SENTIDOS DE LEITURA E ESCRITA NA SALA DE AULA Nilsa Brito Ribeiro- UFPA/Marabá* RESUMO: O presente trabalho analisa práticas discursivas em sala de aula do ensino fundamental, atentando para o trabalho com a leitura e a escrita e os sentidos postos em circulação por estas práticas. Combinando o „Paradigma indiciário‟ com uma metodologia que se aproxima da pesquisa de cunho etnográfico, nossas análises seguem „pistas‟, „indícios‟, que se configuram como dados particulares, caracterizadores de certas situações de interlocução em sala de aula de língua materna. As análises atestam que o trabalho com a leitura e e escrita na escola básica ainda está fortemente vinculado a uma concepção de linguagem presa à sistematicidade da língua, descartando neste processo as condições de produção da leitura e da escrita como constitutiva de sentidos. Palavras-chave: Linguagem; Discurso; Leitura; Escrita ABSTRACT: ABSTRACT: This work analyses discursive practices in the classroom at primary school level, focusing on the work with reading and writing and the meanings put into circulation by these practices. Combining the 'semiotic paradig' with a methodology that gets close to ethnographic research, our analysis follow „tracks‟, „evidence‟, which are configured as particular data, wich work to characterize certain situations of interaction in classroom language. Analysis points out that the work with reading and writing in elementary school is still strongly linked to a conception of language that sticks to its systematic features, putting aside, in this process, the exteriority of language. Keywords: Language; Discourse; Reading; Writing 1. INTRODUÇAO Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada no período de 2007 a 2009, em escolas públicas de ensino fundamental, em Marabá/PA1. O objetivo mais amplo da pesquisa foi analisar o discurso de sala de aula, atentando para sentidos que este discurso põe em funcionamento em aulas de português. A depreensão de sentidos produzidos na prática de ensino de língua materna nas escolas básicas impõe-nos também uma reflexão no interior do curso de Letras, no sentido de problematizar criticamente orientações teórico-metodológicas do próprio curso, suscitando possibilidades alternativas para o ensino de língua materna, tendo em vista os objetivos do Projeto Pedagógico do curso em relação à formação inicial e continuada de professores. Este artigo, em particular, se ocupa de processos discursivos que põem em funcionamento sentidos de práticas de leitura e escrita, na escola, tomando a interação professor/aluno como o fulcro da constituição de sentidos. No percurso de tratamento dos dados, nos aproximamos do “modelo * 1 2 Profa. Dra da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus Universitário de Marabá/UFPA. Projeto de pesquisa desenvolvido no Núcleo de Estudos Lingüísticos Araguaia Tocantins (NUCLEART), vinculado ao curso de Letras da UFPA/Marabá, com apoios do PARD 2006/2007 e PROINT 2008/2009. . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. epistemológico” desenvolvido por Carlo Ginzburg (1986), em seus estudos historiográficos, e por ele denominado “Paradigma Indiciário”, modelo que tem raízes nas práticas de decifração venatória e nos textos divinatórios mesopotâmicos. Trata-se de um modelo eminentemente qualitativo, que põe em evidência dados particulares, produzidos em eventos episódicos, singulares e aparentemente negligenciáveis, “não diretamente experimentáveis pelo observador” (op. cit. p.153), ou seja, a depreensão das particularidades do dado é feita com base em um conhecimento indireto, indiciário, cujas regras não se definem a priori, por hipóteses gerais, mas no embate do sujeito com os dados, num processo de constante elaboração e reelaboração de hipóteses, o que não deve ser confundido com falta de rigor científico, mas como “rigor flexível”, tal como admite o autor: Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas - no sentido de que, [...], suas regras não se prestam a ser formalizadas nem ditas. Ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição (GINZBURG, Op. Cit., p. 179). Combinando o „Paradigma indiciário‟ com uma metodologia que se aproxima da pesquisa de cunho etnográfico, nossas análises seguem „pistas‟, „indícios‟, que se configuram como dados particulares, caracterizadores de certas situações de interlocução em sala de aula de língua materna. Na primeira etapa do projeto (2006/2007) duas bolsistas2 acompanharam quatro turmas do primeiro segmento do ensino fundamental, distribuídas em duas escolas da rede pública de ensino de Marabá, fazendo registros, gravações e transcrições de interlocuções de sala de aula. Paralelamente, foi-se realizando também a coleta de produções escritas dos alunos, resultantes destas aulas registradas e gravadas. Os dados aqui analisados foram coletadas por estas bolsistas e os mesmos fazem parte do banco de dados do NUCLEART. 2.BASES TEÓRICAS ORIENTADORAS À luz de uma concepção dialógica e sócio-histórica de linguagem, tal como postulada por Bakhtin (1929; 1953-1954), a pesquisa em desenvolvimento parte do princípio de que sujeitos e linguagem não são dados a priori, mas se constituem conjuntamente nas práticas sócio-discursivas. Desta perspectiva, focalizamos processos 2 Dorianne Barroso Vasconcelos e Luzinete Silva Macedo (bolsistas de I.C., PARD e PIBIC, respectivamente). 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. de interação verbal produzidos no contexto da aula de língua materna, concebendo a aula na sua constituição interna e externa (GERALDI, 2005). Com isso, queremos dizer que a pesquisa, ao tomar a aula como objeto de investigação, leva em consideração que a realização desta sofre determinações históricas mais amplas (externas) e determinações das relações sócio-interacionais imediatas (internas), que dinamizam o acontecimento da aula. Esta concepção de linguagem enquanto atividade em processo nos leva a aceitar que é no fluxo das interações verbais, situadas em zonas discursivas, que extraímos categorias de análises do que ocorre com o ensino de língua portuguesa, enfatizando, particularmente, práticas de linguagem que tomam a leitura e a escrita como objeto de ensino. 2. A aula de leitura em questão Práticas de leitura e escrita com que nos deparamos freqüentemente, nas escolas, refletem, em grande medida, uma concepção ou concepções que prevalecem sobre língua/linguagem. Quase sempre convivem muito bem duas concepções de linguagem que até então têm prevalecido e orientado as práticas de ensino de português. A primeira concepção tem como base orientadora os estudos estruturalistas de língua como sistema fechado, uno e único. Desta perspectiva, a prática de leitura é encarada como desvendamento de sentidos intrínsecos ao sistema linguístico, devendo o leitor adquirir algumas habilidades para decifrar estes sentidos. Esta concepção de letramento enquanto um fenômeno individual se ancora em práticas de leitura absolutizadoras, com base nas quais exigem-se dos alunos compreensões uniformes, homogêneas, centradas em habilidades individuais. A exemplo do que prevalece nesta concepção de leitura, podemos pensar nos livros didáticos que por muito tempo têm servido para veicular modelos de leitura centrados numa perspectiva de letramento autônomo3. Basta pensarmos no rol de perguntas cujas respostas já vêem elencadas no livro do professor, e este a elas deve aderir inexoravelmente. Esta prática evidencia uma abordagem prescritiva de leitura com a exclusão do trabalho do professor e, sobretudo, a recusa à pergunta do aluno que também deve seguir à risca o que já está previsto no roteiro de perguntas. A segunda concepção de leitura é oposta à primeira. A escola, com a suposta pretensão de superar uma concepção de leitura centrada apenas no código linguístico – 3 Uma discussão sobre conceitos de letramento autônomo e letramento ideológico, embasada em Street (1984) encontra-se em Kleiman (1995) e Soares (2005a). 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. até mesmo porque se vê fora de uma ordem discursiva mais aceita acerca do ensino de linguagem e nela procura inserir-se -, ao incorporar a participação do leitor na construção de sentidos, apresenta o risco de vulgarização das reflexões acerca da construção da leitura, de tal modo que em benefício do leitor, faça desaparecer autor e texto. O leitor passa a ser concebido como origem e senhor dos sentidos e desta concepção decorrem interpretações simplistas de que qualquer interpretação é válida para o texto. Desta forma, a fonte dos sentidos desloca-se do autor para o leitor e a este cabe a inteira responsabilidade de construir sentidos para o texto, e assim, tem-se uma perspectiva de leitura que desconsidera a historicidade da língua, ou seja, embora os sentidos sejam suscetíveis de deslocamentos, não se pode descartar a relativa estabilidade - instável- da língua. Um terceira concepção de leitura é aquela, segundo a qual os sentidos não têm origem no autor nem tampouco se encontram na imanência do sistema linguístico, mas resultam da interação autor-leitor-texto, orientados pelas condições sócio-históricas de produção. Neste movimento interacional há uma tensão inevitável: por um lado, há a constante busca de sentidos por parte do leitor; por outro, a interdição do discurso orientando certas interpretações e excluindo outras. Assim, tanto o processo de produção textual, quanto de leitura são movimentos de tensão: o autor, situado histórica e ideologicamente, no ato de produção, se investe da tarefa de fechar sentidos em relação ao outro. O outro é o seu ponto de fixação, pois é em relação a ele que o produtor de texto encaminha sua proposta de compreensão. Neste sentido, como assevera Geraldi (1991), o outro é sempre co-autor do texto porque entra no cálculo do autor como medida e é condição necessária para que o texto exista (Geraldi, 1991), razão pela qual os sentidos de um texto não se esgotam numa única leitura. Por outro lado, não há nenhuma garantia de que as interpretações do leitor coincidam com as do autor, apesar de todo o esforço de fechamento de sentidos implicado em quase toda atividade de linguagem, se não em toda. Também não há igual garantia de que leituras não permitidas pelo autor não entrem a galope via leitor, posto que esse, ainda que procure aproximar-se da proposta de sentidos do autor, inevitavelmente, está sujeito às injunções históricas orientadoras de gestos de leitura. 3.LEITURA E ESCRITA NUMA PERSPECTIVA DIALÓGICA DE LINGUAGEM É da perspectiva desta terceira concepção que pretendemos empreender uma 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. discussão acerca da leitura, enquanto atividade discursiva. Nessa concepção, o aluno é visto como um sujeito-leitor e o professor não é mais o gerenciador de sentidos, nem tampouco o livro didático. Assim sendo, a leitura já não está totalmente prevista e a sala de aula se constitui em verdadeiro espaço de produção de sentidos. Cada um sendo o outro, constrói no confronto, pontos de vista e, sendo assim, o processo de leitura estará exposto a percalços, a acontecimentos interativos, a precariedades e não mais ao ritual pré-estabelecido pelos ditames da maquinaria didática. Não se trata mais de avaliar a leitura do aluno tendo como base um manual que prescreve interpretações, mas de mediar o percurso interpretativo do leitor, orientando-o a seguir pistas, a mobilizar conhecimentos extralinguísticos, outros textos, etc. Descarta-se também a idéia de que qualquer leitura é valida, com base no pressuposto de que os sentidos são construídos apenas pelo leitor. Numa perspectiva dialógica de linguagem o que se propõe é compreender os cálculos de sentido realizados pelo aluno para se chegar a uma interpretação possível; o professor, enquanto interlocutor real e efetivo, vai possibilitando ao aluno novos gestos de leitura, lançandoo a um universo de textos e de diferentes linguagens. Além disso, é necessário que a escola reconheça o aluno como interlocutor real, possibilitando-lhe a contrapalavra que, como postula Bakhtin, resulta de uma atitude ativa do sujeito face ao texto. Essa perspectiva de ensino postula o abandono à artificialidade da linguagem, considerando que a leitura deve estar vinculada a situações significativas, a objetivos claros e não ao cumprimento do ritual preso à artificialidade das práticas de leitura e escrita, entendidas estas como atividades isoladas do tecido social, as quais o aluno deve dominar para só então aplicá-las quando demandado pela sociedade, no futuro. É com base nesta reflexão que trilharemos as análises no item que se segue, procurando depreender sentidos de leitura e escrita em circulação na aula de português. 4. ESCUTANDO OS DADOS E APREENDENDO SENTIDOS DE LEITURA E ESCRITA NA SALA DE AULA Tomando como ponto de partida teorias já produzidas a respeito dos fenômenos da leitura/escrita, apresentamos algumas contribuições teóricas em torno desta reflexão, sempre na perspectiva de alterar qualitativamente a compreensão acerta da prática de ensino de língua materna. 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. 4.1. A aula de leitura produzindo injunções aos corpos Durante a pesquisa, escutando os dados, observamos que um dos efeitos de sentido produzidos nas práticas discursivas de leitura em sala de aula é a contenção da heterogeneidade. Por exemplo, nos momentos em que as crianças conversam, andam em sala, falam em tom alto, a professora quase sempre recorre à leitura como um recurso vigoroso para fazer calar o coro de vozes, imobilizando corpos nas carteiras, pelo recurso à chamada leitura silenciosa. Desta forma, mantém-se a ordem tão almejada pela escola. O recorte a seguir nos mostra que, além de recorrer à leitura para conter a heterogeneidade de sala de aula, a professora recorre à leitura também para distribuir os corpos geograficamente na sala de aula, de acordo com uma classificação por níveis de habilidades de leitura e escrita. Ou seja, as habilidades de leitura - fluência verbal, entonação, pronúncia,etc. - oferecem critérios fortes para a distribuição espacial dos alunos na sala de aula, produzindo estigmas, rótulos, exclusões. [Aula 1] 4 ((A aula tem início com os alunos conversando bastante)) P – é:: J. A. senta bem aqui nessa cadeira aqui tá?... ((.A professora divide os alunos, em grupos, informando em que cadeira cada um deverá sentar-se. As crianças ficam ansiosas em saber o porquê da atitude da professora, em retirá-las dos seus lugares, mas esta adia qualquer informação a respeito)). A1 - Por quê?... P - senta aqui nessa cadeira eu quero você aqui hoje... A2 - aqui ó tia... aqui ó mais o T... P – M. ei M... A2 – M... P - vem cá M. nessa segunda cadeira aqui... (...) PA – W. você não é dessa fila é daquela lá (...) e D. você também é pra cá... pode sair daí D. A29 - eu não vou ficar aqui PA - senta lá mais o/o J. ((vozes incompreensíveis)) A30 - eu tô sentando aí... PA – E. senta lá atrás da R... e você B. venha senta bem aqui lá no lugar da D. A30 - é J. ((o aluno corrige a professora que fala o nome da aluna errado)) PA - bem aqui oh dá duas A14 - eh tia eu não encontrei um lugar não A2 – J. tu é aqui... PA – a::::::.... mais vocês duas não vai ficar juntas não pode sentar bem aqui ((vozes incompreensíveis)) PA - ((incompreensível)) não pode deixar as duas juntas não ((vozes incompreensíveis)) PA - cada um já sabe o seu par num sabe?e o local onde (vai sentar)... não quero mais nenhum trocando de lugar nenhum ((barulho)) 4 Todos os dados aqui apresentados foram coletados pela bolsista pesquisadora /PARD, Dorianne Barros de Vasconcelos, adotado as seguintes convenções de transcrição: P ( professor/a); A1 (aluno 1); ( ) (incompreensão de palavras ou segmentos); (hipótese) (hipótese do que se ouviu); /: (truncamento); MAIÚSCULA (entoação enfática); ::: (prolongamento de vogal); ... ( pausa de qualquer extensão); (( )) (comentários do transcritor ou do analista) . 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. PA - por favor(...) olha essa fila bem aqui todo dia na hora que você chegar já saber onde é o lugar de vocês bem no pé da parede. A31 - eu já sei onde é o meu... ((alguns alunos reclamam pelo fato de a professora ter alterado os seus lugares na sala de aula )) (...) PA - esses vão vir bem aqui oh.... todos têm que aprender a ler normalmente ...poucos sabem ler pouco mas não sabe escrever ... esse aqui tem que aprender a escrever e a ler esse aqui já sabe ler e escrever A34 - eu sei escrever... eu sei escrever A33 - eu tia eu sei ler PA - e agora vai ser diferente o trabalho de vocês A14 é tia todo dia... ((incompreensível todos começam a fala ao mesmo tempo ))? (...) Como se pode observar, as alterações de lugares determinados pela professora obedecem a uma classificação rígida com base em habilidades de leitura, tanto é que no decorrer da aula ela deixa claro que a troca de lugares dos alunos se dá porque em um teste de leitura realizado pela coordenadora de ensino, identifica-se que na sua sala há alunos que sabem ler, alunos que lêem, mas não escrevem e alunos que não lêem nem escrevem. A reorganização dos alunos na sala responde, portanto, a uma metodologia de trabalho centrada nas dificuldades que supõe terem os alunos em relação à leitura e escrita. A classificação e divisão dos alunos por níveis de domínios absolutos de habilidades de leitura revelam uma concepção, segundo a qual o ato de ler corresponde apenas ao processo de decodificação, traduzindo-se em certas habilidades individuais como a pronúncia, a entonação, ritmo, etc., habilidades observadas acima das práticas sociais que envolvam de algum modo usos da leitura. Os sujeitos são classificados com base nesses domínios, por isso mesmo qualquer sucesso ou fracasso é de responsabilidade única e exclusivamente sua. Observa-se, no entanto, que a representação da professora sobre o domínio de leitura dos alunos não coincide com representações destes sobre si mesmos. Nota-se que a classificação feita pela professora em relação aos níveis de leitura dos alunos provoca uma reação/polêmica nos próprios alunos que refutam terminantemente a caracterização a eles imputada pela professora, afirmando-se leitores e escreventes, como mostra o segmento abaixo: PA - esses vão vir bem aqui oh.... todos têm que aprender a ler normalmente ... poucos sabem ler pouco mas não sabe escrever ... esse aqui tem que aprender a escrever e a ler esse aqui já sabe ler e escrever... A34 - eu sei escrever... eu sei escrever A33 - eu tia eu sei ler... Prevalece na compreensão da professora a possibilidade de alcançar a homogeneidade da turma em relação ao domínio de habilidades de leitura ( todos têm que aprender a ler normalmente). Dizer que todos têm que ler 'normalmente' implica a 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. possibilidade de todos responderem uniformemente às exigências da escola. A esta pressuposição os alunos reagem e afirmam aquilo que a professora nega em relação ao domínio de leitura e escrita ( eu sei escrever... eu sei escrever; eu tia eu sei ler...). 4. Gestos de leitura submetidos aos ditames da pauta escolar [Aula2] (...) PC – continuando a pauta qual é a próxima? A5 – Pinóquio A4 – Pinóquio A10 – Pinóquio PC – aqui temos na nossa leitura de hoje temos? A4 – o Pinóquio A5 – Pinóquio PC – a estória do Aos – Pinóquio PC – Pinóquio... alguém já ouviu falar do Pinóquio? Aos – eu já PC – ãh? A4 – é um boneco de pau PC – ã::: é um boneco de pau? ((barulho)) (...) PC – agora eu quero que vocês me digam aonde foi que vocês viram A4 – tia PC – aonde foi que vocês viram essa estória do Pinóquio? Foi em dvd? Aos – dvd A5 – e:: tia o dvd do meu irmão ((incompreensível)) PC – a::: foi no dvd? A5 – foi A3 – e.. tira pra cá ::.. (...) PC – olha só eu só quero que vocês me digam os personagens desse texto que eu acabei de ler pra vocês Aos – Gepeto Pinóquio fada PC – Pinóquio Gepeto e Aos – a fada A7 – e: tia a fada de oro A9 – a fada azul PC – daqui a pouco vai começar ai a gente vai partir daqui pra onde? pra parte que a gente achou mais interessante ao decorrer da história A9 – e::: tia pode escrever? PC – não... não é pra escrever não é só pra prestar atenção aqui... e::: J. A. A7 – eu já escrevi PC – faça a gentileza de sentar lá no seu lugar A7 – é pra fazer? A8 – se quiser escrever? A13 – não é pra escrever não não tia? PC – não... não é nem pra escrever... vamos acompanhar os acontecimentos da pauta primeiro a gente vai anotar os pontos que a gente gostou A8 - o final tia... PC – daqui além das personagens pra gente poder citar quais foram os pontos o que primeiro aconteceu na estória? A9 - é que a fada azul deu as moedas de cinco moedas de oro PC – a fada A10 – a fada deu moedas pro Gepeto A8 - é pra escrever é tia? PC – não... a fada deu as moedas de ouro pra quem? Aos – Pinóquio 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. ((vozes incompreensíveis)) (...) PC- por isso quando vocês perguntaram é pra escrever? ... eu disse que não porque se for pra escrever ninguém prestava atenção ... logo logo ia começar... A9- desenhar... PC- aí vem escrita de pontos que chamaram a atenção... aí já tá aqui tá citando qual é os personagens que é pinoquio... gepeto e a fada... e tem cada ponto que aconteceu na história que vocês ouviram agora... eu quero que vocês copiem isso aqui e depois que terminar de copiar... A10- já to copiando tia... PC- pintar e desenhar da forma que vocês sabem e quiserem fazer os personagens deste texto que vocês acabaram de ouvir certo?... No segundo recorte, interessa-nos trazer à discussão duas questões que emergem na interação estabelecida entre professora, aluno e texto, nesta aula de leitura. Em primeiro lugar, observa-se que a professora apresenta o roteiro da aula como uma `pauta` e como tal procura seguir cada ponto elencado, sem se ater a qualquer situação que emerja fora da agenda estabelecida. Como „a pauta do dia‟ era levada ao quadro diariamente, logo no início da aula, os alunos também tomam conhecimento dos temas constantes desta agenda, embora não tenham qualquer participação na construção da mesma, nem tampouco podem alterá-la, nem mesmo pelas necessidades impostas pela interação de sala. No início deste recorte, já se pode observar que o conhecimento da agenda por parte dos alunos é um fator que favorece, em algum nível, a interlocução entre professora e alunos, pelo menos permitindo a estes o preenchimento das lacunas deixadas pela professora, como podemos ver nas passagens abaixo: PC – continuando a pauta qual é a próxima A5 – Pinóquio A4 – Pinóquio A10 – Pinóquio PC – aqui temos na nossa leitura de hoje temos? A4 – o Pinóquio A5 – Pinóquio PC – a estória do Aos – Pinóquio Na própria fala da professora, denota-se a seqüenciação da aula gerida pela pauta já construída. A interlocução se desenvolve entre professora e alunos graças aos conhecimentos que estes têm desta sequenciação pré-estabelecida da aula (continuando a pauta qual é a próxima). É curioso observar que o gênero „pauta‟ substitui o que a tradição escolar sempre cultivou como planejamento da aula, ainda que este muitas vezes tenha servido muito mais ao monitoramento das ações do professor por diretores, inspetores, etc., do que propriamente a uma ação pedagógica de planejar ações para serem avaliadas e refeitas a cada dia. 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. É interessante notar ainda que, sendo a pauta um gênero próprio de reuniões, assembléias, encontros, etc., ela tem cumprindo uma função diferente do plano de aula. Enquanto o planejamento do professor é um gênero que, além de conter a sequência das ações a serem atualizadas em sala de aula, cumpre igualmente a função de registro de ações do professor, a partir do qual tradicionalmente se avaliou, monitorou o trabalho docente - tanto pelo próprio docente quanto por profissionais do corpo administrativo das escolas, no que concerne a conteúdos ensinados, metodologias adotadas, procedimentos avaliativos adotados, etc.-, a pauta, por sua vez, é um subgênero que torna públicos temas a serem tratados em certos eventos e garante em certa medida a sequenciações destes temas. Ou seja, são dois gêneros que historicamente verbalizaram ordens discursivas bastante distintas. Sendo assim que sentidos mobilizam a pauta na sala de aula, disposta diariamente na lousa? Se pensarmos que a escola recorre cada vez mais a formas de rearranjo da sua rotina de sala de aula, ainda que muitas vezes apenas o ritual se altera, persistindo concepções que fundamentam práticas inadequadas de ensino, leitura, escrita, etc., é possível identificar o recurso ao gênero pauta como uma forma de reconstrução da imagem das interações de sala de aula, sobretudo se considerarmos quanto o plano de aula foi/é rechaçado pelo professor, principalmente num tempo em que este, em busca de sobrevivência, se vê obrigado a trabalhar em três turnos, indo de uma escola a outra, sem qualquer tempo disponível para planejamentos insistentemente cobrados pela administração escolar. Em contrapartida à reorganização do trabalho docente gerida por modos de produção econômica do capitalismo, o livro didático se impõe assumindo atribuições que antes era do professor, sobretudo no que concerne à autonomia para definir e planejar ações didáticas. Hoje, cada vez mais o professor vai se tornando mero cumpridor das ações previstas no livro didático, apenas gerenciando o tempo destas ações. No entanto, vale destacar que a substituição de plano de aula pela pauta, embora produza o efeito de modernização de uma prática, não altera a rigidez das sequências organizadoras da aula. Por exemplo, na seqüência discursiva da aula de que trata o recorte 2, podemos observar que a pauta cumpre o mesmo destino dos tradicionais planejamentos de aula, qual seja, garantir a fixidez das ações do professor, descartando os acontecimentos próprios das situações de interação. Atendo-se à materialidade discursiva do recorte acima, vale observar que um dos procedimentos discursivos que dão fluxo ao próprio discurso são as perguntas 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. encaminhadas pela professora aos alunos após a leitura do texto. Trata-se de perguntas “motivadoras' e não propriamente perguntas elaboradas em razão de um desconhecimento do tema em discussão. Geraldi (1991), tratado da pergunta didática como aquela pergunta cuja resposta o professor já conhece, observa que as perguntas de sala de aula se originam também como motivadoras da aula. Por intermédio das perguntas o professor vai criando razões para que o aluno entre no jogo da escola, interesse-se pelo que ele propõe ensinar. Assim, no recorte acima é também possível verificar que as perguntas da professora em relação ao texto lido funcionam como perguntas desencadeadoras da aula. A professora recorre reiteradamente a questões externas ao texto com o intuito de motivar a participação dos alunos na atividade de leitura, questões que sequer tangenciam o texto (pinóquio... alguém já ouviu falar do pinóquio?; aonde foi que vocês viram essa estória do pinóquio? Foi em dvd?). Quando se volta para questões que tocam a relação texto-leitor são questões cujas respostas já estão assinaladas na superfície lingüística, como mostra a seqüência a seguir: P- olha só eu só quero que vocês me digam os personagens desse texto que eu acabei de ler pra vocês Aos – Gepeto Pinóquio fada PC – Pinóquio Gepeto e Aos – a fada A7 – e: tia a fada de ouro A9 – a fada azul Mais uma vez prevalece uma concepção de leitura que tem como correspondente uma concepção de língua como sistema uno, homogêneo. A relação entre o sujeito e o texto lido é uma relação linear e a única forma de obter a linearidade de sentidos é jogar com a possibilidade de que tais sentidos encontram-se na imanência do texto, justamente porque a história, as condições de leitura dos sujeitos não entram no cômputo desta concepção. Dessa forma não há multiplicidades de leituras, pois as respostas já estão mapeadas no texto e a partir delas é possível objetivar a leitura. O outro aspecto a observar é que mesmo que a escola trilhe uma perspectiva de fechar sentidos em busca da homogeneidade ideal, a heterogeneidade emerge nas interações de sala de aula, denunciando a contenção de iniciativas próprias da criança. É o que se observa quando a professora anuncia estar prestes a mudar para outro item da pauta, (daqui a pouco vai começar aí a gente vai partir daqui pra onde? pra parte que a gente achou mais interessante ao decorrer da estória...). Neste momento, os alunos, por alguma razão, solicitam reiteradamente a permissão da professora para escreveram, seja porque é comum a solicitação que escrevam depois da leitura de um texto, seja porque encontram razões para fazerem anotações. À pergunta do aluno, a professora 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. reage negativamente (não... não é pra escrever não é só pra prestar atenção aqui... e::: J. A.), e prossegue a aula, no cumprimento rigoroso da pauta. Aliás, a professora dá a saber que há uma pauta a ser seguida e naquele momento caberiam às crianças exercer o papel de meros expectadores da leitura da professora. O que se pode perceber é que há uma racionalização do tempo escolar que embota desejos, criatividade, autonomia. Por isso mesmo a aula é consumida em sua grande parte na gerencia do tempo, tornando-se quase um conteúdo a ser trabalhado: como consumir o tempo. 4.3. Na escrita escolar: a perfilação do escrevente Se a leitura enquanto objeto de ensino e aprendizagem se organiza com base na conformação dos sujeitos aprendizes, a partir do que a escola elege como habilidades de leitura, a escrita também se orienta com base num perfil de escritor configurado pela escola, este também seguindo um modelo rígido de sujeito escrevente. Vejamos o recorte a seguir: [Aula 1] PA - vocês aí cada um fazendo o seu ((incompreensível)) ((vozes incompreensíveis)) A35 - tia a primeira palavra(...) tia a primeira palavra ((vozes incompreensíveis)) A35 - primeira palavra tia ((vozes)) PA - a primeira palavra... a primeira palavra... bicudo...bicudo...é pra fazer silêncio ((incompreensível)) bi-cu-do (...) bi-cu-do (...) bicudo já? Aos - já PA - na mesma linha melado me-la-do me-la-do...me-la-do...melado... a outra bo-ni-to ((vozes)) PA - bonito a outra macaco ma-ca-co ma-ca-co ((barulho)) PA - vamos fazer silêncio por favor (irritada) Aos - tia a R. tá fazendo((incompreensivél)) (...) A36 - já acabei A37 - já fiz PA - a outra canudo A38 - pra nóis é tia? PA - não o de vocês já foi... .canudo... me-lan-ci-a... me-lan-ci-a... melancia... a outra ((a professora dita novas palavras para um outro grupo de alunos) A39 - ainda não PA - melancia A39 – espera aí tia... espera aí tia... espera aí... ((vozes incompreensíveis)) A39 - agora não tia agora não PA - melan e::: e::: R... a outra... bolacha…bolacha Aos - bo-la-cha PA – melancia... bolacha (...) bolacha já? Aos - já PA - a outra galinha ga-li-nha (...) PA - gaúcho... agora na outra linha com a letra maiúscula aquela letra grande... a menina come melado... a menina come melado... a-me-ni-na co-me-me-la-do... a-me-ni-na-co-me-me-la-do... a-me-ni-na-co-me2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. me-la-do... ((vozes incompreensíveis)) PA - o macaco presta atenção... o macaco gosta de banana A36 - terminei tia A42 - eu já terminei primeiro e já é hora A37 - tia eu já terminei PA - o macaco gosta de banana todo mundo já fez? ((vozes incompreensíveis)) PA - o garoto é estudioso... o garoto é estudioso... o garoto é estudioso...o garoto é estudioso ((vozes)) PA - o garoto é estudioso... a outra coisa...a escola é boa... a escola é boa...a- es-co-la-é-bo-a...a escola é boa (...) PA - vai ((incompreensível)) forme frases com as palavras... você vai formar pala/as frases com as palavras melancia boneca ... mamãe... (resultado)... escola... garota... forma frase A43 - a garota é (bonita) (...) A40 - tia é pra saltar uma linha ou ((incompreensívél)) ?... PA – pode... eta e:: e::... L. vai que num sai (espalha) né L.?...(vai tá escrito bem aqui tu sabia?) A40 - (esse nome) é tia... tia((incompreensível)) A45 - ((incompreensivel)) na hora em que ela sai eu (espalho) PA - não senhor ((riso da professora)) é pra formar uma frase com a palavra melancia ((incompreensível)) Na seqüência da aula de que foi extraído o recorte anterior, segue-se o ditado de palavras, frases, de acordo com o que a professora supõe ser de domínio dos alunos, em termos de escrita. Como se pode observar, o processo de escrita, coincidente com as práticas de leitura, é também atomizado. A professora parte da escrita de palavras com sílabas supostamente menos complexas (bicudo, bonito, macaco) - passa a ditar outro grupo de palavras (melancia, bolacha, galinha, gaúcho), agora não mais formadas pelo padrão silábico CV -, até chegar ao ditado de frase curtas e isolados (a menina come melado, o macaco gosta de banana; o garoto é estudioso, a escola é boa). Finalmente solicita a um quarto grupo de alunos a produção de frases a partir de palavras pré-estabelecidas. Tal procedimento revela a compreensão de que o conhecimento da linguagem se dá por uma ordem hierárquica, começando pelas letras, sílabas, palavras, frases, até chegar ao texto. As crianças são submetidas a palavras e frases descontextualizadas, sem ancoragem numa historicidade. Daí porque ao serem solicitadas a escrever, numa fase em que a escola calcula ser o momento indicado a produzirem textos mais ou menos longos, a criança replica às demanda da escola com amontoado de frases desconexas e desprovidas de uma ancoragem histórica, a não ser aquela própria aos textos da cartilha. Nesse modelo de escrevente perfilado pela escola subjaz uma concepção de linguagem como um sistema fechado, pronto e acabado, cabendo ao professor dosar porções de unidades da língua (sílaba, palavra. frase) para serem ensinadas, de acordo 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. com o grau de dificuldades, encarando a língua hierarquicamente, partindo de elementos considerados mais simples – a sílaba, a palavra- ao mais complexo, que seria o texto. A escrita ainda se baseia na cópia e cada grupo de palavras ou frases corresponde a um grupo de alunos, com base naquela classificação estabelecida anteriormente, tal com explicita a professora no primeiro recorte da análise. Daí porque a professora chama a atenção de um grupo de alunos a quem se destina o ditado de palavras: PA - a outra... canudo... A38 - pra nós é tia? PA - não o de vocês já foi... .canudo... me-lan-ci-a... me-lan-ci-a... melancia... a outra ((a professora dita novas palavras para um outro grupo de alunos)) Vê-se como a professora corresponde a cada grupo de crianças grupos de palavras a serem ditadas e consequentemente copiadas, tendo por base a complexidade que supostamente envolve cada agrupamento de palavras. Na voz da aluna, esta complexidade não faz sentido, tanto é que no momento em que a professora dita a palavra canudo, a criança pergunta se é para o seu grupo copiar (pra nós tia?, ao que a professora responde negativamente (não o de vocês já foi...). Nesse sentido, as dificuldades são criadas pela escola que define, classifica, homogeneíza saberes e sujeitos. Com base nesta complexidade, estabelece-se um perfil de escrevente sobre o que escrever e como escrever, uma perfilação do sujeito escrevente que não encontra razão a não ser em critérios definidos a partir de uma certa compreensão de linguagem que a escola insiste em cultivar. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho procuramos refletir, com base em recortes extraídos de interações de salas de aula de ensino fundamental, que concepções de leitura e escrita orientam as práticas de linguagem desenvolvidas nas aulas de língua materna. Os dados indiciam a realidade do ensino de língua materna em nossas escolas e apontam a necessidade de ações alternativas de ensino capazes de alterar as práticas de língua materna na escola. Ainda prevalece no discurso de sala de aula uma concepção de leitura/escrita enquanto decodificação do código linguístico. Como revelam os dados, a língua é ensinada acima das práticas dos sujeitos produtores de linguagem. Embora se saiba que o ensino de língua materna tem estado na pauta do dia de pesquisadores brasileiros, produzindo efeitos relevantes, sobretudo a partir da década 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142. de 1980, é preciso considerar que esta ainda não é uma realidade de todas as escolas brasileiras. A pesquisa que desenvolvemos no período de 2007 a 2009 aponta para a universidade um longo percurso a trilhar com pesquisas voltadas para esta problemática, de modo a alterar a realidade do ensino de linguagem na escola básica. 6. BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BAKHTIN, Mikhail “Gêneros do discurso”. In: ______. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1953-54/1997. GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991. GERALDI, João Wanderley. “Da sala de aula à construção externa da aula”. In: A magia da linguagem. ZACCUR, Edwiges (Org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2001, pp. 123140. GINZBURG, Carlos. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário” . In: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. KLEIMAN, Ângela B. (org.). Significados do Letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1995. SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Educação Nº 25 Janeiro-Abril/2004, pp. 05-17. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2005a. 2 . Artigo publicado na Revista LATERNA- Núcleo de Estudos Linguísticos Araguaia -Tocantins da Faculdade de Estudos da Linguagem do Campus de Marabá, vol. 03, dez/2009, pp. 128-142.