Ergui paredes/ uma fortaleza, alta e
forte/ que ninguém pode penetrar./
Não preciso de amizades. /
Amizades causam dor./ É o riso e é o
amar o que eu desdenho/ Sou uma
rocha, / Sou uma ilha/ Tenho meus
livros/ E a minha poesia para
proteger-me/ Estou blindado em
minha armadura/ Oculto em meu
quarto/ Seguro dentro do meu
útero/ Eu não toco em ninguém e
ninguém me toca/Eu sou uma
rocha/ Sou uma ilha./ E uma rocha
não sente dor./ E uma ilha nunca
chora (Paul Simon – “I am a Rock”).

semelhança entre os estados
experimentados por um paciente
anorético e aqueles de crianças
autistas.

Margaret (paciente a ser discutida) –
depressão primordial que repousa na
raiz do autismo.

Richard Morton (1694): Anorexia como
“consumpção nervosa”; “causa imediata
desse desarranjo – sistema dos nervos”.

primeiros ensaios sobre anorexia nervosa
(Lasêgue, 1873 e Gull, 1873) – importância
dos fatores emocionais em sua causação.

ensaios posteriores mostraram que esses
pacientes mostravam semelhanças com
relação a traços de personalidade, vida de
fantasia e a importância de detalhes
específicos na situação familiar, bem como
no quadro sintomático que apresentavam.

tentar traçar ligações específicas entre os
sintomas e a vida instintiva, a imaginação e
as relações interpessoais, descrevendo os
processos emocionais que pareciam estar
associados às alterações de peso e as
dificuldades alimentares em uma
adolescente diagnosticada como um caso
severo de anorexia nervosa, e que foram
observados no contexto de uma técnica
terapêutica particular.
MATERIAL
CLÍNICO

Paciente: Margaret

Idade: 13 anos (quando foi vista no setor
de pediatria de um hospital geral – logo
encaminhada ao setor de psiquiatria do
mesmo hospital, após não terem sido
encontradas causas orgânicas para sua
falta de apetite e baixo peso)

Peso: 25,2kg – antes de iniciar a
psicoterapia (9/01/1956) – cianótica e com
risco de morte caso não recebesse ajuda
imediata.

História Clínica e Anamnese:
- Os professores a descreviam como uma
menina quieta, bem comportada, ao
que a mãe confirmou dizendo que
desde pequena ela raramente brincava
com seus brinquedos, mantendo-os
limpos e quase intocados. Também não
comia qualquer comida que suspeitasse
tivesse uma partícula de sujeira. Ainda
não começara a menstruar.
› Início da anorexia como sendo em
setembro de 1955, quando a paciente
anunciou que queria emagrecer, pois tinha
medo de estar muito gorda para fazer seus
exames de dança em novembro – estudava
balé desde os 9 anos de idade. Parou de
comer apesar das ameaças e agrados dos
pais.

Na mesma época, sua turma da escola assistiu a um
filme sobre educação sexual durante o qual ela
desmaiou – falar sobre sangue ou vê-lo deixava-a
doente e ela não queria saber nada sobre sexo ou
menstruação.

- Fica interessada na gravidez de uma tia e de uma
vizinha.

- M. nasceu durante a guerra e seu pai era da
marinha. Foi amamentada até os quatro meses,
quando o leite de sua mãe secou devido a sua
ansiedade frente ao desaparecimento do navio do
marido. Sem notícias dele por três meses – ficou
deprimida.

M. não se adaptou bem à mamadeira,
e dormia durante a mamada. Desde
então até os dez anos de idade ela era
melindrosa para comer.

Sua mãe era diabética e sofria de
comas insulínicos.
• Margaret tinha 3 irmãos mais novos, todos do
sexo masculino, na época do
encaminhamento;
› O pai dizia abertamente que preferia os
meninos e ignorava e rejeitava Margaret. No
entanto, enquanto ela estava no hospital,
ele a visitava e levava presentes.
› A mãe desejara ser uma bailarina quando
menina.
› As sessões ocorriam três vezes na semana,
com duração de uma hora e meia (durante
a internação e após a alta hospitalar).

Sentimentos contra-transferênciais:
› “Nos primeiros dias, quando nós estávamos
juntas na sala, freqüentemente silenciosa,
eu era envolvida em seu próprio desespero
sobre si própria e me sentia impotente para
ajudá-la (p. 105)”.

Importância do setting:
› “eu não oferecia comida à minha paciente
ou reafirmava-lhe que era certo comer. Eu
não a visitava na enfermaria do hospital, ou
lhe dava presentes, ou a tranqüilizava
contra seu desespero de que era intratável
e indigna de amor (a integração deste
desespero na trama de sua personalidade
sendo o objetivo terapêutico) (p. 105)”.

Importância do setting (cont.):
› “Entretanto, eu tentava sempre chegar
pontualmente para suas sessões. Eu
raramente cancelava ou alterava suas
sessões e, como se pode imaginar, esta
menina provocava em mim muita reflexão,
tanto dentro como fora da situação
analítica (p.105)”.

Primeira sessão:
“Em vista de sua fraqueza física, foi natural para ela
deitar-se sobre o divã. Eu me sentei do lado direito
de sua almofada. Silêncio e imobilidade eram os
aspectos mais marcantes, enquanto ela jazia
rigidamente sob seu cobertor. Os ossos de seu rosto
apareciam brancos através da pele azul,
rigidamente contraída. (...) Quando ela fez um gesto
apreensivo, eu interpretei sua ansiedade sobre mim
como uma outra pessoa nova e estranha entre as
muitas novas pessoas que ela vira desde que
chegara no hospital. Ela não deu qualquer resposta
e continuou imóvel olhando para frente”.
“Após uma longa pausa, ela falou vacilante e tão baixo que
tive que me inclinar para a frente para ouvir o que ela
estava dizendo. Conforme fiz isto, tomei conhecimento
do cheiro desagradável que exalava de seu corpo e foi
apenas com um esforço que pude permanecer perto
dela, o suficiente para ouvir que sua professora, que ela
pensava que vinha vê-la àquela manhã, não viera. Eu
disse que achava que ela estava me dizendo que
quando ela vira essas outras pessoas no hospital, ela
tivera esperanças de que elas poderiam ajudá-la, que
ela ficara desapontada por eles não o terem feito, e que
ela não os vira novamente. Ela sentia que eles haviam lhe
dado esperanças e então a tinham abandonado, assim
como a professora a tinha desapontado esta manhã. Ela
tinha medo que eu lhe criasse esperanças e então a
abandonasse da mesma maneira. Eu lhe disse então que
a veria três manhãs por semana e que os dias seriam
segunda, terça e sexta-feira”.
“Após esta primeira interpretação e explicação, ela
pareceu um pouco menos contraída e fria e
gradualmente moveu seu corpo ficando enroscada
sob seu cobertor, de tal maneira que um quadro de
um bebê mamando me veio imediatamente à
mente. Ela ficou assim pelo resto da sessão. Sua
próxima frase sussurrada, vacilante, surgiu quando
ela estava sentando-se no divã para voltar à
enfermaria. Ela disse que tinha sido pesada àquela
manhã e que engordara200g. Eu disse que achava
que ela estava me dizendo isso para que eu me
sentisse recompensada pelo trabalho que havia
feito, e para que eu a visse novamente amanhã”.

Dança:
› tentativa de satisfazer as ambições não satisfeitas
de sua mãe;
› Tentativa de trazer à vida sua mãe deprimida, morta
(comatosa).
Desde os primeiros tempos, sua incerteza fora quanto
a se ela podia (e deveria) crescer, progredir,
dançar, ser alegre, ser “divertida”; ou se ela deveria
ficar quieta, regredir, deprimir sua alegria, parar de
crescer, morrer. Decidir crescer e viver, entre outras
coisas, significava esgotar os recursos de sua mãe e
enfrentar os problemas que isto criara para ela.
Significava, também, satisfazer seus impulsos
femininos – rivalidade com a mãe (problemas na
transferência).

A paciente conta que enrolava a comida
dentro da boca até que ela ficasse macia
o suficiente para ser engolida, ela não
mastigava;

Sua idéia de uma “boa” relação era uma
relação na qual paciente e terapeuta
gratificassem uma a outra infinitamente. Ela
desconfiava das intenções dela e da
terapeuta e inconscientemente temia que
a terapeuta a envenenasse – perde peso
nesse período – medo de comer.
“Seu medo final era de que nós duas
pudéssemos acabar exauridas e mortas (p.
204)”.
 Fantasias com relação à menstruação (p.
204):

› Sinal de crescimento e da esperança de ter
filhos – ela era sentida como evidência das
esperanças frustradas de ser um menino;
› Revela a “confusão sangrenta” em seu interior –
resultado de sua mordida interna secreta da
mãe.
› Medo de seu próprio interior sangrando – para
bebês – idêntica à mãe a quem atacara em
sua rivalidade invejosa e hostil.

Evolução do caso:
› A partir de 24 de outubro (o tratamento
iniciou em 09 de janeiro) os aumentos de
peso foram regulares até que o peso normal
foi atingido. Suas associações nas sessões
mostravam uma nova atitude mental de ser
capaz e disposta a tolerar dor psíquica por
um resultado indesejado – operava mais de
acordo com o princípio de realidade.
› A paciente começou a mostrar mais
abertamente e a experimentar mais
diretamente as mudanças de humor e
sentimentos conflitantes que ela
anteriormente expressava através de canais
somáticos que psíquicos.
› Surgiu material mostrando seu terror de e
culpa com relação a sua sexualidade.
› Sua vida exterior tornou-se mais completa e
mais interessante.
› A paciente casou-se e teve dois filhos.

O caso apresentado demonstra os
aspectos de personalidade colocados
pelos autores como característicos de
pessoas que sofrem dessa patologia:
família onde há uma preocupação
exagerada sobre alimentos (dieta da
mãe); sentimento de não ser querida por
um dos pais; rivalidade intensa com irmãos;
obstinação; limpeza escrupulosa;
reticência; retraimento; dificuldade em
fazer amigos; intenso afastamento da
sexualidade.


Papel principal desempenhado pelo desejo
primitivo de ter uma relação íntima com a
mãe e um anseio pelos conteúdos de seu
corpo, incluindo o pênis do pai e com ele a
relação excitante da mãe com o pai. Em
Margaret, isto levou às fantasias de
aprisionamento.
Esses pacientes não alcançaram uma
capacidade estável de tolerar a depressão
que surge do fato de que as potencialidades
para contrários coexistem em uma mesma
pessoa. Ex.: frustração e gratificação, amor e
ódio, vida e morte, etc.
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Anorexia Nervosa em uma adolescente