8 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Departamento de Educação – Campus I SINGULAR E PLURAL: HISTÓRIAS DE VIDA DE ALUNOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Salvador 2010 9 SANDRA REGINA SANTOS DO VALE SINGULAR E PLURAL: HISTÓRIAS DE VIDA DE ALUNOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Monografia apresentada ao Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia como requisito de aprovação do Curso de Pedagogia com Habilitação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Orientadora: Profª Tânia Dantas . Banca Examinadora ____________________________________ Profª Tânia Dantas _____________________________________ Profº Olivia Matos _____________________________________ Profº Rilza Cerqueira SALVADOR 2010 10 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos alunos da Escola Tempo de Aprender I e II, Ataíde, Anísio, Adimilson, Eduardo, Enéas, José Roberto, Mariano que com suas singularidades me ensinaram muito. 11 AGRADECIMENTOS Agradeço este trabalho a todos que participaram da minha educação acadêmica, a minha mãe, mulher de garra e perseverança que com sua humildade e exemplo contribuiu para minha emancipação, as minha filhas Carine e Larissa e a todos meus familiares, que me apoiaram em todos os momentos e aos amigos que interferiram e ajudaram positivamente nos resultados deste trabalho 12 RESUMO O presente trabalho é um estudo sobre as narrativas de si desenvolvida numa classe de Educação de Jovens e Adultos, durante a realização do Projeto Pedagógico “Conto e Reconto: Conhecendo Machado de Assis”. Neste contexto foi solicitado aos estudantes que construíssem a sua autobiografia tendo como eixos norteadores: a sua infância, memórias da escola e histórias de vida. Analisando os relatos dos 8 participantes do projeto pode-se perceber que o recurso das narrativas de si contribuiu para a autoreflexão e oportunizou aos estudantes o reconhecimento de si e da sua realidade histórica, promovendo mudanças na sua realidade. Palavras–chave: EJA, Autobiografia, Identidade, Emancipação. 13 ABSTRACT This work is a study on the narratives, developed a class of young and adult education, during the completion of the educational project "tale and re-telling: knowing Machado de Assis". In this context was asked a student to construct their autobiography having as guiding axes: his childhood memories of school and life stories. Analyzing the reports of 8 participants of the project can understand that the use of narratives, helped to self reflection and students backed and recognition of their historical reality, promoting changes in their reality. Key word: EJA, autobiography, identity, emancipation. 14 Não sou areia onde se desenha um par de asas ou grades diante de uma janela Não sou apenas a pedra que rola nos mares do mundo, em cada praia renascendo outra. Sou orelha encostada na concha da vida, sou construção e desmoronamento, servo e senhor, e sou mistério. A quatro mãos escrevemos o roteiro para o palco de meu tempo: o meu destino e eu. Nem sempre estamos afinados, nem sempre nos levamos a sério. Lya Luft ( 2009) 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO 1 2. Escrita de si 11 2.1.1 Vida, narração e autoformação 13 2.1.2 Projeções do eu 14 2.2 Reconhecimento do ser e estar do mundo 16 2.2.1 Caminhos a percorrer: (re) construção da identidade 18 2.3 Educação e exclusão 19 2.3.1 Educação como prática de liberdade: emancipação 21 CAPÍTULO 2 3. Educação de Jovens e Adultos: direito negado 23 3.1 Caminhos e descaminhos na Educação de Jovens e Adultos 24 3.2 Novas possibilidades: Programa SESI Educação do Trabalhador. 29 3.3 Unidade-caso da pesquisa 33 CAPÍTULO 3 4. Relatos, entrelugares: autobiografia 37 CONCLUSÃO 45 REFERÊNCIAS 47 ANEXO 1 ANEXO 2 16 INTRODUÇÃO Esta pesquisa surgiu da necessidade de responder a uma inquietação, após a conclusão de um projeto pedagógico intitulado “ Conto e Reconto: conhecendo Machado de Assis”, que ocorreu durante o período de 17 de fevereiro a de 24 abril de 2009 , desenvolvido com uma turma de Educação de Jovens e Adultos do Programa SESI Educação do Trabalhador, dentre uma das atividades propostas foi a construção da escrita de si dos alunos envolvidos no projeto. Após uma resistência inicial, os estudantes começaram a construção das autobiografias tendo como norteadores três eixos temáticos: memórias de infância, lembranças da escola e histórias de vida, essa proposta metodológica estava lastreadas numa perspectiva dialógica, reflexiva e emancipatória, esta atividade mobilizou-os tanto que não queriam parar de escrever. Para Souza: A utilização e vinculação das histórias de vida e, mais especificamente, da abordagem biográfica, como uma possibilidade de autoformação, evidenciam-se porque permitem colocar o sujeito numa posição de ator e autor do discurso da vida. ( SOUZA, 2006, p. 39) Nesta perspectiva de autoformação, surgiu um questionamento: Será que a escrita de si contribui para o resgate da identidade e emancipação nos alunos da educação de jovens e adultos? Buscando responder a esse questionamento, a presente pesquisa terá como objetivo geral fazer uma análise das autobiografias dos alunos reconhecimento da educação como espaço de na perspectiva do (re)construção emancipatória. Tendo como objetivos específicos compreender e identitária conhecer, e a 17 importância das recordações vivenciadas pelos autores sociais e as contribuições no processo emancipatório através das narrativas autobiográficas. Como a presente pesquisa será um estudo de caso, Gil (2009, p.54) afirma que: “ o estudo de caso consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permite seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos”. Os sujeitos da pesquisa são os atores sociais da educação de jovens e adultos, que está constantemente sendo alvo de debates na esfera política e social, mas poucos são os avanços que ocorrem nesta modalidade da educação. Se a vocação ontologia do homem é a de ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaços-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais “emergirá” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, porque é sujeito não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais. ( FREIRE, 2003, p. 61) As narrativas de si oportunizadas pela autobiografia contribui de forma significativa para a reflexão e autoformação dos sujeitos envolvidos no processo das narrativas para Peréz (2006, p. 181): “ narrar a vida, escrever sua autobiografia é, do ponto de vista da formação, um exercício de autotransformação: a escrita como uma experiência e como dispositivo de autoconstituição”. Esta pesquisa está dividida em três capítulos, no Capítulo 1, enfatizamos os conceitos de narrativas de si, novo paradigma de autoformação, que traz contribuições importantes para a educação, será embasado nos teóricos: Josso (2004, 2008), Souza (2006, 2006), Dantas (2008), Catani (2006) e Delory-Momberger (2008), em Reconhecimento de ser e estar no mundo e Caminhos a percorrer: (re) construção da identidade, discutiremos os novos conceitos de identidade na era da pós-modernidade tendo como referências Hall (2006), Silva ( 2009) e Bauman (2005), já em Educação e 18 exclusão, e Educação como prática de liberdade:Emancipação os autores que nortearam esses pressupostos foram, Freire (2003,2009), Gentilli ( 1995) e Haddad ( 2007), confrontaremos a relevância da educação na emancipação dos indivíduos. No capítulo 2, será feito um recorte na Educação de Jovens e Adultos: direito negado, breve histórico do EJA, onde contextualizaremos a educação de jovens e adultos no âmbito das políticas públicas e movimentos populares, tendo como pressupostos teóricos: Haddad (2000, 2007), Freire (2003, 2009) e Freire (1995), em Novas possibilidades - Programa SESI Educação do Trabalhador, iremos abordar um programa de educação de jovens e adultos pioneiro no Brasil, finalizaremos este capítulo trazendo unidade-caso da Pesquisa, ou seja, a contextualização da pesquisa, está proposta metodológica está, em Gil (2009) e André ( 2001). No capitulo 3, Relatos, entrelugares: autobiográfia, é feito a análise dos textos autobiográficos construídos pelos alunos durante o Projeto, “Conto e reconto: conhecendo Machado de Assis” e os conceitos teóricos apresentados durante a pesquisa. Está pesquisa aborda à educação de jovens adultos e as possibilidades, oportunizadas pelas narrativas de si; no contexto de reflexão e auto-formação, espero contribuir para uma analise desse novo recurso pedagógico. 19 CAPÍTULO 1 2. ESCRITA DE SI Na história de humanidade encontramos evidências de que o ser humano buscou registrar os fatos cotidianos que ocorriam no seu grupo, a exemplo das pinturas feitas nas cavernas em que foi notado as primeiras formas de representar aspectos sociais, caracterizando com isso o reconhecimento da importância de se deixar marcas ou registrar as primeiras narrativas de si. Para Delory-Momberger (2008 p. 35). “o ser humano apropria-se de sua vida e de si mesmo por meio de histórias. Antes de contar essas histórias para comunicá-las aos outros, o que vale só se torna ele mesmo por meio de figurações com as quais representa sua existência”. Através dos tempos, o homem vem tentando construir a sua história por meio das narrativas orais e escritas, para representar num espaço-tempo o percurso das suas lembranças e apropriar-se da consciência de si. Este processo de interação entre passado e futuro se interligam e confluem para o que Souza conceituou: A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido às experiências como uma estranheza de si permite ao sujeito interpretar suas recordações em suas dimensões. Primeiro, como uma etapa vinculada à formação a partir da singularidade de cada história de vida e, segundo, como um processo de conhecimento de si que a narrativa favorece. (2006, p.62) As narrativas orais e escritas fazem parte do imaginário dos sujeitos e constitui uma importante ferramenta para o reconhecimento da historicidade sócio-cultural que permeia as relações sociais, para Delory-Momberger, “cada um representa sua existência segundo sua trajetória e construções diferentes que integram as restrições, os valores, as dinâmicas ou o peso de seu meio socioprofissional” (DELORYMOMBERGER, 2008 p. 38). 20 A escrita de si na contemporaneidade sofreu influências dos modelos de narrativas lineares, onde a desconstrução do sujeito e das histórias individuais contestava as narrativas tradicionais. “... o modelo dominante que está na base das representações e das práticas biográficas contemporâneas foi amplamente herdado da Europa iluminista e do movimento de pensamento que se desenvolveu na Alemanha...” (DELORYMOMBERGER, 2008, p.39). Neste momento histórico em que as sociedades passavam por momentos de transição, com o declínio da aristocracia e a inserção da burguesia no poder que trazia no seu bojo uma nova concepção de indivíduo independente e responsável por seu destino, capaz de reconhecer-se e mudar a sua história. Nesse contexto, surge a necessidade da escrita de si, a princípio nos moldes religiosos depois seguindo uma vertente mais filosófica, estes dois modelos biográficos vão perpassar durante séculos até ressignificar-se na modernidade. A inspiração religiosa da escrita de si nos moldes da espiritualidade deu-se no século XVII que tinha no seu bojo a ideologia da igreja católica, onde o indivíduo deveria ter um contato mais próximo com Deus. Neste paradigma, os diários íntimos de confissão era um instrumento de fé. Já na vertente filosófica advinda do iluminismo alemão, onde com o dinamismo das sociedades emergentes o individuo passa a ser o dono do seu destino, a escrita de si passa a ser utilizada para interpretações de situações e experiências de si. Segundo Delory-Momberger (2008, p.50) “ é na forma de consciência de si que define o indivíduo da sociedade burguesa que se situa o modelo biográfico da narrativa de formação”. Um dos percussores esse novo movimento de ressignificação da autobiografia foi Philippe Lejune ( 1975) que intitulou pacto autobiográfico, tendo como pressupostos a identidade entre autor, narrador e personagem principal e como base a exploração da subjetividade baseando-se no autoconhecimento. 21 2.1 Vida, narração e autoformação Com as novas demandas da sociedade moderna, as histórias de vida foram aos poucos sendo utilizadas nos diversos campos das ciências humanas, onde o sujeito começa a romper as barreiras da hegemonia determinista difundida nos princípios do capitalismo, onde o individuo era apenas mais uma peça na engrenagem social, a escrita de si oportunizou um resgate da individualidade deste sujeito histórico. A biografização como função social desenvolveu-se de maneira convergente, a partir da década de 70, em que a educação foi um dos percussores desse novo movimento de resgate da autobiografia, nas três últimas décadas a escrita de si tem oportunizado vários trabalhos acadêmicos através de autores como Freire (1999): “fui alfabetizado no chão do quintal da minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”. Por meio da narrativas de si, Paulo Freire, de forma singular discorre sobre a sua trajetória de vida. Na França, Marie-Christine Josso, em 1988, articulava a sua tese de doutorado a abordagem autobiográfica, onde destaca que “a história de vida narrada é, assim, uma mediação do conhecimento de si na sua existencialidade que oferece, para a reflexão do seu autor, oportunidades tomadas de consciência dos vários registros de expressão e de representação de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a sua formação” ( JOSSO, 2008, p. 19). A autobiografia por ter uma proposta reflexiva, permite aos atores sociais uma apreensão das alterações sociais e culturais que é por eles vivenciada, proporcionando contribuições para a formação e a autonomia. Em seu trabalho sobre autoformação, Catani afirma “a proposta de escrita de relatos autobiográficos dá aos indivíduos a possibilidade de articular, por meio das narrativas que produzem sobre si, as experiências pelas quais passaram adotando a própria trajetória profissional de sentido...” (CATANI, 2006, p. 16). 22 2.1.2 Projeções do eu A escrita de si oportuniza ao seu autor não só momentos de recordações, mas ressignificar fatos e acontecimentos para uma melhor apreensão das experiências e aprendizagens decorrentes destas lembranças, contribuído para a ”consciência de si”, como sujeito histórico e social, imprimindo suas marcas na sua própria história e na sua autoformação. A construção autobiográfica, segundo Delory-Momberger (2008, p. 63), “ inscreve-se numa dinâmica temporal que articula estreitamente três dimensões – passado, presente e futuro”, ao debruçar para a construção da escrita de si os autores passam por momentos de ir e vir, ao buscar rememorar momentos passados, nos deslocamos para nos projetar no presente e na busca incessante para um domínio do tempo futuro. Essa possibilidade de deslocamento permite ao autor se reconhecer como sujeito de sua autoformação ao longo da vida no decorrer da sua existência, articulando com isso a mediação de suas experiências e uma aprendizagem significativa. Segundo Souza (2006, p.61) “de fato, os sujeitos, ao evocarem lembranças e recordações-referências sobre suas experiências significativas, buscam trazer para a sua narrativa a autenticidade relativa à sua escolha e aos episódios que narram através da linguagem articulada”. Essa possibilidade de articulação advinda das narrativas de si e a construção de sentido determinam uma tríade que são: a relação com o mundo a qual o autor está inserido, consigo mesmo e a sua experiência formadora. De acordo com Peréz : O ato de narrar sua própria história, mais do que contar uma história sobre si, é um ato de auto conhecimento. Pela narrativa, o sujeito constrói uma cadeia de significantes que estrutura de formas (visível e invisíveis) de representar o mundo e compartilhar a realidade social, ao mesmo tempo em que engendra sonhos, desejos e utopia. ( PEREZ, 2006, p.180) 23 Esta proposta metodológica da autobiografia oportuniza aos discentes vivenciar todo o processo de construção e formação como autores sociais, essa experiência de análise de recordações que inferiram referências ao percurso da sua vida e com isso resgatá-la no seu processo de autoformação. Segundo Dantas: “ Esses relatos, ao serem analisados , vêm favorecendo o redimensionamento das experiências de formação e das trajetórias profissionais e trazem para a prática atual novas maneiras de conduzir o ensino”. ( DANTAS, 2008 p. 125). Esse paradigma epistemológico da escrita de si, significa para Josso (2004, p. 40) “falar de recordações-referências é dizer, de imediato, que elas são simbólicas do que o autor compreende como elemento constitutivo da sua formação”. Nesta perspectiva de biografização e autoformação, onde os atores sociais deixam de serem leitores passivos e passam a serem autores efetivos da sua própria história de vida, refletindo sobre as vivências e inferindo significados, experiências e as contribuições para a sua autoformação. 2.2 Reconhecimento de ser e estar no mundo A identidade é uma construção ou podemos dizer produção social e cultural que nos é (imposta) oportunizada a partir do nascimento, e ao longo do tempo apropriando desses simbolismos do qual fomos apresentados, vamos nos esse interacionismo entre meio e ambiente em que estamos inseridos contribui para nosso processo identitário. Para Silva: O processo de produção da identidade oscila entre dois movimentos: de um lado, estão aqueles processos que tendem a fixar a identidade; do outro, os processos que tendem a subvertê-la e a desestabilizá-la. É um processo semelhante ao que ocorre com os mecanismos discursivos e 24 lingüísticos nos quais se sustenta a produção de identidade ( SILVA, 2009, p.84). A identidade muitas vezes é utilizada como meio para fixação e condicionamento , assim como também tentam fazer com a linguagem, mas esses dois simbolismos escapam, por estarem sempre em movimento, influenciando e sendo influenciado pelo meio social e cultural que está envolvido. Segundo Stuart Hall (2006, p.10) “... distinguirei três concepções muitos diferentes de identidade, a saber, as concepções de identidade do: a) sujeito do Iluminismo; b)sujeito sociológico e; c)sujeito pós-moderno” . Essa caracterização das concepções de identidade descritas por Hall, no sujeito do Iluminismo fundamentava-se na homogeneidade e “ concepção da pessoa humana como indivíduo totalmente centrado, unificado...” Estudos posteriores de Freud que com sua teoria do inconsciente problematizou ainda o conceito de identidade, segundo Hall: A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funciona de acordo com uma “lógica” muito diferente daquela da Razão, arrasa o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada”. (HALL, 2006, p.36). Esse pensamento de Freud (2006) citado por Hall repercutiu ao longo das três ultimas décadas causando profundas discussões, influenciando outros pensadores com Jacques Lacan que investigou processo de identidade a partir da criança, sua teoria validava as relações com o outro nos sistemas simbólicos. Na atualidade, o dinamismo das sociedades e ao crescente desenvolvimento dos aparatos tecnológicos surge o sujeito pós-moderno, neste novo paradigma histórico a 25 identidade passa a ser discutida na teoria social e para alguns teóricos como Hall( 2006) para ele a identidade na pós-modernidade é aberta, fragmentadas e contraditória. Numa linha paralela de argumento, Bauman (2005) argumenta que as indeterminações do mundo atual, levam o indivíduo “ coletores de sensações, colecionadores de experiências”, antes éramos compelidos por um universos de valores estáveis com a família, a escola, a igreja e hoje estes valores sociais estão se diluindo , ocorrendo com isso uma desestabilização de papéis. Partindo desses pressupostos podemos perceber que as transposições identitárias, percorrem um longo caminho, até os dias atuais ainda se percebe que a concepção do sujeito Iluminista está presente em algumas classes sociais a exemplo das mais desfavorecidas, que acreditam nas concepções deterministas para a sua situação social. Aos poucos, essas transformações vêm ocorrendo, independentes da consciência dos sujeitos envolvidos no processo. A construção identitária é um processo lento e gradual, que o homem ao longo do tempo vai construindo e desconstruído e essa pluralidade de relações estabelecidas, através do ambiente em que está inserido, tornando-se um ser social e cultural. A identidade torna-se uma convenção socialmente necessária, mas na pósmodernidade, onde as mudanças são constantes e fluidas para Zygmunt Bauman (2005, p.22) “a fragilidade é a condição eternamente provisória da identidade...” A fragilidade defendida por Bauman concerne ao fato da fluidez das relações humanas e sociais, num mundo cada vez mais globalizado, onde a cultura midiática é o principal meio de informação e formação em que os atores sociais muitas vezes viram coadjuvantes no palco das suas vidas. 26 2.2.1 Caminhos a percorrer: ( re) construção da identidade Como já vimos, a identidade é um conceito complexo e que requer do individuo uma postura reflexiva sobre o seu ser e estar no mundo, fazendo uma análise sobre as influências a que estamos sendo objetos e sobre as nossas influências no meio sócio-cultural do qual fazemos parte. Para Freire (2003, p. 17): “ somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de “distanciar-se” dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação...” Nesta perspectiva de “distanciar-se” oportunizada pelas narrativas de si, os atores sociais vão aos poucos resgatando suas lembranças e memórias, reconhecendo-se e apropriando-se dessas experiências e ressignificando o seu processo identitário. As narrativas de si para Catani et al. (2006, p. 23) oportunizam “... suscitar processos de transformação de identidade, de reestruturação das representações ou construções de novas competências...” Utilizando a fala de Catani para corroborar para a utilização das narrativas de si na Educação de Jovens e Adultos, segmento da educação que requer uma metodologia mais reflexiva e contextualizada, os autores sociais envolvidos nesse processo, muitas vezes, desconhecem a importância de ser e estar no mundo. Esse empoderamento identitário, vivenciado após as narrativas de si, contribui para a emancipação, a auto-estima, e conseqüentemente há uma aprendizagem mais significativa possibilitando aos educandos uma postura mais autônoma, questionadora e reflexiva alcançando uma transformação individual, que contribuirá para mudanças no seu contexto social. 27 2.3 Educação e exclusão O que difere o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de aprender, esforçando-se para perceber a realidade a sua volta , reconhecendo e utilizando a sua aprendizagem ao longo da vida. No próprio processo de apreensão do conhecimento há uma consciência que nos impulsiona a compreendermos a nós e ao outro no espaço sócio-histórico em que estamos inseridos. Além disso, o homem e somente o homem é capaz de transcender, de discernir, de separar órbitas existenciais diferentes, de distinguir “ser” do “não ser”; de travar relações incorpóreas. Na capacidade de discernir estará a raiz da consciência de sua temporalidade, obtida precisamente quando atravessando o tempo, de certa forma até então unidimensional, alcança o ontem, reconhece o hoje e descobre o amanhã (FREIRE,2003, p.63). Esse conceito antropológico do homem nos remete à importância da educação, que pode ocorrer em diversos espaços, sejam eles formais e não formais, mas uma forma educacional não pode sobrepujar a outra, quando a educação não formal é a única forma de aprendizagem do individuo ou quando o sujeito devido às necessidades econômicas e sociais que não permitem acesso e manutenção na escola lhes é negado um direito básico à “escolarização”. No início deste novo século, 13.6% dos brasileiros com 15 anos ou mais são considerados analfabetos e 27,3% freqüentaram menos de quatro anos de escola (INEP, 2001). Esses dados nos confrontam com uma herança de exclusão que vem ao longo de cinco séculos sendo disseminada na educação formal no Brasil. Segundo Haddad ( 2008 ) , “há dois consensos que podem ser encontrados em qualquer parte deste país e entre qualquer grupo social: a grande importância da educação para a construção de uma sociedade justa, democrática e sustentável; e a insuficiência do sistema público de ensino para garantir, com quantidade e qualidade, este direito”. 28 A educação formal é constantemente objeto de estudos e discussões em vários segmentos da sociedade, mas os estudos seguem uma linha de verticalização onde os sujeitos que compõe esse universo escolar, alunos e professores, muitas vezes são excluídos desses debates, “fórmulas” para melhorar o qualidade da educação, muitas vezes não condiz com a realidade enfrentada nas escolas. Essas disparidades entre educação e qualidade que permeiam o espaço escolar no Brasil, onde há uma concentração de renda nas mãos de poucos e a maioria da população vive em condições de pobreza e a única forma de educação formal é a escola pública, que também sofre reflexos dessas desigualdades sociais. Segundo Gentilli: A argumentação é poderosa: após décadas de gestão estatal, o que se encontra é um sistema sofrível em todos os termos, espelho de uma sociedade absurdamente desigual, onde nichos de razoável qualidade canalizam recursos públicos desproporcionais para o atendimento de estratos já bem aquinhoados da sociedade. Além disso farta politicagem deforma o caráter presumivelmente de serviço público,beneficiado setores intermediários do sistema educacional (burocratas), em conluio com o uso político menor de um sistema gigantesco e fundamental para as famílias em geral. Em suma, inépcia, corrupção, clientelismo, favorecimento, mau uso dos recursos públicos, refração e controles democráticos, eis o quadro presente da escola no Brasil, a grosso modo. Por que, então, insistir na receita? Melhor não seria experimentar uma estrutura alternativa a um sistema educacional unicamente reconhecido como fracassado.( GENTILLI, 1995, p.45) Responder a essas perguntas não é tarefa fácil, haja vista o contexto histórico em que a educação foi implementada no Brasil , mas também se não houver uma mudança efetivamente e consistente dos sujeitos que lidam diretamente com o problema: governo, sociedade, professores, alunos, o discurso acima mencionado não será modificado. 29 2.3.1 Educação como prática de liberdade: Emancipação A educação contribui para a produção e reprodução da sociedade na qual ela está inserida, fato incontestável como vimos no texto acima. Passamos por um momento de transição onde os paradigmas tradicionais de educação estão sendo questionados e os atores sociais desse processo são levados a refletir: Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem para si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, do seu “posto no cosmo”, e se inquietam por saber mais. Estará, alias, no reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema deles mesmos. Indagam. Respondem, e suas repostas os levam a novas perguntas. ( FREIRE, 2005 p. 31) Essa metodologia dialógica difundida por Paulo Freire ( 1979,1996,2005,2009) que ao longo da sua vida discutiu a relevância da autonomia dos educandos e a postura reflexiva dos atores sociais envolvidos no processo educacional um dos postulados da vasta obra de Freire: “ Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha.Não posso ensinar o que não sei. Mas, este repito, não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras que o vento leva. É saber, pelo contrário, que devo viver concretamente com os educandos. O melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática” ( FREIRE, 1996, p. 95). Um dos aspectos importantes dessa fala de Paulo Freire é o discurso humanista, onde os atores sociais desse processo se perpetuam no outro, para Chaves (2006 p. 173)” ... quando você ensina uma parte de você passa a fazer parte da vida de seu aluno...” nesta perspectiva de educação onde se privilegia a alteridade, o diálogo resultará numa vivência educacional mais prazerosa. Essa nova possibilidade proporcionada pela educação dialógica, onde o sujeito busca ampliar sua percepção da realidade local e global, refletindo sobre o seu ser e estar no 30 mundo, a fim de buscar meios para intervir em seu grupo e, de modo significativo, promover mudanças para sua condição de vida e de seus semelhantes. É preciso considerar que esse processo, permeado pelo diálogo, interação e troca, valorizando e ressaltando os saberes de cada indivíduo para que impere o respeito e estimulando a reconhecer-se e reconhecer o outro. Esse novo contexto da educação onde os atores sociais tem nome e voz contribui para as transformações e segundo Freire, “ se antes a transformação social era entendida de forma simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das consciências, como se fosse a consciência, de fato, a transformadora do real, agora a transformação social é percebida como processo histórico em que subjetividade e objetividade se prendem dialeticamente”. ( FREIRE, 2009 p.30) Nessa nova concepção problematizadora e libertadora da educação requer do educador uma postura humanista, e reflexiva da sua práxis, ressignificando seus conceitos e trazendo para o espaço escolar os conhecimentos que seus educandos trazem consigo, essa riqueza de experiências e saberes não pode ser excluída ou tratada simplesmente como senso comum. Conscientização e emancipação são os verbos que deveriam nortear toda prática pedagógica, principalmente na educação de jovens e adultos, onde os saberes sociais são muitas vezes preteridos, e elevados os conhecimentos científicos, não relacionando estes diversos saberes com o universo social no qual o individuo está inserido. 31 CAPÍTULO 2 3. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:UM DIREITO NEGADO A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um dos segmentos da educação que reflete de forma dramática todo processo de exclusão e desigualdades impostas as classes sociais menos favorecidas de uma sociedade, mas que, aos poucos, vêm conquistando seu espaço no cenário educacional. Para Haddad: A EJA é uma conquista da sociedade brasileira. O seu reconhecimento como um direito humano veio acontecendo de maneira gradativa ao longo dos séculos passados,atingindo sua plenitude na Constituição de 1988, quando o poder publico reconhece a demanda da sociedade brasileira em dar aos jovens e adultos que não realizaram sua escolaridade o mesmo direito que os alunos dos cursos regulares que freqüentam a escola em idades próprias ou levemente defasadas. ( HADDAD, 2007, p.8) Contudo, há uma grande distância entre as intenções promulgadas nas leis e o seu cumprimento efetivo, haja vista que nos dias atuais ainda existe um grupo bastante significativo da população excluído do direito básico da educação . Reconhecer a importância social da educação de jovens e adultos com qualidade e continuidade, para Haddad ( 2007, p. 12) “ é necessário a continuidade nos programas de EJA para que o atendimento possa garantir um bom letramento dos alunos . A não garantia dessa continuidade é hoje o principal problema...” essa descontinuidade em programas na alfabetização de jovens e adultos contribui para a manutenção do quadro social que permeia a sociedade, desigualdades sociais e oportunidades iguais para todos. 32 Para consubstanciar nosso trabalho iremos fazer um breve histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, depois contextualizaremos fazendo um recorte no Programa SESI Educação do Trabalhador-BA. 3.1 Caminhos e descaminhos na Educação de Jovens e Adultos Compreender a Educação de Jovens e Adultos no panorama atual, requer voltar um pouco no tempo e conhecer a História da Educação no Brasil, onde sempre teve como pano de fundo a exclusão e o sectarismo. Segundo Freire: A história não se inventa .Ela se faz da dinâmica dos fatos, idéias, leis, coisas, instrumentos, gentes, valores, hierarquias, conflitos e costumes, enfim, do modo de produção de sua sociedade, de como os homens e mulheres constroem a sua existência. Entre nós, evidentemente foi assim ( FREIRE, 1995 p. 239) Após a conquista da nova terra a Coroa Portuguesa teve necessidade de colonizar as terras recém-descobertas, devido às invasões que começaram a acometer a nova província, estabelecendo então uma estrutura de produção no Brasil. Com a advento da colonização, dá início ao processo populacional com a chegada de portugueses e a subjugação dos índios. Com a expansão dos grandes latifúndios, surge agora neste cenário uma nova população formada de negros escravos, oriundos de diversos países do continente africano. Neste contexto histórico, surge os jesuítas mentores intelectuais da educação formal no Brasil Colônia, de acordo com Freire ( 1995, p.32): 33 A preocupação pela educação surgiu como meio capaz de tornar a população dócil e submissa, atendendo á política colonizadora portuguesa, determinada, como foi dito, pelo Regimento do rei D. João III. Tomé de Souza traz consigo quatro padres e dois irmão jesuítas liderados por padre Manoel da Nóbrega, elementos imprescindíveis à inculcação ideológica que serviria à espoliação da Colônia e à grande produção açucareira, entre outras. Além de difundir o evangelho, esse educadores ensinavam ofícios que contribuíam para a manutenção das relações sociais vigentes, além de repressão cultural e religiosa através de normas de comportamento. Foram através das escolas humanística que se deu o início à educação formal, educação essa voltada para os filhos dos colonizadores. Partindo desses dados, podemos perceber a influencia política e religiosa dos jesuítas na educação e diversos segmentos da sociedade da época que repercute até nos dias atuais. Com o a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759, a educação passa por um processo de desorganização, dando-se inicio às “aulas-régias” onde leigos e sacerdotes é que mantinham esses cursos, e excluíam mulheres, negros e a camada mais desfavorecida da sociedade. Para Haddad (2000 p. 109): “ no campo dos direitos legais, a primeira Constituição Brasileira, de 1824, firmou, sob forte influência européia, a garantia de uma “instrução primária e gratuita para todos os cidadãos”, portanto também para os adultos”. Apesar da instituição da Lei, pouco foi feito para combater esta demanda que cada vez mais se agravava a baixa escolarização da população, a ineficácia do poder público em implantar uma escola de qualidade que teve avanços lentos e graduais ao longo da história. No período do Império, só os indivíduos da classe dominante possuíam cidadania, o que significa dizer: exclusão de negros, mulheres, índios e a camada mais desfavorecida da sociedade. 34 Com a implantação da República no Brasil, advêm uma nova Constituição a de 1891 em que descentralizava o poder do ensino público para as Províncias e Municípios. A união assumiu o ensino secundário e superior, mais uma vez se confirma a manutenção da classe elitista em detrimento das camadas marginalizadas da sociedade, haja vista a dependência econômica das províncias às grandes oligarquias regionais. A nova Constituição de 1891 estabelecia também a exclusão dos adultos analfabetos na participação ao voto, este fato ocorreu em um período em que a maioria da população adulta era analfabeta. Segundo Haddad (2000 p.110) “ o censo realizado em 1920, 30 anos após a implementação da República indicou que 72% da população acima de cinco anos permanência analfabeta. Por esses dados, podemos perceber o descaso quanto à educação das classes mais populares da sociedade, nesse período a educação de jovens e adultos praticamente não existia no cenário pedagógico”. Esse panorâmica histórico só vai começar a ser revisto com a Constituição de 1934, com a implantação do Plano Nacional de Educação, que determinava de maneira clara as esferas de competências da União, do Estado e dos Municípios, reafirmando a Educação como o direito de todos e dever do Estado. Até então não existia políticas públicas para a educação de jovens e adultos, só no final da década de 1940 que com a obrigatoriedade do ensino primário, que também se tornou extensivo para os adulto. De acordo com Haddad (2000, p.11) só em “ 1947 foi instalado o Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEA) como serviço especial do Departamento Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde, que tinha por finalidade reorientação e coordenação geral dos trabalhos dos planos anuais do ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos”. Este projeto prosseguiu até o final da década de 1950, após esse período surgiu, a Campanha de Educação de Jovens e Adultos-CEAA, influenciando de forma significativa a infra-estrutura nos Estados e Municípios . 35 Começa os estudos mais sistemáticos em 1958, com a realização do II Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos no Rio de Janeiro, o Seminário Regional realizado no Recife, que contou com a participação do professor Paulo Freire, estes encontros oportunizaram a criação de vários movimentos sociais das classes populares dentre eles podemos destacar: Movimento de Educação de Base, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1961, Movimento de Cultura Popular do Recife, Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, e em 1964, o Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura que contou com a colaboração do professor Paulo Freire. Um dos grandes marcos oportunizados pelos movimentos sociais nesse período, foi o consideração das especificidades da educação de jovens e adultos que passaram a ser adotadas na esfera pública de educação, segundo Haddad ( 2000, p. 113) “ nesses anos, as características próprias da educação de jovens e adultos passaram a ser reconhecidas, conduzindo às exigências de um tratamento específico nos planos pedagógicos e didáticos”. Com o golpe militar em 1964 houve uma ruptura política e social, os movimentos populares que contribuíram para mudanças na educação de jovens e adultos foram reprimidos e seus líderes perseguidos e os ideais censurados. Com esse regime autoritário a educação de jovens e adultos passou a ser perseguida por ter uma postura política os movimentos populares contrariavam os interesses militares. Devido às pressões nacionais e internacionais o governo militar teve que dar uma resposta a um direito já conquistado e legitimado à educação de jovens e adultos, neste contexto surge o MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetização em 1967. De acordo com Haddad: O MOBRAL foi implantado com três características básicas. A primeira delas foi o paralelismo em relação aos demais programas de educação. Seus recursos financeiros também independiam de verbas orçamentárias. A segunda característica foi a organização operacional descentralizada, 36 através de Comissões Municipais espalhado por quase todos os municípios brasileiros, e que se encarregava de executar a campanha nas comunidades, promovendo-as, recrutando analfabetos, providenciando salas, professores e monitores. A terceira característica era a centralização de direção do processo educativo, através da Gerência Pedagógica do MOBRAL Central, encarregada da organização, da programação, da execução e da avaliação do processo educativo. (HADDAD, 2000, p.115). Com a consolidação juridicamente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5.692 de 11 de agosto de 1971, implementou-se o Ensino Supletivo que visava suprir as demandas educacionais e constituir uma nova concepção de escola, proposta essa que foi mas uma vez veículo de exclusão para os jovens e adultos. No âmbito federal, o Ensino Supletivo ficou a cargo do Departamento do Ensino Supletivo do MEC(DESU) desde a sua implementação em 1973 até 1979. Onde o Ensino Supletivo ganhou destaque e visibilidade foi na esfera estadual o mesmo não ocorrendo na esfera municipal. No processo de redemocratização da sociedade brasileira em 1985, momento histórico e que começou a ressurgir os movimentos populares e os direitos sociais foram aos poucos retomando seu espaço . Com a promulgação da Constituição de 1988 , Estados e Municípios através de instrumentos jurídicos passa a o reconhecer os direitos sociais de pessoas jovens e adultas, dentre esse direitos a educação fundamental gratuita e universal, mas de acordo com Haddad(2000, p. 119) “ A história da educação de jovens e adultos do período da redemocratização, entretanto, é marcada pela contradição entre a afirmação no plano jurídico do direito formal da população jovem e adulta à educação básica, de um lado, e sua negação pelas políticas públicas concretas de outro”. Em 1996 com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que foi aprovada no congresso no final de 1996 que teve como relator o senador Darcy Ribeiro, poucos avanços ocorreram na Educação de Jovens e adultos seus dois artigos 37 reafirmam apenas direitos já existentes: o direito dos jovens e adultos trabalhadores ao ensino básico e o dever do Estado em oferecê-lo de forma gratuita. Houve alguns avanços no percurso educacional brasileiro, as instituições escolares tornaram-se abertas as camadas sociais populares, superando o seu caráter elitista que predominou por um longo período. Freire ressalta que: Muitos erros e equívocos comete a liderança ao não levar em conta esta coisa tão real, que é a visão do mundo que o povo tenha ou esteja tendo. Visão do mundo em que se vão encontrando explícitos e implícitos os seus anseios, as suas crenças, as suas dúvidas, a suas esperanças, a sua forma de ver a liderança, a sua percepção sempre sincrética, o seu fanatismo, a sua reação rebelde. E tudo isto, como já afirmamos, não pode ser encarado separadamente, porque, em interação, se encontra compondo uma totalidade. ( FREIRE, 2005, p. 211) Apesar da expansão educacional, enfrenta-se um novo paradigma, a exclusão através da baixa qualidade da educação, se antes os alunos da educação de jovens e adultos eram indivíduos que não haviam passado pela educação formal,na atualidades o público atendido pela educação de jovens e adultos são alunos que durante o seu período escolar em média de dois anos não conseguiram o domínio mínimo da leitura, da escrita e do cálculo, denominados de analfabetos funcionais. 3.2 Novas Possibilidades: Programa SESI Educação do Trabalhador Com o objetivo de elevar o nível de escolaridade dos trabalhadores industria e de empresas oriundos da parceiras da Federação da Industria do Estado da Bahia (FIEB), o SESI desenvolveu o Programa SESI Educação do Trabalhador. 38 Um dos pressupostos do Programa SESI Educação do Trabalhador “ Um trabalhador que alcança nível escolar tende a elevar sua auto-estima e apresentar uma performance adequada aos constantes desafios impostos por um mercado competitivo e globalizado, tenso consciência de suas funções, melhoria da capacidade de comunicação e desempenho satisfatório em treinamentos com resultados imediatos”. O programa SESI Educação do Trabalhador é um dos eixos temáticos da agenda de responsabilidade social do setor industriário, oferecendo cursos de Ensino Fundamental I (alfabetização a 4º série), Ensino Fundamental II ( 5° a 8º série) e Ensino Médio (2º grau), também oportuniza cursos de Atualização de Conhecimentos, que funciona na sua maioria no próprio local de trabalho do aluno. Fluxograma do Programa SESI Educação do Trabalhador Quadro 1 Fonte: http://www.sesi.fieb.org.br/educacao_trabalhador.shtm 39 Ensino Fundamental I Está organizado em três blocos de 360 horas cada, que dura em média 9 meses, perfazendo 1.080 horas, sua proposta curricular é construída especificamente para o adulto trabalhador e com metodologia compatível com os níveis de alfabetização ( etapa I), 1ª e 2ª serie (etapa II) e 3ª e 4ª serie ( etapa III) do Ensino Fundamental, conforme demonstrado no Quadro I Estas etapas podem vir a acontecer de forma simultânea, oportunizando com isso atender alunos com níveis de conhecimento diferenciados, as salas de aula são multiseriadas o que contribui para a troca de experiências e conhecimentos. Quanto aos matérias didáticos utilizados durante as aulas, são elaborados pela equipe pedagógica e pelas professoras que atuam no Programa a partir dos Referencias Curriculares do MEC para jovens e adultos, tendo como pressupostos teóricos os estudos de Piaget, Vygotsky Emília Ferreiro e Paulo Freire, seguindo três eixos temáticos: 1 - Identidade e Trabalho 2 - Meio Ambiente e Saúde 3 - Pluralidade Cultural / Sociedade e Novas Tecnologias Ao final do curso o aluno recebe um atestado de participação e histórico escolar emitido pela Escola Reitor Miguel Calmon / SESI Retiro. Ensino Fundamental II e Médio Estes segmento abrange alunos com escolaridade de 5ª a 8ª serie e do Ensino médio (2º grau), com uma carga horária de 720 e 840 horas e com duração em média de 20 a 22 meses, respectivamente, com uma proposta curricular multidisciplinar contextualizada, voltada para os conhecimentos do mundo de trabalho. e 40 As avaliações são realizadas no transcorrer do processo de ensino aprendizagem do aluno, tendo como referencial a valorização da experiências e o pleno desenvolvimento do aluno. Atualização de Conhecimentos Cursos sob encomendas do cliente, formatados por disciplinas e conteúdos programáticos definidos entre a equipe pedagógica do SESI levando-se em consideração as especificidades da empresa. Com carga horário flexível estes cursos possibilitam aos participantes uma formação continuada contribuído para um aperfeiçoamento teórico, associando-os a sua prática profissional. Quadro 2 Performance do programa PROGRAMA SESI EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR - BAHIA 1998 1999 2000 2001 2002 Matrículas 2637 6880 8194 8335 9108 Municípios 12 40 48 45 49 Empresas 101 259 286 236 275 Turmas 109 284 393 365 421 Fonte: http://www.sesi.fieb.org.br/educacao_trabalhador.shtm Como podemos perceber pelos dados do quadro acima, o Programa SESI Educação do Trabalhador, regional Bahia, ao longo dos anos tem tido um acréscimo do números de 41 participantes, o que demonstra o quanto Municípios e empresas têm reconhecido a relevância do programa. 3.3 Unidade-caso da pesquisa Este Projeto de Pesquisa é um Estudo de Caso sobre o Projeto Pedagógico “Conto e Reconto: Conhecendo Machado de Assis”, que ocorreu entre o período de 17 de fevereiro à 24 de abril de 2009 na Escola Tempo de Aprender do Programa SESI Educação do Trabalhador. André ( 2001) acentua: O caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definido no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio , singular.[...] quando queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso. ( ANDRÉ, 2001, p.17) Vamos conhecer um pouco mais sobre este estudo de caso e seus atores sociais: Em 29 de setembro de 2008, as aulas foram iniciadas na Incorporadora MVL situado no bairro de Ondina na cidade de Salvador, com a participação de dez alunos as aulas ocorriam no refeitório, onde os bancos e as mesas eram de tábuas, o chão de terra batida e as paredes desnudas sem reboco. Fui apresentada como professora, e durante sete meses esse foi o nosso espaço escolar. Durante a primeira semana de aula fizemos outras dinâmica como a da impressão digital onde era solicitados que os alunos através do pó do lápis passasse no dedo indicador e depois pressiona-se o dedo sobre um papel ofício, solicitei aos alunos que observasse as marcas deixadas no papel e confrontasse com a dos colegas. 42 Essa atividade tinha como propósito gerar um discussão sobre as singularidades e diferenças existentes nos indivíduos, o resultado foi desastroso pois os alunos não falavam, só respondiam através de monossílabos: sim , não e não sei. Outra atividade era a escolha do nome da escola, com a participação dos estudantes foi escolhido o nome da escola “Tempo de Aprender”. No quinto dia de aula fizemos o diagnóstico, procedimento que faz parte do Programa SESI Educação do Trabalhador, como forma de conhecermos o estágio de desenvolvimento cognitivo, de leitura e escrita dos alunos, o diagnóstico é composto de perguntas com diversos níveis de dificuldade. Após correção do diagnóstico me deparei com um classe de cinco alunos na Etapa I ( alfabetização) Gilmar, Wasghinton, Enéas, Anísio e Ataíde que tinha dificuldades de aprendizagem, quadro alunos na Etapa II ( 1ª e 2ª série) Eduardo, Mariano, José Roberto e Adimilson. Com essa coleta de dados, iniciou-se o trabalho instigante e ao mesmo tempo desafiador, como oportunizar a esses alunos uma aprendizagem significativa e contextualizada, utilizando os seus conhecimentos. Fazer uma prática pedagógica diferenciada requer dos professores uma atitude reflexiva e compreendendo o seu papel como mediador, não só dos conteúdos formais mas reconhecendo que a educação tem uma função social e política que extrapola o espaço escolar. De acordo com Gadotti (cit por Veiga, 2001, p. 18): Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função de promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente determinadas rupturas. As promessas 43 tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores. Foi imbuído desse novo paradigma educacional emergente que começou a ser construído o “ Projeto Pedagógico Conto e Reconto: Conhecendo Machado de Assis” , após a leitura da biografia de Machado de Assis, que teve uma infância pobre e com baixa escolarização, muito parecida com o atores sociais da educação de jovens e adultos, a partir dessas inferências e também buscando oportunizar aos alunos uma vivência com um clássico da literatura mundial. Para “aproximar” Machado de Assis dos alunos o primeiro contato se deu a partir da Biografia do autor, após uma leitura compartilhada, com algumas intervenções dialógicas os alunos foram instigados a comentar e compartilhar o que estava sendo lido, com fatos concretos vivenciados por eles, como a exemplo: “ Por ter de trabalhar, aos 12 anos parei de estudar para ajudar a minha família”. ( EDUARDO 44 anos). Este fato que até hoje ocorre com bastante freqüência na educação de jovens e adultos, o abandono da escola para ajudar à família ou quando a renda trazida pelas crianças é a única renda da casa, obrigando com isso a evasão escolar e, mais tarde, para esse individuo só resta a possibilidade de retornar à escola na educação de jovens e adultos. Após a leitura e a interpretação contextualizadas da biografia de Machado de Assis, foi solicitado aos alunos que escrevessem a sua autobiografia, tendo como parâmetro a infância, a escola e relatos das experiências que eles consideravam relevantes ao longo da sua vida. Essa possibilidade de reflexão oportunizada pela autobiografia contribuiu para que o sujeito se aproprie do seu discurso, segundo Delory-Momberger ( 2008, p. 98) “poderíamos dizer da “ história de vida” que, tal como constrói a narrativa,é a ficção verdadeira do sujeito: é a história que o narrador, no momento em que anuncia toma 44 por verdadeira e na qual se constrói como sujeito ( individual e coletivo) no ato da sua enunciação”. Partindo dessas considerações, ficou evidente o rico material que havia sido coletado após a culminância do projeto, um livro de produzido pelos educandos composto de contos, narrativas e crônicas. As narrativas de si, feitas pelos educandos que mesmo não dominado a escrita e a leitura, mas já reconhecendo a função social da escrita esse biografias foram usadas para análise neste estudo de caso. 45 CAPÍTULO 3 4. RELATOS , ENTRELUGARES: AUTOBIOGRAFIA No primeiro dia de aula fizemos a dinâmica da apresentação que consistia do estudante apresentar o outro e começaram as surpresas para mim é claro, eles apesar de trabalharem há meses juntos não sabiam o nome do colegas. Isso me deixou surpresa, afinal o nome é a primeira referência identitária do homem, assim eu acreditava, por ser a primeira marca social que nós recebemos. Lembrei-me de quando criança perguntar a minha mãe sobre o meu nome, quem escolheu, porquê, quando, essas recordações me fez lembrar Silva quando ele afirma: A identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou do mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que a fabricamos, no contexto de relações sociais e culturais”. ( SILVA, 2009 , p.76) A educação de jovens e adultos é marcada por fatos históricos de fragmentação, descontinuidade e descaso dos poderes públicos ocasionando com isso uma educação que não possibilita aos sujeitos sociais se reconhecerem como indivíduos capazes de buscar novas possibilidades de mudança social e pessoal. Partindo desses pressupostos de fazer uma pedagogia diferenciada, onde a perspectiva de aprendizagem fosse criado em conjunto com todos os participantes desse processo, levei em consideração o conhecimento dos alunos e suas experiências, tendo como parâmetro o reconhecimento de ser e estar no mundo. . 46 De acordo com Dantas ( 1996, p.120), “ em pesquisa anterior, constatou-se que professores da Rede Municipal de Salvador acreditavam que o papel dos professores era “ ensinar, transmitir, dar e levar o conhecimento para os alunos”. Está forma de pensar do professor, infelizmente ainda tem espaço no ambiente escolar, desenvolver novas metodologias requer investigação, pesquisa e nem sempre o professor que trabalha quarenta horas semanais, tem disponibilidade para inovar, criar, desmistificar conceitos e renovar a sua prática pedagógica. Reconhecendo todas essas impossibilidades sofridas pelos professores da educação de jovens e adultos, esta pesquisa possibilita o conhecimento de práticas que já vem sendo utilizada na formação de professores, as narrativas de si, agora na perspectiva de legitimar a importância do reconhecimento identitário e emancipatório aos sujeitos sociais da educação de jovens e adultos: os alunos. As narrativas de si desenvolvidas durante o Projeto ” Conto e Reconto: Conhecendo Machado de Assis”, foram articuladas seguindo três eixos temáticos: primeiro eixo memórias da infância, segundo eixo lembranças da escola e no terceiro eixo histórias de vida. “ Memórias da infância ..." As primeiras marcas da nossa vida é criada e recriada na infância, e nela que as memórias vão buscando os fios onde começaram a ser tecidos, as historias de vida de cada um de nós. Na narrativa autobiográfica, a reinterpretação da vida empresta necessariamente um colorido pessoal, local aos fatos narrados. Os dados analisados mostram que as primeiras lembranças que se deixam aprisionar pela escrita são as da infância e com elas as imagens do aconchego familiar, da vida na escola, das primeiras professoras (PASSEGGI et.al. 2006, p. 260). 47 Quando foi solicitado aos educandos que escrevessem sobre suas memórias da infância, pude observar que nesses momentos da biografização da sua infância eles expressavam alegria e contentamento. Era uma criança briguenta que gostava de subir em árvores, e ajudar meu pai ( MARIANO, 50 anos). Nesse momento de recordação da infância, a família é um dos elos norteadores que constituía uma herança indissociável na vida na vida desses narradores , contribuído para sua forma de decodificar fatos e acontecimentos na sua relação de ser e estar com o outro. Meus pais não sabiam ler nem escrever, mas mesmo assim seus filhos estudavam em uma escola, sete quilômetros distante da residência da família. ( EDUARDO) Eduardo conta que por essa atitude de seus pais, ele exige o mesmo de seus três filhos, que estudem para poder “ ser alguém na vida”. As referências identitárias que ao longo da vida vão passando por modificações através das dinâmicas sociais que estamos inseridos, mas é na infância que essas referências começam a ser delimitadas, para Woodward (2009, p.17) “ É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e aquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar”. As representações simbólicas que construímos durante a infância segundo Vygotsky se deve a partir da interação e mediação entre os sujeitos e o ambiente. Podemos perceber que durantes as narrativas, como já vimos acima, são interlocuções entre o meio e os sujeitos narradores . 48 Meus pais são lavradores, trabalho desde pequeno (ATAÍDE, 36 anos). Para esse sujeitos sociais da educação de jovens e adultos um dos grandes dificuldades é se desvencilhar desse estigma de baixa auto estima, o educando Ataíde, que apesar de não dominar a leitura e a escrita, foi uma grande surpresa para mim, no final do projeto ele foi o que mais contribuiu para o sucesso do projeto, através do processo dialógico das atividades, ele fazia inferências contextualizadas surpreendendo até aos colegas, “onde aprendeu isso homem?” ( fala do educando Eduardo). Na infância gostava de brincar de gude e sair com meus pais para visitar os parentes. ( ANÍSIO, 46 anos). A brincadeira tão própria do universo infantil foi poucas vezes comentadas durante as narrativas, os educandos Mariano e Anísio foram os únicos que nas suas narrativas levantaram esse tema, a maioria dos relatos eram sobre as dificuldades vivenciadas nesse período das suas vidas. “ Lembranças da escola...” A escola na sua concepção essencial é o primeiro veiculo de interação entre os indivíduos na sociedade. Na primeira fase escolar, as crianças vão formar seus primeiros vínculos fora do ambiente familiar, entrando em contato com a educação formal e passando a interagir com os seus pares. Aos sete anos comecei a estudar na Escola Municipal Rubem Carneiro, que freqüentava todos os dias, pois gostava muito de estudar ( ADIMILSON, 28 anos). 49 A escola permeia nossa lembranças, convive no nosso imaginário de acordo com Souza: A escrita acerca da sua trajetória de escolarização permite aos sujeitos compreender, em medidas e maneiras diferentes, o processo formativo e os conhecimentos que estão implicados nas sua experiências ao longo da vida, porque o coloca em “ transação” consigo próprio, com outros humanos e seu meio natural. ( SOUZA, 2006, p. 55) As relações sociais que começam a ser traçadas na escola e que vão durar em média de oito a nove anos neste espaço, na educação de jovens e adultos esse período é mínimo ou, quando nunca foi experimentado. Aos nove anos fui matriculado na Escola Municipal Otávio Costa, estudei apenas 4 meses tive que abandonar a escola prá ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos ( JOSÉ ROBERTO , 40 anos) Pro ter que trabalhar aos 12 anos parei de estudar para ajudar a minha família, estudei pouco ( EDUARDO ). Segundo Haddad ( 2008) a causa desse insucesso escolar se deve à necessidade de ajudar a manutenção da família, e com isso são negadas a estas crianças o direito básico à educação e quando chega a fase adulta só lhes resta a educação de jovens e adultos. Para Arroyo (cit por Haddad 2007, p. 15), “ além de alunos ou jovens evadidos ou excluídos da escola, antes do que portadores de trajetórias escolares truncadas, eles carregam trajetória perversas de exclusão social, vivenciam trajetórias de negação dos 50 direitos mais básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à sobrevivência”. Trabalhando desde pequeno, não tive oportunidade de estudar . ( ATAIDE, 36 anos) Como foi tão bem colocado por Arroyo a educação de jovens e adultos é talvez a única ou última possibilidade que esses sujeitos sociais têm de resgatar ou (re) conhecer seu espaço na sociedade da qual faz parte. Durante as narrativas do ambiente escolar, aos poucos foi ganhando imagens, nomes e lembranças dos professores, foram aparecendo, timidamente, mas percebe-se o quantos eles ocuparam um espaço nas recordações autobiográficas. Desde muito cedo tive que trabalhar para ajudar a família, estudei na Escola Manuel Alcântara , a professora se chamava Naná. Até hoje me lembro da voz dela ( ENÉAS, 40 anos) Gostava de ir a escola e as professoras que ainda guardo na lembrança são Vanete e Elisa. Recordo de um amigo secreto que ocorreu no final do ano, foi marcante e até hoje me lembro desta aula ( ANÍSIO, 46 anos) Dentro desse cenário, apesar das diversidades envolvidas no processo educacional desses narradores, a lembranças dos professores mostram a representação simbólica desses sujeitos sociais, suas alegrias, suas esperanças para Freire ( 2009, p. 72): “Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e aluno juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos a nossa alegria”. 51 Os obstáculos enfrentados pelos autores sociais da educação de jovens e adultos são muitos, sub-empregos, moradias precárias, referenciais identitários descaracterizados, mas mesmo assim carregam nas sua memórias momentos felizes e significativos. “ Histórias de vida ...” O ser humano é um ser de relações sociais e culturais, e as narrativas de si promovem esse embate entre o passado, presente e futuro, que constitui teias que interagem ao longo da existência dos autores sociais. Dentro dessa dinâmica, de acordo com Delory-Momberger (2008, p. 56) “ a narrativas (auto)biográfica instala uma hermenêutica da “história de vida”, isto é, um sistema de interpretações e de construção que situa, une e faz significar os acontecimentos da vida como elementos organizados no interior de um todo”. A partir dos 14 anos comecei a trabalhar no sisal, mas ainda freqüentava a escola e a minha professora neste período era Marli. Nesta época comecei a participar das festinhas da região. ( ANÍSIO) As recordações vivenciadas pelos atores sociais na educação de jovens e adultos são mediadas pelos parceiros sociais, próximos ou distantes que oportuniza momentos alegres ou tristes. Quando adolescente sai de casa e fui trabalhar na construção civil, onde conheci várias cidades do interior, foi muito bom, vivia do que trabalhava, morando com um e com outro. Em 1º de agosto de 1994 vim pra Salvador. (ENÉAS) Ao longo dos anos as histórias de vida, reproduzem experiências, significados e sentidos que caracterizam nossa singularidades para Bauman ( 2006, p. 56) “ fazer da “identidade” uma tarefa e o objetivo do trabalho de toda uma vida...” 52 Um dia pedi a um amigo que me ensinasse a escrever meu nome. Comecei lendo revistas e jornais, mesmo sem entender direito, mas sempre tentando, assim consegui escrever meu nome. Consegui tirar meus documentos assinando em todos. ( JOSÉ ROBERTO) Para José Roberto, materialização de algo desejado, como ler e escrever, foi marcada por dificuldade, mas ao mesmo tempo de superação. Para Passeggi et.al (2006, p.265) “ os dados analisados revelam em muitas passagens um misto de felicidade e de sofrimento, vividos pelos narradores, no ato de contar sua história...” As narrativas de si, significam traduzir a vida em letras e palavras que aos poucos vão revelando expectativas, sonhos desfeitos, momentos de contentamento, as representações simbólicas desses momentos vividos e a interação com os parceiros sociais é o que torna a autobiografia uma prática inovadora e reflexiva. 53 CONCLUSÃO Ao dar inicio ao “Projeto Pedagógico Conto e Reconto: conhecendo Machado de Assis”, não tinha dimensão das novas possibilidades desse novo caminho que começa a se delinear na minha vida, ou seja as narrativas autobiográficas. Foi um período de movimentos dialéticos intensos entre os autores das narrativas e eu, ao servir de escriba para seu Ataíde e Enéas, ao ler os relatos que a cada dia ia sendo escrito com uma concentração tão grande, que não se ouvia um barulho na sala. Cada autor envolvido com suas recordações e lembranças. A autobiografia é um recurso metodológico que oportuniza aos seus escritores momentos de reflexão e de auto-análise, possibilitando (re)vivenciar momentos, com isso ressignificando atitudes e posturas. Nesse sentido falar de si não é um processo fácil, ainda mais para autores que estão num processo de aquisição da leitura e escrita, que foram os sujeitos desta pesquisa, perceber as mudanças significativas que aos poucos eles iam incorporando, como a desenvoltura na sua oralidade, a apropriação do seu discurso, uma melhor convivência no ambiente de trabalho. Foram diversas as mudanças que ocorreu nestes alunos, perceptíveis aos sujeitos que estavam inseridos naquele ambiente. Seu Eduardo está bem melhor, como uma nova postura ao si dirigir aos colegas.( Leandro, engenheiro da MVL) 54 A análise dessas narrativas proporcionou fazer interlocuções com vários autores, o que contribuiu para um trabalho significativo, reconhendo em cada história o singular e o plural da existência humana, fato que enriquece ainda mais o estudo das autobiografias na perspectiva emancipatória e de autoformação do sujeito social. Como foi afirmado por Freire (2009, p. 78) Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. E com essa consciência do inacabado, reconhecendo as limitações que serão apresentadas, já que o eixo norteador deste trabalho serão as contribuições sociológicas e não de cunho voltados para a alfabetização e letramento, mas a presente pesquisa poderá servir de base para outros estudos. 55 REFERÊNCIA ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: Buscando rigor e qualidade da pesquisa. 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