THE PERCEPTION OF HEALTH BOCAL IN AN INDIGENOUS COMMUNITY OF BRAZIL Suzely Adas Saliba Moimaz Nemre Adas Saliba Cléa Adas Saliba Garbin Edgard Bergamaschi Júnior Professora assistente doutora do Departamento de Odontologia Infantil e Social e coordenadora de pós-graduação de Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp Professora titular do Departamento de Odontologia Infantil e Social e vice-coordenadora de pós-graduação de Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp Professora assistente doutora do Departamento de Odontologia Infantil e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp Mestrando de Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp 60 vol. 13 no 1 jan./jun. 2001 José Everaldo Aquino de Souza Aluno de graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp RESUMO SUMMARY A proposta deste trabalho foi avaliar a percepção de saúde dos índios adultos habitantes do posto indígena de Icatu, localizado no município de Braúna, São Paulo, Brasil. A população de estudo foi composta por 23 indígenas, 57,5% dos índios adultos da aldeia, que responderam um formulário7 composto por cinco questões. Após as entrevistas, os depoimentos foram transcritos para análise. Os resultados demonstraram que, para 82,6%, a percepção de saúde está diretamente relacionada à capacidade de exercer os afazeres dentro da comunidade. De maneira geral, existe uma certa preocupação com a saúde bucal – 47,8% relaciona a saúde bucal com a mastigação, 43,4% com a aparência e a higiene bucal. Embora quase todos sejam desdentados parciais, sendo três desdentados totais, há um contraste com a afirmação de que suas condições de saúde bucal são regulares (78,3%) ou boas (17,4%). Existe grande interesse na instalação de um consultório odontológico na aldeia, cuja finalidade principal seria a limpeza dos dentes (47,8%) e exodontias (26,0%). A substituição dos dentes perdidos é considerada importante por 39,1% dos entrevistados. Diante dos resultados, conclui-se que a importância atribuída à aparência e à capacidade de mastigação, assim como a capacidade de trabalho é relacionada à saúde geral, devem ser abordadas no programa de promoção de saúde. Unitermos: percepção – saúde bucal – índio sulamericano. The aim of this study is to evaluate the cultural perceptions on oral and general health of an adult Indian population from the Indian reservation of Icatu in Brauna, São Paulo, Brazil. The study population (N=23) comprised 57,5% of the total adult Indian population of the reservation. They answered orally a 5-question questionnaire. The interviews were transcribed and analyzed. The results showed that for 82,6% of the respondents, the concept of general health is related to their being able to doing the daily chores they are expected in their community. In a relation to oral health 47,8% relates oral health to being able to chewing, 43,4% relates it to their physical appearance and the oral hygiene. Even though almost of the Indians interviewed were partially (N=20) or totally toothless (N=3), 78,3% stated that their oral health was regular and 17,4% stated that it was good. In regard to the opening of a dental clinic in the Indian reservation, 47,8% agreed it would be important for tooth cleaning and 26% for tooth extraction. The replacement of lost teeth was considered important for 39,1%. These results show the importance the Indian give to dental appearance, chewing capacity, and the association between work capacity and general health. The Indians perception of their general and oral health status should be approached by any health promotion program developed in the reservation. Uniterms: perception – indians – health bocal – south american UNIMEP • Universidade Metodista de Piracicaba PERCEPÇÃO DE SAÚDE BUCAL EM UMA COMUNIDADE INDÍGENA NO BRASIL Atualmente, é consenso mundial que o padrão de desenvolvimento de um país tem estreita relação com a saúde de sua população. Embora os fatores biológicos sejam essenciais para o aparecimento de várias doenças, muitas delas com comportamento endêmico, constata-se que existem outras razões, além das características da tríade hospedeiro, agente e meio ambiente, capazes de condicionar o surgimento das mesmas e influir no ritmo de sua expansão. Entre elas, destacam-se o desenvolvimento econômico, a forma de organização do governo e dos serviços de saúde, o nível educacional da população, assim como os padrões de cultura e tradição popular que regulam os hábitos e condutas pessoais e coletivas que fazem parte do processo saúde-doença.9 Nesse contexto, podemos situar as duas doenças mais prevalentes em Odontologia: a cárie dentária e as doenças periodontais. A prevalência e a incidência dessas patologias vêm associadas a condições sociais, econômicas, políticas e educacionais, e não apenas como resultado de interações biológicas em nível de placa bacteriana dentária.7;13;15;16 Segundo Botazzo,2 no setor público, a população sofre os efeitos de programas de saúde implantados unidirecionalmente, geralmente normatizando o comportamento das pessoas quanto a aspectos de higiene e nutrição, sem levar em conta a dimensão cultural e antropológica que o determina. Gift et al.3 observaram que vários estudos registram as tentativas de melhorar os cuidados com saúde dos indivíduos pela mudança de atitudes, pelo conhecimento e pelo comportamento. Mas nem sempre elas foram bem sucedidas. Segundo Kinnby et al.,5 o conhecimento adquirido e a mudança de atitudes são elos de uma corrente, mas as evidências sugerem que uma melhor informação nem sempre leva à modificação de comportamento. Na concepção de Misrachi & Sáez8 e de Piovesan & Temporini,10 para o planejamento de programas e políticas de saúde é necessário considerar o estilo de vida das populações a quem são dirigidas as ações. No campo da cultura popular, os autores acrescentam que as crenças, os conhecimentos, os valores e as práticas conformam uma importante gama de elementos culturais que se vinculam, por sua vez, a fatores biológicos, econômicos e sociais. Por outro lado, Reisine12 afirma que os indicadores clínicos de morbidade, apesar de serem importantes na representação do padrão da doença, não avaliam as dimensões sociais do estado de saúde bucal. No Brasil, observam-se grandes variações na prevalência de cárie dentária devido às suas grandes dimensões territoriais e aos contrastes sociais existentes. Especial atenção está sendo dada à população indígena brasileira, que já desperta uma grande preocupação face ao seu estado de saúde bucal. Acredita-se que a extrema escassez de informações qualitativas e quantitativas sobre o estado de saúde geral das comunidades indígenas da América do Sul tem como razões mais notáveis o seu isolamento geográfico e a discriminação cultural e econômica praticada pela população branca predominante.1 A Aldeia de Icatu conta com uma reserva territorial de 122 alqueires localizada no município de Braúna, a 65 quilômetros do município de Araçatuba, na região noroeste do Estado de São Paulo. Sua população total é de aproximadamente 103 indígenas, divididos em dois grupos étnicos: Kaingáng e Terena. A Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp, por meio da disciplina de Odontologia Preventiva e Social e em convênio com a Funai (Fundação Nacional do Índio), desenvolveu a partir de 1986 um programa extra-muro com os alunos do último ano do curso de graduação. Este Programa de Promoção de Saúde Bucal, contemplava aspectos educativos, preventivos e curativos, com o desenvolvimento de palestras, ações preventivas e curativas. OBJETIVOS No presente estudo, os autores tiveram por finalidade avaliar as atitudes e os comportamentos de um grupo indígena da aldeia de Icatu, procurando observar suas percepções e seus conhecimentos a respeito da saúde bucal e sua relação com a condição geral de bem-estar. MATERIAL E MÉTODO Inicialmente, estabeleceu-se um contato com a administração da aldeia para exposição e elucidação da proposta do projeto. Após a aprovação, foi elaborado um formulário6 com cinco questões abertas relaciona- vol. 13 no 1 jan./jun. 2001 FOL • Faculdade de Odontologia de Lins / UNIMEP INTRODUÇÃO 61 e, posteriormente, transcritas na íntegra. Na análise, observaram-se palavras-chaves presentes no texto transcrito. RESULTADOS Os resultados encontrados estão representados nas figuras 1, 2, 3, 4, 5 e 6. FIGURA 1. Distribuição percentual em relação à percepção de saúde. Icatu, Braúna, 1999. Estética higiene ausência de doença não só ausência de doença boa alimentação atividades cotidianas bem estar viver em comunidade 0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0% Figura 2. Distribuição percentual em relação à percepção do conceito de saúde bucal. Icatu, Braúna, 1999. 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0 ausência de dor higiene função estética bem estar ausência de doença tratamento FIGURA 3. Distribuição percentual da percepção dos índios em relação à higiene bucal. Icatu, Braúna, 1999. preocupação com a saúde frequência limpeza importância %0 62 vol. 13 no 1 jan./jun. 2001 cuidado com os filhos 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% UNIMEP • Universidade Metodista de Piracicaba das à percepção de saúde bucal, aos meios usados para higienização bucal, aos hábitos alimentares e à expectativa em relação à saúde bucal. Esse formulário6 serviu de guia para a realização das entrevistas com 57,5% (23 indivíduos) da população indígena adulta da aldeia. As entrevistas foram gravadas FIGURA 5. Distribuição percentual em relação à percepção das condições bucais. Icatu, Braúna, 1999. 100% 100% 80% 80% 60% 40% 60% 20% 40% 0% escova dentária escova dentária fio dentário enxaguatório palito 20% 0% regular boa ruim FIGURA 6. Distribuição percentual da percepção dos índios quanto à necessidade de tratamento. Icatu, Braúna, 1999. 60% 50% 40% 30% 20% 10% be o do io er ex am ep nã nt ic lín am ec sa al o e es ót ex ex od on nt dô to or ho el ar ap pr tia s o ic za lim pe sta ur aç ão 0% re DISCUSSÃO As informações provenientes dos questionários foram transportadas para dados, agrupados de modo a permitir fácil visualização para posterior análise. Como ilustra a figura 1, observou-se que os entrevistados, questionados sobre a percepção de saúde, relacionam-na às atividades cotidianas (82,6%) – e não somente à ausência de dor (30,4%), embora 26% acreditem que saúde seja ausência da mesma –, à estética e à higiene (21,7%), ao bem-estar (13%), e 4,3% associam saúde a viver em comunidade. Isso pode ser evidenciado nas manifestações dos entrevistados: “— Viver em comunidade, importante todo mundo com saúde, sem saúde fica ruim, pessoal com saúde, bem disposto” (indígena, 45 anos); “— Não ter doença é saúde, só que se eu for no médico, sempre encontra alguma coisa” (indígena, 16 anos); “— É o bem- estar social, a gente estar bem alimentado, uma pessoa feliz, ter uma vida alegre, sem problema” (indígena, 30 anos). Ao ser questionada a respeito da percepção de saúde bucal, a população estudada citou higiene (56,5%), mastigação (47,8%), estética (43,4%), bem-estar e tratamento da boca (17,4%), ausência de doença (13%) e dor (8,7%) (fig. 2) – embora as funções naturais que são obrigados a realizar, por uma simples questão de sobrevivência, se caracterize pela alta dinâmica mandibular durante a mastigação e a amamentação, fechando um circuito fisiológico envolvendo respiração e deglutição corretas, além de proporcionar estímulos neurais de crescimento adequados para prevenir as maloclusões por hipodesenvolvimento.14 Observamos esse fato durante as entrevistas realizadas neste estudo: “— É ter bons vol. 13 no 1 jan./jun. 2001 FOL • Faculdade de Odontologia de Lins / UNIMEP FIGURA 4. Distribuição percentual dos produtos utilizados pelos índios na higiene bucal. Icatu, Braúna, 1999. 63 vol. 13 no 1 jan./jun. 2001 64 Os dados epidemiológicos disponíveis revelam uma tendência degenerativa na saúde bucal da população indígena. Essas mudanças ocorrem na dieta tradicional e no sistema econômico do grupo, aliadas à falta de um programa preventivo, e são os principais responsáveis pela deterioração nas condições de saúde bucal. Destacamos as seguintes percepções dos entrevistados: “— Trocar esta obturação que faz tempo que eu fiz” (indígena, 23 anos); “— Olha minha boca e a chapa, e eu gostaria que fizesse outra, porque a minha tá bem antiga, faz 23 anos que eu tô com ela na boca, fazer um exame na gengiva seria bom, também” (indígena, 55 anos); “— Fazer uma limpeza ajuda os dentes” (indígena, 34 anos); “— De imediato, assim, prá mim, a saúde da boca em primeiro lugar, o problema meu é a falta de dente” (indígena, 45 anos); “— Arrancar os dentes ruins, refazer a chapa” (indígena, 39 anos). CONCLUSÃO Diante dos resultados, pode-se concluir que a percepção de saúde do índio está diretamente relacionada com a capacidade de exercer tarefas na comunidade, assim como a importância atribuída à aparência e à capacidade de mastigação relaciona-se ao estado geral de saúde. Referências Bibliográficas 1. AYRES, M. & SALZANO, F.M. Health status of Brasilian Cayapo indian. Trop. Geogr. Med., v. 5, n. 2, pp. 178185, 1988. 2. BOTAZZO, C. Democracia, participação popular e programas comunitários. Saúde em Debate, n. 18, pp. 36-41, 1986. 3. GIFT, H.C.; CORBIN, S.B. & NOWJACK-RAYMER, R.E. Public knowledge of prevention of dental disease. Public Health Rep., v. 109, n. 3, pp. 397-404, 1994. 4. GUERRA, M.A.A. Treinamento de monitores indígenas em saúde bucal: uma experiência de trabalho com os Ticunas. Saúde em Debate, (n. esp.) pp. 42-44, 1988. 5. KINNBY, C.G.; PALM, L. & WIDENHEIM, J. 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UNIMEP • Universidade Metodista de Piracicaba dentes, os dentes são importantes, eu preciso comer carne, mastigar isso, para não ficar com dor-de-barriga” (indígena, 74 anos); “— Bom, boca limpa, dente limpo, prá comer, dar risada também, os dentes que aparece” (indígena, 34 anos); “— Eu acho que é essencial para poder ter dentes bonitos, é essencial, aparência boa, cuidar deles, escovar na hora certa, ir ao dentista uma vez por mês” (indígena, 18 anos). A maior parte dos entrevistados (78,2%) acha a higiene bucal de suma importância (fig. 3). Daí 90% deles utilizarem escova dentária, pasta (65,2%), fio dental (30,4%), enxaguatório e palito (4,3%) (fig. 4). Mesmo assim, verificou-se a necessidade de uma orientação mais especializada, por profissionais da área, para a realização de manobras higiênicas. Segundo Guerra,4 é de vital importância o treinamento de monitores indígenas para a execução de técnicas de higiene bucal, para que os mesmos sirvam de educadores em sua comunidade. No momento das entrevistas, as explicações mencionadas foram: “— É, eu acho, eu limpo com escova, pasta, fio dental” (indígena, 28 anos); “— Tem que limpar com escova, pasta, por isso que falo para meus filhos e netos, ‘olha a vó!’” (indígena, 74 anos); “— Acho com certeza, limpo, escova mais durinha, Cepacol, pasta de dente, fio dental não sei, não” (indígena, 35 anos). Outro resultado encontrado diz respeito às condições bucais dos entrevistados: 78,3% citam condição regular, 17,4%, boa, e apenas 4,3%, ruim (fig. 5), mesmo sabendo que o contato dessa população com assistência odontológica, sempre que ocorre, tem se traduzido em práticas mutilantes.11 A este questionamento, encontramos as seguintes respostas: “— Regular, mais ou menos” (indígena, 39 anos); “— Mais ou menos” (indígena, 16 anos); “— Ruim” (indígena, 33 anos); “— Mais ou menos, hoje eu tô com dentadura” (indígena, 41 anos); “— É boa” (indígena, 55 anos); “— Eu daria nota 10, boa” (indígena, 34 anos). Por fim, foi perguntado sobre a necessidade de tratamento da população indígena: 47,8% dizem-se interessados em realizar limpeza, 39,1%, prótese, 26,0%, restauração e exodontias, 17,4% querem exame clínico, 4,3%, exame periodontal, e a mesma proporção não sabe o que necessita. dental health and general health through oral health. Int. Dent. J., v. 42, n. 4, pp. 223-228, 1992. 14. VAN DER LAAN, T. A importância da amamentação no desenvolvimento infantil. Pró-fono, v. 7, n. 1, pp. 35, 1995. 15. VASCONCELLOS, M.C.C. & AMARAL, J.S. A sociedade brasileira e a prevenção em saúde bucal. Rev. Odontol. Univ. São Paulo, v. 6, n. 3/4, pp. 133-139, 1992. 16. VASCONCELLOS, M.C.C.; LUI FILHO, O.; JESUS, B.J. & NOGUEIRA, J.B. Experiência de cárie dentária em escolares: o papel da ocupação da mãe. Rev. Odontol. Univ. São Paulo, v. 7, n. 4, pp. 237243, 1993. vol. 13 no 1 jan./jun. 2001 FOL • Faculdade de Odontologia de Lins / UNIMEP Méd.-Soc., v. 30, n. 2, pp. 27-33, 1989. 9.___________. 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