SÃO BERNARDO – ALMA AGRESTE Veja a análise do livro feita pela presidente da Comissão do Processo Seletivo da UniBrasil. A leitura de São Bernardo é cobrada tanto no vestibular da UniBrasil quanto no da UFPR Grande representante da melhor literatura brasileira, São Bernardo é um dos livros que se lê e relê em várias etapas da vida, em cada uma delas com um novo modo de interpretar este denso relato. O livro é narrado em primeira pessoa, e o contador é bruto, assassino, insensível. Alma agreste, o que é raro num universo de heróis repletos de boas intenções, Paulo Honório conta sua história mostrando sede e fome de terra, imensa ambição, uma infância de abandono e miséria, a firme decisão de mudar esta realidade. Passa um tempo na cadeia, exatamente três anos, nove meses e quinze dias, cada dia contado com a precisão com que contou o tempo de cadeia o autor, Graciliano Ramos no seu livro posterior, Memórias do Cárcere. Paulo só demonstra amor, reservado e sem excessos, por uma mulher que o acolheu quando criança, e cujos doces, de tacho e de alma, permitem sua sobrevivência até chegar, cruel e determinado, a desenvolver um enorme senso de propriedade. É de propriedade que trata o livro. Da terra, única garantia de prosperidade num país atrasado e sem lei. Da pessoa-bicho, que se possui e que se usa e descarta; se manda matar, se deixa morrer, se julga comprar. Daqueles companheiros ao longo da vida, mas cuja lealdade canina é aceita apenas nesta prescrição. Paulo não crê no estudo, despreza toda forma de refinamento intelectual, confiando apenas em sua vontade e força sobre os demais. Algumas vezes tenta ouvir o que falam os esclarecidos, mas não se instrui. Entende exclusivamente a força bruta, o exercício do poder. No entanto, apaixona-se por Madalena, símbolo trágico da mulher independente que surgiu um pouco à força no início do século XX. Professora, leitora voraz, vem igualmente de uma infância de pobreza, mas cujo percurso levou à compreensão e solidariedade, à identificação com os demais em suas pequenas tragédias do cotidiano. Produtos da mesma indigência e do mesmo profundo rincão brasileiro, díspares na reação aos desígnios do mundo, ambos se debatem e digladiam, sem conseguir o encontro como seres humanos, apesar da carência e até mesmo do amor. Paulo unicamente sabe ser dono, Madalena tem a alma livre daqueles que muito estudaram e leram; que muito se conheceram no processo de entender o que se passa ao redor. De forma poderosa, esta obra trata do amor, de sua ausência, da penúria em sua forma mais aguda e desesperada. Do olhar vazio para o outro, da impossibilidade de acesso ao terno, ao delicado, a amar o próprio filho. O livro trata também de perdas, e de imensas perdas. De tudo que se vai deixando ao longo do caminho. São Bernardo é a história do encontro de duas pessoas que saíram da miséria profunda e obtiveram um tipo de sucesso. Um, Paulo Honório, ganhou o mundo e perdeu a alma; outra, Madalena, ganhou a alma e perdeu o mundo. Os dois perderam. Wanda Camargo - presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil)