sobre a tentativa de ensinar aos filhos sobre a importância das plantas. 27 Segundo Amorozo (2002), a “modernização” traz consigo novas opções de cuidados com a saúde, e uma certa desvalorização da cultura local, à qual os jovens são o grupo mais sensível, reforçando a tendência à perda ou abandono das práticas tradicionais. Pode-se dizer que na comunidade da Capoeira Grande, além de alguns dos mais velhos terem se decepcionado com os mais jovens, outros parecem não terem mais oportunidades de transmitir seu conhecimento. Segundo Amorozo (1996), o conhecimento em comunidades locais - o saber - aparece sempre ligado ao seu aspecto prático - o fazer - ou seja, os saberes estão interligados a uma vivência, a uma interferência real no ambiente que a comunidade ocupa, sendo muitas vezes esta ação o fator de origem e surgimento de novos saberes. Desta forma, o saber local sofre mudanças espaço-temporais e possui um modo de transmissão essencialmente oral e gestual que se comunica através da família e da vizinhança. Na Capoeira Grande os jovens parecem não demonstrar mais interesse em aprender. Desta forma, os mais velhos têm poucas oportunidades de contar suas histórias – o saber, coletar e preparar as plantas – o fazer. Este contato está muito fragilizado atualmente e parece haver um rompimento de elos importantes nesta corrente de transmissão do conhecimento. Para Amorozo (1996), não existe discriminação entre saber teórico e prático, sendo ambos adquiridos ao mesmo tempo, na medida em que as crianças participam das tarefas cotidianas da comunidade e absorvem aos poucos explicações verbais e codificações sobre elas, enquanto aprendem a fazê-las. O que se sabe deve ter sempre um objetivo e resultado prático. Além disso, o problema é acentuado com a fragmentação e transformação da paisagem. A pressão da urbanização acelerada somada a especulação imobiliária que vem crescendo no local acaba por romper os elos interpessoais dentro da comunidade. Não só dos mais velhos com os jovens, mas entre eles mesmos, acabando por afastar famílias e amigos, grupos sociais onde o conhecimento era repassado. O papel do narrador é delegado principalmente ao idoso, que tem o dom do conselho e seu talento de narrar vem da experiência, como afirma Bosi (1979). Benjamim (1985) afirma que “[...] a arte de narrar está em vias de extinção”. Este autor quando aborda o papel do narrador afirma que a mudança social causa a perda do elo com o passado. A sociedade industrial está provocando a perda desta tradição, da arte de narrar e de ouvir. E hoje as comunidades que antes conseguiam manter esta tradição estão sendo ameaçadas pelo crescimento da urbanização. O que vem acontecendo na Capoeira Grande é que os informantes, na maioria idosos, por serem pouco ouvidos, têm pouca oportunidade de 28 passar a sua sabedoria adquirida ao longo dos anos. Desta forma, a mudança espacial, dos lugares de convivência de alguns grupos, e a saída de outros prejudica o contato entre as pessoas da mesma geração e de diferentes gerações. Quando acontece de alguém se interessar por suas histórias, elas correm o risco de estarem já fragmentadas pelo tempo. Um exemplo disso neste trabalho aconteceu com a planta Physalis angulata (Camapú). Um dos informantes reconheceu a planta, sabia que era utilizada para fazer remédio, mas não tinha segurança no nome nem para qual finalidade era utilizada e o modo de preparo. Neste trabalho este foi um caso isolado; no entanto, em relação à dosagem das plantas isso aconteceu muitas vezes. Esta fragmentação, portanto, pode ter então algumas causas possíveis, às quais o pesquisador deve estar atento para não fazer falsas inferências: uma delas é o fato de realmente não se lembrarem porque perderam o contato com a planta, ou seja, esta não é mais encontrada nos arredores; outra é o que já foi dito anteriormente, ainda têm contato com a planta, mas não têm oportunidade de ensinar sobre sua utilidade; e por fim o fato de, como explicado por Amorozo (2002), a tradição da transmissão do conhecimento sempre ter sido ligada à prática, à vivência. O fato de se estar conversando (em uma entrevista ou informalmente), e o informante não estar vivendo sua rotina, preparando o remédio, ensinando na prática, e em alguns casos nem vendo a planta, pode funcionar como um bloqueio de sua lembrança. Além disso, pode ser que estes fatores atuem em conjunto. Frases como: “Ah, é só fazer um chazinho, é só ferver a erva” relacionadas à falta de um modo claro de preparo, ou “Não tem problema não, pode tomar a vontade”, ou “Pode tomar quando tiver sede”, relacionadas à falta de preocupação com a dosagem são comuns de serem ouvidas. Por outro lado, observa-se também na Capoeira Grande uma série de formas de preparo de ervas detalhadas e complexas. Isso será abordado no tópico “Formas de Preparo de remédios caseiros na Capoeira Grande”. 3.2. Plantas utilizadas e suas indicações O conhecimento das plantas medicinais é geralmente familiar e passado a outras gerações oralmente. No entanto, a Capoeira Grande possui atualmente influências “de fora” que foram observadas, como é o caso dos nomes populares. O informante seu Joaquim, mora há oito anos na comunidade mas veio do Estado de Minas Gerais, citando muitas plantas utilizadas lá e com seus nomes locais, como quina-cruzeiro, 29 buta-preta, cana-de-macaco (outro nome para cana-do-brejo), poejinho-do-brejo, etc. (Tabela 3). Esta variação pode causar alguns equívocos no uso das plantas em regiões onde pessoas de diferentes lugares convivem, principalmente através da troca de indicações e modos de preparo entre vizinhos, se estes não apresentam a planta. Entretanto, este informante mostrou muitas vezes que tem conhecimento sobre os diferentes nomes comuns regionais para a mesma espécie. “Brincava quando criança de fazer guizadinho com a planta, e a vó chamava de língua-de-vaca, em Juiz de Fora, mas aqui se chama maria- gorda e língua-de-vaca é outra coisa. A maravilha, eu tenho uma amiga do Ceará que disse que lá chama bonina, a mesma planta”. Dona Zelinda “A única que tem aqui é cana-de-macaco, conhece? [...] É, igual, é a mesma coisa, em Minas chama cana-da-macaco e aqui chama canado-brejo. Muito bom esse aí”. “Seu” Joaquim De modo geral, os informantes demonstraram conhecer os perigos de algumas plantas e seus efeitos colaterais. Entretanto encontrou-se também situações opostas onde a frase “se é natural, mal não faz” apareceu algumas vezes. Alguns informantes não reconhecem os efeitos tóxicos das plantas. Frases como “Não tem problema, se não fizer bem, mal não vai fazer” ou “Não, a planta só faz bem, não nada a ver não esse negócio de fazer mal” também foram comuns de serem ouvidas. “Tem uma variedade de plantas que não são venenos, mas ela passa a ser, se por exemplo uma mulher gestante tomar”. Antônio “Uma coisa que eu acho mais complicada no uso da planta é a dosagem, porque as vezes a planta até um certo limite é benéfica, depois ela passa a ser tóxica. As vezes você compra aquela erva ali e ali não tem nenhuma indicação de quanto que usa. Você lembra uma época que falaram tanto em confrei, e depois passado algum tempo que todo mundo tava com mania de tomar confrei eu também ouvi uma entrevista dizendo que fazia mal.” Dona Zelinda “[...] mas mulher grávida não pode tomar um chá de cidreira assim muito forte, senão pode abortar né, pode tomar assim um golinho de coisa fraco né”. Dona Antônia 30 “Você coloca num litro d´água uma folhinha de cana-do-brejo, uma folhinha de abacateiro, faz um chazinho num litro d´água e toma duas vezes ao dia só. Nunca durante a noite, ele é diurético. Se você não seguir e usar mais de duas vezes por dia, pode dar um balanço na sua pressão. Por que tudo que você usa que é diurético vai mexer com a pressão”. Dona Lúcia “ Isso aí [falando da erva-de-santa-maria] a pessoa pode fazer uso todo dia que não faz mal, só faz bem![...] O chá não tem muito controle não, eu faço tomo um copo, dois, mas se fizer ela de modo a espremer só o sumo não dá pra tomar um copo não. É muita reação, a ação dele é muito forte. Eu abusei aí um dia, fui fazer um copo duplo, fui obrigado a sentar e dar um tempo [...] Tive que sentar, fiquei tonto, aquilo correu o corpo assim, fiquei tonto, aí tive que diminuir a dose. Aí eu tomo assim pouco agora. O chá não, pode tomar um dois copo. Mas o sumo se tomar já sabe que vai ter reação. Principalmente de noite. É...ele é danado. Essas coisas a gente não precisa ficar doente pra tomar não. O chá é bom. Mas eu até gostei de sentir a reação, é, foi bom”. Seu Manoel Porém, nem sempre são entendidos os efeitos ‘colaterais’ ou ‘tóxicos’ das plantas. Na fala acima nota-se que quando se perguntou se a planta fazia mal ou era tóxica ele disse que não, que pode tomar que ela só faz bem. Mas depois diz que o sumo faz “...muita reação, a ação dele é muito forte”, ele “é danado”. Ele sabe que o sumo é mais concentrado, no entanto não acredita que a planta realmente faça mal, que ela é tóxica, mas sim que ela é muito boa, que o efeito dela está ligado à quantidade que se usa. Ou seja, a planta não prejudica, ele é que, num determinado momento, não a usou corretamente. Esta percepção do “fazer mal”, “da reação” que a planta causa é compartilhada por outros informantes. No entanto, até o momento, não se encontrou referência na literatura que discuta esta percepção. “Isso aí Rubia depende muito da necessidade, que ele tiver passando né, sofrendo, uma dor. É, o certo é esse. Quando tiver precisando, porque do contrário pode até fazer mal a ele, é verdade. Me atrapaio, eu tava bem e fiquei mal. Isso que eu falo pra você, não dá certo, foi mais uma que eu aprendi. Eu tomei tava bom, aí depois piorou tudo. Eu senti tonteira, ele é muito forte. Só é bom quando você ta precisando. Já sei o que eu to precisando, vou lá pego faço um chá e tomo. Aí fico tranqüilo”. “Seu” Manoel 31 “Tem que dizer uma coisa, a erva faz muito bem a saúde, ah erva faz mal? Não, erva não faz mal, depende do jeito que você usar ela.” Dona Cremilda Matos (1989) ressalta os riscos da utilização indiscriminada de plantas medicinais. Dentre os principais riscos estão o desconhecimento da toxicidade e a utilização de plantas que contenham substâncias tóxicas de ação retardada. Drew & Myers (1997) relatam a dificuldade que os profissionais da área da saúde têm para identificar uma intoxicação por uso de plantas devido à falta de informações disponíveis na literatura, e alertam para a importância de se registrar estes efeitos adversos. Matos (op cit.) também ressalta os problemas que podem ocorrer com o uso de plantas mofadas por terem sido mal preparadas e mantidas em recipientes e locais impróprios, o uso das plantas indicadas ou adquiridas erroneamente e com plantas adquiridas secas ou compradas em feiras. No entanto, estes não são problemas no caso da comunidade em estudo, pois eles raramente compram plantas secas, justamente por não confiarem no que tem dentro dos pacotes: “Raramente eu compro. Na verdade eu prefiro colher, porque eu sei quando estou colhendo, dá pra confiar mais porque estes pacotinhos você nem sabe quando foi empacotado e ali você nem identifica a erva, quer dizer, pode ser qualquer mato aí”. Dona Zelinda “Eu não gosto muito de comprar porque geralmente quando você compra é seca e eu não sei, as vezes já vem muito seca e vem toda quebrada, quase pó e eu não sei se aquilo é mesmo verdade ou não, eu prefiro apanhar”. Giovani Fato importante também, e que nas falas abaixo se expressa bem, é a constante preocupação com a limpeza das ervas por parte de todos os informantes: “[...] outra coisa, as ervas tem que ser muito bem lavadas, passa bicho, tem poeira, aqui tem muita poeira”. Dona Cremilda “[...] não pode ser ervas danificadas, com fungos ou picotadas de insetos. Não. Ela tem que estar intacta, o fruto também”. Dona Lucia 32 Eles também raramente secam as plantas para estocarem, a utilização é sempre realizada com a planta fresca, colhida no momento de fazer o preparado, com exceção de Dona Zelinda que gosta de ter à disposição algumas plantas secas (Fig. 13G): “Agora mesmo quando sair daqui vou levar umas folhas de capim limão pra casa, pra fazer um chá pra mim tomar de noite, não to sentindo nada mas eu gosto de vez em quando tomar um chá né, eu sei que é bom, eu sinto que é bom...é bom, pra mim é bom”. “Seu” Manoel Observamos que a maiorias das plantas de uso medicinal e místico citadas pelos informantes da Capoeira Grande são de plena concordância entre eles e de uso consagrado pela população brasileira. São exemplos disso o alho, a babosa, o capimlimão e a erva-cidreira. Foram identificadas 114 espécies pertencentes a 42 famílias. Destas famílias, 45% (19) são representadas por apenas uma espécie. As que apresentaram o maior número de espécies foram Lamiaceae (13), Asteraceae (9), Solanaceae (6), Leguminosae (6), Euphorbiaceae (5), Brassicaceae (5), Rutaceae (5) e Myrtaceae (5) (Tabela 3). Asteraceae, Lamiaceae e Solanaceae estão também entre as famílias com maior número de espécies citadas em diversos trabalhos, como Vargas & Rios (1990), Waizel (1990), Stalcup (2000), Schardong & Cervi (2000), Di Stasi et al. (2002), Medeiros et al. (2004) (Tabela 3). Segundo Schardong & Cervi (2000), a representatividade da família Asteraceae se deve ao fato desta família apresentar um grande número de espécies medicinais popularmente difundidas e, além disso, a maioria delas são espécies ruderais de fácil acesso, podendo-se dizer o mesmo da família Lamiacae. A representatividade da família Solanaceae num primeiro momento pode ser preocupante, pois as espécies do gênero Solanum, citadas pelos informantes, são portadoras de um alcalóide, a solanina que, embora em sua forma natural não seja bem absorvida, produz por hidrólise subseqüente à sua ingestão uma outra substância, esta absorvível e responsável pelos fenômenos de intoxicação (Parente & Rosa 2001). No entanto, nota-se na Tabela 3, que apenas uma espécie de Solanum (jurubeba) tem uso de forma oral. As espécies mais citadas são erva-cidreira (Lippia alba) e capim-limão (Cymbopogon citratus), por 7 informantes; aroeira (Schinus terebinthifolius) citadas por 33 6 informantes; cajueiro (Anacardium occidentale) e erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides), por 4 informantes; saião (Kalanchoe brasiliensis), picão (Bidens pilosa), boldo (Plectranthus grandis), pitanga (Eugenia uniflora), erva-de-passarinho (Struthanthus marginatus), eucalipto (Eucalyptus citriodora), colônia (Alpinia zerumbet), laranja-da-terra (Citrus aurantium), assapeixe (Vernonia cognata) e ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa), todos citadas por 4 dos 10 informantes (Tabela 7). A colônia, além de medicinal, é também utilizada como mística em banhos de descarrego (Tabela 4). As espécies Lippia alba, Cymbopogon citratus e Chenopodium ambrosioides também foram as mais citadas em Schardong & Cervi (2000) em Campo Grande, MS. E as espécies Chenopodium ambrosioides, Alpinia zerumbet, Cymbopogon citratus foram as mais citadas em Medeiros et al. (2004) na Reserva Rio das Pedras em Mangaratiba, RJ. Di Stasi et al. (2002) também encontraram como mais citadas as espécies Cymbopogon citratus, Lippia alba e Vernonia cognata, no Vale do Ribeira, SP. Roveratti (1998) em sua análise comparativa de espécies medicinais utilizadas em diferentes regiões do Brasil, refere-se a cinco espécies como sendo as de maior freqüência em todos os levantamentos, dentre elas se encontram Cymbopogon citratus e Vernonia condensata. Este mesmo autor ressalta o regionalismo relacionado à utilização de Chenopodium ambrosioides, citada em 70% dos levantamentos realizados nas comunidades das regiões Norte e Nordeste, enquanto que nos Estados do Sul e Sudeste notou ser uma espécie pouco utilizada. Este fato não foi observado no presente trabalho, já que 50% dos informantes a utilizam e a incentivam em seus quintais, já que é uma espécie espontânea na região. Chama atenção a utilização de espécies alimentícias com finalidades medicinais pelos informantes. Além das frutas, encontrou-se no presente estudo alho (Allium sativum), cebola (Allium cepa), serralha (Sonchus oleraceus), couve (Brassica oleracea), agrião (Nasturtium officinale), abóbora (Cucurbita sp.), chuchu (Sechium edule), quiabo (Abelmoschus esculentus), cana (Saccharum officinale), milho (Zea mays), jiló (Solanum gilo) e tomate (Solanum lycopersicum), todas com uso medicinal. Bennett & Prance (2000) afirmam que a dicotomia entre alimento e remédio é em grande parte ausente entre populações indígenas e rurais. Segundo eles, no norte da América do Sul as mais importantes plantas alimentícias introduzidas são avaliadas também como medicinais. 34 Para todas as plantas empregadas, os informantes citaram 238 vezes as partes/estruturas em diferentes preparações. As folhas foram as mais citadas, 166 citações (70 %); seguidas de casca, com 20 citações (8%); planta inteira com 10 citações (4%); sementes com 8 citações (3%); frutos, flores e “outros” com 7 citações cada (3%); raiz e mucilagem com 5 citações cada (2%). Como “outros” incluiram-se as partes utilizadas com duas ou menos citações. Nesta categoria incluem-se: pau de canela, dentes de alho, casca de frutos com 2 citações cada um; látex com 1 citação. O que é aqui denominado mucilagem é referente à babosa (Aloe vera), uma única planta com representatividade de 2% (Fig. 5). Foram citadas dez formas de preparo das espécies utilizadas. A decocção é a forma mais utilizada com 133 citações (57,3 %), seguida de infusão com 27 citações (11,7 %), ao natural com 17 citações (7,4 %), cataplasma com 15 citações (6,5 %), sumo com 13 citações (5,7 %). Menos representativas foram as formas de xarope e garrafada com 9 citações cada uma (3,9 %) e as formar classificadas como “outros” com 7 citações (3 %). A categoria “outros” inclui as formas menos representadas, com três ou menos citações: defumação (1), pó (2), inalação (3), supositório (1) (Fig. 6). Garrafada, neste trabalho, se refere à deixar as plantas imersas em álcool por alguns dias em um recipiente de vidro e utilizar o álcool resultante da imersão topicamente (7), ou ainda pingar gotas deste álcool em água para beber (1). Também se inclui em garrafada deixar cascas imersas em água por alguns dias na geladeira, para beber a água depois (1). A forma de preparo ao natural refere-se ao uso da planta em sucos, consumo de frutos ou na alimentação. A maior utilização das folhas e como forma de preparo a decocção é reportada em vários trabalhos, Coe & Anderson (1999) na Nicarágua, Ribeiro (1996), Stalcup (2000), Medeiros et al. (2004) e Pilla et al. (2006), na região Sudeste do Brasil; Amorozo (2002) no Mato Grosso e Pinto et al. (2006) na Bahia. A maior utilização das folhas é um caráter de conservação do recurso vegetal, pois não impede o desenvolvimento e a reprodução da planta, se a retirada da parte aérea não for excessiva (Martin 1995). Há grande número de citações de plantas associadas a práticas místicas ou mágico-religiosas, utilizadas na forma de banhos, na maioria, “banhos de descarrego”. Isto se dá devido à influência de religiões de matriz africana como a Umbanda e o Candomblé na área de estudo, e também da tradição das rezadeiras. Este assunto será abordado no tópico “As plantas nas crenças e religião: influências observadas na 35 Capoeira Grande”. Esta informação não aparece na Figura 6 por se tratar o banho de uma forma de administração. 36 3% 3% 2% 4% Folhas 2% Flores 3% Cas ca 8% Fruto Mucilagem 3% Raiz Planta inteira 70% Sem entes Outros Figura 5. Partes das plantas empregadas na preparação de remédios caseiros ou de uso místico, na comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. (%) 60 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Decocção Infus ão Ao natural Cataplas m a Sum o Xarope Garrafadas Outros Figura 6. Formas de emprego nas preparações de remédios caseiros, ou místicas na comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. 37 Tabela 3. Lista de espécies medicinais e místicas citadas por moradores do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ (me. medicinal, mi. mística, fo. folha, fl. flor, pl. planta inteira, muc. mucilagem, ra. raiz, cas. casca, sem. sementes, fr. fruto, cas/fr. casca do fruto, br/fo. broto das folhas; E. espontânea; C. cultivada; 1. comprada; 2. entorno do bairro; 3. APA da Serra da Capoeira grande; 4. entorno da APA; 5. quintal). Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E ALISMATACEAE Echinodorus grandiflorus (Cham. & Schltdl.) Micheli me rins; reumatismo; torcecolo fo me má digestão: "arrotando azedo". cas (chapéu-de-couro) decocção 2 cataplasma (alagados) decocção 1 E ALLIACEAE Allium cepa L. (cebola) decocção Allium sativum L. me/ resfriado e tosse; banho de (alho, alho-roxo) mi descarrego “dentes” infusão 1 banho xarope AMARANTHACEAE calmante; contra vermes; para Chenopodium ambrosioides L. (erva-da-santa-maria) me tuberculose; contra pulgas; dores de cabeça; dores no peito; fo sem pancadas; destroncados; cabelos sumo sumo: um copo por dia, ao natural em jejum, fdecocto - cataplasma dois copos 5 E 5 E 5 E 2,3 E ANACARDIACEAE Anacardium occidentale L. (cajueiro, cajueiro-roxo) Mangifera indica L. (mangueira) decocção cicatrizante; hemorroidas; me diabetes; afordisíaco; inflamação cas/fr vaginal, inflamação no útero. me bronquite asmática banho Toma durante o dia todo; infusão faz o banho até curar. ao natural cas/fr xarope 2, 3 vezes ao dia, "2 dedinhos" inchaço, irisipela; limpa o sangue: coceiras; hemorroidas, Schinus terebinthifolius Raddi (aroeira, aroeira-vermelha, aroeira-banca) me/ mi estômago; antiinflamatório, cas cicatrizante, pra machucado fo infeccionado. Reposição sem hormonal - menopausa. decocção banho pó xarope Inflamação vaginal; sangramento Cont. Tabela 3... na gengiva; pulmão: gripe e tosse Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência 38 C/E ANNONACEAE Annona muricata L. me diabetes Pimpinella anisum L. me/ irritação das mucosas; calmante; (erva-doce) mi gases; pra rezar criança me/ “lavar as vistas” no candomblé, mi problemas de visão me urina presa (diurético) (graviola) fr fo Infusão 5 C 5 C APIACEAE sem infusão decocção ARACEAE Pistia stratiotes L. (erva-de-santa-luzia) fo banho 5 C pl decocção 2,4 E 5 E ASTERACEAE Acanthospermum hispidum DC. (amor-do-campo, carrapichinhodo-campo,carrapichinho) Ageratum conyzoides L. (erva-de-são-joão, catinga-debode) me Arnica montana L. (arnica-montana) me (da farmácia) Baccharis dracunculifolia DC. (alecrim-do-campo, alecrim-domato) me/ mi Bidens pilosa L. me/ (picão) mi? antidepressivo; problemas renais; abortiva; circulação cólicas, gases, diarréia e estômago fo fl afasta proga; utilizado pra fazer própolis verde; antibiótico fo natural; afasta “o mal” de casa. hepatoprotetor, problemas renais; hepatite; cirrose infusão decocção tintura 30 gotas em 1 copo de alcoólica água decocção quando está em crise defumação 1 2, 3, 5 E 5,2,4 E 2,4,5 E 5 C 5 E fo pl decocção (exceto banho ra) Eupatorium maximiliani Schrad. ex DC. me (arnica, arnica-do-campo) inchaços; torçoes, quebraduras; reumatismo decocção fo banho garrafada sumo Mikania laevigata Sch.Bip. ex Baker xarope me tosse fo reumatismo; dores de contusão e fo de coluna fl decocto (guaco) Solidago microglossa DC. (arnica) me garrafada 3 xícaras (ou 3 copos americanos) por dia 39 Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E 2,4,5 E 4,5 E 2,3 E 3 E 3 E 2,4,5 E C ASTERACEAE (cont.) Sonchus oleraceus L. (serralha) Vernonia cognata Less. (assapeixe, assapeixe-roxo) me me depurativo do sangue: para vitiligo pneumonia, para os bronquios; pulmão, tosse decocção fo salada refogada fo decocção sumo xarope BIGNONIACEAE decocção Infecções de pele: sangue ruim, Jacaranda puberula Cham. (carobinha) me coceira, irritação. Antiinflamatório, pra banhar fo banho Vinho e chá: 2 vezes por infusão dia vinho machucados Sparattosperma leucanthum (Vell.)Schum. (cinco-folhas, cinco-chagas, me antiinflamatório; erisipela fo fortalece o sistema imunológico; fo hepatite; depurativo do sangue; cas trevo-de-cinco-folhas, sete- decoção 3 xícaras (ou 3 copos banho americanos) por dia chagas) Tabebuia impetiginosa ( Mart.ex DC.) Standl. me (ipê) decocção cancer BORAGINACEAE Cordia verbenacea DC. (erva-baleeira) Symphytum officinale L. me estimula o sistema imunológico; antibiótico natural fo decocção 3 xícaras (ou 3 copos americanos) por dia me para os cabelos fo xampu 5 me estômago:úlcera fo ao natural 1 me para dores nas costas pl garrafada 5 E para dores musculares, pl garrafada 5 E fo decocção 5 C (confrei) BRASSICACEAE Brassica oleracea L. (couve) Cleome aculeata L. (erva-de-macaco) Cleome diffusa Banks ex DC. (erva-gambá) me principalmente nas costas Lepidium pseudo-didymus Thell. ex Druce me pnemonia: para os bronquios Usa-se quando se sente dor. (mastruço) 40 Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E 5 E 2,4 E BRASSICACEAE (cont.) esfregar no Lepidium virginicum L. (vassourinha-de-pulga) me contra pulgas pl cachorro ou varrer o terreno Lepidium cf.ruderale L. me (agrião-do-mato) Nasturtium officinale R.Br. (agrião) me pneumonia fo pulmão; tosse, gripe fo ao natural comer as folhas como salada ao natural 1 sumo xarope CARICACEAE Carica papaya. L. (mamão-macho) me Gripe; tira manchas de roupa fl decocção fo ao natural 5 C CLUSIACEAE Garcinia cola Heckel (orobô) sem mi "fava" banho 1 COSTACEAE Costus spicatus (Jacq.) Sw. me/ infecção renal; cistite - diurético; (cana-do-brejo, cana-de-macaco) mi folha de Nanã fo infusão decocção 2 vezes ao dia 2,5 (alagados) E CRASSULACEAE Kalanchoe brasiliensis Cambess. (saião) Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers. (folha-da-fortuna) contusão;pulmão:resfriado, tosse, me tosse coqueluxe; furúnculo; cataplasma fo destroncado; estômago. mi sorte; banho de descarrego Pulmão: Tomar 2 copos xarope uma vez ao dia por no ao natural máximo uma semana. fo C 5 (vas os) 4 E CUCURBITACEAE Cucurbita sp. L. (abóbora) Momordica charantia L. (melão-de-são-caetano) Sechium edule (Jacq.) Sw. (chuchu) me vermes sem ao natural reumatismo; tira mancha de fo roupas; febre pl me baixa a pressão fr me infecção urinária. fo me rins pl decocção Parte Preparo e usada uso me 1 garrafada 2,3,4 decocção 1 cozido 5 E C EUPHOBIACEAE Acalypha comunis Müll.Arg. (parietária) Euphorbia prostrata Aiton (quebra-pedra) Família/Espécies/Nome popular infusão decocção 5 E 2 E Cont. Tabela 3... Usos Indicações de uso Dose (quantidade) Procedência EUPHORBIACEAE (cont.) 41 C/E Jatropha gossypiifolia L. (pinhão-roxo) Phylanthus niruri L. mi banho de descarrego fo me para os ins pl me para os ris pl me bronquite fr (erva-pombinha, quebra-pedra) Phylanthus tenellus Roxb. (falso-quebra-pedra, ervapombinha, quebra-pedra, quebra banho infusão decocção decocção infusão 1,2,5 E 2,4,5 E 2,4,5 E 3 E 5 E 5 C 1,5 C 5 C 2 E -edra-do-norte) LAMIACEAE Leonotis nepetifolia (L.) R. Br. (cordão-de-frade) Leonurus sibiricus L. (erva-macaé, macaé) Mentha pulegium L. me pneumonia;febre;estômago; fígado me pra criança me/ Diarréia de criança; estômago; mi vermes; pra rezar criança; rins decocção decocção fo sumo ao natural fo infusão (poejo) Mentha x piperita var. citrata (Ehrh.) Briq. (hortelã, elevante) decocção fo sumo 2, 3 vezes por dia ao natural decocção Ocimum cf. basilicum L. (manjericão, alfavaca) me/ mi/ temp expectorante para infecção pulmonar; tuberculose crônica; mal olhado; banho de infusão fo descarrego; coração; proteção de xarope decocção banho. Oxalá. Ocimum officinalis L. (alfavacão) Origanum vulgare L. (orégano) me tosse de coqueluxe fo xarope me "pra ficar de bem com a vida" fo decocção vermes; dor de cabeça fo Plectranthus amboinicus (Lour.) me/ Spreng. temp duas xícaras por dia ao natural Infusão 1 5 E 5 E (hortelã-pimenta) Plectrantus grandis (Cramer) R.H.Willemse (boldo) me problemas digestivos;estômago; ressaca. fo decocção sumo um copo quando não se sente bem, ou antes de beber. 42 Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E 5 C 5 C 5 C LAMIACEAE (cont.) Plectrantus neochilus Schltr. me má digestão; pro fígado, ressaca fo (boldo-do-chile) Rosmarinus officinalis L. (alecrim, alecrim-de-casa, alecrim-da-horta) me/ mi sumo decocção "pra ficar de bem com a vida";para os decocção fo banho xampu cabelos;reumatismo; banho de duas xícaras por dia passar nas juntas descarrego Salvia officinalis L. (salvia) me/ temp Asma: expectorante fo infusão LAURACEAE Cinnamomum zeylanicum Breyn. (canela) Laurus nobilis L. "pra ficar de bem com a vida"; me Menstruação atrasada quando chá de cidreira não adiantou. me má digestão "rotando azedo" decocção “pau” decocção cas com vinho 2 xícaras por dia 1 tinto fo decocção fo decocção 1 C 5 C 5 C (louro) Persea americana Mill. (abacateiro) diurético; baixa a pressão; me expectorante; corta gases acumulados 2 vezes ao dia. Nunca durante a noite. LEGUMINOSAE CAESALPINIOIDEAE Bauhinia variegata L. (pata-de-vaca, pé-de-vaca) Hymenaea sp. (Jatobá) me infecção renal. fo decocção me para os ossos cas garrafada me dor de dente ra me Hemorragia menstrual fo pl 2 copos por dia busca fora do bairro MIMOSOIDEAE Mimosa pudica L. (dormideira) decocção - 2,4,5 E decocção 3 E decocção 2,4,5 E bochecho PAPILIONOIDEAE Cajanus flavus DC. (Guando) Desmodium barbatum (L.) Benth. in Miq. (amor-do-campo, carrapichinho) me antiinflamatório, diurético, para pedr anos rins 43 Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E tomar durante o dia todo 5 E 5 C 5 C 5 C 2,5 E PAPILIONOIDEAE (cont.) Desmodium purpureum Hook. & decocção Arn. (amor-do-campo, carrapichinho- me corrimentos vaginais. fo do-campo, carrapicho, -banho decocção chá carrapichinho) LILIACEAE Aloe vera (L.) Burm.f. (babosa) me hemorróidas; cicatrizante; para os cabelos; cancer; estômago supositórios muc cataplasma ao natural Dracaena fragrans Ker Gawl. (peregun-de-oxum, peregum-de- mi folhas de Oxum e Oxalá fo quinadas oxalá) ter plantada em ambientes de Sansevieria trifasciata Prain (espada-de-são-jorge) mi afasta más influências, olho gordo, mal olhado grande fo circulação de pessoas, como entrada de casas LORANTHACEAE Struthanthus marginatus (Desr.) Blume para desinchar torção; me (erva-de-passarinho) pneumonia: para os bronquios; tosse de resfriado; pulmão fo pl cataplasma decocção sumo LYTHRACEAE Cuphea balsamona Cham. & Schltdl. (sete-sangrias) me/ mi? glicemia alta; desentope vasos. Diarréia de sangue.dor de barriga. fo decocção ra banho 2,4,5 C-5 E-4 MALPIGHIACEAE Malpighia punicifolia L. (acerola) me gripes e resfriados me para furunculos fo fr decocção 5 C cataplasma 1,5 C banho 1 MALVACEAE Abelmoschus esculentus (L.) Moench fr (quiabo) Cola acuminata Schott & Endl. sem mi "fava" (obi) Gossypium arboreum L. (algodão) me aumentar as contrações e dilatação uterina durante o parto fo decocção 5 banho Cont. Tabela 3... (parteiras); infecções uterinas Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso C Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência MARSILEACEAE 44 C/E folha seca Marsilea sp. mi (trevo-de-quatro-folhas) Boa sorte fo sempre junto 5 C à pessoa MELIACEAE Melia azedarach L. me/ Para dores na coluna; planta de fr (para-raio, para-raio-de-xango) mi Xangô e Yansã fo garrafada 4,5 C E MORACEAE garganta inflamada com pus, no Morus nigra L. me/ candomblé usa-se os galhos para (amoreira) mi fazer varinhas "trabalhadas" para fo decocção 5 -bochechos C espantar os Eguns. MYRTACEAE Blepharocalyx salicifolius (Kunth) O. Berg me (murta) pra secar umbigo de criança (parteiras) fl não sabe 5 C E decocção inalação Eucalyptus citriodora Hook. (eucalipto) me resfriado, sinusite; estômago fo decocção chá 3 vezes ao dia 2,3 C 4 vezes por dia 5 E ao natural xarope. decocção Eugenia uniflora L. me (pitanga) tosse, refriado, febre fo xarope infusão Myrciaria sp. me. diarréia de sangue em adultos cas 5 decocção (vizinhos) (jabuticabeira) br/foPsidium guajava L. me (goiabeira) para diarréia em adultos confecção dos Atoris, varas para tocar atabaques. adultos fr decocção 5 E 5 E 3 E 5 E verdescrianças NYCTAGINACEAE Mirabilis jalapa L. me (maravilha) Para furúnculos; feridas infeccionadas; infecções de pele. fo cataplasmas sem pó fo para fazer Aplica-se até o furúnculo estourar. PHYTOLACACEAE Galesia integrifolia Harms. (Spreng.) decocção me queda de cabelos (pau-d´alho) Petiveria alliacea L. me/ (guiné, guiné-pipiu) mi xampu decocção dente inchado; mal olhado; banho de descarrego fo -bochecho Banho 45 Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso folhas banho “contas” infusão Dose (quantidade) Procedência C/E PIPERACEAE Peperomia pellucida (L.) Kunth (oriri, língua-de-sapo) mi planta de Oxum me tônico para os músculos 3, 4 (locais úmidos) E POACEAE Coix lacryma-jobi L. (lágrima-de-nossa-senhora, conta- 5 E 5 C de-nossa-senhora) Cymbopogon citratus Stapf. (capim-limão, capim-santo, calmante;pra dormir bem e me capim-cidreira) acordar disposto no outro dia; fo digestiva; tosse e resfriado; decocção xarope 5 vezes por dia 1 colher vômito; diarréia Saccharum officinale Salisb. me rins fo decocção 1 (cana) fl Zea mays L. (cabelo-de-milho) me problemas renais; para a urina (diurético) “cabelo do 1,5 decocção (vizinhos) milho” PLANTAGINACEAE Plantago major L. (transagem) me bronquite; antiinflamatório; antibiótico natural fo decocção cas decocção fl infusão fo decocção 5 E 5 C PUNICACEAE Punica granatum L. (romãzeira) me infecção na garganta; resfriados me "pra ficar de bem com a vida" ROSACEAE Fragaria vesca L. (morango) Rosa sp. L. (rosa-branca) me/ mi prisão de ventre; mal-olhado. fl (pétalas) 2 xícaras por dia 1 infuso decocção 1,5 C 5 E Banho RUBIACEAE quebraduras não expostas; Genipa americana L. (jenipapo) me "repõe tudo que o organismo fo sumo necessita"; expectorante:para fr ao natural cas decocção tuberculose crônica. Simira glaziovii (K.Schum.) Steyerm. (quina-rosa) me depurativo do sangue busca fora do bairro 46 Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E RUTACEAE Citrus aurantifolia Sw. (lima-da-pérsia) fo me Diabetes; resfriado, gripe. fr decocção cas decocção fo xarope fr ao natural 1 RUTACEAE (cont.) Citrus aurantium L. (laranja-da-terra) Citrus limon (L.) Burm. F. (limão) Citrus sinensis (Osbeck) me me me (laranja) resfriado, tosse. Fonte de vitamina C. Resfriado, fonte de vitamina C. fo Tosse, gripe, resfriado, fonte de fo vitamina C. fr Ruta graveolens L. me/ ventre virado; cólicas; banho de (arruda) mi descarrego. fo decocção infuso decocção banho infuso 5 C 1,5 C 1,5 C 1,5 C 3,5 C 5 C E SCHIZAEACEAE Lygodium volubile Sw. (abre-caminho) mi banho de descarrego; folha de Ogum fo banho fo sumo fr ao natural SOLANACEAE Capsicum frutescens L. me/ (pimenta-malagueta) temp Physalis angulata L. me para furunculos (camapú) Solanum americanum Mill. me tira verrugas e cravos nos pés fo sumo 2,4,5 me dente inchado fr decocção 1 me Inchaços (rrva-moura) Solanum gilo Raddi (jiló) Solanum lycopersicum L. br/fo (tomateiro) Solanum paniculatum L. (jurubeba) me obesidade, baixa o colesterol, cura hepatite C; problemas no fígado. Anemia. decocção 5 -banho. fr elixir fo decocção ra vinho Vinho: 2 vezes por dia 5 (vizinho) 47 C E Cont. Tabela 3... Família/Espécies/Nome popular Usos Indicações de uso Parte Preparo e usada uso Dose (quantidade) Procedência C/E URTICACEAE Cecropia cf. lyratiloba Miq. (embaúba) Urera caracasana (Jacq.) Gaudich. ex Griseb. me pulmão: tosse, gripe. me diabetes; purificação do sangue "bananinh a" fo C xarope 5 decocção 5 C 5 E 5 E 5 C 5 C E (urtiga-branca) VERBENACEAE 1 ou 2 copos depois do Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson (erva-cidreira, cidreira, capim- me baixa pressão; calmante; digestiva; menstruação atrasada decocção fo limão) almoço ou quando se infusão sente mal, antes de refresco dormir ou quando está muito nervoso. Stachytarpheta cayennensis (Rich.) J.Vahl me/ (gervão-roxo) mi mastite; furunculose. Problemas no estômago: gastrite, úlcera, fo dores. Folha de oxalá cataplasma infusão ZINGIBERACEAE Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm. (colônia) Zingiber officinale Roscoe (gengibre) acalma, antidepressiva. Diabetes. me/ Rins. Angina, broncodilatador. fo mi Coração; pressão; banho de fl descarrego me antibiótico natural ra infusão decocção quando sentir sede banho decocção 48 3.3. Caracterização e organização das plantas nos quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande Esta análise objetivou saber quais plantas os informantes cultivam ou incentivam em seus quintais e se estes possuem algum tipo de organização sistemática das plantas em torno da casa, de acordo com a classificação destas, medicinais, ornamentais, místicas, alimentícias ou outra. Não foi objetivo analisar a diversidade florística dos quintais. Seguindo Vogl et al. (2004) definiu-se como quintal -homegarden, o espaço adjacente à casa da(s) pessoa(s) que os cultiva ou mantém-gardener(s). Ou seja, quintais são uma extensão da casa, fazendo parte desta. Eles podem ser urbanos, privados e adjacentes à uma casa na cidade; ou rurais, quintais adjacentes a uma casa na zona rural. Nos quintais estudados por etnobotânicos geralmente se cultivam frutas, vegetais, ervas e plantas ornamentais, primariamente para subsistência e para sua própria satisfação. Mas os usos dos quintais variam, alguns os utilizam também para produção comercial de vegetais, enquanto outros têm somente um gramado e plantas ornamentais. Os quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande se dividem e se mesclam entre quintais urbanos e rurais. Isto porque a área de estudo é ainda predominantemente rural em um grande centro urbano. Encontramos quintais onde existem plantas ornamentais e aqueles onde alimentos ainda são cultivados para o consumo dos moradores (Fig. 7-12). Os quintais variam em tamanho, mas em geral circundam toda a casa. Os terrenos dos informantes têm em média 400m 2 e as plantas estão, em geral, dispostas no entorno da casa, com exceção dos quintais representados nas Figuras 7 e 10, onde as plantas ficam respectivamente na frente e nos fundos das casas, e são retangulares. Estes dois quintais possuem aproximadamente 150m2. O quintal da Figura 8 é uma exceção em relação à extensão, pois se localiza num terreno de 15000m2. O informante 2 é caseiro deste terreno cujo dono raramente vai ao local e permanece por pouco tempo. Este informante mora num terreno ao lado, onde também cultiva algumas plantas. Devido à criação de galinhas que tem em sua casa, ele cultiva tudo que precisa no terreno onde é caseiro. Apesar de ser muito maior que os demais terrenos, neste estudo considera-se como um quintal, pois é a extensão da 49 casa do informante, nele ele cultiva frutas e vegetais para sua própria subsistência, e incentiva plantas medicinais, que usa como remédio. As plantas destacadas em negrito nas legendas são aquelas utilizadas pelos informantes como medicinais e/ou místicas. Notamos que estas são muito representativas nos quintais, sendo, em geral, representadas por mais da metade das plantas existentes. Em geral, observam-se nos croquis que as herbáceas e os arbustos são predominantes nos quintais dos informantes, sendo as árvores e arvoretas menos representadas: aroeira (Fig. 12B), embaúba, abacateiro, acerola, amoreira, goiabeira, jenipapo, caju (Fig. 12A; 13I), mangueira (Fig. 12E), romãzeira, laranjeira, limoeiro, louro, pitanga, eucalipto, graviola, jabuticabeira utilizadas como medicinais; macieira, tangerina, coqueiros, caqui, sapoti, carambola, fruta-do-conde, jamelão, jambo, ameixa, frutíferas e para sombrear; cravo-da-índia, sabugueiro, pata-de-elefante, flamboyant, paineira, amendoeira, castanheira como ornamentais, temperos e para sombrear. As ervas mais bem representadas nos quintais são: manjericão ou alfavaca (Ocimum basilicum) e acerola (Malpighia punicifolia) encontradas em todos os quintais analisados; abacateiro (Persea americana), cajueiro (Anacardium occidentale) (Fig. 12A; 13I), quebra-pedra (Phylanthus tenellus e P. niruri), goiabaeira (Psidium guajava), erva-cidreira (Lippia alba) (Fig. 13F) e aroeira (Schinus terebinthifolius) (Fig. 12B), encontradas em 3 quintais; hortelã (Mentha x piperita var. citrata), boldo (Plectranthus grandis), transagem (Plantago major), elevante (Mentha piperita), mangueira (Mangifera indica), pimenta-malagueta (Capsicum frutescens), limão (Citrus limon) e pitanga (Eugenia uniflora) encontradas em 2 dos quintais analisados. Vale salientar que estas plantas são muito sensíveis às variações ambientais por se tratarem de pequenas ervas. Erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides) (Fig. 13E), por exemplo, analisando os croquis, é encontrada somente em um dos quintais, no entanto, esta espécie está presente em todos os quintais, dependendo da época do ano. A maioria dos informantes não possui uma horta, não cultiva vegetais para sua subsistência com exceção do informante 2 (Fig. 8) que produz alguns alimentos para si próprio e do informante 4 (Fig. 10) que possui uma horta de couve. Entretanto esta não é uma atividade prioritária para os informantes, e isso pode se explicar pelo fato de residirem próximo a centro urbano, e relativa facilidade de encontrarem “sacolão” e supermercados onde podem comprar alimentos. Por outro lado, observando as figuras vê-se que a maioria das espécies presentes nos quintais são de uso medicinal. 50 A maioria das plantas de uso medicinal presentes nos quintais não são cultivadas. Elas são espontâneas na região, e os moradores tendo conhecimento de suas propriedades medicinais às incentivam em seus quintais, ou seja, não as considerando ervas-daninhas e sendo estas na sua maioria pequenas ervas, têm o cuidado de protegêlas quando limpam os quintais. As árvores na sua maioria foram plantadas, com exceção da aroeira que segundo todos os informantes que a têm no quintal, ela é espontânea na área. Algumas herbáceas e arbustivas exóticas são cultivadas, como é o caso daquelas já consagradas como medicinais na população brasileira: erva-cidreira (Fig. 13F), alecrim, manjericão e hortelãs. Das plantas de uso místico foram encontradas nos quintais, pereguns, manjericão, rosa-branca, espada-de-são-jorge, colônia (Fig. 13B) e trevo-de-quatrofolhas que são plantadas e da guiné que é espontânea na área. As demais utilizadas por eles são adquiridas em lojas especializadas em religiões de matriz-africana. A organização das plantas em relação às casas não segue o padrão de canteiros, mas são espalhadas em torno da casa, com exceção do informante 1 (Fig. 7), que separa temperos de plantas medicinais em canteiros diferentes (Fig. 12 H). Como a maioria é incentivada e não cultivada, elas permanecem onde nascem. O local escolhido para as poucas que são plantadas é selecionado de acordo com a preferência da planta por sol, por água, próximo a muros ou algum lugar para que as trepadeiras se apóiem. É pouco comum a utilização de vasos para as plantas, como pode ser observado nos quintais, todas as plantas estão no solo, exceto nas figuras 11 e 12C, onde observam-se alguns vasos. Este é o quintal do informante 5, que divide o terreno com um filho. Este começou uma criação de galinhas que comeram todas as plantas do informante 5. Desta forma ele se viu obrigado a colocar as plantas em vasos. Vê-se que num mesmo vaso possuem muitas plantas. No entanto, o fato de ter suas plantas em vasos não o agrada, pois como ele as utiliza muito, sempre precisa ficar plantando mais. A troca de mudas entre vizinhos é muito comum. Em trabalho realizado no Rio Grande do Sul, Somavilla & Canto-Dorow (1996) citam que 76% das plantas utilizadas como medicinais são obtidas através de amigos e também pelo hábito de cultivo caseiro. Alguns moradores como é o caso do informante 4, fazem mudas de todas as suas plantas para o caso de alguém solicitar (Fig. 10). A tentativa de trazer algumas plantas espontâneas da região para os quintais também foi observada, como por exemplo, o chapéu-de-couro, que nasce em alguns locais alagados do entorno da APA. No entanto, como a maioria dos lotes foi aterrado, 51 as tentativas de cultivá-lo são frequentemente frustradas. Desta forma, quando precisam desta planta eles a procuram nos terrenos alagados. Este é um fato importante, pois ainda hoje a especulação imobiliária na área de estudo é muito forte, e mais lotes estão sendo cercados e aterrados, acabando, principalmente com as plantas herbáceas utilizadas pela comunidade. A erva-de-bicho (Fig. 8), também era uma planta freqüente no terreno do informante 2 e hoje não é mais encontrada. O informante justifica o desaparecimento desta planta devido aos vários aterros que foram feitos no terreno. Foram citadas tentativas de trazer para os quintais algumas plantas da APA da Serra da Capoeira Grande utilizadas por eles, como é o caso da unha-de-gato. No entanto, por vários motivos não foi possível, principalmente devido às características das plantas, que segundo eles são de mata fechada e quando retiradas da mata não se desenvolvem nos quintais. As diferenças nas características do solo também foram responsáveis. No entanto, esta é uma preocupação recente, pois no passado a mata era o quintal das pessoas que residiam na Capoeira Grande, e havia uma certa tranqüilidade de que se precisassem, as plantas estariam lá. É o que conta Dona Antônia: “Nasci e fui criada na Capoeira Grande. [...] antigamente tudo ali era chácara, agora é eucalipto. Lá não tinha médico, minha mãe era parteira e ela curava aquele pessoal todo com ervas. [...] Minha mãe tinha tudo isso no litro [garrafadas]. Quando chegava gente assim ela dava”. Embora pesquisadores tenham procurado padrões para a estrutura dos quintais em vários locais, a conclusão geral a que eles chegaram é que esta estrutura é extremamente variável (Barrera 1980; Vara 1980; Rico-Gray et al. 1990; Caballero 1992, 1994; Albuquerque et al. 2005). Também, os quintais dos informantes do entorno da APA da Serra da Capoeira Grande não seguem um padrão definido de canteiros ou separação das plantas de acordo com seu uso. No entanto, pode-se identificar um padrão próprio nestes, com as seguintes características: incentivar ervas medicinais espontâneas, escolher o local para plantar, plantar segundo as exigências das plantas, de modo geral não usam vasos, não há divisão de canteiros com espécies medicinais, alimentícias ou temperos e as árvores são espalhadas beirando o muro ou distribuídas no quintal em forma de pomar. Há plantas para vários usos nos quintais estudados, o que mostra a importância destes na conservação, principalmente, das plantas medicinais e místicas, e do conhecimento sobre seus usos, não só para a área de estudo, mas para todo o bairro de Pedra de Guaratiba. 52 53 Estrada da Capoeira Grande Entrada Legenda (Escala 1: 200) 1.Abacateiro 10. Uva Rubi 19. Coqueiro 27. Lágrima-de-nossa- 2.Hortelã-pimenta 11.Cravo-da-india 20.Guiné senhora 3. Boldo-do-chile 12. Sabugueiro 21. Erva de Macaco 28. Goiabeira 4. Manjericão 13. Mamão 22. Transagem 29. Jenipapo 5. Macieira 14. Erva doce 23. Alfavacão 30. Algodão 6. Cará 15. Tangerina 24. Elevante 31.Chapéu-de-couro 7. Rosa branca 16. Canapú 25.Roseira 32.Erva cidreira 8. Uva 17.Erva pombinha 26. Trevo de 4 folhas 33. Uva Itália 9. Uva Moscatel 18.Acerola 34. Uva rosada 54 Figura 7 - Croqui de quintal da informante 1 do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Frente da casa Entrada Legenda (Escala 1: 200) 1. Caju 10. Cajá 19. Laranja 2. Caqui 11. Embu 20. Tangerina 3. Sapoti 12. Pimenta 21. Quebra- 4. Mangueira 4´. Malagueta 13. Mangueira com erva-de- 5. Abacateiro 6. Carambola 22. Pitanga elefante 23. Taioba 14. Romã 24. Alfavaca 15. Erva-de- 25. Goaibeira santa-maria 26. Cambota Erva- 27. Coité cidreira 7. Mamão 28. Azaléia 8. Banana Fruta-do- 29. Colônia conde 9. Acerola 30. Flamboyant Limão 31. Paineira 16. 17. 18. identificação pedra Pata-de- passarinho 32. Árvore sem 55 Figura 8. Croqui do quintal da informante 2 do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Frente da casa Entrada Estrada da Capoeira Grande Legenda Permanentes 9. (Escala 1: 200) Erva- 17. Aroeira Amor-do-campo cidreira 1. Amora 18. Carambola Erva-tostão 2. Erva-de- 10. Alfavaca 19. Eucalipto Covinha-de-macaco são-joão 11. Capim- 20. Jamelão Parietária 21. Amêndoa Quebra-pedra 22. Erva- Tanchagem 3. ? limão 4. Limão 12. Cana-do- 5. Acerola brejo 6. Babosa 13. Jasmim 23. Coqueiro Picão 7. Romã 14. Caju Temporárias Melão-de-são- 8. Boldo 15. Coqueiro Erva-de- caetano 16. ? passarinho Gervão-roxo baleeira Tiririca 56 Figura 9. Croqui do quintal da informante 3 do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Entrada casa da filha Entrada Entrada principal casa de “Seu” A. Estrada da Capoeira Grande Legenda 1. Castanha 14. Graviola 2. Bananeira 15. Quiabo 3. Castanha 16. Mangueira 4. Capim- 17. Mamão limão macho (Escala 1: 200) 26. Mudas de eucalipto 27. Jaboticabeir a 28. Ornamentais 5. Limão 18/19. Cajueiro 29. Ameixa 6. Erva-gambá 20. Mamão 30. Roseira 7. Aroeira 21. Jambo 31. Babosa 8. Castanha 22. Cajueiro- 32. Saião 9. Boldo roxo 33. “Flor 10. Coqueiro 23. Abacateiro 11. Acerola 24. Pitanga 35. Cana 12. Goiabeira 25. Pata-de- 36. Pimenta- 13. Abacaxi vaca malagueta 37. Arnica 38. Pimenta-dedo-demoça 39. Laranja-da-terra 40. Hibiscus japonesa” Figura 10. Croqui do quintal do informante 4 do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. 57 5 Frente da casa Entrada principal Estrada da Capoeira Grande Legenda (Escala 1: 200) . Vasinhos: manjericão, elevante, hortelã, 1. Espada-de-são-jorge 2. Boldo hortelã-pimenta, alecrim e ornamentais. 3. Aroeira Várias plantas num mesmo vaso. 4. Peregum-de-oxalá 5. Peregum-de-oxum 6. Embaúba 7. Acerola Figura 11. Croqui do quintal da informante 5 do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. 58 A B C D E F Figura 12. Quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro: A. Cajueiro; B. Aroeira; C. Plantas em vasos; D. Vista geral de um quintal; E. Mangueira e milharal; F.Ornamentais; G.Ornamentais na entrada; H. Canteiro de boldo-do-chile. G H 59 A C B D E F H G I Figura 13. Algumas plantas de uso medicinal e místico citadas pelos moradores do entorno da APA da Serra da Capoeira Grande. A.Pinhão-roxo; B.Colônia; C.Erva-macaé; D. Algodão; E. Erva-de-santa-maria; F.Erva-cidreira; G.Vidros dona Zelinda; H. Erva-doce; I.Cajueiro 60 3.4. As plantas nas crenças e religião: influências observadas na Capoeira Grande Na Capoeira Grande foram encontradas 30 espécies de uso místico (Tabela 4). Destas, Jatropha gossypifolia, Lygodium volubile, Petiveria alliaceae e Sansevieria trifasciata são citadas em trabalhos de Albuquerque & Chiapetta (1994; 1995 e 1996) sobre rituais afro-brasileiros e em Parente & Rosa (2001) que listam plantas místicas comercializadas em Barra do Piraí, RJ; Momordica charantia e Ruta graveolens foram encontradas por Schardong & Cervi (2000) no Mato Grosso do Sul. No Brasil, há forte aproximação do uso de plantas para tratamento caseiro de doenças com os mais diferentes sistemas de crenças. Entre as formas adotadas para a realização das curas, estão os procedimentos de caráter mágico religioso, a fim de reforçarem as terapias adotadas. Nesses casos, são comuns os passes, orações, medalhas, patuás, crucifixos, etc. Essa religiosidade presente na medicina popular deve-se em parte à herança portuguesa dos primórdios do Brasil, a qual trouxe a crença nas curas milagrosas através da intercessão de santos católicos junto aos poderes de Deus (Camargo 2000). Santos (1992) fala sobre a medicina em Portugal do século das luzes, que estava incrivelmente agarrada a práticas e superstições ancestrais, algumas bem obscurantistas e, segundo o autor, se o século XVIII foi uma época de luzes, tentando impor a razão, foi ao mesmo tempo a época das trevas, confundindo-se religião com ciência, conforme mostram receitas médicas indicadas para as doenças correntes. A colonização portuguesa nos séculos XVI e XVII deixou profundas marcas nas práticas médicas populares do Brasil de hoje. A medicina era exercida pelos físicos, cirurgiões e barbeiros, como eram denominados aqueles que sabiam curar e sangrar. Exerciam também essa tarefa os padres da Companhia de Jesus, pois tinham noções de primeiros socorros médicos e conheciam botânica, embora tivessem vindo com a incumbência principal de desempenhar o trabalho de catequese junto aos indígenas. Esses profissionais praticavam uma medicina impregnada de espírito de religiosidade marcada pela fé cristã, tal como era em Portugal, onde a medicina era ensinada nos conventos e onde, também, os livros médicos eram escritos. Nesta época discutia-se quanto o homem tem o direito de intervir na doença, visto que a Igreja admitia ser castigo de Deus, por seus pecados. Antes de se iniciar qualquer tratamento era necessário ouvir um conselho eclesiástico. Se o doente até o terceiro dia não se confessasse a um padre, o médico era 61 obrigado a interromper o tratamento sob pena de castigo de perder o direito de exercer a medicina (Camargo 1998, 2000). Era uma medicina que recorria aos santos advogados e estes eram tantos que havia no século XVIII em Portugal um catálogo elucidativo com os males do corpo e do espírito e os santos advogados, em número de 80 (Camargo 2000). A medicina popular de hoje continua a se apoiar fortemente na fé religiosa que reforça o sentimento de culpa e do castigo divino, quando diante de problemas de saúde. As terapias adotadas são sempre acompanhadas de orações, penitências, promessas visando o merecimento da graça da cura. Dessa tradição portuguesa herdou-se a crença em santos cujas orações a eles dedicadas são comuns no Brasil, a exemplo: Santa Luzia catalogada em Portugal no século XVIII protetora dos olhos está, também no Brasil presente em rezas tal como relata Langowiski (1973): Santa Luzia passai por aqui, com seu cavalinho comendo capím, sangue de Cristo, pingai aqui. E, ainda, registrada por Campos (1955): Corre, corre, cavaleiro Pela porta de São Pedro Vai dizer a Santa Luzia Que me mande o lenço branco Pra tirar esse argueiro Na Capoeira Grande encontraram-se dois “rezadores” que benzem e rezam utilizando plantas, práticas essas ligadas a um catolicismo que se popularizou através das crenças nas forças protetoras de santos católicos. É o caso de uma erva aquática batizada com o nome de Santa Luzia (Pistia stratiotes), conhecida dos moradores da Capoeira Grande, utilizada para problemas de visão. Segundo Camargo (2000) os “benzimentos”, que geralmente acompanham as orações, transformaram algumas plantas introduzidas no Brasil pelos portugueses em instrumentos de valores mágicos. Alguns “rezadores” acompanham a reza com um raminho verde de preferência arruda ou alecrim. As plantas desempenhavam importante papel na preparação dos remédios. Os jesuítas as conheciam muito bem, visto que mantinham boticas onde atendiam aos doentes e forneciam-lhes as plantas, quase todas vindas de Portugal. Dentre essas plantas estavam: manjericão, salsa, arruda, bredo, hortelã, coentro, berinjela, alho, ervilha, lentilha, pepino, 62 melão (França 1926). Com as dificuldades que tinham para receber tais plantas, visto que as viagens através dos mares levavam muito tempo, eles passaram a substituí-las por plantas indígenas, pois seu contato com os indígenas lhes proporcionou oportunidades de aprenderem, e assim muitas plantas nativas foram incorporadas às coleções mantidas nas boticas (Camargo 2000). “Dos índios aprenderam o emprego de infinitas ervas medicinais, cujas virtudes ensinaram, aos outros jesuítas dos 180 colégios, dos 90 seminários, das 160 residências, quantos haviam espalhados pelo mundo no fim do século XVII” (Calmon 1935). Dois dos informantes que contribuíram para este trabalho, Dona Antônia e Seu Joaquim, se intitulavam “rezadores”. “Toninha, sou rezadeira. Já rezei muita criança e muito adulto. Minha vó rezava, minha mãe rezava e eu rezo. Sou católica, gosto de ir a missa, de ir a procissão, mas sei também banho de descarga”. Dona Antônia “Sou católico [...] faço benzeção também, graças a Deus. Aprendi com minha avó. É. Ela morreu com 125 anos de idade, é por causa dela que eu to vivo aqui hoje”. Seu Joaquim Pode-se notar que nem todo católico é “rezador”. Desta forma, possuir esta característica é considerado uma dádiva. Também nas frases acima fica marcado que eles são rezadores e pertencem à religião de matriz católica. Além dos santos para quais as rezas são direcionadas, existem certas doenças que, popularmente, somente as rezas curam. É o caso do “ventre virado”, doença que geralmente dá em crianças, e a “espinhela caída”. Segundo Camargo (2000), trata-se de dor na região epigástrica decorrente de uma deformação do apêndice xifóide, provocando dores de estômago, vômitos, além de problemas respiratórios. Estes realmente foram os sintomas citados pelos informantes. As plantas místicas e seus usos podem ser observadas nas Tabelas 3 e 4. “Uma vez uma menina tava internada no hospital, já tavam procurando o pesinho porque não achavam mais veia da menina, aí a mãe passou aqui chorando e eu disse, que foi Maria? Ai Tonia, minha filha tá nas últimas! Já furou até a solinha do pé que não acham mais veia. Mas o que ela tem? Eu perguntei. Ah tá vomitando, com uma diarréia de sangue, que só sai água de sangue. Olha a maluquice que eu fiz, parece intuição da gente né, eu disse, tira sua filha de lá, e traz aqui porque é 63 ventre virado. Ela trouxe, eu rezei com azeite a barriguinha dela, mandei ela dá banho de sete-sangrias que eu tinha aqui, chá de hortelã e a menina ficou boa. Era ventre virado, e médico não cura não, ventre virado é tombo ou susto que faz isso”. Dona Antônia “Esse aqui é muito bom pra banho, é bom pra quando ta com espinhela caída sabe, com aquela dor de estômago de espinhela caída toma chá de elevante. Toma banho também é bom, elevante é bom pra levantar o astral, é menina [risos]”. Dona Cremilda “Eu curo qualquer criança, com o ventre virado, eu boto aqui no colo, agora mesmo tá bom, viu. Uma folha de arrudazinha, eu boto num leitinho de uma menina, de uma dona aí, boto numa canequinha, num copinho, né, o leitinho dela. Vô molhando a arruda no leitinho, batendo nas anquinha dele e falando as palavra, daqui a três dias o menino ta bom, disvira. É, disvira. É, o ventre virado a gente acabou de benze ele virou ele assim de cabeça pra baixo, ele torna a vira, o ventrinho”. Seu Joaquim As ervas usadas pra banho também são muito comuns entre eles, o banho é sempre destinado ao “descarrego”, que pra eles é limpeza e proteção contra coisas ruins como o “mal-olhado” e “olho-gordo” (Tabela 4). Não só os que se definem como “rezadores” utilizam e recomendam estes banhos, mas outros informantes também os utilizam, como é o caso de Dona Lúcia e Dona Cremilda. “Aí pode tomar banho de arruda prá olho grande. Quando está com o corpo esquisito assim, o corpo meio doendo assim, mal humorado, aí toma um banho de arruda, toma um banho de sabão primeiro, depois pega arruda assim passa ela no corpo. Você pega assim um balde com água, com água morna e esfrega ela no corpo”. Dona Cremilda “Na parte espiritual as pessoas usam [o elevante] pra quebrar mau olhado nas crianças, dando banho”. Dona Lucia “E esse aqui serve pra tomar banho também, pra olho grande, é bom em criança. Às vezes ta enjoadinho, pequeninho, enjoadinho, que nem a gente mesmo né. Aí pega as folhas do manjericão, esfrega assim na água, bota um pouquinho e água quente e esfrega no corpo”. Dona Cremilda “Pega a folha [de cana-do-brejo] e vai num balde e quina, esfrega né, deixa ela que nem um bagaço né, de tanto esfregar, aí depois de quinada né, bota num meio balde com água, aí cê pega a folha que cê quinou e 64 aferventa de água, aí cê pega um pouco de água morna, pra lavar da cabeça aos pés, pra botar os pés, mas não enxuga não, só as partes né, assim né, aí veste uma roupa clara né, pra dormir, uma camisa limpinha né. É muito bom. Porque a gente ta vivendo num mundo muito assim ambicioso, muito invejoso, muito negativo sabe, as pessoas tem inveja de você, inveja de tudo. Aí é bom sabe, você tomar um banho assim”. Dona Cremilda “Abre-caminho, é pra descarrego. Aquilo quando você trabalha com espírito, cê toma um banho dele, acabo de toma o banho você já recebe o santo. Ferve a folha. Banha do pescoço pra baixo, a cabeça não”. Seu Joaquim Segundo Camargo (1988) as ervas nos banhos são destinadas a induzir o bem-estar e segundo seus informantes, têm o poder de afastar os maus-espíritos, mau-olhado, quebranto, etc. Autores como Camargo (op. cit), Verger (1995) entre outros desenvolveram trabalhos relacionados a esta forma de utilização, destacando a importância de uma investigação de caráter farmacobotânico das plantas em função dos princípios ativos, responsáveis pelos efeitos que causam àqueles que delas se utilizam. Percebe-se que as crenças se fundem, o ser católico, faz “rezação”, e trabalha com espíritos. Estas são características dos informantes neste trabalho. Seu Joaquim conta como são os espíritos que o ajudam a trabalhar com as plantas: “Tem vez aqui ó, eu sozinho aqui, faço minha jantinha, ponho ali, tomo um banhinho ali, visto minha ropinha branca, viu, coloco uns colarzinho aqui, e eu vejo quando ele encosta pertinho de mim, o velhozinho né, encosta pertinho de mim, ele encosta porque não tem ninguém pra atender ele! Quando ele tem alguém pra atender, ele abaixa, ele gosta, ele adora. Ele fica aqui, pertinho, a gente fica vendo aquela sombra né, Graças a Deus, é por isso que eu curo quase todo mundo, viu, graças a Deus. [E esse velho que ajuda o senhor tem nome?] Tem. [Pode falar?] Pode, Seu Maravilha. É um velho que tem 365 anos de idade, já fez muita barbaridade. Agora que Deus ta botando ele no caminho, de tanta barbaridade que ele fez. Ele já matou muita gente, ele me conta. Agora ele ta ajudando pra mode ele ganhá a salvação, Deus ta botando ele no lugarzinho dele. O congo-monjolo também é muito bom, viu, o congo monjolo de tão velho que ele é quando ele arria na gente, precisa de gente pra ajudar aqui senão eu caio aí”. Seu Joaquim Santa Bárbara é um dos santos católicos que aparecem nas citações: 65 “A erva-de-santa-bárbara também, é muito boa. Pra banho de descarrego também. Cê desculpa de eu te falar viu, cê é filha de Santa Bárbara, eu conheço, cê é filha de Santa Bárbara. Cê tomá um banhozinho dela cê recebe ela na hora, ii, na hora. Ce não me engana viu! [...] É uma velha, uma velha muito boa que trabalha muito bem, dá remédio muito bem, ela só baixa pra dá remédio, mal não. A erva de santa bárbara é uma árvore assim, em cima é verdinha, embaixo é branquiiinha, é uma coisa tão linda menina. É duas cor, coisa mais linda que tem e dá no mato”. Seu Joaquim Os banhos também são associados a rezas e à administração de chás para cura de doenças em crianças: “Pra diarréia ela [sua mãe] dava hortelã e banho de sete-sangrias quando a criança tava com diarréia de sangue”. Dona Antônia Além dos banhos, as plantas são utilizadas também de outras formas mágicoreligiosas, como por exemplo, para espantar o mal de casa, através de defumação: “O alecrim-do-campo é pra defumação de dentro de casa. Cê apanha ele, deixa ele secar um pouquinho, uns dois ou três dias, põe ele no defumador, bota um foguinho nele com uma palha de alho, vai lá e defuma a casa toda. Ali nada mal fica”. Seu Joaquim Segundo Camargo (2000), as plantas originárias da Europa, principalmente da Região Mediterrânea, introduzidas no Brasil pelos portugueses, ganham tal aceitação a ponto de hoje fazerem parte do universo mágico-religioso dos sistemas de crenças de origem e influência africana, onde desempenham papel litúrgico e terapêutico, além de terem seu espaço garantido no panteão das divindades que regem as religiões afrobrasileiras. Dentre essas plantas estão o alecrim, arruda, alfazema, manjericão, entre muitas outras. São plantas que em Portugal, além de desempenharem seu papel terapêutico, faziam parte do universo mágico da feitiçaria européia do século XVI e que hoje no Brasil transformaram-se em símbolos de valor litúrgico junto às divindades das religiões afrobrasileiras Foram os negros, evidentemente, que influenciaram tais transformações, pois sendo grandes conhecedores das plantas rituais e de poderes mágicos, facilmente absorveram os conhecimentos sobre as plantas trazidas pelos portugueses e as incorporaram em seu universo mágico-religioso. 66 Desta forma, do ponto de vista religioso, está nas religiões de origem e influência africana como candomblé e umbanda a maior incidência quanto ao uso de plantas, tanto nas cerimônias religiosas como nos rituais de cura (Camargo 1998; Almeida 2003). Com a chegada ao Brasil dos primeiros africanos de origem banto, oriundos de regiões localizadas abaixo do Equador, começaram os contatos destes com os indígenas, que foram passando seus conhecimentos sobre as plantas nativas e os papéis que as mesmas desempenhavam em seus rituais religiosos e de cura. A partir dai os negros passaram a usá-las, também, em suas reuniões religiosas. É tal a importância das plantas nesses sistemas de crenças, que sem elas, certamente tais religiões não existiriam (Camargo 1998). Dentre os informantes deste trabalho, dois afirmaram ter religiões de matriz africana. “Sou espírita, da Umbanda”. Dona Cremilda “Minha profissão atual é pai-de-santo. Eu com 13 anos de idade eu tinha tido uma manifestação espírita [...] 20 anos depois... em meio ao meu desespero emocional, físico, sei lá, eu pedi pelo amor de deus a ele [um pai de santo conhecido] que ele abrisse um jogo, jogo de búzios, pra ver o que tava acontecendo comigo porque eu não sabia. [...] resolvi me iniciar [...]. Aí, na iniciação você já aprende o uso litúrgico mesmo das ervas.” Fábio Por ser pai-de-santo, Fábio foi o informante principal para plantas de uso místico. Ele confirma a afirmação feita por Camargo (op. cit.): “É praticamente impossível você não conhecer, porque você não faz nada dentro da religião sem as plantas. Porque sem as plantas você não consegue a ligação com o orixá, você não consegue a cura de determinadas doenças causadas por alguns orixás”. Camargo (1998) informa que as plantas nestas religiões estão presentes nas preparações de banhos de defesa, de limpeza, de purificação; nas preparações de comidas, bebidas e remédios; nas cremações em incensórios, cachimbos, charutos e cigarros. Segundo Albuquerque (1994) o uso ritual de plantas no combate às doenças e no restabelecimento da saúde constitui prática comum nos cultos afro-brasileiros, revelando acentuado hábito cultural, com grande rede de influencia social. Nas falas abaixo de Fábio, percebemos que no candomblé as plantas são utilizadas tanto com efeito mágico-religioso como com efeito terapêutico, e muitas vezes estes dois conceitos se fundem: 67 “Eu tenho uma filha minha, que por um acaso é de Yemanjá, ela tava com uma inflamação vaginal que não curava, aí eu fui e arranquei a casca da aroeira-vermelha e preparei”. “O gervão-roxo, além de ser uma folha de Oxalá, determinado Deus nosso, como ela é usada da mesma maneira, quinada, etc, ele também tem o uso terapêutico que me curou de uma úlcera gástrica que eu tive”. Nas práticas místico-religiosas existentes na Capoeira Grande, as folhas são as partes mais utilizadas, mas se utilizam também as sementes, que são denominadas de favas. A forma de preparo é sempre o sumo das folhas “quinadas”. Este sumo é na maioria das vezes utilizadas para diversos banhos (Tabela 4). Segundo Fábio e Dona Cremilda, quinar é um processo pelo qual o sumo é retirado das folhas, através do ato de esfregar, macerar. “A folha é mais usada, mas o caule também é utilizado porque tem muito sumo nele. A semente é utilizada naquilo que a gente chama de fava, que nada mais é do que a semente. A gente usa pra determinados banhos e uma fava que a gente chama de obi, que é africana e que foi plantada aqui no Brasil, que eu acho que vem da época da escravidão mesmo em que os sacerdotes vieram pro Brasil, porque a maioria dos escravos que foram comercializados eram sacerdotes e eles trouxeram muitas coisas de lá inclusive o obi que é a noz-de-cola. E o obi pra gente é imprescindível, você não raspa sem o obi, não tem como. A gente só usa as coisas da natureza”. Fábio “ [...] o grande poder da planta ta exatamente no sumo dela. No candomblé a gente tem uma coisa, as plantas da gente são sempre arrancadas a luz do dia, por que? Porque ela é mais forte, ela tem mais poder energético, então como a gente quina as folhas, que esse é o processo de você tirar o sumo. É macerado, como se você tivesse lavando roupa, você esfrega bastante. Hoje algumas casas ainda deixam as folhas. A gente não, a gente côa, a gente aproveita aquele sumo, acrescenta um pouco mais de água e aquele banho, ou pode ser pra limpeza, normalmente é pra limpeza do seu corpo, agora há outros banhos relacionados com perebas, relacionados com feridas”. Fábio “As plantas são usadas como banho, ou você deita sobre elas pra pegar a energia, e geralmente são processadas, maceradas, até ficar com o sumo bem escuro”. Fábio 68 “Vou explicar o seguinte, digamos que você seja de Yemanjá, então você vai se iniciar no culto do candomblé, você raspar o orixá. Todas as folhas relacionadas com o seu Orixá vão estar dentro de uma palha, devidamente quinada, porque você vai tomar banho diariamente com aquilo. Porque ali ta o encantamento, aquelas folhas foram cantadas, foram encantadas. E as folhas, também as mesmas que foram pro “abo”, as vezes podem ser as mesmas que vão pra um determinado local em que vai estar recolhida. Por que? Exatamente porque estas são as folhas que representam este orixá”. Fábio Existe uma divindade responsável pelas plantas: “Ossain é o Deus das folhas, o grande feiticeiro das matas. Ossain é o grande feiticeiro das folhas, é ele que detém o poder das folhas, é ele que sabe o que vai ser usado”. Fábio Segundo Verger (1981) Ossain é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas. Sua importância é fundamental, pois nenhuma cerimônia pode ser feita sem a sua presença, sendo ele o detentor do àse (poder), imprescindível até mesmo aos próprios deuses. O nome das plantas e sua utilização e as palavras (ofò), cuja força desperta seus poderes, são os elementos mais secretos do ritual no culto dos deuses iorubás. As folhas para serem utilizadas precisam passar por um processo que eles chamam de “cantar” ou “encantar”. Este processo tem o objetivo de multiplicar o poder da folha, e o responsável por isso é Ossain: “A gente tem os encantamentos que são chamadas “sassain”, que no popular eles falam sassanha. Que é um encantamento, Ossain é o Deus das folhas, é o responsável por isso, e você pra encantar uma folha, pra chamar a energia do orixá, você precisa cantar esta folha, então você canta determinadas folhas, pra encantar, o poder da erva multiplica assim a quinta potência, décima potência”. Fábio Camargo (1998) afirma que com relação aos rituais afro-brasileiros atuais é possível verificar que, além das plantas exóticas muitas plantas nativas brasileiras fazem parte destes rituais, deixando evidenciar certo distanciamento com relação à mãe África Verger (1995) demonstra isso em seu trabalho quando divulga grande número de receitas para as mais variadas finalidades, ditadas por religiosos na África, quando nelas predominam plantas africanas, não usadas no Brasil em receitas para fins semelhantes. Segundo Almeida (2003), com a vinda dos africanos para o Brasil, muitas foram as espécies trazidas, as substituídas por outras de morfologia externa semelhante e muitas 69 foram também as levadas daqui para o continente africano. Os negros introjetaram as plantas nativas do Brasil na sua cultura, através de seu efeito médico-simbólico. Plantas psicoativas utilizadas, por exemplo, em transes, não foram mencionadas pelos informantes da Capoeira Grande, o que não quer dizer que elas não sejam utilizadas. Alguns ritos do Candomblé e da Umbanda não puderam ser revelados: “Usamos o sumo da folha, a folha vai dentro de alguns rituais que é dentro daí do quarto ritualístico, que eu não posso revelar o que é, mas é usada pra um encantamento de orixá, pra trazer o orixá”. Fábio Camargo (1998) diz que muitas plantas usadas nos rituais religiosos e de cura são também de uso medicinal, pois de certa forma, fazem parte da formação cultural do brasileiro, transmitida pelos antepassados e que hoje permanecem na memória daqueles que, em sua medicina caseira, as utilizam. Este fato pode ser observado nas falas dos moradores da Capoeira Grande. Dentro deste contexto, é importante destacar na história de utilização de plantas para tratamento de doenças/sintomas no Brasil, os procedimentos terapêuticos de caráter mágico-religioso nas práticas de cura trazem em seu bojo certos traços da feitiçaria européia que remontam ao período medieval. Certamente, com as perseguições impostas pela Inquisição as fugas para o Brasil propiciaram a introdução de práticas de feitiçaria, então em voga na Europa do século XVI, fazendo com que tais práticas passassem a ser conhecidas das populações das localidades para onde os fugitivos passavam a residir (Camargo 1998). Como dito anteriormente, a própria utilização de plantas medicinais voltada a práticas religiosas ditadas pelo cristianismo do século XVI, presente em Portugal na época do descobrimento do Brasil, que invocava santos protetores a fim de intercederem nas curas das mais diversas doenças, se mantém ainda viva entre os brasileiros de hoje (com os “rezadores”), mantendo também vivo o ato de recorrer aos intercessores terrestres. Santos (1992) expõe como era a utilização de plantas medicinais voltada a estas práticas religiosas definindo estes intercessores terrestres - "os feiticeiros, os bruxos, os próprios curandeiros que ao uso de certos produtos naturais, manipulados com maior ou menor dose de perícia, juntavam benzeduras, orações, gestos exóticos que constituíam o ritual indispensável à libertação do mal, físico ou psíquico”. 70 Vale a pena salientar que para que possamos compreender o uso de plantas envolvendo curas de males físicos e espirituais, é importante que as atenções se voltem para todos os elementos de que compõem os processos de cura e tentar compreender a rede de inter-relações e os processos interativos que se estabelecem em perfeita coerência com a cosmovisão dos integrantes. O ideal seria ter uma visão holística desta realidade. As plantas citadas pelos informantes da Capoeira Grande como místicas podem ser observadas na Tabela 4. Tabela 4. Plantas místicas citadas pelos informantes da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro. 71 Nomes populares Nomes científicos Usos Abre-caminho Lygodium volubile Sw. “banhos de descarrego”; banho para receber espíritos. Alecrim Rosmarinus officinalis L. indicado por um pai de santo para paralisia da perna. Alecrim-do-mato Baccharis dracunculifolia DC. defumação de casa, para afastar os maus espíritos. Amoreira Morus nigra L. utilizada no candomblé na confecção de varinhas “trabalhadas” que servem para manter o Eguns afastados. “Os Eguns são espíritos ancestrais ligados à morte”. Aroeira Schinus terebinthifolius Raddi “banho de descarrego”. Arruda Ruta graveolens L. “rezar” ventre virado; banho para “olho grande”. Cana-do-brejo Costus spicatus (Jacq.) Sw. banho contra “olho gordo”; planta da orixá Nanã. Capeba não coletada encantamentos de orixás no candomblé Colônia Alpinia zerumbet (Pers.) B.L. Burtt & R.M. Sm. Elevante Mentha piperita var. citrata (Ehrh.) Briq. Outra sp. não coletada Erva-de-santa-bárbara não coletada utilizada para banho de descarrego na Umbanda e Candomblé. Banho “quebrar mau-olhado” em criança; banho pra “espinhela caída” e para “levantar o astral”. banho para receber espíritos e ajuda de Santa Bárbara Cont. Tabela 4... Nomes populares Nomes científicos Usos Erva-de-santa-luzia Pistia stratiotes L. para “lavar as vistas” antes de jogar búzios. Erva-doce Pimpinella anisum L. pra “rezar criança” Espada-de-são-jorge Sansevieria trifasciata Prain afasta más influências, olho gordo, mal olhado Folha-da-fortuna Kalanchoe Pers. atrair dinheiro e sorte; “banho de descarrego” Gervão-roxo Stachytarpheta cayennensis (Rich.) J.Vahl folha de Oxalá Psidium guajava L. confecção dos Atoris ou Aquidauis, varinhas que se usa para tocar atabaque no candomblé. Goiabeira pinnata (Lam.) 72 A maioria das plantas utilizadas como místicas também é utilizada como medicinal, semelhante ao encontrado por Camargo (1998). A maioria já está aclimatada no Brasil, como erva-doce, colônia, manjericão, outras são nativas, como a aroeira, e a guiné. Algumas delas ainda têm que ser compradas, como é o caso das “favas” Obi e Orobô. Segundo Almeida (2003), o Obi e o Orobô estão entre as espécies que foram trazidas da África e aqui permaneceram. E a guiné está entre as que foram levadas para a África, após a abolição, durante o chamado refluxo migratório. Algumas plantas não foram coletadas, tanto místicas quanto medicinais, pois os informantes não as têm mais em casa ou porque quando precisam compram em pequenas lojas de produtos religiosos localizadas na região, ou nos grandes mercados distribuidores do Rio de Janeiro como Mercadão de Madureira, por exemplo. As indicações terapêuticas destas plantas e outras informações podem ser observadas na Tabela 3. O diagnóstico das doenças, na maioria das vezes, é realizado através de consulta aos oráculos, que determinam os sintomas, identificam males e orientam os procedimentos de cura. Segundo Almeida (2003) pode-se observar nas religiões de matriz africana duas grandes categorias de doenças: os distúrbios que se apresentam sob a forma de desordem física, que podem ocorrer ou não no iniciado e que são relacionados com a atuação das divindades principais do indivíduo. A segunda categoria compreende as doenças endêmicas em geral como varíola, gripe, resultante da ação genérica dos orixás Obaluaê e Omolú, considerados “os senhores da vida e da morte”. Segundo o informante Fábio, em se tratando de iniciados, a sintomatologia pode exprimir a “marca” ou sinal de sua divindade principal ou de um orixá que faça parte de seu “carrego de santo”. Esta informação é corroborada por Almeida (2003). Neste estudo, um exemplo desta relação pode ser realizada para Costus spicatus, planta do Orixá Nanã, utilizada para problemas renais. Segunda Almeida (2003) as doenças renais, assim como o reumatismo são vistos como “males de velhos”, sendo atribuídos a Oxalá e Nanã, orixás primordiais da criação. 73 3.5. Formas de Preparo de remédios caseiros na Capoeira Grande Alguns informantes utilizam compostos de plantas, com algumas formas de preparo detalhadas, informações muito longas para constarem em uma tabela. Neste tópico serão descritas estas formas de preparo. As transcrições em itálico correspondem às informações gravadas. As demais correspondem às anotações em diário de campo. Para torção “Você vê como o troço é abençoado esta tal de erva-de-passarinho: uma vez eu subi aí pra pegar uns galho seco desta planta aí, a seriguela. Aí eu subi, o galho quebrou comigo, caí, torci este braço, o braço incho, aí tinha um rapaz aqui que perguntou o que tinha acontecido. E me perguntou se eu não sabia o que era bom pra isso, eu disse não sei não...eu sei o saião, não moço, cê não vai fazer só com saião não...faz com erva-de-passarinho, soca tudo junto, faz aquele emplasto, bota num pano e amarra no braço, depois se pega um vinagre e dá um banho de vinagre em cima. Menina, mas foi uma benção do céu. Quando foi de noite eu deitei, ainda tava doendo, mas eu senti o braço fazendo assim [mostrando o braço destorcendo], parecia que tinha uma pessoa mexendo nele pra botar o osso no lugar, no outro dia eu já tava varrendo aí as folha com a vassoura, com três dia eu fiquei bonzinho. Mas o osso chegou a sair do lugar mesmo legal, mas fiquei bom, o saião socado com erva-de-passarinho e sal grosso. Parece mentira mas é bom mesmo”. Seu Manoel Algodão para contrações uterinas “Ele era muito usado pelos antepassados né. Usado num banho pra aumentar as contrações na hora de nascer o bebê, pelas parteiras. Chá da folha pra qualquer tipo de infecção uterina. Pro banho também as folhas, botava a água e as folhas pra pessoa sentar e se banhar, pra ajudar nas contrações uterinas”. Dona Lucia Para fraturas que não sejam expostas “Você conhece o Genipapo? É esta árvore. Os frutos e as folhas. Se você tem uma quebradura que não seja exposta, você soca ele e côa ele bem e bota a raspa, junta os ossos no lugar. E o fruto maduro o suco dele é rico em tudo, repõe tudo que o ser humano necessita no seu organismo”. Dona Lúcia Elixir que combate a obesidade e o colesterol “...composto de jurubeba, alcachofra, espinheir-santa, chapéu-de-couro. É a mesma coisa só que estas outras passam por laboratório, por química né. Então você tem ela dentro de casa, ce tem o elixir. Combate a 74 obesidade, o colesterol. Combate também, é uma cura total contra a hepatite C... Eu uso só o fruto, eu faço um elixir do fruto aí, normalmente se eu tenho a folha do chapéu de couro eu uso né, porque ajuda a combater o colesterol. Eu trituro ele todo [o fruto da jurubeba], deixo em infusão por uma hora numa panela de ágata bem limpinha que não solta resíduo de alumínio né, aí depois eu trabalho ele num processo que eu também posso fazer ele com o álcool, álcool natural só pra garrafadas. Aí faço, cozinho, e, é uma coisa como se tivesse passado por um laboratório. É trabalhoso. Tem que esterilizar ele todo, fruto por fruto, cada coisa que eu vou por junto. [E como a senhora estereliza?] Eu tenho as bacias das minhas ervas, só pra isso. Aí eu coloco tudo lavo bem em água corrente a jurubeba eu tiro todas aquelas bolinha por bolinha, daqueles cachinhos e lavo muito bem lavado em água corrente, depois eu coloco uma colher de água sanitária dentro da bacia com água deixo em torno de umas duas horas, depois eu lavo, lavo em água corrente novamente, boto numa peneira pra escoar, e depois que ela escoa bem escoadinha aí é que eu vou fazer, triturar ela”. Dona Lúcia Contra vermes “Isso [erva-de-santa-maria] aí antigamente no interior. De manhã a gente levantava né, aí a mãe da gente falava, hoje não vâmo tomar café, vâmo tomar remédio de verme, tomava com leite, leite de cabrito. Aí fazia e nóis tomava. Socava aquilo no pilão, tirava aquele sumo e misturava no leite de cabrito. E a gente chama no peito. Nunca ninguém sofria nada, ficava amarelo por causa de verme nem por causa de nada não. Só se usava isso pra verme”. Seu Manoel Xarope pra tosse “Eu uso o capim-limão pra fazer um xarope. Quer vê, anota aí: capim limão, pitanga, laranja-da-terra e...um dentinho de alho. Você bota umas folhinha de laranja da terra, pitanga, capim limão e um dentinho de alho numa panela com um pouquinho de água e o resto põe açúcar. Faz aquele caldo grosso e tá pronto”. Seu Antônio Garrafada para dores musculares, principalmente nas costas, na coluna “Essa é aquela que quando você dá uma pancada né, ou uma dor na coluna, você tira com raiz e tudo [erva-gambá], bota numa garrafa né, junta arnica, cobre com álcool, aí daqui dois dia, três dia, e passa. Ela tem um cheirinho, você conhece gambá conhece? Olha aqui ó...[esmagando uma folhinha pra eu cheirar] parece o cheiro da defesa do gambá né, por isso o nome de erva-gambá”. Seu Antônio 75 Garrafada pro homem se sentir mais jovem “Aqui o caju-roxo, a casca, o pessoal tira, de vez em quando eu tiro pra um senhor aqui...tira pra fazer garrafada né. Só do roxo, outro não tem. Aí bota numa garrafa com água, bota na geladeira, pra beber. Diz né...o senhor que vem pegá aí que diz...vâmo dizer assim...um rapaz de 60 anos fica igual um de 40”. Seu Antônio Pra tirar furúnculos “Esquenta [a folha do saião] no fogo com um pouquinho de azeite, pra ficar bem quente, ai coloca em cima do olho né, aí sai aquele carnegão. É só espremer que sai o carnegão. Pode amarrar um pano pra segurar um pouco né”. Seu Antônio Supositórios para tratar hemorróidas “ Uma senhora tava me contanto que gastou dinheiro pra caramba com hemorróide, aí uma mulher falou pra ela...ué, você não tem babosa, tenho, você faz assim como se fosse um supositório né...aí você coloca no congelador, da geladeira né, não no freezer, aí tira e usa. Tira um pedaço da folha aqui assim, faz assim um palitinho [com a mucilagem] né, e bota no congelador. Ela usou e curou”. Seu Antônio Contra vermes “Eu uso hortelã-pimenta é bom pra verme. Aí bota hortelã-pimenta e hortelã-de-horta, bota os dois e bate no liquidificador com leite e toma de manhã em jejum, é muito bom pra verme”. Dona Cremilda Para dor de cabeça “É bom pra dor de cabeça também o hortelã-pimenta. Esse pra dor de cabeça a gente faz o chá, pega o hortelã faz chá e toma. Lava bem as folhinhas, bota água pra ferver, bota dentro e abafa e deixa abafado lá. Depois, deixa esfriar e bebe. Bebe frio. Bebe umas duas, três vezes no dia. É bom pra dor de cabeça”. Dona Cremilda Para sangramento na gengiva “O meu escape da periodontite foi a casca da aroeira. Você faz, ferve, ela tem muita cica, é horrível. Bochecha. Assim, se você tiver sangramento na gengiva, acaba”. Fábio 76 Para furúculo Pega-se um punhado de folhas de maravilha, coloca-se para aquecer na frigideira com um pouco de azeite. Quando estiver quente, no limite suportado pela pessoa, colocar em cima do furúnculo com um algodão. Quando esfriar, esquentar novamente e aplicar denovo. Aplica-se até o furúnculo estourar. Se depois de um dia de aplicação ou dois o furúnculo não estourar, parar o tratamento porque possivelmente não é furúnculo e pode precisar ser lancetado. Dona Zelinda Para fortalecer o sistema imunológico Utiliza um galho de eva-baleeira pra 1 litro de água para fazer o chá. Mas ainda tem dúvidas sobre esta medida, por ela não ser exata. Toma-se 3 xícaras (ou 3 copos americanos) por dia - café da manhã, almoço e jantar. Dona Zelinda Para problemas renais Picão: a preparação do chá segue o mesmo processo de preparo da ervabaleeira. Usa a planta toda exceto a raiz. Para uma planta de uns 20cm de altura meio litro de água. Dona Zelinda Para resfriados, tosse, tuberculoses, pneumonia Saião com leite – meio litro de leite para 6 folhas. Bate tudo no liquidificador. Tomar 2 copos uma vez ao dia por no máximo uma semana. Esta receita foi indicada pelo médico para o filho da empregada. A informação que o médico passou pra ela foi que se esta dose for maior pode ser tóxica, formando água na pleura. Dona Zelinda Para contusão Socar as folhas do saião e usar como cataplasma num tecido ou algodão. O número de folhas socadas depende da extensão do machucado. Dona Zelinda Contra pulgas Amassar as folhas de erva-de-santa-maria e espalhar pelo quintal. Pode-se amassar a folha e esfregar no corpo do cachorro. Dona Zelinda Para corrimentos vaginais Um punhado de folhas de carrapicho, sem o carrapicho para um litro de água. Toma durante o dia todo. Dona Zelinda 77 Para relaxar e digestivo Usa-se para fazer o chá 7 folhas de erva-cidreira para um copo de água. Toma-se depois do almoço, ou quando se sente mal do estômago, ou ainda antes de dormir ou quando se está muito nervoso. Dona Zelinda Digestivo Uma touceira de capim-limão com oito folhas usa-se somente quatro em meio litro de água. Mas se tomar muito se tornar laxante. Dona Zelinda Para sinusite Um galho de eucalipto de mais ou menos 30 cm para meio litro de água, arranca as folhas e ferve. Inala e toma como chá 3 vezes por dia. Dona Zelinda Para dores no estômago, ou para “quando se bebe demais” “Pega as folhas [do boldo], bota num copo soca bem, bota uma água gelada, coa e bebe. Mas é gostoso”! Seu Antônio Para dor de dente “A raiz da dormideira, só a raiz que é a parte ativa dela, pra inflamação dentária. Ferve ela, ela quente ainda faz um bochecho”. Antônio Para lavar machucados inflamados “O chá das folhas da carobinha, o próprio banho, banho que eu falo é um pouco de água que vai banhar aquela perna, se tiver uma ferida crônica, uma inflamação. Então, ele pode beber um pouquinho daquela água antes da banhar, e o que sobrou ele vai usar pro banho. Ferve [as folhas], por cinco minutos deixa um pouco, bebe e consumir este banho logo no período de 24 horas. [...] o trevo de cinco folhas, conhecido também como sete chagas. Ai no morro tem bastante. É pra banho também, antiinflamatório, faz da mesma forma”. Antônio Para cicatrizar machucados “Uma outra árvore que é remédio também é a aroeira. Ela é antiinflamatório também, pra banho também, pra cicatrizar machucado. Pode beber também. Pra machucado infeccionado. Ferve [as folhas], por cinco minutos deixa um pouco, bebe e consumir o banho logo no período de 24 horas também”. Antônio 78 Depurativo do sangue “O ipê roxo também é bom, depurativo do sangue. Ferve as folhas por cinco minutos para fazer o chá”. Antônio Para cravos e verrugas “Usa o sumo da folha da erva-moura, coloca em cima da verruga. Pro cravo também, a pessoa corta a pele do cravo até ficar bem fininho e coloca o sumo. Ela tem que ser usada sempre verde né”. Antônio Para anemia “Minha mãe fazia raiz da jurubeba no vinho moscatel. Raspava a raiz, botava de molho uns 3 dias, depois dava um cado no almoço e outro na janta”. Dona Antônia Para diarréia “A casca da jaboticabeira é boa pra diarréia, aquela diarréia braba, a casca da jaboticabeira com broto de goiaba, juntos, ferve tudo”. Dona Antônia Para menstruação atrasada “A erva cidreira, quando a pessoa não quer menstruar, minha mãe dava chá de cidreira, ou então vinho tinto fervido com canela. As vezes a pessoa tava com a menstruação atrasada bebia o chá de cidreira, mas se não resolvesse, bebia vinho tinto com canela fervido”. Dona Antônia Para resfriado com febre “O limão com folha de laranja da terra, um dente de alho é bom pra resfriado, cozinha a folha da laranja, com um pedaço de limão e um dente de alho, mas não soca o dente de alho, só descasca e cozinha. Quando tem febre bota folha de pitanga junto”. Dona Antônia Para má digestão, “arrotando azedo” “O louro também, casca de cebola com folha de louro é bom pra quando a pessoa ta rotando azedo. Toma uma vez ou duas. Ta com a barriga inchada, rotando azedo, casca de cebola com folha de loro, para na hora”. Dona Antônia Para os rins “Pra rins é parietária, quebra pedra e folha de cana, é melhor do que cana de brejo. Folha da cana que a gente chupa a urina sai fresca, a cana do brejo sai com aquele cheiro ativo. Ferve tudo junto”. 79 Dona Antônia Para erisipela “Pra erisipela é bom folha de cinco chagas pra lavar [ferve a folha] e passar azeite doce”. Dona Antônia Para dente inchado “O guiné serve até pra buchechar o dente, quando o dente ta inchado, pode buchechar com folha de guiné, ou então cortar o jiló, cozinhar o jiló e aquela água buchechar com sal, mas a água do jiló com um pouquinho de sal serve pra desinchar o dente”. Dona Antônia Garrafada para dores na coluna “A fruta do para raio, bota sete caroço dentro de um litro de álcool, serve pra dor na coluna”. Dona Antônia Para úlcera “A folha da couve em jejum pro estômago, pra ulcera, bate no liquidificador e tomar aquele suco”. Dona Antônia Para bronquite asmática “Qualquer manga, se for um litro de água, pega 3 manga, tira a casca, pode comer a manga, cozinha ela, bate no liquidificador, côa e leva no fogo com açúcar, faz aquele xarope. Não pode botar álcool, tem que levar na geladeira. Aí, vai bebendo umas duas vezes ao dia, pode beber até 3 vezes ao dia. Assim uns dois dedinhos, quando acabar aquele litro tem mais bronquite”. Dona Antônia Contra vermes “Hortelã e santa-maria. Chá, ou então o sumo, bate no liquidificador hortelã e santa-maria. Caroço de abóbora pode bater junto, descasca e bota junto e bebe, bota verme”. Dona Antônia Para destroncados “Santa-maria com saião pra destroncado, pode botar em cima, soca e bota em cima”. Dona Antônia Contra pulgas “Esfrega a planta inteira [vassourinha-de-pulga] no cachorro, ou se tem pulga na casa varre a casa com ela”. Dona Antônia 80 Para reumatismo “Melão-de-são-caetano serve pra reumatismo, bota a folha no álcool e passa”. Dona Antônia Para diabetes “A casca do cajueiro é bom pra diabetes. Faz um chá da casca do cajueiro. se você tirar uma lasca de casca ele se regenera. Vai tomando durante o dia”. “A graviola é também pra diabetes, a própria fruta ou o chá da folha. Uma folha daquela dá pra fazer um chá pra dois litros. Todos os chá que eu faço eu deixo ferver a água e depois é que eu ponho a folha e tampo. O ideal mesmo é nem deixar a água ferver, quando tiver próximo de ferver eu desligo, quando tiver fazendo aquelas bolinhas pequenininhas”. Giovani Para tirar o mal da casa “O alecrim-do-campo é pra defumação de dentro de casa. Se panha ele, deixa ele seca um pouquinho, uns dois ou três dias, pões ele no defumador, bota um foguinho nele com uma palha de alho, vai lá e defuma a casa toda. Ali nada mal fica”. Seu Joaquim Para dores nas juntas “O alecrim-de-casa é pra ponha nas juntas, viu, fez um chazinho ali né, bebeu um poquinho, passa na junta as junta amolece todinha, não fica dura não. [E como o senhor faz chá?] Ferve a plantinha. Boto a planta dentro da água e bota ferve”. Seu Joaquim Para o fígado “Mastiga uma folhinha dele [erva-macaé] bota uma água gelada pra engolir aquele cardinho margano, quando bateu lá no fígado, fica bonzinho”. Seu Joaquim Para febre “O melão-de-são-caetano é pra febre. Usa o lacinho dele todo. Panhô ele, lavo ele, boto no fogo ferve e bebe, ah não tem febre que resista”. Seu Joaquim Para torcicolo “Faz chá, ferve na água. E depois esquenta a folha dele no fogo e bota no pescoço, o torcecolo não volta mais”. Seu Joaquim 81 Para diarréia “Ah, sete sangrias. É pra dor de barriga, viu. As vezes ce ta desandado que num para nada no estomago, num para nada na barriga, aí ce tomo ela acabo. Põe ela ferve e bebe o chá”. Seu Joaquim 82 3.6. Análises quantitativas Segundo Almeida (1997), a partir da decodificação das doenças/sintomas citadas pelos informantes de acordo com o sistema biomédico convencional, seguindo a classificação adotada pela décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005), pode-se traçar o perfil epidemiológico da comunidade. Esta classificação agrupa as doenças em 21 categorias (Tabela 1), e através dela foi feita a decodificação para as doenças/sintomas citadas pelos informantes da Capoeira Grande (Tabela 5). Após a decodificação dos usos das plantas citados pelos informantes para as categorias da CID, foram encontradas 18 categorias, somando um total de 352 citações (Tabela 5, Fig. 12). Destas, 75 (22%) foram referentes à categoria I que corresponde a doenças infecciosas e parasitárias, seguida de 46 citações (13%) na categoria X, doenças do aparelho respiratório. A categoria XI, doenças do sistema digestivo, aparece em terceiro lugar com 42 citações (11%), juntamente com a categoria XIV, doenças do sistema genitourinário com 41 citações (11%). Dentre todas as citações, 31 (8%) estão na categoria XVIII, que corresponde a sintomas e sinais não classificados em outra parte. Nesta categoria se encaixam os sintomas que podem ser devidos a diversas doenças, como por exemplo, febre ou dor de cabeça. As demais categorias encontradas foram: IX e XIX com 16 citações (4,5%); XII com 15 citações (4,2%); XX e V com 14 citações (3,9%); XIII com 11 citações (3%); IV e VI com 9 citações (2,5%); XV com 6 citações (1,2%); as categorias III, II , VII e XVI somam juntas 7 citações (1,9%) (Fig.12). De acordo com Novais et al. (2004), “as categorias terapêuticas mais citadas são aquelas que mais afetam a população estudada”. No caso deste trabalho, é mais correto dizer que as categorias mais citadas são aquelas que são mais tratadas utilizando-se plantas. As entrevistas foram realizadas com questões sobre as plantas que tratam doenças, e não doenças que são tratadas com plantas, o que pode causar uma diferença nas respostas, fazendo com que o informante se lembre de usos relacionados às plantas que eram feitos há tempos atrás, e não necessariamente refletindo tratamentos realizados no presente. Desta forma, os dados obtidos podem apenas servir de base para trabalhos futuros que tenham como objetivo traçar o provável perfil epidemiológico da comunidade. 83 Estes resultados são semelhantes aos de estudos realizados em áreas urbanas e rurais localizadas dentro ou no entorno de fragmentos de Mata Atlântica, como o de Di Stasi et al. (2002) e Pinto et al.(2006), onde os sistemas corporais mais afetados são em geral o respiratório, o digestivo (gastrointestinal) e doenças infecciosas e parasitárias. Di Stasi et al.(op. cit.) explica este fato devido às condições sócio-econômicas encontradas nas populações por eles estudadas, onde as condições de saúde e alimentação são muito precárias. Sendo assim, a predominância de doenças infecciosas e parasitárias, aliadas a doenças dos sistemas respiratório e digestivo são indicadas por este autor como problemas que podem ser vinculados às condições sanitárias deficitárias. Na comunidade em estudo embora as condições sanitárias e de alimentação sejam melhores do que aquelas citadas por Di Stasi, elas não são ideais. Em geral, doenças do sistema digestivo, aliado às doenças infecciosas e parasitárias são predominantes em regiões tropicais e subtropicais. Nos trabalhos de Amoroso & Gely (1988), Ming (1995), Schardong & Cervi (2000), Bennett & Prance (2000) e Medeiros et al. (2004); Pilla et al.(2006) também são citadas as doenças do aparelho respiratório como tendo maior número de plantas indicadas. Almeida & Albuquerque (2002) também relatam a predominância de doenças dos sistemas digestivo e respiratório entre as predominantes em sua área de estudo. Os resultados de Johns et al. (1994) vêm confirmar a importância do conhecimento de plantas para tratar problemas gastrointestinais e respiratórios em diversas culturas. No estudo que realizaram junto aos Batemi, na Tanzânia, estas duas categorias concentraram, juntas, o total de 62 registros de remédios. Segundo Troter & Logan (1986), Ugarte (1997), Heinrich et al.(1998), Bennett & Prance (2000) e Almeida & Albuquerque (2002) o tratamento de doenças do sistema gastrointestinal e do sistema respiratório, juntamente com o de problemas de pele são os mais frequentemente relatados através do mundo. No presente estudo, doenças do sistema genitourinário aparecem em terceiro lugar com 11% das citações, juntamente com as doenças do sistema digestivo. Esta categoria de doenças é citada entre as predominantes em Silva (1997), pelos índios Xucuru (Pesqueira/PE) e Nicholson & Arzeni (1993) em mercado no México e em Pilla et al. (2006) em São Paulo. 84 Tabela 5. Plantas de uso medicinal citadas pelos informantes do entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, em ordem alfabética de nome popular e classificadas de acordo com a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005). Nome popular Nome cientìfico Abacateiro Persea americana Abóbora Acerola Cucurbita sp. Malpighia punicifolia Agrião Nasturtium officinale Agrião-do-mato Alecrim Alecrim-do-campo Alfavaca-da-horta Alfavacão Lepidium cf. ruderale Rosmarinus officinalis Baccharis dracunculifolia Não coletada Ocimum officinalis Algodão Gossypium arboreum Alho Allium sativum Informantes S. Antônio D. Lúcia D. Antônia D. Antônia D. Lúcia D. Cremilda D. Antônia Giovani Seu Joaquim Antônio D. Antônia D. Lúcia S. Antôno D. Antônia Giovani Propriedades Terapêuticas Diurético Diurético; expectorante; corta gases acumulados Para urina, baixar a pressão Vermes Gripes, resfriados Pulmão: Tosse, gripe Pulmão: pnemonia Reumatismo Antibiótico natural Coração Tosse coqueluche Aumentar contrações e dilatação no parto; infecção uterina Resfriados e tosse CID10 XIV XIV; X; XI XIV I X X X X XIII I IX I XV; XIV X X X 85 Cont. Tabela 5... Nome popular Amor-do-campo; carrapicho; carrapichinho-do-campo Amoreira Arnica; Arnica-montana; Arnica-do-campo Arnica; Arnica-montana Arnica-montana Aroeira; Aroeira-branca; Aroeira-vermelha Nome cientìfico Desmodium purpureum Morus nigra Eupatorium maximiliani Solidago microglossa Informantes D. Zelinda D. Antônia D. Zelinda S. Antônia S. Manoel Antônio D. Atnônia S. Antônio D. Lúcia Arnica montana (da farmácia) D. Antônia S. Manoel D. Antônia Schinus terebinthifolius D. Cremilda Antônio Arruda Ruta graveolens Usos medicinais Corrimentos vaginais Corrimentos vaginais Reposição hormonal - menopausa Garganta inflamada Inchaços por pancadas, torções. Quebraduras, torções Joelho inchado, reumatismo Contusão; dores musculares; dores de pancada. Dores musculares, Reumatismo Cólicas, gases, diarréia, estômago Inchaços; cortes abertos; “eripsela”. Hemorróidas; estômago Limpa o sangue, coceira. “Inflamação de barriga” - lavagem vaginal. Machucados inflamados. Pulmão: gripe, tosse Antiinflamatório; cicatrizante; para Fábio machucado inflamado Corrimentos vaginais D. Clemilda Cólicas menstruais CID10 I; XIV I; XIV IV X; XVIII XIX; XX XIX; XX XIII XIX; XX; XIII XIII XI XIX; XX; I; XII IX; XI I; XIV;X XVIII; XII; I I; XIV XIV 86 Cont. Tabela 5... Nome popular Assapeixe; assapeixe-roxo Artemísia Babosa Nome cientìfico Vernonia cognata Sem coleta Aloe vera Informantes S. Manoel S. Lúcia Buta-preta Sem coleta I; X I; X Seu Joaquim Pulmão I; X D. Antônia Má circulação e manchas na pele S. Antônio cura hemorróidas Giovani Cicatrizante; câncer. D. Antônia estômago XI S. Antônio Para ressacas e problemas no estômago XI D. cremilda Plectrantus neochilus tosse. I; X Pulmão, gripe, tosse Plectrantus grandis Boldo-do-chile Para os brônquios, infecção pulmonar, CID10 D. Cremilda D. Zelinda Boldo Usos medicinais Pneumonia. Digestivo, neutraliza acidez do estômago. Digestivo, problemas do fígado, IX; XII IX XII; II XI XI Fábio ressaca: dor de barriga, dor de cabeça Ressaca D. Lucia Estômago, má digestão XI D. Antônia Estômago, má digestão XI Antônio Seu Joaquim Fígado, depois do porre Dor de cabeça XI XVIII XI 87 Cont. Tabela 5... Nome popular Nome cientìfico Cabelo-de-milho Zea mays Cajueiro Cajueiro-roxo Cana Cana-crioula Cana-do-brejo; cana demacaco Canela Cânfora Anacardium occidentale Saccharus officinale Sem coleta Costus spicatus Cinnamomum zeylanicum Sem coleta Sem coleta Capim-limão; cidreira; ervacidreira; capim-cidreira; Cymbopogon citratus Capim-santo Cardo-santo Sem coleta Informantes D. Zelinda D. Antônia S. Manoel Giovani D. Cremilda D. Antônia S. Antonio D. Antônia D. Antônia Fábio D. Lucia Seu Joaquim D. Antônia D. Lúcia Seu Joaquim S. Manoel D. Zelinda S. Antonio Fábio Giovani D. Antônia D. Lucia Seu Joaquim Usos medicinais Problemas renais Para urina Cicatrizante, diabetes Diabetes “Inflamação de barriga” - lavagem vaginal Hemorróidas Tônico sexual rins Corrimento vaginal Infecção Renal Cistite; diurética rins Menstruação atrasada Dor de cabeça de sinusite. Pras juntas Calmante. Tranqüilizante. Digestiva Tosse e resfriados Sistema nervoso, histerismo. calmante Vômito; diarréia Calmante; digestivo Dor de cabeça CID10 I; XIV I; XIV XII; IV IV I; XIV IX XVIII I; XIV XIV I; XIV I; XIV I; XIV XIV; XV X XIII V; VI; XVIII XI X V; VI V; VI I; XI; XVIII V; VI; XVIII; XI XVIII 88 Cont. Tabela 5... Nome popular Nome cientìfico Carobinha Jacaranda puberula Informantes S. Antônio D. Cremilda Antônio Carrapichinho; amor-docampo Carrapichinho; amor-docampo Catuaba Cebola Desmodium barbatum Acanthospermum hispidum Sem coleta Allium cepa Chapéu-de-couro Echinodorus grandifolius Chuchu Sechium edule Cinco-chagas; trevo-de-cincofolhas; sete-chagas Cinco-chagas Cipó-chumbo Sparattosperma leucanthum Colônia Alpinia zerumbet Sem coleta Antonio Seu Joaquim D. Antônia S. Manoel D. Lúcia Seu Joaquim D. Antônia Usos medicinais Para infecções de pele: sangue ruim, coceira, irritação. Antiinflamatório, pra banhar machucados Antiinflamatório; diurético; para pedra nos rins Urina presa estômago Má digestão “rotando azedo”. Para os rins Combate o colesterol Ossos, torcicolo Para urina e baixar a pressão Antônio (diurético) Antiinflamatório D. Antonia Erisipela D. Antônia S. Manoel Fábio D. Cremilda Giovani Gripe, rouquidão Diabetes; problemas renais Acalma, antidepressiva Pro coração, pressão Angina, broncodilatador CID10 XII XII XVIII; XIX XVIII; XIV XIV XI X I; XIV IX XIII XIV XVIII I X IV; I; XIV V; VI; XVIII IX IX; X? 89 Cont. Tabela 5... Nome popular Cordão-de-frade Couve Curvim Nome cientìfico Leonotis nepetifolia Brassica oleracea Sem coleta Mimosa pudica Sem coleta Sem coleta Informantes Seu Joaquim Mentha x piperita var. citrata D. Cremilda Embaúba Cecropia cf. lyratiloba Erva-baleeira Cordia verbenacea D. Cremilda D. Zelinda Antônio S. Manoel S. Antônio Giovani Antônio D.Zelinda Fábio D. Antônia S. Manoel Antônio D. Antônia D. Lúcia Dormideira Elevante Erva-cidreira; Cidreira; Capim-limão Erva-de-bicho Erva-de-bicho; cambará Erva-de-macaco Lippia alba Sem coleta Sem coleta Sem coleta Cleome aculeata D. Antônia Antônio S. Antônio D. Lúcia Usos medicinais Bronquite Estômago, úlcera “grão grande” Pra dor de dente Calmante, sedativo, para dormir. Para resfriado, renite, corisa Dor no peito, dor no estômago de espinhela caída Pulmão: gripe, tosse Estimulador do sistema imunológico Antibiótico natural Para pressão; calmante Calmante Digestiva. Relaxante. Sistema nervoso, histerismo. Menstruação atrasada Coceira Micose, frieira sarna Dores musculares CID10 X XI ? I; XI V; VI; XVIII X XVIII X III I IX; V; XVIII V; XVIII V; XVIII V; XVIII XI V; VI XV; XIV XII I I XIII; XIX; XX 90 Cont. Tabela 5... Nome popular Nome científico Erva-de-passarinho Struthanthus marginatus Erva-de-lanta-luzia Pistia stratiotes Informantes S. Manoel Erva-de-santa-maria Erva-de-são-joão; catinga-debode D. Lucia Seu Joaquim Fábio pneumonia. Para os brônquios, resfriado, tosse. Pulmão Para problemas de visão Para verme; calmante; tosse em S. Manoel criança; contra pulgas; para dores no D. Zelinda peito (cardíaca). Contra pulgas; Vermes. Para dores de cabeça; dores e inchaços S. Antônio de pancadas; contra vermes; contra D. Lúcia D. Antônia D. Zelinda Antônio D. Lúcia pulgas. Para verme; Tuberculose Vermes; destroncado Problemas renais. Circulação. Abortiva Antidepressivo Infecção das mucosas; para acalmar; Chenopodium ambrosioides Ageratum conyzoides Erva-doce Pimpinella anisum Erva-gambá Cleome diffusa Erva-moura Solanum americanum Usos medicinais Para torção, inchaços por contusões; D. Lúcia S. Antônio Antônio para gases. Dores musculares, especialmente nas costas (coluna) ou pancadas. Tira Verrugas e cravos nos pés. CID10 XIX; XX; I;X X X VII I; V; VI; X; IX I XVIII; XIX; XX; I I I; XIX; XX I; XIV; IX XV V I; V; VI; XI XIII; XIX; XX I 91 Cont. Tabela 5... Nome popular Nome científico Erva-pombinha; quebra-pedra Phylanthus niruri Erva-tostão Sem coleta Sem coleta Sem coleta Espinheira-santa Verbenaceae Eucalipto Eucalyptus citriodora Gengibre Zingiber officinalis Gervão-roxo Stachytarpheta cayennensis Goiabeira Psidium guajava Grama-listrada Sem coleta Graviola Annona muricata Guaco Guando Guiné; guiné-pipiu Nome popular Mikania laevigata Cajanus flavos Petiveria alliaceae Nome científico Hortelã Mentha x piperita var. citrata Mentha villosa Informantes D. Lúcia Antônio D. Zelinda D. Lúcia D. Antônia Antônio D. Lucia S. Antonio D. Zelinda Antônio D. Antônia D. Lúcia D.Lúcia Fábio S. Manoel D. Antônia Fábio D. Antônia S. Antônio Giovani Seu Manoel D. Antônia Informantes D. Antônia D. Clemilda S. Manoel Usos medicinais Para os rins Para os rins Infecções do sistema genito-urinário Baixar o colesterol Hepatite Ulcera no estomago Sinusite e resfriados Sinusite e resfriados Sinusite e resfriados Estômago Antibiótico natural Mastite; furunculose Problemas no estômago: gastrite, úlcera, dores. Diarréia Diarréia em adulto Diarréia Hemorragias (Menstrual) Diabetes Para tosse Hemorragias (menstrual) Dente inchado Usos medicinais Diarréia em criança; verme; estômago Vermes. Rins. Para criança CID10 I; XIV I; XIV XIV IX I XI XI X X X XI I XIV; XV; XVI; XII XI I; XI I; XI I; XI XIV IV IV X XIV Cont. Tabela 5... I; XI CID10 I; XI I; XIV 92 Hortelã-pimenta Ipê-roxo Plectranthus amboinicus Tabebuia impetiginosa Jabuticabeira Jatobá Myrsiaria sp. Hymeneia sp. Jenipapo Genipa americana Jiló Solanum gilo Jurubeba Solanum paniculatum Lágrima-de-nossa-senhora; conta-de-nossa-senhora Coix lacryma-jobi Laranja Citrus sinensis Nome popular Nome científico Laranja-da-terra Citrus aurantium Lima-da-persia, Lima Citrus aurantifolia D. Cremilda Vermes; dor de cabeça D. Antônia Hepatite Fundamental para o sistema D. Lúcia Antônio Seu Joaquim D. Antônia Seu Joaquim D. Lúcia D. Antônia D. Lúcia imunológico Deputativo do sangue Câncer Diarréia de sangue ossos Quebradura que não seja exposta; suco do fruto repões o que o organismo necessita; expectorante - cura tuberculose crônica Dente inchado Obesidade; baixar o colesterol; D. Antônia problemas no fígado, hepatite C. anemia D. Lucia Tônico para os músculos D. Cremilda D. Lúcia Informantes S. Antônio D Antônia S. Manoel D. Lúcia D. Antônia D. Lúcia Pro pulmão: tosse, gripe Resfriado Usos medicinais Resfriado, gripe e tosse. diabetes Resfriado, gripe I; XVIII XI III XII II I; XI XIII I; X; XIX I; XI IV; IX; XI; I III XIII X X CID10 X X X X IV X Cont. Tabela 5... 93 Limão Citrus limon Losna Louro Sem coleta Laurus nobilis Macaé, erva-macaé Leonurus sibiricus Mamão-macho Mangueira Carica papaya Mangifera indica Manjericão Manjericão-branco D. Antônia D. Lucia Giovani D. Antônia D. Antônia Seu Manoel Seu Joaquim S. Antônio D. Antônia Febre Má digestão “rotando azedo”. Pneumonia; Febre Estômago, fígado Gripe Bronquite asmatica D. Cremilda Para o coração Tuberculose, expectorante para Ocimum cf. basilicum D. Lúcia Manjericão-roxo Maravilha Mirabilis jalapa Maria-da-glória Maricá Nome popular Mastruço Sem coleta Sem coleta Nome científico Lepidium pseudo-didymus Melão-de-são-caetano Momordica charantia Murta Novalgina Oriri Para-raio-de-xangô Blepharocalyx salicifolius Sem coleta Sem coleta Melia azedarach Parietária Acalypha comunis Pata-de-vaca Pau d´alho Bahunia variegata Galesia integrifolia Resfriado, gripe D. Zelinda D. Antonia D. Cremilda Informantes D. Lúcia D. Antônia Seu Joaquim Giovani Fábio D. Antônia D. Antônia D. Lúcia S. Manoel D. Antônia infecção pulmonar; resfriado Para o coração Furúnculos, feridas infeccionadas e infecções de pele. Espinhas. Erisipela Pro pulmão: Tosse, gripe. Usos medicinais Para os brônquios, pneumonia reumatismo febre Secar umbigo de criança Dor e mal-estar Infecção renal coluna Infecção urinária rins Infecção renal Queda de cabelos X X X XVIII X I; XVIII XI X X IX I; X IX I; XII I X CID10 I; X XIII XVIII XV XVIII I; XIV XIII I; XIV I; XIV I; XIV XII Cont. Tabela 5... 94 Pau-pereira Pé-de-galinha Sem coleta Sem coleta Picão Bidens pilosa Pimenta-malagueta Capsicum frutescens Pitanga Eugenia uniflora Quebra-pedra Euphorbia prostrata Seu Joaquim D. Antônia D. Zelinda D. Lúcia D. Antônia Antônio S. Manoel S. Manoel S. Antonio Giovani D. Antônia D. Antônia Febre; estômago Desinchar dentes Hepatoprotetor; rins Hepatoprotetor Hepatite Fígado, hepatite, cirrose Furunculo Para tosse Para tosse, resfriados, gripe Febre, resfriado Febre Para os rins XVIII; XI I; XI I; XI; XIV I; XI I; XI I; XI XII X X XVIII; X XVIII I; XIV 95 Cont. Tabela 5... Nome popular Nome científico Quebra-pedra; erva-pombinha Phylanthus tenellus Quiabo Quina-cruzeiro Quina-rosa Rabo-de-macaco Romã Rosa-branca Abelmoschus esculentus Sem coleta Simira glaziovii Sem coleta Punica granatum Rosa sp. Informantes D. Cremilda D. Antônia S. Manoel Seu Joaquim Antônio Fábio D. Lúcia S. Antônio Saião Kalanchoe brasiliensis Sálvia Serralha Salvia officinalis Sonchus oleraceus S. Manoel D. Zelinda D. Cremilda D. Antônia D. Lúcia Antônio D. Lúcia Sete-sangrias Cuphea balsamona Tomateiro Transagem Urtiga-branca Nome popular Vassourinha-de-pulga Velame Solanum lycopersicum Plantago major Urera caracasana Nome científico Lepidium virginicum Sem coleta D. Antônia Seu Joaquim S. Manoel D. Lúcia Informantes D. Antônia D. Zelinda Usos medicinais Para os rins Para os rins Para furúnculos. Febre Depurativo do sangue Queima e tira verrugas. Infecção de garganta, resfriados Prisão de ventre Contusão; resfriados e tosse; furunculos Contusão Contusão; Pulmão Pulmão: gripe, tosse. Estômago. Tosse coqueluxe; destroncado Expectorante, para asma. Depurativo do sangue, vitiligo Glicemia alta; desentope vasos sanguíneos Diarréia de sangue Dor de barriga Inchaços por pancadas, torções. Bronquite; antiinflamatório; antibiótico Diabetes; purificação do sangue Usos medicinais Para matar pulgas Problemas renais CID10 I; XIV I; XIV XII XVIII XII I X;XVIII XI XIX; XX; X; XII XIX, XX XIX; XX; X X; XI I; XIX; XX X XII XVIII; IX I; XI XI; I XIX; XX X; I; XVIII IV;Cont. XIITabela 5... CID10 I I; XIV 96 3.6.1. Importância relativa (IR) Na Tabela 6 observa-se que a espécie de maior IR é Schinus terebinthifolius, a aroeira, atingindo o valor máximo para este índice que é IR=2. Esta espécie é também a mais versátil, tendo dez propriedades atribuídas, e indicada para o tratamento de nove sistemas corporais. Esta informação torna-se mais importante quando se leva em consideração que esta é uma espécie nativa na região. Esta árvore atualmente não está em perigo de extinção (IBAMA 1992), porém a região de Guaratiba está sofrendo profundas transformações, com redução das áreas de florestas naturais, o que é percebido pelos informantes através da redução de populações de algumas espécies, e a aroeira é uma delas. Entretanto a espécie é incentivada em alguns quintais: “Isso aí [a aroeira] tá tão em extinção né, aqui tinha muito, cada uma enorme. Isso aí tem mil e uma utilidade. Eu plantei essa aí”. Dona Cremilda À Chenopodium ambrosioides e Alpinia zerumbet foram atribuídas sete propriedades e ambas tratam oito sistemas corporais. C. ambrosioides é uma espécie espontânea na região e A. zerumbet é cultivada. Outras espécies naturais de ecossistemas da área, ou que também ocorrem espontâneamente que recebem destaque no IR são Lippia alba, Cymbopogon citratus, Anacardium occidentale, Kalanchoe brasiliensis, Tabebuia impetiginosa, Ageratum conyzoides e Starchytarpheta cayennensis. Nota-se a importância para os informantes de espécies medicinais naturais da área de estudo. As propriedades terapêuticas atribuídas e os sistemas corporais tratados podem ser observados na Tabela 5. Cymbopogon citratus, Kalanchoe brasiliensis e Mentha villosa estão entre as espécies mais versáteis encontradas por Medeiros et al. (2004) com três propriedades cada, em Mangaratiba, RJ. As propriedades citadas por estas autoras para C. citratus (calmante e para gripe) e K. brasiliensis (bronquite, gripe, machucado), também foram encontrados no presente estudo (Tabela 5). Já para M. villosa apenas a propriedade “contra vermes” coincide com os encontrados neste estudo. Bennett & Prance (2000), em trabalho com plantas introduzidas no norte da América do Sul, que incluiu os índios Tikuna e Yanomamis do Brasil, encontraram muitas espécies também utilizadas pelos informantes da Capoeira Grande. No entanto, eles encontraram plantas com 15 ou mais propriedades atribuídas, como é o caso de 99 Rosmarinus officinalis, segunda planta mais versátil com 17 propriedades atribuídas, sendo a espécie mais importante encontrada por estes autores, com IR=1,83. No presente estudo esta planta apresentou baixo índice de importância relativa, apenas 0,31. O mesmo aconteceu com Aloe vera que teve IR=1,58 no trabalho acima e IR=0,84 no presente trabalho. Cymbopogon citratus o índice encontrado pelos autores supracitados foi IR= 1,37 e neste trabalho IR= 1,16. Citrus limon aparece com IR=0,28 neste mesmo estudo e IR= 0,21 no presente trabalho. Citrus sinensis aparece em ambos os trabalhos com IR=0,2 (Tabela 6). Almeida & Albuquerque (2002) também utilizaram o cálculo de IR em trabalho realizado em Pernambuco. A espécie mais versátil encontrada por eles, Sideroxylon obtusifolia, foi indicada para oito sistemas corporais. Neste mesmo trabalho, Anacardium occidentale apresentou IR=1,16, muito próximo do encontrado no presente estudo (IR=1,19); o mesmo acontece com Aloe vera (IR=0,93 no trabalho citado e no presente estudo IR=0,84). Ao contrário, Lippia alba (IR=0,74) e Chenopodium ambrosioides (IR=0,52) apresentaram baixa importância, sendo que no presente estudo ambas as plantas possuem alto IR (IR=1,17 e IR=1,58), sendo C. ambrosioides a segunda planta em importância para os informantes da Capoeira Grande (Tabela 6). 100 Tabela 6. Importância Relativa das espécies citadas por mais de 2 informantes da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ. Espécie Schinus terebinthifolius Chenopodium ambrosioides Alpinia zerumbet Lippia alba Cymbopogon citratus Anacardium occidentale Kalanchoe brasiliensis Tabebuia impetiginosa Ageratum conyzoides Starchytarpheta cayennensis Aloe vera Cuphea balsamona Echinodorus grandiflorus Leonurus sibiricus Strutanthus marginatus Mentha villosa Mentha x piperita var. citrata Eugenia uniflora Eupatorium maximiliani Persea americana Solidago microglossa Ocimum cj. basilicum Solanum paniculatum Bidens pilosa Jacaranda puberula Morus nigra Vernonia cognata Costus spicatus Espécie Citrus aurantifolia Eucaliptus citriodora Acalypha communis Cordia verbenacea Momordica charantia Sparattosperma leucanthum Plectranthus grandis Nº. Nº. Sistemas Propriedades corporais IR atribuídas 10 7 7 4 5 5 5 4 4 3 4 4 4 4 3 4 4 3 3 3 3 3 4 2 2 2 3 3 Nº. tratados 9 8 8 7 6 6 6 5 5 5 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 2 3 3 3 2 2 Nº. Sistemas 2 1,58 1,58 1,17 1,16 1,16 1,16 0,95 0,95 0,85 0,84 0,84 0,84 0,84 0,74 0,73 0,73 0,63 0,63 0,63 0,63 0,63 0,62 0,53 0,53 0,53 0,52 0,52 Propriedades corporais IR atribuídas 2 2 2 2 2 2 3 tratados 2 2 2 2 2 2 1 0,42 0,42 0,42 0,42 0,42 0,42 0,41 101 Psidium guajava Phyllanthus niruri Phyllanthus tenellus Desmodium purpureum Zea mays Plectranthus neochilus Baccharis dracunculifolia Rosmarinus officinalis Citrus limon Citrus aurantium Citrus sinensis Nasturtium officinale Anona muricato Allium sativum 1 1 1 1 1 2 2 2 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0,32 0,32 0,32 0,32 0,32 0,31 0,31 0,31 0,21 0,21 0,21 0,21 0,21 0,21 102 3.6.2. Concordância de Uso Principal (CUP) Através do cálculo de porcentagem de Concordância de Uso Principal (CUP) descrito por Amorozo & Gely (1988) a partir de uma adaptação da metodologia de Friedman et al. (1986), pode-se avaliar o nível de compartilhamento do saber sobre o uso referente às plantas. Vários pesquisadores vêm adotando esta mesma metodologia (Dias 1999; Souza 2000; Gonçalves 2002; Silva 2006). Pode-se notar que a concordância entre os informantes da Capoeira Grande (Tabela 7) é maior para aquelas plantas de uso já apontadas em vários estudos como de uso medicinal, caracterizando assim uma planta de uso “consolidado” entre diferentes comunidades brasileiras, como é o caso de Lippia alba com 85,7% de concordância para o uso como calmante, Chenopodium ambrosioides com 70% de concordância para uso contra vermes, Citrus aurantium com 60% de concordância para uso contra resfriados e gripe. Bidens pilosa (para o fígado), Vernonia cognata (para o pulmão), Plectranthus grandis (problemas no estômago) e Kalanchoe brasiliensis (para contusões) tiveram 50% de concordância dos informantes para seus usos. Psidium guajava teve CUP=40% para seu uso contra diarréia. Para o limão obteve-se CUP= 40% de concordância para resfriados (Tabela 7). A aroeira (Schinus terebinthifolius) a espécie mais versátil e com maior número de propriedades atribuídas (Tabela 5), chama atenção ao CUP apenas para machucados inflamados e cortes (40%). Silva (2006) aponta CUP=43% para o uso desta espécie para “inflamação de mulher”. Na Capoeira Grande esta espécie também foi citada para este uso (inflamações, corrimentos vaginais) por dois informantes, mas não foi o uso principal na comunidade (Tabelas 4 e 5). Outros trabalhos mostram que CUPs mais elevados foram encontrados para espécies já bem conhecidas na nossa cultura, como é o caso de Schardong & Cervi (2000), em trabalho no Mato Grosso do Sul, onde o boldo (Plectranthus barbatus) teve CUP=85% para problemas de estômago e o capim-limão (Cymbopogon citratus) para pressão alta CUP=81,3% em Silva (op. cit.) em trabalho realizado na Bahia. É interessante destacar que em Schardong & Cervi (op.cit.), a goiaba (Psidium guajava) teve CUP=54% em seu uso para diarréia e em Silva (op. cit.) CUP=25% para o mesmo uso. O limão (Citrus limon) aparece em Schardong & Cervi (op. cit.) com 30% de concordância para os problemas respiratórios e infarte, e com 25% de concordância para uso de gripe em Silva (2006). 103 Tabela 7 - Concordância de uso principal para espécies medicinais e misticas citadas por mais de 2 informantes da Capoeira Grande, por ordem crescente da CUPc (CUP=concordância quanto ao uso principal; Fc= fator de correção; CUPc=concordância de uso principal corrigida). Nº. Nº. Informantes Usos 7 4 Calmante, tranquilizante 5 7 4 Biden pilosa Picão Informantes/U CUP Fc CUPc 6 85,7 1 85,7 Contra vermes 5 100 0,7 70 1 Resfriado, gripe 4 100 0,6 60 4 2 Para o fígado 4 100 0,5 50 Vernonia cognata Assapeixe 4 3 Para o pulmão 4 100 0,5 50 Plectranthus grandis Boldo 4 3 Problemas no estômago 4 100 0,5 50 Kalanchoe brasiliensis Saião 4 5 Contusão 4 100 0,5 50 Cymbopogon citratus Capim-limão 7 5 Calmante, tranquilizante 3 42,8 1 42,8 Espécie/Nome popular Lippia alba Erva-cidreira Chenopodium ambrosioides Erva-de-santa-maria Citrus aurantium Laranja-da-terra Uso principal so principal 104 Nº. Nº. Informantes Usos Schinus terebinthifolius Aroeira 6 10 Machucado inflamado, corte Citrus limon Limão 3 1 3 Psidium guajava Goiabeira Informantes/U CUP Fc CUPc 3 50 0,8 40 Resfriado, gripe 3 100 0,4 40 2 Problemas no estômago 3 100 0,4 40 3 1 Diarréia 3 100 0,4 40 Costus spicatus Cana-do-brejo 3 3 Para os rins 3 100 0,4 40 Struthanthus marginatus Erva-de-passarinho 3 3 Para os pulmões 3 100 0,4 40 Persea americana Abacateiro 3 3 Diurético 3 100 0,4 40 Eucalyptus citriodora Eucalipto 4 2 Resfriado e sinusite 3 75 0,5 37,5 2 1 Resfriado, gripe 2 100 0,3 30 Espécie/Nome popular Plectranthus neochilus Boldo-do-chile Citrus sinensis Laranja Uso principal so principal 105 Nº. Nº. Informantes Usos 5 5 Diabetes Eupatorium maximiliani Arnica-do-campo 3 3 Cuphea balsamona Sete-sangrias 3 Mentha villosa Hortelã Mentha x piperita var. citrata Hortelã Informantes/U CUP Fc CUPc 2 40 0,7 28 Inchaços por torções ou pandacas 2 66,6 0,4 26,6 4 Diarréia 2 66,6 0,4 26,6 3 4 Contra vermes 2 66,6 0,4 26,64 3 4 Contra vermes 2 66,6 0,4 26,64 Eugenia uniflora Pitanga 4 3 Gripe com febre 2 50 0,5 25 Alpinia zerumbet Colônia 4 7 Para o coração 2 50 0,5 25 Solidago microglossa Arnica 2 3 Dores musculares 2 100 0,2 20 Ocimum cf. basilicum Manjericão 2 3 Para o coração 2 100 0,2 20 Acalypha communis Parietária 2 2 para os rins 2 100 0,2 20 Espécie/Nome popular Anacardium occidentale Cajueiro Uso principal so principal 106 Nº. Nº. Informantes Usos 2 1 para os rins 2 1 2 Nasturtium officinale Agrião Informantes/U CUP Fc CUPc 2 100 0,2 20 para os rins 2 100 0,2 20 1 corrimentos vaginais 2 100 0,2 20 2 1 para os pulmões 2 100 0,2 20 Annona muricata Graviola 2 1 diabetes 2 100 0,2 20 Allium sativum Alho 2 1 Resfriado e tosse 2 100 0,2 20 Zea mays Cabelo-de-milho 2 1 para os rins 2 100 0,2 20 2 2 sem uso principal 0 0 0 0 Tabebuia impetiginosa Ipê-roxo 4 4 sem uso principal 0 0 0,5 0 Ageratum conyzoides Erva-de-são-joão 3 4 sem uso principal 0 0 0,4 0 Espécie/Nome popular Phyllanthus niruri Quebra-pedra Phyllanthus tenellus Quebra-pedra Desmodium purpureum Amor-docampo/carrapicho Citrus aurantifolia Lima-da-persia, lima Uso principal so principal 107 Nº. Nº. Informantes Usos 3 4 sem uso principal Jacaranda puberula Carobinha 3 2 Echinodorus grandiflorus Chapéu-de-couro 3 Baccharis dracunculifolia Alecrim-do-campo Informantes/U CUP Fc CUPc 0 0 0,4 0 sem uso principal 0 0 0,4 0 4 sem uso principal 0 0 0,4 0 2 2 sem uso principal 0 0 0,2 0 Rosmarinus officinalis Alecrim 2 2 sem uso principal 0 0 0,2 0 Leonurus sibiricus Macaé 2 4 sem uso principal 0 0 0,2 0 Stachytarpheta cayennensis Gervão-roxo 2 3 sem uso principal 0 0 0,2 0 Solanum paniculatum Jurubeba 2 4 sem uso principal 0 0 0,2 0 Cordia verbenacea Erva-baleeira 2 2 sem uso principal 0 0 0,2 0 Morus nigra Amoreira Espécie/Nome popular 2 2 sem uso principal 0 0 0,2 0 Nº. Nº. Uso principal Informantes/U CUP Fc CUPc Espécie/Nome popular Aloe vera Babosa Uso principal so principal 108 Momordica charantia Melão-de-são-caetano Sparattosperma leucanthum Cinco-chagas Informantes Usos 2 2 2 2 so principal sem uso principal sem uso principal 0 0 0,2 0 0 0 0 0 109 4. CONCLUSÕES Os informantes da Capoeira Grande, mesmo com as influências de um centro urbano, devido a sua longa tradição rural aliada à prática da manutenção de quintais, são detentores de um conhecimento consolidado sobre plantas medicinais que deve ser conservado. Há reconhecimento e valorização deste saber por parte dos próprios informantes e pela comunidade. A pressão da urbanização acelerada somada a especulação imobiliária que vem crescendo no local, parecem propiciar o rompimento de elos interpessoais dentro da comunidade. Não só dos mais velhos com os jovens, mas entre os mais velhos. Não foi possível detectar se os jovens valorizam o saber sobre as plantas medicinais e místicas, embora algumas informações nos ofereçam indícios de que não há muito interesse neste assunto por parte deles. Os informantes têm uma grande preocupação com o trato e a limpeza das plantas que utilizam como medicinais e místicas, e também, mostram preocupação com a dosagem e com a toxicidade na utilização das plantas. Grande parte das plantas citadas pelos informantes da Capoeira Grande são de uso consagrado pela população em outras comunidades no Brasil. As famílias que apresentam o maior número de espécies indicadas como de uso medicinal e místico são: Lamiaceae (13) e Asteraceae (9), sendo as espécies mais citadas erva-cidreira (Lippia alba), capim-limão (Cymbopogon citratus) e aroeira (Schinus terebinthifolis). Folha é a parte das plantas mais empregadas nas preparações, e a decocção a forma de preparo mais utilizada. Os informantes fazem uso de plantas nativas dos ecossistemas da região, especialmente daquelas encontradas na APA da Serra da Capoeira Grande e no seu entorno. Entretanto, esse uso parece não causar qualquer distúrbio aos ecossistemas locais. Porém a maioria dos informantes cultiva e/ou incentiva plantas de uso medicinal e 110 místico sejam arbóreas ou herbáceas. Nos quintais o predomínio é de plantas herbáceas, medicinais que são distribuídas aleatoriamente no entorno das casas. O conhecimento em relação às plantas de uso místico-religioso é bem difundido entre os informantes. São utilizadas por católicos “benzedores”, em religiões de matrizafricana (umbanda e candomblé) e por pessoas de matriz religiosa não definida. As plantas medicinais são o principal instrumento na atenção primária à saúde dos informantes. As doenças que são tratadas com plantas, mais citadas pelos informantes, são as infecciosas e parasitárias, do aparelho respiratório, doenças do sistema digestivo e do sistema genitourinário. A aroeira, Schinus terebinthifolius é a planta de maior importância relativa para os informantes, sendo também a espécie mais versátil, possuindo maior número de indicações e tratando mais sistemas corporais. Entretanto, a concordância de uso principal entre os informantes é maior para Lippia alba como calmante, Chenopodium ambrosioides contra vermes e Citrus aurantium contra resfriados e gripes. Estas três espécies e seus usos principais são de modo geral de uso consagrado em várias comunidades brasileiras. As alterações ocasionadas por mudanças nos padrões de uso local do ambiente natural (crescimento urbano, perda de habitats, etc), ocorridas no entorno da Serra da Capoeira Grande, onde crescem muitas espécies medicinais, poderão futuramente acarretar a diminuição da disponibilidade e uso de plantas nativas e espontâneas para fins terapêuticos. Os dados levantados no presente estudo, somados àqueles oriundos dos trabalhos de Peixoto et al. (2004; 2005) realizados na APA da Serra da Capoeira Grande, darão subsídios aos moradores do bairro para, junto à prefeitura, reivindicarem a delimitação e a implantação definitiva da APA através de sua regulamentação. Estudos sobre o uso de plantas medicinais e místicas em comunidades como a Capoeira Grande, ainda com características rurais, tendo seus moradores relação de proximidade diária com a natureza, demonstram grande importância para que valiosas informações 111 não se percam e continuem sendo transmitidas. Devido ao número de informantes entrevistados neste trabalho, muitas informações não podem ser inferidas à toda população. Por este motivo, sugere-se que novos estudos sejam realizados, abrangendo um número maior de informantes, principalmente jovens e crianças, além de detentores de conhecimento sobre as plantas místicas. 112 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abreu, M. A. 1988. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iplanrio/ Zahar. Albuquerque, U. P. de. 1994. Uso de plantas e a concepção de doença e cura nos cultos afro-brasileiros” In: Rev. Ciência & Trópico 22(2): 197-210. ___________. 2002. Introdução à Etnobotânica. Recife: Bagaço, 87p. 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Onde nasceu e foi criado ?: Há quantos anos vive na comunidade ?: ____ anos. Religião: Conhece outras pessoas que possam contribuir para este trabalho? Quem? Dados da Etnobotânicos 2- Questões gerais: Utiliza plantas no seu dia-a dia? Para que finalidade? Como e com quem aprendeu a utilizá-las? Onde você as encontra? Historia do jardim: origem (construído ou sempre esteve aí?) Organiza as plantas ou elas simplesmente crescem? Seleciona as plantas? Você sabe que tem uma mata aqui perto? Vai até lá buscar? Alguém traz de outro lugar? Quais são as mais utilizadas? 3- Questões específicas para cada planta utilizada Quais são os nomes pelos quais a planta é conhecida? Você a utiliza? Qual foi a ultima vez que utilizou? 126 Onde consegue?Compra (de quem ?) / Vende (para quem ?) Cultiva? Se cultiva, como cultiva? Como coleta? Em que épocas? Facilidade com que é encontrada: De onde veio? Como veio parar no quintal? Para que se usa? Parte usada: (casca /raiz /caule /folha /flor /fruto /semente /planta inteira / outra) Seca ou fresca? Como se prepara? Quantidades. Associação com outras plantas? Como se armazena? Como se utiliza? Doses. Receita a alguém? Em que ocasiões usa? Quando não é usada? Como e com quem aprendeu a usar a planta? Cuidados especiais com as plantas? Já passou mal utilizando a planta ou soube de alguém que tenha passado mal depois de utilizá-la? 127 Anexo 2. Semana de C&T em Guaratiba, Pedra de guaratiba, Rio de Janeiro, 2005. Moradora do bairro conversando sobre o folheto explicativo a esquerda e à direita os folhetos. Anexo 3. II Fórum de Meio Ambiente, Colégio Emma D´ávila Camillis, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, 2006. À esquerda o tema do fórum e à direita alunos em uma das oficinas e a Serra da Capoeira Grande ao fundo. Anexo 4. Semana de C&T em Guaratiba, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, 2006. Oficina de xampu contra piolhos. À esquerda a enfermeira Silvia Regina do Módulo de Saúde PSF Jardim Cinco Marias fazendo o xampu e à direita mudas de plantas medicinais cedidas pela horta de plantas medicinais do Programa de Fitoterapia – SMS, Fazenda Modelo, Pedra de Guaratiba. 128 B A D C E F Anexo 5. Informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro. A. Antônio; B. Dona Antônia; C. Giovani; D.Seu Antônio; E. Seu Joaquim; F. Seu Manoel 129 Anexo 6 - Artigo A Pesquisa em Etnobotânica e o Retorno do Conhecimento Sistematizado à Comunidade - Um Assunto Complexo Rúbia Graciele Patzlaff1 & Ariane Luna Peixoto2. 1,2 Escola Nacional de Botânica Tropical do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rua Pacheco Leão, 2040. CEP 22460-038, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected], [email protected]. Resumo Como retornar o saber investigado em pesquisa etnobotânica ao o meio social no qual ele foi gerado? O que deve ser levado à comunidade? Estas perguntas motivaram o acompanhamento de três pesquisas etnobotânicas e suas respectivas propostas de como retornar à comunidade o conhecimento associado às plantas, sistematizado pelo cientista. É usual a devolução dos dados da pesquisa à comunidade na forma de manuais ou cartilhas, listas ilustradas de plantas, palestras e cursos. Entretanto, têm-se elaborado juntamente com a comunidade outras formas que caracterizam troca de saberes entre o cientista e a comunidade, com ganhos mútuos. A presente pesquisa corrobora com estas alternativas, e sugere que a definição das atividades de retorno do conhecimento sistematizado à comunidade, mesmo proposto e acordado no início da pesquisa, seja flexível, possibilitando a inclusão de novas demandas nascidas durante a execução da pesquisa. PALAVRAS-CHAVE: Etnobotânica, Conhecimento tradicional, Retorno, Devolução, Plantas Medicinais. Introdução Etnobotânica é o estudo das relações (materiais ou simbólicas) entre o ser humano e as plantas, incluindo os fatores ambientais, culturais e os conceitos locais que são desenvolvidos com relação a estas e ao seu uso (Jorge e Morais, 2003). A etnobotânica aplicada ao estudo de plantas medicinais trabalha em estreita cumplicidade com outras disciplinas correlatas como, por exemplo, a etnofarmacologia. Segundo Bruhn e Holmstedt (1980) a etnofarmacologia consiste “na exploração científica interdisciplinar de agentes biologicamente ativos, tradicionalmente empregados ou observados pelo homem”. No contexto da investigação etnobotânica, o pesquisador procura conhecer a cultura e o dia-a- 130 dia da comunidade pesquisada, os conceitos locais de doença/saúde, o modo como a comunidade se vale dos recursos naturais para a “cura” de seus males, atrair ou afastar animais, construir habitações mais adequadas ao local e outros. Ele procura repassar o conhecimento apreendido para o meio científico sem incorrer em erros de interpretação. É recomendado que a relação do pesquisador com a comunidade não entre no campo do envolvimento pessoal, entretanto, freqüentemente ela ultrapassa a barreira de pesquisador/pesquisado e vínculos afetivos são criados, sobretudo com os indivíduos que mais freqüentemente acompanham e guiam o pesquisador no contato com a comunidade e, quando necessário, nas florestas, hortas ou quintais onde se encontram as plantas utilizadas. Surgem laços de amizade e a troca de conhecimentos, que é inerente ao trabalho, freqüentemente vem acompanhada de trocas de vivências, de presentes. O pesquisador olha a comunidade como um espaço de aprendizagem e, de modo geral, procura mostrar que está aí para aprender e trocar conhecimentos. No momento em que se insere no cotidiano local e atende aos preceitos anteriormente assinalados, o pesquisador, passa a contar com o respeito da comunidade e é neste espaço de respeito mútuo que o saber local pode ser melhor apreendido, entendido e posteriormente relatado em crônicas e textos científicos (Amorozo, 1996). No Brasil, a literatura é farta de relatos de viajantes e cientistas que desde os primeiros séculos após o descobrimento e até hoje, mostraram o quanto comunidades locais conhecem sobre as plantas e seus usos. Entretanto, também há riscos nestas atividades. Há relatos de viajantes e pesquisadores que se apaixonaram pela comunidade estudada, por sua cultura, se identificando de tal forma a abandonar a vida construída até então e inserir-se definitivamente na comunidade. Por outro lado, há também alguns relatos de dificuldades de relacionamento entre pesquisador/comunidade ou na definição de estratégias ou produtos que retornam à comunidade pesquisada (Rodrigues, Assimakopoulos e Carlini, 2005). Há muitos indicativos de que no contexto da pesquisa etnobotânica, retribuir a comunidade pelo acolhimento, respeito e a ajuda na pesquisa, mas especialmente pelo compartilhamento do saber sobre as plantas foi sempre uma preocupação dos cientistas. Nos últimos dez anos a discussão do tema tem predominantemente como foco a sua regulamentação. O presente texto não tem como foco este aspecto. Tomando como base três estudos etnobotânicos realizados, focará o retorno do conhecimento apreendido pelo pesquisador na comunidade pesquisada, de forma sistematizada, e a troca de saberes entre pesquisador/comunidade, numa relação de parceria. 131 Um pouco de história A preocupação em buscar formas de valorizar o saber das comunidades tradicionais 1 sobre os recursos naturais ou de retornar às comunidades o conhecimento sistematizado, visando predominantemente a permanência deste conhecimento tradicional, está presente em textos científicos e crônicas de cientistas que desenvolveram pesquisas no Brasil em diferentes épocas (e.g. Martius, (1844) 1939). À medida que a pesquisa etnobotânica passou a ser desenvolvida por cientistas que tinham a possibilidade de voltar às comunidades pesquisadas essa preocupação tornou-se mais evidente, tornando-se mesmo um compromisso. Mas, qual seria a melhor maneira de levar os resultados das investigações para o meio social no qual elas se iniciaram? Embora uma questão antiga, ela ainda hoje é discutida e toma força acompanhando a evolução da sociedade brasileira e, principalmente diante dos compromissos desta sociedade com conservação, uso sustentável e repartição de benefícios derivados da utilização da biodiversidade em um país megadiverso 2. Caballero (1983) sugere que a Etnobotânica deixe de ser um exercício acadêmico e coloque-se a serviço das comunidades fonte das informações. Neste sentido Martin (1986) enfatiza que a própria comunidade deve participar do desenvolvimento da pesquisa, pois o fazer etnobotânico promoverá a conservação e o desenvolvimento dos recursos naturais, o desenvolvimento cultural e a execução de tarefas derivadas da investigação, como por exemplo, a formação de hortas medicinais empregadas pela própria comunidade. Formas de retorno das informações às comunidades usuárias e conhecedoras de plantas medicinais foram discutidas também por Elisabetsky (1987), Martin (1995) e Alexiades (1996) que afirmam que o estudo deve beneficiar, de alguma forma as pessoas envolvidas, individualmente ou em comunidade, ou ambos. De La Cruz Mota (1997) afirma que a devolução elaborada dos dados oriundos da pesquisa etnobotânica às populações de origem pode contribuir para que estes conhecimentos, seus informantes, suas comunidades e as espécies por eles utilizadas sejam melhor compreendidas e valorizadas. Em artigo que discute ética na pesquisa científica, predominantemente em Antropologia, elaborado por Debert (2003), encontra-se a mesma preocupação, “...ganha centralidade nos debates que a disciplina [Antropologia] atualmente vem promovendo, o tema dos modos de restituição 132 aos sujeitos pesquisados do saber que construímos a partir deles. Devem eles ter acesso em primeira mão à obra produzida?”. Então, como retornar o conhecimento? Em etnobotânica, a forma mais usual de retorno do saber construído pelo cientista a partir das informações obtidas na comunidade tem sido a devolução dos dados sistematizados, ou seja, a devolução dos dados da pesquisa na forma de manuais, cartilhas, painéis expositivos e similares, além da entrega de cópias de artigos formalmente publicados, dissertações e teses. Entretanto, outras formas têm sido propostas em projetos ou praticadas, tais como o registro das histórias que estavam quase esquecidas ou que são do domínio de poucos (Soler, 2005), a confecção de material didático para escolas da região a partir dos resultados da pesquisa (Jorge e Morais, 2003), mapas georefenciados apontando os pontos de importância histórica local (Fonseca-Kruel, 2002), ou apontando as florestas e cursos d’água utilizados pela comunidade (Soler, 2005), fotografias de famílias, da vegetação e das plantas locais (Blanckaert et al., 2004; Soler, 2005), implantação de hortas medicinais (Boscolo, 2003), entre outras. A fim de fomentar discussões em busca das respostas a esta questão, podem-se considerar as seguintes perguntas: O que retornar à comunidade e qual a melhor forma de fazê-lo? A elaboração da proposta de restituição do conhecimento à comunidade deve partir de quem? A proposta do retorno deve estar clara já na elaboração do projeto? Deve ser elaborado durante a convivência com a comunidade? Os interesses da pesquisa devem preceder os interesses do grupo pesquisado? As perguntas motivaram o acompanhamento e a discussão de três pesquisas etnobotânicas e suas respectivas propostas/execuções de retorno do conhecimento às comunidades, que serão apresentadas abaixo. O objetivo não é impor regras de como esta atividade deva ser conduzido, mas estimular o debate, levando estudantes e pesquisadores a refletir sobre o tema de modo a aprimorar mecanismos que sejam proveitosos e benéficos às comunidades de onde se originaram os conhecimentos, aos informantes e colaboradores, individualmente ou em grupo, e aos cientistas. 133 Estudo de casos Caso 1 Patzlaff, em seu trabalho “Estudos Etnobotânicos de plantas de uso medicinal e místico na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, Brasil”, ainda em desenvolvimento na zona oeste do Rio de Janeiro, explicitou em seu projeto de pesquisa que após a realização do trabalho, juntamente com a comunidade, elaboraria uma forma de retorno da pesquisa. Iniciado o trabalho de campo, e após alguns meses em contato com a Associação de Moradores e com a comunidade local, foi-lhe solicitado colaborar na elaboração de um projeto de horto, incluindo neste um jardim de plantas medicinais. Ainda na mesma pesquisa, uma comunidade vizinha (Jardim Cinco Marias, Pedra de Guaratiba) que através do Programa de Fitoterapia do município do Rio de Janeiro está implementando um grupo de estudos sediado no Módulo do Programa de Saúde da Família (PSF), solicitou a colaboração da pesquisadora na identificação das plantas que a comunidade utiliza. Essa colaboração levou à participação em reuniões na comunidade e o estabelecimento de um jardim de plantas medicinais. O convite se estendeu à sua participação em um curso sobre identificação e utilização de plantas medicinais. Um fato a ser destacado é que, quem ministra o curso é uma senhora da própria comunidade, considerada por eles uma autoridade no assunto, uma das pessoas mais respeitadas, e dele participam os agentes de saúde e uma enfermeira do módulo citado acima, além de outras pessoas da comunidade (Figura 1). Verifica-se então que: 1) o retorno foi requerido antes mesmo de a pesquisadora sugerilo ou ter a oportunidade de consultar os líderes e as pessoas da comunidade sobre o assunto. Quando ocorre fato como este, o trabalho do pesquisador é facilitado. Da mesma forma, mostra que o tempo da pesquisadora na comunidade foi suficiente para criar um vínculo de confiança e de intimidade, que permitiu à comunidade tomar esta iniciativa; 2) o trabalho realizado pela pesquisadora na comunidade vizinha foi suficiente para sua aceitação que se desdobrou na solicitação de colaboração com o grupo de estudos de fitoterapia; 3) a comunidade demonstra ter aceito a pesquisadora como igual, como um dos seus, pois a convida para um curso com pessoas locais ou parceiros definidos com uma finalidade estabelecida, ministrado por uma pessoa respeitada localmente. 134 Caso 2 Machline desenvolve a pesquisa “Etnobotânica e comercialização de plantas medicinais e de uso religioso no município do Rio de Janeiro”. Trata-se de um trabalho de etnobotânica que visa entender a dinâmica de comercialização de espécies vegetais entre dois grandes mercados fornecedores e as feiras-livres da cidade (Figura 2). Durante o processo de implantação do projeto, foi idealizada a organização de um evento com palestras e cursos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, nos quais os erveiros seriam o público alvo. A idéia inicial era definir, juntamente com eles, quais seriam os temas de interesse a serem abordados no evento e como trabalhar pesquisadores e erveiros de modo mais estreito, trocando conhecimentos. Ao iniciar a discussão do tema, para estabelecimento de um primeiro evento com palestras e/ou cursos, a pesquisadora foi surpreendida com a manifestação de uma informante: “Gostei muito da idéia. Eu posso ir ensinar pra eles, eu posso ir dar o curso”. E ainda acrescentou “Você não pode conseguir uma apresentação no programa da Ana Maria Braga? Eu posso ensinar muita coisa”. Com o prosseguimento do trabalho a pesquisadora percebeu que, de modo geral, à exceção desta senhora e de outra erveira (entre 15 entrevistados), os demais não estão estimulados a participar de cursos e/ou palestras. O que de fato foi solicitado pela maioria, foi a organização de uma visita ao Jardim Botânico, para passeio, juntamente com os familiares. Apenas uma erveira verbalizou o interesse em adquirir informações sobre as espécies por ela comercializadas (Machline, comunicação pessoal). Esta situação compartilhada entre pesquisador/pesquisado evidencia a autoconfiança dos erveiros nas informações veiculadas no mercado em relação às propriedades etnofarmacológicas das espécies. Situações similares que ocorrem durante a pesquisa de campo são interessantes de serem relatadas, pois mostram comunidades ou grupos de pessoas que se auto-reconhecem como detentores de conhecimentos. Entretanto, a pesquisa mostra a necessidade de compartilhar com os erveiros envolvidos na pesquisa uma lista de espécies identificadas com acurácia, associada a informações e/ou imagens que possibilitem o seu fácil reconhecimento. Em duas situações distintas a pesquisadora sentiu-se útil por poder atendê-los: na doação, para dois erveiros, de sementes por eles requeridas, e na identificação para uma erveira, de uma espécie até então desconhecida que havia sido encaminhada, por um fornecedor, na tentativa de introdução da mesma no mercado. Isso mais uma vez mostra a importância da convivência do pesquisador com a comunidade, o contato com suas 135 experiências e a atenção a seus interesses e necessidades. Destaca-se também a percepção e a maturidade do pesquisador que vem aprimorando seu planejamento inicial, adaptando-o à realidade. Caso 3 Soler (2005), ao planejar a sua pesquisa “Levantamento florístico e etnobotânico em um hectare de floresta de terra firme na região do Médio Rio Negro, Roraima, Brasil” optou pela elaboração de uma listagem de espécies da floresta, ordenadas por nomes comuns e dados sobre o uso informado pela comunidade, para ser distribuído na comunidade pesquisada. Essa listagem foi entregue à comunidade ao final da pesquisa. No entanto, na percepção do pesquisador, suas maiores contribuições à comunidade e que aparentemente foram assim também avaliadas pela própria comunidade foram 1) jogar capoeira com as crianças e adolescentes, ao final do dia de campo, durante os três meses vividos na comunidade, usando as músicas e os movimentos como oportunidade para compartilhar vivências sobre conservação de espécies e de conhecimento local; 2) um mapa colorido da região, copiado em papel e plastificado, com a localização da comunidade e assinalando os cursos d’água e a floresta, acompanhando uma legenda descritiva; 3) diversas fotografias de moradores da vila em suas atividades do cotidiano (trabalho artesanal, lavar roupa no rio, fazer farinha, etc.) e do conjunto de crianças da escola local (Figura 3); 4) aulas de inglês ministradas para alguns caboclos que desejavam ter mais facilidade de comunicação com turistas que algumas vezes visitam a região. Por outro lado, a convivência prolongada e diária do pesquisador e o compartilhamento do diaa-dia, desde a pesca para a própria alimentação à pesquisa de campo, tornou mais visível para a comunidade que há um saber local sobre as plantas e seu uso que é valorizado também fora da comunidade (Soler, comunicação pessoal). O pesquisador elaborou sua forma de retorno idealizando uma situação que acreditava ser valiosa para a comunidade. Entretanto, durante a pesquisa, ao ter um contato mais próximo com as pessoas, dividir suas experiência e ouvir as deles, reconheceu suas necessidades e seus interesses mais imediatos, e percebeu que estes eram distintos daqueles que havia idealizado. Usou o seu lastro de “cultura formal” que lhe possibilitou jogar capoeira com crianças e adolescentes e dividir outros conhecimentos que possuía. Atendeu às solicitações da comunidade, sem, entretanto, abrir mão do seu planejamento inicial. Em 136 argüições feitas para apresentar no presente texto, o pesquisador assim se manifestou: “eu apresentei para comunidade todo o resultado da pesquisa feita e deixei a listagem comentada, além de mapas e fotografias. Senti, na apresentação feita em forma de palestra, que havia pessoas que não entendiam e pareciam não interessadas pelo assunto. Estavam presentes àquele encontro pelos laços e compromissos que se havia estabelecido desde o início da pesquisa. Hoje, analisando aquele momento, reconheço que deveria ter utilizado uma linguagem mais simples. Porém considero a apresentação dos resultados à comunidade um ato importante. Afirmo ainda que a comunidade local pode não perceber de imediato a importância dos resultados que se obtém em trabalho com etnobotânica. Entretanto ele deve ser deixado e exposto localmente, pois no futuro podem se tornar documentos valiosos para a comunidade. É importante deixar os documentos com vários líderes locais, pois eles podem compartilhá-los com lideranças de outras comunidades. Os resultados podem ser úteis também para outras comunidades que estejam vivenciando outro momento em seu desenvolvimento e estejam interessados na conservação de recursos biológicos e do saber local. O desenvolvimento dos projetos e seus resultados podem ser úteis desde a obtenção de seus resultados ou a longo prazo” (Soler, comunicação pessoal). Discussão e Considerações Os casos descritos mostram que algumas vezes as demandas e solicitações da comunidade se tornam, de imediato, mais importantes do que o compromisso anteriormente assumido de repassar o conhecimento. Entretanto para os cientistas envolvidos nestas pesquisas as solicitações de curto prazo atendidas total ou parcialmente não substituíram e nem comprometeram a atividade planejada no início da pesquisa. A valorização do conhecimento dos informantes e da comunidade pelo pesquisador foi importante nas três situações para a aceitação e reconhecimento do saber dos pesquisadores pela comunidade. Estimular o auto-reconhecimento dos informantes e o reconhecimento por pares é importante para a auto-estima (dos informantes e da comunidade) e fortalece a unidade da comunidade. Além disso, a participação na pesquisa propicia o resgate de conhecimentos pouco ou não valorizados, e em algumas situações, “esquecidos" pelo próprio informante, mas que estavam na memória de algumas pessoas. Este complexo de situações é mediado pelo pesquisador, que, nos dias atuais, se torna um ator importante na manutenção do conhecimento da comunidade na própria comunidade. 137 Nota-se também que nem sempre o retorno do conhecimento esperado pela comunidade está inteiramente ligado ao tema da pesquisa. O pesquisador está coletando informações, ouvindo e aprendendo com eles. Sobre este tema a vida já os tornou especialistas e eles querem ser respeitados como tal. Isso fica claro em dois dos casos descritos. Devido ao fato de que o retorno esperado pela comunidade pode não estar ligado ao tema da pesquisa o pesquisador deve ter percepção e maturidade para aprimorar seu planejamento inicial, sem fugir deste, adaptando-o à realidade. Posey em 1986, já alerta: “...os informantes podem ser especialistas de uma determinada área de conhecimento dentro de sua própria cultura e, portanto, devem ser tratados com o mesmo respeito que dispensamos aos especialistas em nossa própria cultura”. Alexiades (1996) salienta que uma compensação precisa ser feita quando há um uso extensivo do tempo e da experiência das pessoas locais. No entanto, o tipo de compensação irá variar em forma, de área para área e também dependendo do tipo da pesquisa. Afirma ainda que é interessante discutir o que seria um bom retorno com as contra-partes locais, sua liderança e com organizações de pesquisa. Chama a atenção para outro tipo de retorno que o pesquisador pode dar para a comunidade em estudo - o reconhecimento intelectual. Este reconhecimento pode ser vantajoso e/ou desejado pela comunidade. Em alguns casos, um informante ou toda a comunidade pode requerer este reconhecimento como ocorrido em Baker e Mutitjulu Community (1992); em outros, dependendo da pesquisa, o anonimato é requerido e preferido em relação ao reconhecimento público. Quando e como este reconhecimento deve ser feito, ou ainda se é desejável, também deve ser discutido com a comunidade e sua liderança, e o pesquisador deve estar preparado para esta situação. A menos que o anonimato seja requerido, este reconhecimento deve ser realizado de forma apropriada, e inclusive é sugerido pelo acordo de Melaka (ASOMPS, 1994), onde consta, além de outras sugestões, que editores de periódicos e revisores de artigos devem garantir que o devido reconhecimento seja realizado pelos pesquisadores em seus artigos. As experiências resumidas nestes três casos, cotejados com extensa literatura, corroboram com alternativas de retorno do conhecimento sistematizado à comunidade levantadas por alguns pesquisadores, levando-nos a acreditar que a convivência com a comunidade é de extrema importância para o reconhecimento de suas necessidades e seus interesses devem prevalecer no momento da elaboração do retorno sem, entretanto, se perder de vista uma perspectiva futura do uso dos resultados formais da pesquisa realizada. 138 Mostram também que cada comunidade estudada é única, com suas próprias características que devem ser levadas em consideração no momento de elaboração do retorno. Este fato evidencia que tal atividade não pode ser padronizado para toda e qualquer comunidade, sendo, portanto, difícil estabelecer-se a priori uma metodologia. É indispensável, entretanto, apontar-se, no planejamento, possíveis caminhos a serem buscados para que a comunidade também aprenda com a pesquisa realizada. Reafirmam também a importância de se elaborar este retorno à comunidade pesquisada como uma das formas de reconhecimento pela ajuda e pelo tempo despendido, e, principalmente, pelo compartilhamento do saber. Sugere-se que a proposta de retorno do conhecimento sistematizado à comunidade apresentada no início da pesquisa não tenha predomínio sobre outras formas surgidas durante a pesquisa e a convivência com a comunidade, enfatizando que esta convivência é de vital importância num trabalho em Etnobotânica e disciplinas relacionadas. Agradecimentos Agradecemos a Juan Gabriel Soler Alarcon e a Inês Machline Silva pela discussão de diferentes etapas de suas pesquisas, compartilhando as experiências vividas e pela leitura crítica do manuscrito. Referências Bibliográficas Alexiades M.N. Selected guidelines for ethnobotanical research: a field manual. New York Botanical Garden, New York. 1996. Amorozo, Maria C. M. Abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas medicinais. In: Di Stasi L. C. 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