8
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Departamento de Educação – Campus I
SINGULAR E PLURAL: HISTÓRIAS DE VIDA DE
ALUNOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Salvador
2010
9
SANDRA REGINA SANTOS DO VALE
SINGULAR E PLURAL: HISTÓRIAS DE VIDA DE
ALUNOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Monografia
apresentada
ao
Departamento de Educação da
Universidade do Estado da Bahia
como requisito de aprovação do
Curso
de
Pedagogia
com
Habilitação nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental.
Orientadora: Profª Tânia Dantas
.
Banca Examinadora
____________________________________
Profª Tânia Dantas
_____________________________________
Profº Olivia Matos
_____________________________________
Profº Rilza Cerqueira
SALVADOR
2010
10
DEDICATÓRIA
Dedico
este
trabalho
aos
alunos da Escola Tempo de
Aprender I e II, Ataíde, Anísio,
Adimilson,
Eduardo,
Enéas,
José Roberto, Mariano que
com suas singularidades me
ensinaram muito.
11
AGRADECIMENTOS
Agradeço este trabalho a todos
que
participaram
da
minha
educação acadêmica, a minha
mãe,
mulher
de
garra
e
perseverança que com sua
humildade e exemplo contribuiu
para minha emancipação, as
minha filhas Carine e Larissa e
a todos meus familiares, que
me apoiaram em todos os
momentos e aos amigos que
interferiram
e
ajudaram
positivamente nos resultados
deste trabalho
12
RESUMO
O presente trabalho é um estudo sobre as narrativas de si desenvolvida numa classe de
Educação de Jovens e Adultos, durante a realização do Projeto Pedagógico “Conto e
Reconto: Conhecendo Machado de Assis”. Neste contexto foi solicitado aos estudantes
que construíssem a sua autobiografia tendo como eixos norteadores: a sua infância,
memórias da escola e histórias de vida. Analisando os relatos dos 8 participantes do
projeto pode-se perceber que o recurso das narrativas de si contribuiu para a autoreflexão e oportunizou aos estudantes o reconhecimento de si e da sua realidade
histórica, promovendo mudanças na sua realidade.
Palavras–chave: EJA, Autobiografia, Identidade, Emancipação.
13
ABSTRACT
This work is a study on the narratives, developed a class of young and adult education,
during the completion of the educational project "tale and re-telling: knowing Machado
de Assis". In this context was asked a student to construct their autobiography having as
guiding axes: his childhood memories of school and life stories. Analyzing the reports of
8 participants of the project can understand that the use of narratives, helped to self
reflection and students backed and recognition of their historical reality, promoting
changes in their reality.
Key word: EJA, autobiography, identity, emancipation.
14
Não sou areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela
Não sou apenas a pedra que rola
nos mares do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério.
A quatro mãos escrevemos o roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.
Lya Luft ( 2009)
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO 1
2. Escrita de si
11
2.1.1 Vida, narração e autoformação
13
2.1.2 Projeções do eu
14
2.2 Reconhecimento do ser e estar do mundo
16
2.2.1 Caminhos a percorrer: (re) construção da identidade
18
2.3 Educação e exclusão
19
2.3.1 Educação como prática de liberdade: emancipação
21
CAPÍTULO 2
3. Educação de Jovens e Adultos: direito negado
23
3.1 Caminhos e descaminhos na Educação de Jovens e Adultos
24
3.2 Novas possibilidades: Programa SESI Educação do Trabalhador.
29
3.3 Unidade-caso da pesquisa
33
CAPÍTULO 3
4. Relatos, entrelugares: autobiografia
37
CONCLUSÃO
45
REFERÊNCIAS
47
ANEXO 1
ANEXO 2
16
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surgiu da necessidade de responder a uma inquietação, após a
conclusão de um projeto pedagógico intitulado “ Conto e Reconto: conhecendo
Machado de Assis”, que ocorreu durante o período de 17 de fevereiro a de 24 abril de
2009 , desenvolvido com uma turma de Educação de Jovens e Adultos do Programa
SESI Educação do Trabalhador, dentre uma das atividades propostas foi a construção
da escrita de si dos alunos envolvidos no projeto.
Após uma resistência inicial, os estudantes começaram a construção das autobiografias
tendo como norteadores três eixos temáticos: memórias de infância, lembranças da
escola e histórias de vida, essa proposta metodológica estava lastreadas numa
perspectiva dialógica, reflexiva e emancipatória, esta atividade mobilizou-os tanto que
não queriam parar de escrever.
Para Souza:
A utilização e vinculação das histórias de vida e, mais
especificamente, da abordagem biográfica, como uma
possibilidade de autoformação, evidenciam-se porque
permitem colocar o sujeito numa posição de ator e autor do
discurso da vida. ( SOUZA, 2006, p. 39)
Nesta perspectiva de autoformação, surgiu um questionamento: Será que a escrita de
si contribui para o resgate da identidade e emancipação nos alunos da educação de
jovens e adultos?
Buscando responder a esse questionamento, a presente pesquisa terá como objetivo
geral fazer uma análise das autobiografias dos alunos
reconhecimento
da
educação
como
espaço
de
na perspectiva do
(re)construção
emancipatória. Tendo como objetivos específicos compreender e
identitária
conhecer,
e
a
17
importância das recordações vivenciadas pelos autores sociais e as contribuições no
processo emancipatório através das narrativas autobiográficas.
Como a presente pesquisa será um estudo de caso, Gil (2009, p.54) afirma que: “ o
estudo de caso consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de
maneira que permite seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente
impossível mediante outros delineamentos”.
Os sujeitos da pesquisa são os atores sociais da educação de jovens e adultos, que
está constantemente sendo alvo de debates na esfera política e social, mas poucos são
os avanços que ocorrem nesta modalidade da educação.
Se a vocação ontologia do homem é a de ser sujeito e não
objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo
sobre suas condições espaços-temporais, introduz-se nelas,
de maneira crítica. Quanto mais for levado a refletir sobre sua
situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal,
mais “emergirá” dela conscientemente “carregado” de
compromisso com sua realidade, da qual, porque é sujeito
não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez
mais. ( FREIRE, 2003, p. 61)
As narrativas de si oportunizadas pela autobiografia contribui de forma significativa
para a reflexão e autoformação dos sujeitos envolvidos no processo das narrativas para
Peréz (2006, p. 181): “ narrar a vida, escrever sua autobiografia é, do ponto de vista da
formação, um exercício de autotransformação: a escrita como uma experiência e como
dispositivo de autoconstituição”.
Esta pesquisa está dividida em três capítulos, no Capítulo 1, enfatizamos os conceitos
de narrativas de si, novo paradigma de autoformação, que traz
contribuições
importantes para a educação, será embasado nos teóricos: Josso (2004, 2008), Souza
(2006, 2006), Dantas (2008), Catani (2006)
e
Delory-Momberger (2008), em
Reconhecimento de ser e estar no mundo e Caminhos a percorrer: (re) construção da
identidade, discutiremos os novos conceitos de identidade na era da pós-modernidade
tendo como referências Hall (2006), Silva ( 2009) e Bauman (2005), já em Educação e
18
exclusão, e
Educação como prática de liberdade:Emancipação os autores que
nortearam esses pressupostos foram, Freire
(2003,2009), Gentilli ( 1995)
e
Haddad ( 2007), confrontaremos a relevância da educação na emancipação dos
indivíduos.
No capítulo 2, será feito um recorte na Educação de Jovens e Adultos: direito negado,
breve histórico do EJA, onde contextualizaremos a educação de jovens e adultos no
âmbito das políticas públicas e movimentos populares, tendo como pressupostos
teóricos: Haddad (2000, 2007), Freire (2003, 2009) e Freire (1995), em Novas
possibilidades - Programa SESI Educação do Trabalhador, iremos abordar um
programa de educação de jovens e adultos pioneiro no Brasil, finalizaremos este
capítulo trazendo unidade-caso da Pesquisa, ou seja, a contextualização da pesquisa,
está proposta metodológica está, em Gil (2009) e André ( 2001).
No capitulo 3, Relatos, entrelugares: autobiográfia, é feito a análise dos textos
autobiográficos construídos pelos alunos durante o Projeto, “Conto e reconto:
conhecendo Machado de Assis” e os conceitos teóricos
apresentados durante a
pesquisa.
Está pesquisa aborda à educação de jovens adultos e as possibilidades, oportunizadas
pelas narrativas de si; no contexto de reflexão e auto-formação, espero contribuir para
uma analise desse novo recurso pedagógico.
19
CAPÍTULO 1
2. ESCRITA DE SI
Na história de humanidade encontramos evidências de que o ser humano buscou
registrar os fatos cotidianos que ocorriam no seu grupo, a exemplo das pinturas feitas
nas cavernas em que foi notado as primeiras formas de representar aspectos sociais,
caracterizando com isso o reconhecimento da importância de se deixar marcas ou
registrar as primeiras narrativas de si.
Para Delory-Momberger (2008 p. 35). “o ser humano apropria-se de sua vida e de si
mesmo por meio de histórias. Antes de contar essas histórias para comunicá-las aos
outros, o que vale só se torna ele mesmo por meio de figurações com as quais
representa sua existência”. Através dos tempos, o homem vem tentando construir a sua
história por meio das narrativas orais e escritas, para representar num espaço-tempo o
percurso das suas lembranças e apropriar-se da consciência de si.
Este processo de interação entre passado e futuro se interligam e confluem para o que
Souza conceituou:
A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido às experiências
como uma estranheza de si permite ao sujeito interpretar
suas recordações em suas dimensões. Primeiro, como uma
etapa vinculada à formação a partir da singularidade de cada
história de vida e, segundo, como um processo de
conhecimento de si que a narrativa favorece. (2006, p.62)
As narrativas orais e escritas fazem parte do imaginário dos sujeitos e constitui uma
importante ferramenta para o reconhecimento da historicidade sócio-cultural que
permeia as relações sociais, para Delory-Momberger, “cada um representa sua
existência segundo sua trajetória e construções diferentes que integram as restrições,
os valores, as dinâmicas ou o peso de seu meio socioprofissional” (DELORYMOMBERGER, 2008 p. 38).
20
A escrita de si na contemporaneidade sofreu influências dos modelos de narrativas
lineares, onde a desconstrução do sujeito e das histórias individuais
contestava as
narrativas tradicionais. “... o modelo dominante que está na base das representações e
das práticas biográficas contemporâneas foi amplamente herdado da Europa iluminista
e do movimento de pensamento que se desenvolveu na Alemanha...” (DELORYMOMBERGER, 2008, p.39).
Neste momento histórico em que as sociedades passavam por momentos de transição,
com o declínio da aristocracia e a inserção da burguesia no poder que trazia no seu
bojo uma nova concepção de indivíduo independente e responsável por seu destino,
capaz de reconhecer-se e mudar a sua história.
Nesse contexto, surge a necessidade da escrita de si, a princípio nos moldes religiosos
depois seguindo uma vertente mais filosófica, estes dois modelos biográficos vão
perpassar durante séculos até ressignificar-se na modernidade.
A inspiração religiosa da escrita de si nos moldes da espiritualidade deu-se no século
XVII que tinha no seu bojo a ideologia da igreja católica, onde o indivíduo deveria ter um
contato mais próximo com Deus. Neste paradigma, os diários íntimos de confissão era
um instrumento de fé.
Já na vertente filosófica advinda do iluminismo alemão, onde com o dinamismo das
sociedades emergentes o individuo passa a ser o dono do seu destino, a escrita de si
passa a ser utilizada para interpretações de situações e experiências de si. Segundo
Delory-Momberger (2008, p.50) “ é na forma de consciência de si que define o indivíduo
da sociedade burguesa que se situa o modelo biográfico da narrativa de formação”.
Um dos percussores esse novo movimento de ressignificação da autobiografia foi
Philippe Lejune ( 1975) que intitulou pacto autobiográfico, tendo como pressupostos a
identidade entre autor, narrador e personagem principal e como base a exploração da
subjetividade baseando-se no autoconhecimento.
21
2.1 Vida, narração e autoformação
Com as novas demandas da sociedade moderna, as histórias de vida foram aos poucos
sendo utilizadas nos diversos campos das ciências humanas, onde o sujeito começa a
romper as barreiras da hegemonia determinista difundida nos princípios do capitalismo,
onde o individuo era apenas mais uma peça na engrenagem social, a escrita de si
oportunizou um resgate da individualidade deste sujeito histórico.
A biografização como função social desenvolveu-se de maneira convergente, a partir
da década de 70, em que a educação foi um dos percussores desse novo movimento
de resgate da autobiografia, nas três últimas décadas a escrita de si tem oportunizado
vários trabalhos acadêmicos através de autores como Freire (1999): “fui alfabetizado
no chão do quintal da minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu
mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos,
o meu giz”. Por meio da narrativas de si, Paulo Freire, de forma singular discorre sobre
a sua trajetória de vida.
Na França, Marie-Christine Josso, em 1988, articulava a sua tese de doutorado a
abordagem autobiográfica, onde destaca que
“a história de vida narrada é, assim,
uma mediação do conhecimento de si na sua existencialidade que oferece, para a
reflexão do seu autor, oportunidades tomadas de consciência dos vários registros de
expressão e de representação de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a
sua formação” ( JOSSO, 2008, p. 19).
A autobiografia por ter uma proposta reflexiva, permite aos atores sociais uma
apreensão das alterações sociais e culturais que é por eles vivenciada, proporcionando
contribuições para a formação e a autonomia.
Em seu trabalho sobre autoformação, Catani afirma “a proposta de escrita de relatos
autobiográficos dá aos indivíduos a possibilidade de articular, por meio das narrativas
que produzem sobre si, as experiências pelas quais passaram adotando a própria
trajetória profissional de sentido...” (CATANI, 2006, p. 16).
22
2.1.2 Projeções do eu
A escrita de si oportuniza ao seu autor não só momentos de recordações, mas
ressignificar fatos e acontecimentos para uma melhor apreensão das experiências e
aprendizagens decorrentes destas lembranças, contribuído para a ”consciência de si”,
como sujeito histórico e social, imprimindo suas marcas na sua própria história e na sua
autoformação.
A construção autobiográfica, segundo Delory-Momberger (2008, p. 63), “ inscreve-se
numa dinâmica temporal que articula estreitamente três dimensões – passado, presente
e futuro”, ao debruçar para a construção da escrita de si os autores passam por
momentos de ir e vir, ao buscar rememorar momentos passados, nos deslocamos para
nos projetar no presente e na busca incessante para um domínio do tempo futuro.
Essa possibilidade de deslocamento permite ao autor se reconhecer como sujeito de
sua autoformação ao longo da vida no decorrer da sua existência, articulando com isso
a mediação de suas experiências e uma aprendizagem significativa.
Segundo Souza (2006, p.61) “de fato, os sujeitos, ao evocarem lembranças e
recordações-referências sobre suas experiências significativas, buscam trazer para a
sua narrativa a autenticidade relativa à sua escolha e aos episódios que narram através
da linguagem articulada”. Essa possibilidade de articulação advinda das narrativas de si
e a construção de sentido determinam uma tríade que são: a relação com o mundo a
qual o autor está inserido, consigo mesmo e a sua experiência formadora.
De acordo com Peréz :
O ato de narrar sua própria história, mais do que contar uma
história sobre si, é um ato de auto conhecimento. Pela
narrativa, o sujeito constrói uma cadeia de significantes que
estrutura de formas (visível e invisíveis) de representar o
mundo e compartilhar a realidade social, ao mesmo tempo
em que engendra sonhos, desejos e utopia. ( PEREZ, 2006,
p.180)
23
Esta proposta metodológica da autobiografia oportuniza aos discentes vivenciar todo o
processo de construção e formação como autores sociais, essa experiência de análise
de recordações que inferiram referências ao percurso da sua vida e com isso resgatá-la
no seu processo de autoformação.
Segundo Dantas: “ Esses relatos, ao serem analisados , vêm favorecendo o
redimensionamento das experiências de formação e das trajetórias profissionais e
trazem para a prática atual novas maneiras de conduzir o ensino”. ( DANTAS, 2008 p.
125).
Esse paradigma epistemológico da escrita de si, significa para Josso (2004, p. 40)
“falar de recordações-referências é dizer, de imediato, que elas são simbólicas do que o
autor compreende como elemento constitutivo da sua formação”. Nesta perspectiva de
biografização e autoformação, onde os atores sociais deixam de serem leitores
passivos e passam a serem autores efetivos da sua própria história de vida, refletindo
sobre as vivências e inferindo significados, experiências e as contribuições para a sua
autoformação.
2.2
Reconhecimento de ser e estar no mundo
A identidade é uma construção ou podemos dizer produção social e cultural que nos é
(imposta) oportunizada a partir
do nascimento, e ao longo do tempo
apropriando desses simbolismos do qual fomos apresentados,
vamos nos
esse interacionismo
entre meio e ambiente em que estamos inseridos contribui para nosso processo
identitário.
Para Silva:
O processo de produção da identidade oscila entre dois
movimentos: de um lado, estão aqueles processos que
tendem a fixar a identidade; do outro, os processos que
tendem a subvertê-la e a desestabilizá-la. É um processo
semelhante ao que ocorre com os mecanismos discursivos e
24
lingüísticos nos quais se sustenta a produção de identidade (
SILVA, 2009, p.84).
A identidade muitas vezes é utilizada como meio para fixação e condicionamento ,
assim como também tentam fazer com a linguagem, mas esses dois simbolismos
escapam, por estarem sempre em movimento, influenciando e sendo influenciado pelo
meio social e cultural que está envolvido.
Segundo Stuart Hall (2006, p.10) “... distinguirei três concepções muitos diferentes de
identidade, a saber, as concepções de identidade do: a) sujeito do Iluminismo; b)sujeito
sociológico e; c)sujeito pós-moderno” .
Essa caracterização das concepções de identidade descritas por Hall, no sujeito do
Iluminismo fundamentava-se na homogeneidade e “ concepção da pessoa humana
como indivíduo totalmente centrado, unificado...”
Estudos posteriores de Freud que com sua teoria do inconsciente problematizou ainda
o conceito de identidade, segundo Hall:
A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa
sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas
com base em processos psíquicos e simbólicos do
inconsciente, que funciona de acordo com uma “lógica” muito
diferente daquela da Razão, arrasa o conceito do sujeito
cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e
unificada”. (HALL, 2006, p.36).
Esse pensamento de Freud (2006) citado por Hall repercutiu ao longo das três ultimas
décadas causando profundas discussões, influenciando outros pensadores com
Jacques Lacan que investigou processo de identidade a partir da criança, sua teoria
validava as relações com o outro nos sistemas simbólicos.
Na atualidade, o dinamismo das sociedades e ao crescente desenvolvimento dos
aparatos tecnológicos surge o sujeito pós-moderno, neste novo paradigma histórico a
25
identidade passa a ser discutida na teoria social e para alguns teóricos como Hall(
2006) para ele a identidade na pós-modernidade é aberta, fragmentadas e contraditória.
Numa linha paralela de argumento, Bauman (2005) argumenta que as indeterminações
do mundo atual, levam o indivíduo “ coletores de sensações, colecionadores
de
experiências”, antes éramos compelidos por um universos de valores estáveis com a
família, a escola, a igreja e hoje estes valores sociais estão se diluindo , ocorrendo com
isso uma desestabilização de papéis.
Partindo desses pressupostos podemos perceber que as transposições identitárias,
percorrem um longo caminho, até os dias atuais ainda se percebe que a concepção do
sujeito Iluminista está presente em algumas classes sociais a exemplo das mais
desfavorecidas, que
acreditam nas concepções deterministas para a sua situação
social.
Aos poucos, essas transformações vêm ocorrendo, independentes da consciência dos
sujeitos envolvidos no processo.
A construção identitária é um processo lento e
gradual, que o homem ao longo do tempo vai construindo e desconstruído e essa
pluralidade de relações estabelecidas, através do ambiente em que está inserido,
tornando-se um ser social e cultural.
A identidade torna-se uma convenção socialmente necessária, mas na pósmodernidade, onde as mudanças são constantes e fluidas para Zygmunt Bauman
(2005, p.22) “a fragilidade é a condição eternamente provisória da identidade...”
A fragilidade defendida por Bauman concerne ao fato da fluidez das relações humanas
e sociais, num mundo cada vez mais globalizado, onde a cultura midiática é o principal
meio de informação e formação em que os atores sociais muitas vezes viram
coadjuvantes no palco das suas vidas.
26
2.2.1 Caminhos a percorrer: ( re) construção da identidade
Como já vimos, a identidade é um conceito complexo e que requer do individuo uma
postura reflexiva sobre o seu ser e estar no mundo, fazendo uma análise sobre as
influências a que estamos sendo objetos e
sobre as nossas influências no meio
sócio-cultural do qual fazemos parte.
Para Freire (2003, p. 17): “ somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de
“distanciar-se” dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o,
transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação...”
Nesta perspectiva de “distanciar-se” oportunizada pelas narrativas de si, os atores
sociais vão aos poucos resgatando suas lembranças e memórias, reconhecendo-se e
apropriando-se dessas experiências e ressignificando o seu processo identitário.
As narrativas de si para Catani et al. (2006, p. 23) oportunizam “... suscitar processos
de transformação de identidade, de reestruturação das representações ou construções
de novas competências...”
Utilizando a fala de Catani para corroborar para a utilização das narrativas de si na
Educação de Jovens e Adultos, segmento da educação que requer uma metodologia
mais reflexiva e contextualizada, os autores sociais envolvidos nesse processo, muitas
vezes, desconhecem a importância de ser e estar no mundo.
Esse empoderamento identitário, vivenciado após as narrativas de si, contribui para a
emancipação, a auto-estima, e conseqüentemente há uma aprendizagem mais
significativa possibilitando aos educandos uma postura mais autônoma, questionadora
e reflexiva
alcançando uma transformação individual, que contribuirá para mudanças
no seu contexto social.
27
2.3 Educação e exclusão
O que difere o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de aprender,
esforçando-se para perceber a realidade a sua volta , reconhecendo e utilizando a sua
aprendizagem ao longo da vida. No próprio processo de apreensão do conhecimento
há uma consciência que nos impulsiona a compreendermos a nós e ao outro no
espaço sócio-histórico em que estamos inseridos.
Além disso, o homem e somente o homem é capaz de
transcender, de discernir, de separar órbitas existenciais
diferentes, de distinguir “ser” do “não ser”; de travar relações
incorpóreas. Na capacidade de discernir estará a raiz da
consciência de sua temporalidade, obtida precisamente
quando atravessando o tempo, de certa forma até então
unidimensional, alcança o ontem, reconhece o hoje e
descobre o amanhã (FREIRE,2003, p.63).
Esse conceito antropológico do homem nos remete à importância da educação, que
pode ocorrer em diversos espaços, sejam eles formais e não formais, mas uma forma
educacional não pode sobrepujar a outra, quando a educação não formal é a única
forma de aprendizagem do individuo ou quando o sujeito devido às necessidades
econômicas e sociais que não permitem
acesso e manutenção na escola lhes é
negado um direito básico à “escolarização”.
No início deste novo século, 13.6% dos brasileiros com 15 anos ou mais são
considerados analfabetos e 27,3% freqüentaram menos de quatro anos de escola
(INEP, 2001). Esses dados nos confrontam com uma herança de exclusão que vem ao
longo de cinco séculos sendo disseminada na educação formal no Brasil.
Segundo Haddad ( 2008 ) , “há dois consensos que podem ser encontrados em
qualquer parte deste país e entre qualquer grupo social: a grande importância da
educação para a construção de uma sociedade justa, democrática e sustentável; e a
insuficiência do sistema público de ensino para garantir, com quantidade e qualidade,
este direito”.
28
A educação formal é constantemente objeto de estudos e discussões em vários
segmentos da sociedade, mas os estudos seguem uma linha de verticalização onde os
sujeitos que compõe esse universo escolar, alunos e professores, muitas vezes são
excluídos desses debates, “fórmulas” para melhorar o qualidade da educação, muitas
vezes não condiz com a realidade enfrentada nas escolas.
Essas disparidades entre educação e qualidade que permeiam o espaço escolar no
Brasil, onde há uma concentração de renda nas mãos de poucos e a maioria da
população vive em condições de pobreza e a única forma de educação formal é a
escola pública, que também sofre reflexos dessas desigualdades sociais.
Segundo Gentilli:
A argumentação é poderosa: após décadas de gestão
estatal, o que se encontra é um sistema sofrível em todos os
termos, espelho de uma sociedade absurdamente desigual,
onde nichos de razoável qualidade canalizam recursos
públicos desproporcionais para o atendimento de estratos já
bem aquinhoados da sociedade. Além disso farta politicagem
deforma
o
caráter
presumivelmente
de
serviço
público,beneficiado setores intermediários do sistema
educacional (burocratas), em conluio com o uso político
menor de um sistema gigantesco e fundamental para as
famílias em geral. Em suma, inépcia, corrupção, clientelismo,
favorecimento, mau uso dos recursos públicos, refração e
controles democráticos, eis o quadro presente da escola no
Brasil, a grosso modo. Por que, então, insistir na receita?
Melhor não seria experimentar uma estrutura alternativa a um
sistema educacional unicamente reconhecido como
fracassado.( GENTILLI, 1995, p.45)
Responder a essas perguntas não é tarefa fácil, haja vista o contexto histórico em que a
educação foi implementada no Brasil , mas também se não houver uma mudança
efetivamente e consistente dos sujeitos que lidam diretamente com o problema:
governo, sociedade, professores, alunos, o discurso acima mencionado não será
modificado.
29
2.3.1 Educação como prática de liberdade: Emancipação
A educação contribui para a produção e reprodução da sociedade na qual ela está
inserida, fato incontestável como vimos no texto acima. Passamos por um momento de
transição onde os paradigmas tradicionais de educação estão sendo questionados e os
atores sociais desse processo são levados a refletir:
Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da
hora atual, se propõem para si mesmos como problema.
Descobrem que pouco sabem de si, do seu “posto no
cosmo”, e se inquietam por saber mais. Estará, alias, no
reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões
desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica
descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema
deles mesmos. Indagam. Respondem, e suas repostas os
levam a novas perguntas. ( FREIRE, 2005 p. 31)
Essa metodologia dialógica difundida por Paulo Freire ( 1979,1996,2005,2009) que ao
longo da sua vida discutiu a relevância da autonomia dos educandos e a postura
reflexiva dos atores sociais envolvidos no processo educacional um dos postulados da
vasta obra de Freire: “ Como professor não me é possível ajudar o educando a superar
sua ignorância se não supero permanentemente a minha.Não posso ensinar o que não
sei. Mas, este repito, não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras que o
vento leva. É saber, pelo contrário, que devo viver concretamente com os educandos. O
melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática” ( FREIRE, 1996, p. 95).
Um dos aspectos importantes dessa fala de Paulo Freire é o discurso humanista, onde
os atores sociais desse processo se perpetuam no outro, para Chaves (2006 p. 173)”
... quando você ensina uma parte de você passa a fazer parte da vida de seu aluno...”
nesta perspectiva de educação onde se privilegia a alteridade, o diálogo
resultará
numa vivência educacional mais prazerosa.
Essa nova possibilidade proporcionada pela educação dialógica, onde o sujeito busca
ampliar sua percepção da realidade local e global, refletindo sobre o seu ser e estar no
30
mundo, a fim de buscar meios para intervir em seu grupo e, de modo significativo,
promover mudanças para sua condição de vida e de seus semelhantes.
É preciso considerar que esse processo, permeado pelo diálogo, interação e troca,
valorizando e ressaltando os saberes de cada indivíduo para que impere o respeito e
estimulando a reconhecer-se e reconhecer o outro.
Esse novo contexto da educação onde os atores sociais tem nome e voz contribui para
as transformações e segundo Freire, “ se antes a transformação social era entendida de
forma simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das consciências, como se fosse
a consciência, de fato, a transformadora do real, agora a transformação social é
percebida como processo histórico em que subjetividade e objetividade se prendem
dialeticamente”. ( FREIRE, 2009 p.30)
Nessa nova concepção
problematizadora e libertadora da educação requer do
educador uma postura humanista, e reflexiva da sua práxis, ressignificando
seus
conceitos e trazendo para o espaço escolar os conhecimentos que seus educandos
trazem consigo, essa riqueza de experiências e saberes não pode ser excluída ou
tratada simplesmente como senso comum.
Conscientização e emancipação são os verbos que deveriam nortear toda prática
pedagógica, principalmente na educação de jovens e adultos, onde os saberes sociais
são muitas vezes preteridos, e elevados os conhecimentos científicos, não relacionando
estes diversos saberes com o universo social no qual o individuo está inserido.
31
CAPÍTULO 2
3. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:UM DIREITO NEGADO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um dos segmentos da educação que reflete
de forma dramática todo processo de exclusão e desigualdades impostas as classes
sociais menos favorecidas de uma sociedade, mas que, aos poucos, vêm conquistando
seu espaço no cenário educacional.
Para Haddad:
A EJA é uma conquista da sociedade brasileira. O seu
reconhecimento como um direito humano veio acontecendo
de
maneira
gradativa
ao
longo
dos
séculos
passados,atingindo sua plenitude na Constituição de 1988,
quando o poder publico reconhece a demanda da sociedade
brasileira em dar aos jovens e adultos que não realizaram
sua escolaridade o mesmo direito que os alunos dos cursos
regulares que freqüentam a escola em idades próprias ou
levemente defasadas. ( HADDAD, 2007, p.8)
Contudo, há uma grande distância entre as intenções promulgadas nas leis e o seu
cumprimento efetivo, haja vista que nos dias atuais ainda existe um grupo bastante
significativo da população excluído do direito básico da educação .
Reconhecer a importância social da educação de jovens e adultos com qualidade e
continuidade, para Haddad ( 2007, p. 12) “ é necessário a continuidade nos programas
de EJA para que o atendimento possa garantir um bom letramento dos alunos . A não
garantia dessa continuidade é hoje o principal problema...” essa descontinuidade em
programas na alfabetização de jovens e adultos contribui para
a manutenção do
quadro social que permeia a sociedade, desigualdades sociais e oportunidades iguais
para todos.
32
Para consubstanciar nosso trabalho iremos fazer um breve histórico da Educação de
Jovens e Adultos no Brasil, depois contextualizaremos fazendo um recorte no
Programa SESI Educação do Trabalhador-BA.
3.1 Caminhos e descaminhos na Educação de Jovens e Adultos
Compreender a Educação de Jovens e Adultos no panorama atual, requer voltar um
pouco no tempo e conhecer a História da Educação no Brasil, onde sempre teve como
pano de fundo a exclusão e o sectarismo.
Segundo Freire:
A história não se inventa .Ela se faz da dinâmica dos fatos,
idéias, leis, coisas, instrumentos, gentes, valores, hierarquias,
conflitos e costumes, enfim, do modo de produção de sua
sociedade, de como os homens e mulheres constroem a sua
existência. Entre nós, evidentemente foi assim ( FREIRE,
1995 p. 239)
Após a conquista da nova terra a Coroa Portuguesa teve necessidade de colonizar as
terras recém-descobertas,
devido às invasões que começaram a acometer a nova
província, estabelecendo então uma estrutura de produção no Brasil. Com a advento
da colonização, dá início ao processo populacional com a chegada de portugueses e a
subjugação dos índios.
Com a expansão dos grandes latifúndios, surge agora neste cenário uma nova
população formada de negros escravos, oriundos de diversos países do continente
africano.
Neste contexto histórico, surge os jesuítas mentores intelectuais da educação formal no
Brasil Colônia, de acordo com Freire ( 1995, p.32):
33
A preocupação pela educação surgiu como meio capaz de
tornar a população dócil e submissa, atendendo á política
colonizadora portuguesa, determinada, como foi dito, pelo
Regimento do rei D. João III. Tomé de Souza traz consigo
quatro padres e dois irmão jesuítas liderados por padre
Manoel da Nóbrega, elementos imprescindíveis à inculcação
ideológica que serviria à espoliação da Colônia e à grande
produção açucareira, entre outras.
Além de difundir o evangelho, esse educadores ensinavam ofícios que contribuíam para
a manutenção das relações sociais vigentes, além de repressão cultural e religiosa
através de normas de comportamento. Foram através das escolas humanística que se
deu o
início à educação formal, educação essa voltada para
os
filhos dos
colonizadores. Partindo desses dados, podemos perceber a influencia política e
religiosa dos jesuítas na educação e diversos segmentos da sociedade da época que
repercute até nos dias atuais.
Com o a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759, a educação passa por um processo
de desorganização, dando-se inicio às “aulas-régias” onde leigos e sacerdotes é que
mantinham esses cursos, e excluíam mulheres, negros e a camada mais desfavorecida
da sociedade.
Para Haddad (2000 p. 109): “ no campo dos direitos legais, a primeira Constituição
Brasileira, de 1824, firmou, sob forte influência européia, a garantia de uma “instrução
primária e gratuita para todos os cidadãos”, portanto também para os adultos”.
Apesar da instituição da Lei, pouco foi feito para combater esta demanda que cada vez
mais se agravava a baixa escolarização da população, a ineficácia do poder público
em implantar uma escola de qualidade que teve avanços lentos e graduais ao longo da
história.
No período do Império, só os indivíduos da classe dominante possuíam cidadania, o
que significa dizer: exclusão de negros, mulheres, índios e a camada mais
desfavorecida da sociedade.
34
Com a implantação da República no Brasil, advêm uma nova Constituição a de 1891
em que descentralizava o poder do ensino público para as Províncias e Municípios. A
união assumiu o ensino secundário e superior, mais uma vez se confirma a manutenção
da classe elitista em detrimento das camadas marginalizadas da sociedade, haja vista
a dependência econômica das províncias às grandes oligarquias regionais.
A nova Constituição de 1891 estabelecia também a exclusão dos adultos analfabetos
na participação ao voto, este fato ocorreu em um período em que a maioria da
população adulta era analfabeta.
Segundo Haddad (2000 p.110) “ o censo realizado em 1920, 30 anos após a
implementação da República indicou que 72% da população acima de cinco anos
permanência analfabeta. Por esses dados, podemos perceber o descaso quanto à
educação das classes mais populares da sociedade, nesse período a educação de
jovens e adultos praticamente não existia no cenário pedagógico”.
Esse panorâmica histórico só vai começar a ser revisto com a Constituição de 1934,
com a implantação do Plano Nacional de Educação, que determinava de maneira clara
as esferas de competências da União, do Estado e dos Municípios, reafirmando a
Educação como o direito de todos e dever do Estado.
Até então não existia políticas públicas para a educação de jovens e adultos, só no final
da década de 1940 que com a obrigatoriedade do ensino primário, que também se
tornou extensivo para os adulto.
De acordo com Haddad (2000, p.11) só em “ 1947 foi instalado o Serviço de Educação
de Jovens e Adultos (SEA) como serviço especial do Departamento Nacional de
Educação do Ministério da Educação e Saúde, que tinha por finalidade reorientação e
coordenação geral dos trabalhos dos planos anuais do ensino supletivo para
adolescentes e adultos analfabetos”. Este projeto prosseguiu até o final da década de
1950, após esse período surgiu, a Campanha de Educação de Jovens e Adultos-CEAA,
influenciando de forma significativa a infra-estrutura nos Estados e Municípios .
35
Começa os estudos mais sistemáticos em 1958, com a realização do II Congresso
Nacional de Educação de Jovens e Adultos no Rio de Janeiro, o Seminário Regional
realizado no Recife, que contou com a participação do professor Paulo Freire, estes
encontros oportunizaram a criação de vários movimentos sociais das classes populares
dentre eles podemos destacar: Movimento de Educação de Base, Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil em 1961, Movimento de Cultura Popular do Recife, Campanha de
Pé no Chão Também se Aprende a Ler, e em 1964, o Programa Nacional de
Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura que contou com a colaboração do
professor Paulo Freire.
Um dos grandes marcos oportunizados pelos movimentos sociais nesse período, foi o
consideração das especificidades da educação de jovens e adultos que passaram a
ser adotadas na esfera pública de educação,
segundo
Haddad ( 2000, p. 113) “
nesses anos, as características próprias da educação de jovens e adultos passaram a
ser reconhecidas, conduzindo às exigências de um tratamento específico nos planos
pedagógicos e didáticos”.
Com o golpe militar em 1964 houve uma ruptura política e social, os movimentos
populares que contribuíram para mudanças na educação de jovens e adultos foram
reprimidos e seus líderes perseguidos e os ideais censurados. Com esse regime
autoritário a educação de jovens e adultos passou a ser perseguida por ter uma postura
política os movimentos populares contrariavam os interesses militares.
Devido às pressões nacionais e internacionais o governo militar teve que dar uma
resposta a um direito já conquistado e legitimado à educação de jovens e adultos, neste
contexto surge o MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetização em 1967.
De acordo com Haddad:
O MOBRAL foi implantado com três características básicas.
A primeira delas foi o paralelismo em relação aos demais
programas de educação. Seus recursos financeiros também
independiam de verbas orçamentárias. A segunda
característica foi a organização operacional descentralizada,
36
através de Comissões Municipais espalhado por quase todos
os municípios brasileiros, e que se encarregava de executar
a campanha nas comunidades, promovendo-as, recrutando
analfabetos, providenciando salas, professores e monitores.
A terceira característica era a centralização de direção do
processo educativo, através da Gerência Pedagógica do
MOBRAL Central, encarregada da organização, da
programação, da execução e da avaliação do processo
educativo. (HADDAD, 2000, p.115).
Com a consolidação juridicamente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 5.692 de 11 de agosto de 1971, implementou-se o Ensino Supletivo que visava suprir
as demandas educacionais e constituir uma nova concepção de escola, proposta essa
que foi mas uma vez veículo de exclusão para os jovens e adultos.
No âmbito
federal, o Ensino Supletivo ficou a cargo do Departamento do Ensino
Supletivo do MEC(DESU) desde a sua implementação em 1973 até 1979. Onde o
Ensino Supletivo ganhou destaque e visibilidade foi na esfera estadual o mesmo não
ocorrendo na esfera municipal.
No processo de redemocratização da sociedade brasileira em 1985, momento histórico
e que começou a ressurgir os movimentos populares e os direitos sociais foram aos
poucos retomando seu espaço .
Com a promulgação da Constituição de 1988 , Estados e Municípios através de
instrumentos jurídicos passa a o reconhecer os direitos sociais de pessoas jovens e
adultas, dentre esse direitos a educação fundamental gratuita e universal, mas de
acordo com Haddad(2000, p. 119) “ A história da educação de jovens e adultos do
período da redemocratização, entretanto, é marcada pela contradição entre a afirmação
no plano jurídico do direito formal da população jovem e adulta à educação básica, de
um lado, e sua negação pelas políticas públicas concretas de outro”.
Em 1996 com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
que foi aprovada no congresso no final de 1996 que teve como relator o senador Darcy
Ribeiro, poucos avanços ocorreram na Educação de Jovens e adultos seus dois artigos
37
reafirmam apenas direitos já existentes: o direito dos jovens e adultos trabalhadores ao
ensino básico e o dever do Estado em oferecê-lo de forma gratuita.
Houve alguns avanços no percurso educacional brasileiro, as instituições escolares
tornaram-se abertas as camadas sociais populares, superando o seu caráter elitista
que predominou por um longo período.
Freire ressalta que:
Muitos erros e equívocos comete a liderança ao não levar em
conta esta coisa tão real, que é a visão do mundo que o povo
tenha ou esteja tendo. Visão do mundo em que se vão
encontrando explícitos e implícitos os seus anseios, as suas
crenças, as suas dúvidas, a suas esperanças, a sua forma de
ver a liderança, a sua percepção sempre sincrética, o seu
fanatismo, a sua reação rebelde. E tudo isto, como já
afirmamos, não pode ser encarado separadamente, porque,
em interação, se encontra compondo uma totalidade. (
FREIRE, 2005, p. 211)
Apesar da expansão educacional, enfrenta-se um novo paradigma, a exclusão através
da baixa qualidade da educação, se antes os alunos da educação de jovens e adultos
eram indivíduos que não haviam passado pela educação formal,na atualidades o
público atendido pela educação de jovens e adultos são alunos que durante o seu
período escolar em média de dois anos não conseguiram o domínio mínimo da leitura,
da escrita e do cálculo, denominados de analfabetos funcionais.
3.2 Novas Possibilidades: Programa SESI Educação do Trabalhador
Com o objetivo de elevar o nível de escolaridade dos trabalhadores
industria e de empresas
oriundos da
parceiras da Federação da Industria do Estado da Bahia
(FIEB), o SESI desenvolveu o Programa SESI Educação do Trabalhador.
38
Um dos pressupostos do Programa SESI Educação do Trabalhador “ Um trabalhador
que alcança nível escolar tende a elevar sua auto-estima e apresentar uma
performance adequada aos constantes desafios impostos por um mercado competitivo
e globalizado, tenso consciência de suas funções, melhoria da capacidade de
comunicação e desempenho satisfatório em treinamentos com resultados imediatos”.
O programa SESI Educação do Trabalhador é um dos eixos temáticos da agenda de
responsabilidade social do setor industriário, oferecendo cursos de Ensino Fundamental
I (alfabetização a 4º série), Ensino Fundamental II ( 5° a 8º série) e Ensino Médio (2º
grau), também oportuniza cursos de Atualização de Conhecimentos, que funciona na
sua maioria no próprio local de trabalho do aluno.
Fluxograma do Programa SESI Educação do Trabalhador
Quadro 1
Fonte: http://www.sesi.fieb.org.br/educacao_trabalhador.shtm
39
Ensino Fundamental I
Está organizado em três blocos de 360 horas cada, que dura em média 9 meses,
perfazendo 1.080 horas, sua proposta curricular é construída especificamente para o
adulto trabalhador e com metodologia compatível com os níveis de alfabetização (
etapa I), 1ª e 2ª serie (etapa II) e 3ª e 4ª serie ( etapa III) do Ensino Fundamental,
conforme demonstrado no Quadro I
Estas etapas podem vir a acontecer de forma simultânea, oportunizando com isso
atender alunos com níveis de conhecimento diferenciados, as salas de aula são
multiseriadas o que contribui para a troca de experiências e conhecimentos.
Quanto aos matérias didáticos utilizados durante as aulas, são elaborados pela equipe
pedagógica e pelas professoras que atuam no Programa a partir dos Referencias
Curriculares do MEC para jovens e adultos, tendo como pressupostos teóricos os
estudos de Piaget, Vygotsky
Emília Ferreiro e Paulo Freire, seguindo três eixos
temáticos:
1 - Identidade e Trabalho
2 - Meio Ambiente e Saúde
3 - Pluralidade Cultural / Sociedade e Novas Tecnologias
Ao final do curso o aluno recebe um atestado de participação e histórico escolar emitido
pela Escola Reitor Miguel Calmon / SESI Retiro.
Ensino Fundamental II e Médio
Estes segmento abrange alunos com escolaridade de 5ª a 8ª serie e do Ensino médio
(2º grau), com uma carga horária de 720 e 840 horas e com duração em média de 20 a
22
meses,
respectivamente,
com
uma
proposta
curricular
multidisciplinar
contextualizada, voltada para os conhecimentos do mundo de trabalho.
e
40
As avaliações são realizadas no transcorrer do processo de ensino aprendizagem do
aluno, tendo como referencial a valorização da experiências e o pleno desenvolvimento
do aluno.
Atualização de Conhecimentos
Cursos sob encomendas do cliente, formatados por disciplinas e conteúdos
programáticos definidos entre a equipe pedagógica do SESI
levando-se em
consideração as especificidades da empresa. Com carga horário flexível estes cursos
possibilitam aos participantes uma formação continuada contribuído para um
aperfeiçoamento teórico, associando-os a sua prática profissional.
Quadro 2
Performance do programa
PROGRAMA SESI EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR - BAHIA
1998
1999
2000
2001
2002
Matrículas
2637
6880
8194
8335
9108
Municípios
12
40
48
45
49
Empresas
101
259
286
236
275
Turmas
109
284
393
365
421
Fonte: http://www.sesi.fieb.org.br/educacao_trabalhador.shtm
Como podemos perceber pelos dados do quadro acima, o Programa SESI Educação do
Trabalhador, regional Bahia, ao longo dos anos tem tido um acréscimo do números de
41
participantes, o que demonstra o quanto Municípios e empresas têm reconhecido a
relevância do programa.
3.3 Unidade-caso da pesquisa
Este Projeto de Pesquisa é um Estudo de Caso sobre o Projeto Pedagógico “Conto e
Reconto: Conhecendo Machado de Assis”, que ocorreu entre o período de 17 de
fevereiro à 24 de abril de 2009 na Escola Tempo de Aprender do Programa SESI
Educação do Trabalhador.
André ( 2001) acentua:
O caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus
contornos claramente definido no desenrolar do estudo. O
caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo
distinto, pois tem um interesse próprio , singular.[...] quando
queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si
mesmo, devemos escolher o estudo de caso. ( ANDRÉ,
2001, p.17)
Vamos conhecer um pouco mais sobre este estudo de caso e seus atores sociais:
Em 29 de setembro de 2008, as aulas foram iniciadas na Incorporadora MVL situado no
bairro de Ondina na cidade de Salvador, com a participação de dez alunos as
aulas
ocorriam no refeitório, onde os bancos e as mesas eram de tábuas, o chão de terra
batida e as paredes desnudas sem reboco. Fui apresentada como professora,
e
durante sete meses esse foi o nosso espaço escolar.
Durante a primeira semana de aula fizemos outras dinâmica como a da impressão
digital onde era solicitados que os alunos através do pó do lápis passasse no dedo
indicador e depois pressiona-se o dedo sobre um papel ofício, solicitei aos alunos que
observasse as marcas deixadas no papel e confrontasse com a dos colegas.
42
Essa atividade tinha como propósito gerar um discussão sobre as singularidades e
diferenças existentes nos indivíduos, o resultado foi desastroso pois os alunos não
falavam, só respondiam através de monossílabos: sim , não e não sei.
Outra atividade era a escolha do nome da escola, com a participação dos estudantes foi
escolhido o nome da escola “Tempo de Aprender”.
No quinto dia de aula fizemos o diagnóstico, procedimento que faz parte do Programa
SESI Educação do Trabalhador, como forma de conhecermos o estágio de
desenvolvimento cognitivo, de leitura e escrita dos alunos, o diagnóstico é composto de
perguntas com diversos níveis de dificuldade.
Após correção do diagnóstico me deparei com um classe de cinco alunos na Etapa I
( alfabetização) Gilmar, Wasghinton, Enéas, Anísio e Ataíde que tinha dificuldades de
aprendizagem,
quadro alunos na Etapa II ( 1ª e 2ª série) Eduardo, Mariano, José
Roberto e Adimilson.
Com essa coleta de dados, iniciou-se o trabalho instigante e ao mesmo tempo
desafiador, como oportunizar a esses alunos uma aprendizagem significativa e
contextualizada, utilizando os seus conhecimentos.
Fazer uma prática pedagógica diferenciada requer dos professores uma atitude
reflexiva e compreendendo o seu papel como mediador, não só dos conteúdos formais
mas reconhecendo que a educação tem uma função social e política que extrapola o
espaço escolar.
De acordo com Gadotti (cit por Veiga, 2001, p. 18):
Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas
para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado
confortável para arriscar-se, atravessar um período de
instabilidade e buscar uma estabilidade em função de
promessa que cada projeto contém de estado melhor do que
o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como
promessa frente determinadas rupturas. As promessas
43
tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo
seus atores e autores.
Foi
imbuído desse novo paradigma educacional emergente que começou a ser
construído o “ Projeto Pedagógico Conto e Reconto: Conhecendo Machado de Assis” ,
após a leitura da biografia de Machado de Assis, que teve uma infância pobre e com
baixa escolarização, muito parecida com o atores sociais da educação de jovens e
adultos, a partir dessas inferências e também buscando oportunizar aos alunos uma
vivência com um clássico da literatura mundial.
Para “aproximar” Machado de Assis dos alunos o primeiro contato se deu a partir da
Biografia do autor, após uma leitura compartilhada, com algumas intervenções
dialógicas os alunos foram instigados a comentar e compartilhar o que estava sendo
lido, com fatos concretos vivenciados por eles, como a exemplo: “ Por ter de trabalhar,
aos 12 anos parei de estudar para ajudar a minha família”. ( EDUARDO 44 anos).
Este fato que até hoje ocorre com bastante freqüência na educação de jovens e
adultos, o abandono da escola para ajudar à família ou quando a renda trazida pelas
crianças é a única renda da casa, obrigando com isso a evasão escolar e, mais tarde,
para esse individuo só resta a possibilidade de retornar à escola na educação de
jovens e adultos.
Após a leitura e a interpretação contextualizadas da biografia de Machado de Assis, foi
solicitado aos alunos que escrevessem a sua autobiografia, tendo como parâmetro a
infância, a escola e relatos das experiências que eles consideravam relevantes ao longo
da sua vida.
Essa possibilidade de reflexão oportunizada pela autobiografia contribuiu para que o
sujeito
se aproprie do seu discurso, segundo Delory-Momberger ( 2008, p. 98)
“poderíamos dizer da “ história de vida” que, tal como constrói a narrativa,é a ficção
verdadeira do sujeito: é a história que o narrador, no momento em que anuncia toma
44
por verdadeira e na qual se constrói como sujeito ( individual e coletivo) no ato da sua
enunciação”.
Partindo dessas considerações, ficou evidente o rico material que havia sido coletado
após a culminância do projeto, um livro de produzido pelos educandos composto de
contos, narrativas e crônicas.
As narrativas de si, feitas pelos educandos que mesmo não dominado a escrita e a
leitura, mas já reconhecendo a função social da escrita esse biografias foram usadas
para análise neste estudo de caso.
45
CAPÍTULO 3
4. RELATOS , ENTRELUGARES: AUTOBIOGRAFIA
No primeiro dia de aula
fizemos a dinâmica da apresentação que consistia do
estudante apresentar o outro e começaram as surpresas para mim é claro, eles apesar
de trabalharem há meses juntos não sabiam o nome do colegas. Isso me deixou
surpresa,
afinal o nome é a primeira referência identitária do homem, assim eu
acreditava, por ser a primeira marca social que nós recebemos.
Lembrei-me de quando criança perguntar a minha mãe sobre o meu nome, quem
escolheu, porquê, quando, essas recordações me fez lembrar Silva quando ele afirma:
A identidade e a diferença têm que ser ativamente
produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou do
mundo transcendental, mas do mundo cultural e social.
Somos nós que a fabricamos, no contexto de relações sociais
e culturais”. ( SILVA, 2009 , p.76)
A
educação de jovens e adultos é marcada por fatos históricos de fragmentação,
descontinuidade e descaso dos poderes públicos ocasionando com isso uma educação
que não possibilita aos sujeitos sociais se reconhecerem como indivíduos capazes de
buscar novas possibilidades de mudança social e pessoal.
Partindo desses pressupostos de fazer uma pedagogia diferenciada, onde a perspectiva
de aprendizagem fosse criado em conjunto com todos os participantes desse processo,
levei em consideração o conhecimento dos alunos e suas experiências, tendo como
parâmetro o reconhecimento de ser e estar no mundo.
.
46
De acordo com Dantas ( 1996, p.120),
“ em pesquisa anterior, constatou-se que
professores da Rede Municipal de Salvador acreditavam que o papel dos professores
era “ ensinar, transmitir, dar e levar o conhecimento para os alunos”.
Está forma de pensar do professor,
infelizmente ainda tem espaço no ambiente
escolar, desenvolver novas metodologias requer investigação, pesquisa e nem sempre
o professor que trabalha quarenta horas semanais, tem
disponibilidade
para
inovar, criar, desmistificar conceitos e renovar a sua prática pedagógica.
Reconhecendo todas essas impossibilidades sofridas pelos professores da educação
de jovens e adultos, esta pesquisa possibilita o conhecimento de práticas que já vem
sendo utilizada na formação de professores, as narrativas de si, agora na perspectiva
de legitimar a importância do reconhecimento identitário e emancipatório aos sujeitos
sociais da educação de jovens e adultos: os alunos.
As narrativas de si desenvolvidas durante o Projeto ” Conto e Reconto: Conhecendo
Machado de Assis”,
foram articuladas seguindo três eixos temáticos: primeiro eixo
memórias da infância, segundo eixo lembranças da escola e no terceiro eixo histórias
de vida.
“ Memórias da infância ..."
As primeiras marcas da nossa vida é criada e recriada na infância, e nela que as
memórias vão buscando os fios onde começaram a ser tecidos, as historias de vida de
cada um de nós.
Na narrativa autobiográfica, a reinterpretação da vida
empresta necessariamente um colorido pessoal, local aos
fatos narrados. Os dados analisados mostram que as
primeiras lembranças que se deixam aprisionar pela escrita
são as da infância e com elas as imagens do aconchego
familiar, da vida na escola, das primeiras professoras
(PASSEGGI et.al. 2006, p. 260).
47
Quando foi solicitado aos educandos que escrevessem sobre suas memórias da
infância, pude observar que nesses momentos da biografização da sua infância eles
expressavam alegria e contentamento.
Era uma criança briguenta que gostava de subir em árvores,
e ajudar meu pai ( MARIANO, 50 anos).
Nesse momento de recordação da infância, a família é um dos elos norteadores que
constituía uma herança indissociável na vida na vida desses narradores , contribuído
para sua forma de decodificar fatos e acontecimentos na sua relação de ser e estar com
o outro.
Meus pais não sabiam ler nem escrever, mas mesmo assim
seus filhos estudavam em uma escola, sete quilômetros
distante da residência da família. ( EDUARDO)
Eduardo conta que por essa atitude de seus pais, ele exige o mesmo de seus três
filhos, que estudem para poder “ ser alguém na vida”.
As referências identitárias que ao longo da vida vão passando por modificações através
das dinâmicas sociais que estamos inseridos, mas é na infância que essas referências
começam a ser delimitadas, para Woodward (2009, p.17) “ É por meio dos significados
produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e aquilo que
somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível
aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar”.
As representações simbólicas que construímos durante a infância segundo Vygotsky se
deve a partir da interação e mediação entre os sujeitos e o ambiente.
Podemos perceber que durantes as narrativas, como já vimos acima, são interlocuções
entre o meio e os sujeitos narradores .
48
Meus pais são lavradores, trabalho desde pequeno (ATAÍDE,
36 anos).
Para esse sujeitos sociais da educação de jovens e adultos um dos grandes
dificuldades é se desvencilhar desse estigma de baixa auto estima, o educando Ataíde,
que apesar de não dominar a leitura e a escrita, foi uma grande surpresa para mim, no
final do projeto ele foi o que mais contribuiu para o sucesso do projeto, através do
processo dialógico das atividades, ele fazia inferências contextualizadas surpreendendo
até aos colegas, “onde aprendeu isso homem?” ( fala do educando Eduardo).
Na infância gostava de brincar de gude e sair com meus pais
para visitar os parentes. ( ANÍSIO, 46 anos).
A brincadeira tão própria do universo infantil foi poucas vezes comentadas durante as
narrativas, os educandos Mariano e Anísio foram os únicos que nas suas narrativas
levantaram esse tema, a maioria dos relatos eram sobre as dificuldades vivenciadas
nesse período das suas vidas.
“ Lembranças da escola...”
A escola na sua concepção essencial é o primeiro veiculo de interação entre os
indivíduos na sociedade. Na primeira fase escolar, as crianças vão formar seus
primeiros vínculos fora do ambiente familiar, entrando em contato com a educação
formal e passando a interagir com os seus pares.
Aos sete anos comecei a estudar na Escola Municipal Rubem
Carneiro, que freqüentava todos os dias, pois gostava muito
de estudar ( ADIMILSON, 28 anos).
49
A escola permeia nossa lembranças, convive no nosso imaginário de acordo com
Souza:
A escrita acerca da sua trajetória de escolarização permite
aos sujeitos compreender, em medidas e maneiras
diferentes, o processo formativo e os conhecimentos que
estão implicados nas sua experiências ao longo da vida,
porque o coloca em “ transação” consigo próprio, com outros
humanos e seu meio natural. ( SOUZA, 2006, p. 55)
As relações sociais que começam a ser traçadas na escola e que vão durar em média
de oito a nove anos neste espaço, na educação de jovens e adultos esse período é
mínimo ou, quando nunca foi experimentado.
Aos nove anos fui matriculado na Escola Municipal Otávio
Costa, estudei apenas 4 meses tive que abandonar a escola
prá ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos ( JOSÉ
ROBERTO , 40 anos)
Pro ter que trabalhar aos 12 anos parei de estudar para
ajudar a minha família, estudei pouco ( EDUARDO ).
Segundo Haddad ( 2008) a causa desse insucesso escolar se deve à necessidade de
ajudar a manutenção da família, e com isso são negadas a estas crianças o direito
básico à educação e quando chega a fase adulta só lhes resta a educação de jovens e
adultos.
Para Arroyo (cit por Haddad 2007, p. 15), “ além de alunos ou jovens evadidos ou
excluídos da escola, antes do que portadores de trajetórias escolares truncadas, eles
carregam trajetória perversas de exclusão social, vivenciam trajetórias de negação dos
50
direitos mais básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à
sobrevivência”.
Trabalhando desde pequeno, não tive oportunidade de
estudar . ( ATAIDE, 36 anos)
Como foi tão bem colocado por Arroyo a educação de jovens e adultos é talvez a única
ou última possibilidade que esses sujeitos sociais têm de resgatar ou (re) conhecer seu
espaço na sociedade da qual faz parte.
Durante as narrativas do ambiente escolar, aos poucos foi ganhando imagens, nomes
e lembranças dos professores, foram aparecendo, timidamente, mas percebe-se o
quantos eles ocuparam um espaço nas recordações autobiográficas.
Desde muito cedo tive que trabalhar para ajudar a família,
estudei na Escola Manuel Alcântara , a professora se
chamava Naná. Até hoje me lembro da voz dela ( ENÉAS, 40
anos)
Gostava de ir a escola e as professoras que ainda guardo na
lembrança são Vanete e Elisa. Recordo de um amigo secreto
que ocorreu no final do ano, foi marcante e até hoje me
lembro desta aula ( ANÍSIO, 46 anos)
Dentro desse cenário, apesar das diversidades envolvidas no processo
educacional
desses
narradores,
a
lembranças
dos
professores
mostram
a
representação simbólica desses sujeitos sociais, suas alegrias, suas esperanças para
Freire ( 2009, p. 72):
“Há uma relação entre a alegria necessária à atividade
educativa e a esperança. A esperança de que professor e
aluno juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos,
produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos a nossa
alegria”.
51
Os obstáculos enfrentados pelos autores sociais da educação de jovens e adultos são
muitos, sub-empregos, moradias precárias, referenciais identitários descaracterizados,
mas mesmo assim carregam nas sua memórias momentos felizes e significativos.
“ Histórias de vida ...”
O ser humano é um ser de relações sociais e culturais, e as narrativas de si promovem
esse embate entre o passado, presente e futuro, que constitui teias que interagem ao
longo da existência dos autores sociais.
Dentro dessa dinâmica, de acordo com Delory-Momberger (2008, p. 56) “ a narrativas
(auto)biográfica instala uma hermenêutica da “história de vida”, isto é, um sistema de
interpretações e de construção que situa, une e faz significar os acontecimentos da vida
como elementos organizados no interior de um todo”.
A partir dos 14 anos comecei a trabalhar no sisal, mas ainda
freqüentava a escola e a minha professora neste período era
Marli. Nesta época comecei a participar das festinhas da
região. ( ANÍSIO)
As recordações vivenciadas pelos atores sociais na educação de jovens e adultos são
mediadas pelos parceiros sociais, próximos ou distantes que oportuniza momentos
alegres ou tristes.
Quando adolescente sai de casa e fui trabalhar na
construção civil, onde conheci várias cidades do interior, foi
muito bom, vivia do que trabalhava, morando com um e com
outro. Em 1º de agosto de 1994 vim
pra Salvador.
(ENÉAS)
Ao longo dos anos as histórias de vida, reproduzem
experiências, significados e
sentidos que caracterizam nossa singularidades para Bauman ( 2006, p. 56) “ fazer da
“identidade” uma tarefa e o objetivo do trabalho de toda uma vida...”
52
Um dia pedi a um amigo que me ensinasse a escrever meu
nome. Comecei lendo revistas e jornais, mesmo sem
entender direito, mas sempre tentando, assim consegui
escrever meu nome. Consegui tirar meus documentos
assinando em todos. ( JOSÉ ROBERTO)
Para José Roberto, materialização de algo desejado, como ler e escrever, foi marcada
por dificuldade, mas ao mesmo tempo de superação.
Para Passeggi et.al (2006, p.265) “ os dados analisados revelam em muitas passagens
um misto de felicidade e de sofrimento, vividos pelos narradores, no ato de contar sua
história...”
As narrativas de si, significam traduzir a vida em letras e palavras que aos poucos vão
revelando
expectativas,
sonhos
desfeitos,
momentos
de
contentamento,
as
representações simbólicas desses momentos vividos e a interação com os parceiros
sociais é o que torna a autobiografia uma prática inovadora e reflexiva.
53
CONCLUSÃO
Ao dar inicio ao “Projeto Pedagógico Conto e Reconto: conhecendo Machado de Assis”,
não tinha dimensão das novas possibilidades desse novo caminho que começa a se
delinear na minha vida, ou seja as narrativas autobiográficas.
Foi um período de movimentos dialéticos intensos entre os autores das narrativas e eu,
ao servir de escriba para seu Ataíde e Enéas, ao ler os relatos que a cada dia ia sendo
escrito com uma concentração tão grande, que não se ouvia um barulho na sala. Cada
autor envolvido com suas recordações e lembranças.
A autobiografia é um recurso metodológico que oportuniza aos seus escritores
momentos de reflexão e de auto-análise, possibilitando (re)vivenciar momentos, com
isso ressignificando atitudes e posturas.
Nesse sentido falar de si não é um processo fácil, ainda mais para autores que estão
num processo de aquisição da leitura e escrita, que foram os sujeitos desta pesquisa,
perceber as mudanças significativas que aos poucos eles iam incorporando, como a
desenvoltura na sua oralidade, a apropriação do seu discurso, uma melhor convivência
no ambiente de trabalho.
Foram diversas as mudanças que ocorreu nestes alunos, perceptíveis aos sujeitos que
estavam inseridos naquele ambiente.
Seu Eduardo está bem melhor, como uma nova postura ao si dirigir
aos colegas.( Leandro, engenheiro da MVL)
54
A análise dessas narrativas proporcionou fazer interlocuções com vários autores, o
que contribuiu para um trabalho significativo, reconhendo em cada história o singular e
o plural da existência humana, fato que enriquece ainda mais o estudo das
autobiografias na perspectiva emancipatória e de autoformação do sujeito social.
Como foi afirmado por Freire (2009, p. 78)
Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo.
E com essa consciência do inacabado, reconhecendo as limitações que serão
apresentadas, já que o eixo norteador deste trabalho serão as contribuições
sociológicas e não de cunho voltados para a alfabetização e letramento, mas a presente
pesquisa poderá servir de base para outros estudos.
55
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