Revista HISTEDBR On-line
Artigo
TRABALHO INFORMAL EM TEMPOS “GLOBALIZACIONISTAS”
Ana Elizabeth Santos Alves - UESB1
e-mail: [email protected]
José Rubens Mascarenhas de Almeida – UESB2
e-mail: [email protected]
Por acaso, será honesto, a cada crise, deixar
morrer à míngua os trabalhadores, para
salvar os dividendos dos acionistas?3
Émile Zola
RESUMO:
O objetivo do artigo é refletir sobre o trabalho informal e a sua funcionalidade para a
acumulação do capital. Para ilustrar as análises destaca a feira livre, presente nas zonas
urbanas das cidades, como exemplo de espaço que estampa de forma bem evidente a
precarização do trabalho, o desemprego “oculto” e o comércio. Além disso, o texto mostra
que a realidade do trabalho informal é um fenômeno que se planetariza e avança para os
países centrais do capitalismo. Busca analisar essas questões a partir de discussões
pontuais a respeito da flexibilização do trabalho, do neoliberalismo e da empregabilidade.
Palavras-chave: Trabalho informal. Reestruturação Produtiva. Flexibilização.
Globalização. Transnacionalização.
INFORMAL WORK IN TIMES "GLOBALIZATION"
ABSTRACT:
This article aims at reflecting on the informal work and its functionality for capital
accumulation. In order to illustrate the analyses, it features the free market, present in the
urban areas of cities, as an example of a space which shows in a well evident way the
precarization of work, the “hidden” unemployment and the commerce. Besides, the text
shows that the reality of the informal work is a phenomenon which mondializes itself and
goes onto the central capitalist countries. It deals with analyzing these matters from
punctual discussions about the flexibilization of work, of neoliberalism and employability
Key-words: Informal work. Productive Reorganization. Flexibility. Globalization.
Transnationalization.
No Brasil, é visível nas cidades a presença de um grande número de pessoas
ocupadas em atividades precárias, por conta própria ou emprego assalariado sem carteira,
longe de quaisquer vínculos empregatícios formalizados e direitos trabalhistas. São
trabalhadores que lançam mão de diferentes tipos de artifícios individuais para assegurar a
sobrevivência. O espaço público onde essas relações podem ser detectadas num alto grau e
variedade é a feira livre na organização das cidades. A feira é um lugar de comércio e
sociabilidade que ajuda manter viva a cultura local, as tradições e as crenças. “Feira
significa festa” (SATO, 2007, p.4), e festa expressa manifestação cultural (na acepção
ampla da palavra). Além desse lado bucólico, comum a todo centro urbano, a feira é
também um lugar onde mostra uma diversidade de aspectos da realidade material da
sociedade como um todo.
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Assim entendendo, na atual conjuntura, as feiras estampam a precarização do
trabalho, o desemprego “oculto” e o comércio, inclusive de produtos contrabandeados.
Como mercado de trabalho, a feira organiza-se em rede de relações sociais, na qual se
misturam diferentes formas alternativas de ocupação: quitandas de propriedade de
feirantes, vendendo todo o tipo de produto (alimentos, roupas, utensílios domésticos,
remédios, objetos religiosos, etc.) e explorando mão-de-obra barata; ambulantes
(vendedores de refrigerante, de lanches, de rifas, de CDs e DVDs); estivadores (homens e
meninos), barracas de camelôs, etc.
Ao caminharmos pela feira livre da nossa cidade4, visualizamos a venda de
variados tipos de produtos, misturados a mercadorias right tech, dividindo o mesmo espaço
mercantil, convenientemente chamado pelos feirantes e pela população de “Feira do
Paraguai”. Apesar de todos os discursos monofônicos dos meios de comunicação afiliados
ao grande capital e das retóricas “pós-modernosas”, veiculados com veemência religiosa, o
que se observa é conseqüência da lógica daquilo que, historicamente, se convencionou
chamar de modernidade: miscelâneas expostas em locais precários, próximo a um receptor
de lixo, rodeado de humanos que se confundem com urubus (sobreviventes dos detritos a
fuçar seu almoço) e de carroças puxadas por burros, utilizadas como meio de transporte de
pequenas cargas (informam que foram incorporadas, como há cem anos, aos projetos de
saneamento básico: são coletoras de lixo na periferia desta cidade “globalizada”); vêem-se
produtos de primeiras necessidades (frutas, verduras, cereais...), produzidos sob um regime
semelhante ao de quinhentos anos atrás, o plantation5, sob bases análogas às da exploração
que marcou o período colonial, mas que, nos anos 1990, foi batizado com a pomposa
terminologia de agrobusiness; contempla-se a cultura pasteurizada nas bancas de camelôs,
produção em série (cor, tema, padrão, estilo, sons, imagens...) em produtos piratas
vendidos a céu aberto. São os filhos-frutos da racionalidade capitalista neoliberal:
trabalhadores informais, precarizados, subempregados e desempregados, que ocupam o seu
lugar nesse mundo “globalizado”, cuja definição remete a simetrias existentes somente no
mundo virtual e na retórica neoliberal das velhas e novas direitas políticas.
A visão concreta que se tem diante dos olhos testemunha relações características de
várias etapas da história da humanidade, a se entrecruzarem num microcosmo sóciogeoeconômico cuja conformação é contundentemente disforme. Relações tão antigas
quanto o comércio e o mercado e tão modernas (no sentido histórico) quanto a
financeirização econômica, o trabalho social precarizado e a guerra. Tão paradoxalmente
contemporâneas e modernas quanto as maravilhas tecnológicas de última geração,
fabricadas made in China ou Taiwan, com trabalho semi-escravo: transações comerciais,
creditícias e financeiras, consumo, lucro, especulação, precarização, pirataria, corrupção,
picaretagem... E mercadorias: ingredientes indispensáveis à acumulação, reprodução,6
concentração7 e centralização capitalistas global. Muito do que se vê antecedeu à
modernidade e, parte é constitutivo dela – principalmente nos aspectos que dizem respeito
ao imperialismo, por mais que os meios de comunicação, políticos e acadêmicos
‘informem’ (como é o caso de Hardt & Negri, 2001), não se tratar disto, mas de um
irreversível processo de “globalização” que está ao nosso redor, em nossa casa, em nosso
trabalho, em nosso cotidiano.
No Brasil, a realidade do trabalho precário e informal não é nova. Sempre existiu
um contingente numeroso de trabalhadores fora do mercado formal de trabalho, sem
nenhuma garantia trabalhista. As atividades desenvolvidas por esse grupo de trabalhadores
já eram estudadas nos anos 60 e 70 como próprias de países “subdesenvolvidos”. A
formação de um mundo do trabalho nos moldes clássicos sempre conviveu ao lado de uma
mão-de-obra “desqualificada”, trabalhando na informalidade. Estudos (BORGES, 2003;
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SILVA, 2002) mostram a convivência de um “núcleo duro” estruturado do mercado de
trabalho, formado por postos de trabalho e trabalhadores assalariados, ao lado de um
“segmento não-estruturado”, composto por trabalhadores informais, analfabetos ou de
baixo nível de escolaridade; fenômeno presente nas economias capitalistas da periferia do
sistema. As explicações desses estudos giravam em torno da subutilização estrutural da
capacidade de trabalho do “segmento não-estruturado”, como derivado do acelerado
crescimento dos centros urbanos e da migração da população rural, com conseqüente
ampliação das favelas, das atividades informais e da violência urbana, condenando esses
trabalhadores a uma situação de subemprego ou desemprego oculto.
Por outro ângulo, em uma abordagem marxista, pressupostos afirmam a
funcionalidade das formas “alternativas” de organização da produção (segmento nãoestruturado) e exploração do trabalho para a acumulação do capital, na medida em que o
“exército industrial de reserva” cumpre o papel do rebaixamento dos custos de produção da
força de trabalho. Nesse sentido, Oliveira (2006, p. 135) justifica o papel do “exército de
reserva” nos centros urbanos, ocupando atividades informais, como derivado da “relação
entre as formas de subsistência e o setor mais avançado do capital”, quando explica o
desenvolvimento capitalista pós-anos 1930 e a sua relação com o processo de acumulação.
Até os anos 80, essas atividades eram caracterizadas como parte do subdesenvolvimento e
poderia ser uma situação transitória para a formalização completa das relações salariais. O
trabalho assalariado tendia a se generalizar como forma de produção da riqueza.
Na atualidade, conforme observa Oliveira, as formas atuais de contratação de mãode-obra se distanciam da formalização completa das relações salariais, abrindo espaço para
o crescimento do trabalho informal a partir de uma suposta flexibilidade das relações de
trabalho, a exemplo das formas de terceirização (versão modernizada da subcontratação).
Com as inovações técnico-organizacionais e o aprofundamento da transnacionalização das
relações capitalistas, o trabalho informal se amplia e assume novas formas. A
desregulamentação das relações contratuais no mercado de trabalho contribuiu para o
aumento da insegurança no emprego e eliminação de postos de trabalho. As empresas
passam a reduzir o quadro de trabalhadores do chamado “núcleo duro”, contratando uma
força de trabalho temporária e autônoma.
Enquanto observamos a realidade do trabalho precário, a cada dia que passa se
ampliando no Brasil, a literatura vem apontando o avanço sistemático dessa condição nos
países desenvolvidos como um fenômeno que se globaliza, em que pese às especificidades
de cada lugar, a exemplo das análises elaboradas por Hirata e Preteceille (2002),
demonstrando o crescimento do trabalho “flexível” e precarizado na França e no Japão.
Aproximadamente, um terço dos trabalhadores no mundo “ou se encontra exercendo
trabalhos parciais, precários, temporários, ou já vivenciava a barbárie do desemprego. Mais
de um bilhão de homens e de mulheres padecem as vicissitudes do trabalho precarizado,
instável, temporário, terceirizado”. (ANTUNES, 2007, p.13).
As transformações ocorridas em âmbito mundial no final do século XX, no plano
econômico, político e social, afetaram o modo de vida e de trabalho de milhões de pessoas.
Presenciamos a “globalização” da lógica financeira, reestruturação produtiva no setor
industrial e de serviços, transformações geográficas da produção e das formas de gestão,
outra maneira de pensar o lugar do sujeito na organização. Um novo entendimento do
“espaço-tempo”, caracterizado pela rapidez, “efemeridade e descartabilidade sem limites
de tudo o que se produz e, principalmente, dos que produzem: os homens e mulheres que
vivem do trabalho” (THÉBAUD-MONY e DRUCK, 2007, p. 26).
A forma desse novo modo de vida e de trabalho, ou seja, um conjunto de mudanças
que se apóia na “flexibilização” dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos
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produtos e padrões de consumo, encontra explicações na tese da “acumulação flexível” de
Harvey (1993) e no modelo de gestão japonês. As empresas que, até então, se baseavam
em modelos de gestão fordistas, são levadas a se mobilizarem para ganhar espaço no
mercado competitivo com a adoção de novas formas de organização do trabalho. Surge,
então, daí, formas industriais totalmente inovadoras, ou são encontradas formas de integrar
a produção fordista a uma rede de subcontratação da força de trabalho, objetivando dar
uma maior flexibilidade à organização, potencializando o desemprego estrutural, ao
destruir/reconstruir os meios de trabalho através de “novas-velhas” formas de precarização.
Desde os anos 70 até a atualidade, o que caracterizou o mundo foi o encontro entre
a bonança econômica do capitalismo do pós-II Guerra e a crise estrutural que eclodiu
contundentemente e que se mostraria de longa duração. Encontram-se, simultaneamente,
nessa fase do desenvolvimento capitalista, expansão (aumento da mobilidade geográfica do
capitalismo, procedimento associado a mudanças na organização dos processos de
produção e troca) e estagnação, com destaque para a quebra dos acordos de Bretton
Woods8, para a crise monetária9 e energética, para a gênese e engendramento das políticas
neoliberais na periferia e no centro do sistema. Na América Latina, consolida-se o
predomínio do modelo industrial, marcado por uma interdependência no contexto do
imperialismo pós-II Guerra, e evidenciam-se, definitivamente, os limites estruturais do
Estado democrático-burguês; uma acentuada queda nos excedentes da produção apontou
para um decréscimo na capacidade estatal de atendimento das demandas sociais das
camadas médias e populares dos países da região; radicalizam-se as políticas estatais de
recomposição capitalista – papel destacado para a reestruturação produtiva.
Nesse contexto, o “novo” tipo de trabalho é baseado na polivalência e
multifuncionalidade do trabalhador, na produção “flexibilizada”, inspirada no modelo
japonês. A ideologia se apóia no discurso de formação de um “novo perfil do trabalhador”
flexível e criativo. A lógica é traçada à luz do conceito de “empregabilidade”. Cada
indivíduo é responsável por se dotar de estratégias de negociação de suas capacidades de
trabalho. É a busca do imediato e a valorização do fetiche do sucesso como resultado do
esforço individual, num cenário marcado pela falta de emprego. São fundamentos de uma
lógica de recomposição capitalista que se denomina de neoliberal.
O neoliberalismo é mais um movimento de internacionalização capitalista, levado a
cabo pela fração financeira da burguesia, instalada nos aparelhos de Estado, subordinado
às grandes corporações transnacionais, gigantescas associações monopolistas. Trata-se de
um fenômeno circunscrito, do ponto de vista histórico, ao fim da II Guerra Mundial; da
ótica econômico-financeira, como de recomposição sistêmica; e da esfera político-militar,
como de transição de um mundo multipolar para uma conformação unipolar - passando
por uma configuração bipolar (EUA/URSS), desde a segunda década do século XX até o
fim da Guerra Fria. Nesse contexto, registra-se uma crise mais geral no seio do
capitalismo, evidenciada desde o início dos anos 1970, que acabou impelindo o sistema a
forjar uma reestruturação tipificada nas adequações econômicas das políticas neoliberais,
sem que seus ajustes estruturais10 implicassem, tanto nas sociedades de economias
periféricas quanto nas centrais, uma ruptura em sua inter-relação e na relação com os
centros capitalistas.
No Brasil, a reestruturação produtiva desenvolveu-se no final da década de 80,
tendo como pano de fundo as políticas neoliberais, essencial instrumento para levar adiante
a desregulamentação da atividade econômica do capital, exaltando o mercado como única
garantia de liberdade da sociedade. As inovações na organização do processo de trabalho
aconteceram de forma mais acentuada na esfera da gestão organizacional inspirada no
modelo japonês, mais do que nas inovações tecnológicas. As empresas enxugaram o
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quadro de empregados (tanto de operários quanto de executivos) e reduziram os níveis
hierárquicos. Com a diminuição do quadro de pessoal, elas passaram a buscar novas
formas de se tornarem mais flexíveis e competitivas, passando a exigir dos trabalhadores
que continuaram empregados maior responsabilidade e participação no conjunto dos
objetivos e métodos da organização. A lógica da ‘flexibilização’ e desregulamentação do
mercado mostrou, na prática, seu objetivo de reduzir os custos do trabalho pelo
enxugamento dos quadros de pessoal, utilizando-se da mão-de-obra de operários com
vínculos empregatícios precários, trabalho autônomo, por tarefa, estágios e trabalho
domiciliar, inserindo transformações gerenciais e Programas de Qualidade Total.
A aplicação das políticas econômicas neoliberais efetuou mudanças significativas
nos aspectos jurídicos das relações de trabalho, dando garantias legais às empresas para
admitir e demitir trabalhadores de acordo com os seus interesses. Entre as principais
modificações no plano dos contratos estão, conforme Thébaud-Mony e Druck (2003, p.41):
o novo Contrato de trabalho por Tempo Determinado (1998); o novo
Contrato de Trabalho em Tempo Parcial (1998); o novo Contato de
Aprendizagem (2000); ampliação do uso do Trabalho temporário (1974),
que generalizou a sua utilização através de portaria (1996); a ampliação
do uso do Trabalho Estágio (1999), já utilizado desde 1977, e a lei que
possibilita às empresas a contratação de cooperativas profissionais ou de
prestação de serviços (1994), (...) a quebra de estabilidade do
funcionalismo público.
No setor bancário, por exemplo, a redução dos postos de trabalho é visível. Entre
março e dezembro de 1986, foram reduzidos 109 mil postos; entre 1994 e 1996, com a
implantação do Plano Real, reduziram-se 161 mil postos no setor (DIEESE, 2001, p.18). A
automação constituiu-se outro fator para redução dos empregos, já que a introdução de
novas tecnologias eliminou um grande número de tarefas que fazia parte do processo de
trabalho no setor. Várias atividades que, originalmente, eram desenvolvidas por bancários
agora são executadas por pessoas de empresas contratadas (ALVES, 2005, p 127).
O processo de seleção de funcionários pelos Programas de Demissão Voluntária
(PDV`s) demonstrou a nova realidade organizacional dos bancos públicos, que, por um
lado, procuraram reduzir o número de trabalhadores estáveis com maior tempo de serviço e
maiores salários e, por outro, contratou serviços de trabalhadores terceirizados, sem a
garantia do emprego. Os PDV’s e a adoção de normas regulamentares que autorizam os
gerentes gerais a demitirem, complementam o controle da mão-de-obra num momento em
que vem aumentando no mercado de trabalho os índices de desemprego, inclusive para o
pessoal mais qualificado.
Sennett (1999, p.110-112) ressalta que, nos programas de reengenharia das
empresas, os grupos de trabalhadores mais velhos são candidatos fáceis à demissão, por
várias razões como: a flexibilidade é sinônima de juventude, rigidez e agilidade; os
funcionários mais experientes tendem a ser mais questionadores; o conhecimento
acumulado deixa de ter valor se a empresa está em processo de mudanças; “a flexibilidade
dos mais jovens os torna mais maleáveis tanto em termos de assumir riscos quanto de
submissão imediata”; os funcionários mais experientes estão perdendo o emprego para
quem está disposto a fazer o mesmo trabalho por um salário mais baixo.
Essa lógica levou muitos ‘filhos’ dos PDV’s e desempregados estruturais do
sistema a manterem sua sobrevivência por meio da desobediência civil à legislação
(pirataria11), promovida pelos interesses daqueles que detêm a maioria das patentes das
tecnologias de ponta, ou seja, pelos donos do capital monopolista. Testemunha-se a
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violência que campeia todas essas relações, atestando que também ela é um tenebroso e
antigo agente econômico a serviço da acumulação.
Campanhas de demissão negociada diretamente entre empregadores e empregados
em vias de exoneração são levadas a cabo na América Latina desde os anos 1980. Sua
aplicação veio acompanhada da retórica da “Empresa de Responsabilidade Social” e do
sonho neoliberal alimentado pela fábula de que qualquer pessoa podia ser dona do seu
próprio negócio. Lima (2006, p.303) ao discutir o trabalho informal na atualidade,
chamando-o do “novo informal”, lembra a relação tênue entre “flexibilização do trabalho”
e precarização, nos tempos de “globalização” ou de aprofundamento da
transnacionalização das relações capitalistas. Observa-se o trabalho informal, histórico
sinônimo de precariedade, percebido agora também em sua positividade como trabalho
flexível, através do conceito de empreendedorismo, em contraposição aos limites do
trabalho assalariado. O “novo informal” passa a ser analisado como alternativa ao
desemprego estrutural e como uma saída individual para os trabalhadores com maior nível
de qualificação e escolaridade. Essa realidade pode ser visualizada nos “novos contratos
atípicos” de trabalho, segundo o autor, evidenciado, por exemplo, na ampliação dos grupos
de trabalhadores que exercem atividades nos serviços de informática e atuam fora de
qualquer formalidade, convivendo ao lado das antigas modalidades do trabalho informal.
O sentido positivo da ampliação de formas mais flexíveis de trabalho, aliado à
desregulamentação de direitos trabalhistas, alimentou o discurso ideológico do
“empreendedorismo”, generalizando a mística de que todo indivíduo pode se tornar
“patrão” pelo seu próprio esforço, como alternativa ao desemprego, ao lado do conceito de
empregabilidade, definida como o caminho para a saída do desemprego. A valorização de
uma cultura individualista e empreendedora disseminada pela mídia, governos e
intelectuais invadiu a vida dos trabalhadores.
Como afirma Silva (2002, p. 101) o par “empregabilidade/empreendedorismo
aponta para novos modos de exploração capitalista, cuja característica mais fundamental é
a individualização, aliada à subjetivação dos controles que organizam a vida material.” A
‘flexibilização’ das relações de trabalho incentiva a individualidade, recomenda que o
indivíduo deva munir de um conjunto de atributos subjetivos para se adaptar às mudanças
do sistema produtivo, tais como: capacidade de iniciativa, comunicação, disponibilidade
para a inovação e mudança, assimilação de novos valores de qualidade, produtividade e
competitividade, no sentido de formar o indivíduo empreendedor (“os empreendedores são
pessoas que, com muito pouco ou mesmo a partir do nada, conseguem realizar planos
ambiciosos” 12), apto a aprender as habilidades necessárias e se adaptar a novas situações
para ter empregabilidade13.
É a “nova” cultura do trabalho, como dito anteriormente, apoiada na
‘flexibilização’ e na exigência da multifuncionalidade do trabalhador para ser competitivo
e ter autonomia profissional, cujo caminho é o incentivo e a expansão de formas
individualistas de trabalho. Conceitos ideológicos que mascaram a destruição dos direitos
da grande maioria dos trabalhadores e o mercado como parâmetro das relações sociais. O
resultado advindo desse processo foi, concretamente, o crescimento do desemprego e da
precarização do trabalho. A pesquisa realizada por Gonçalves (2004) é ilustrativa quando
mostra o caso de bancários que resolveram investir todas as suas economias em negócio
próprio. Não é preciso dizer que a maioria fracassou, tendo que recorrer a qualquer tipo de
atividade econômica para garantir a sobrevivência. Antunes (2007, p. 16) constata que “se,
no passado recente, só marginalmente nossa classe trabalhadora presenciava níveis de
informalidade, em 2007 mais de 50% dela se encontra nessa condição”. As formas
precárias de trabalho – legais ou ilegais – estão presentes nos principais centros urbanos da
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periferia capitalista e são usadas como parâmetro para assegurar a flexibilização: contratos
temporários e subcontratação de serviços de terceiros são parte do crescente fenômeno da
“informalização” do trabalho. (THÉBAUD-MONY e DRUCK, 2007).
Nas mãos do capital transnacionalizado está centralizado o monopólio da ciência e
da tecnologia e das redes de informação orientadas para controlar a produtividade e liberar
mão-de-obra. O avanço tecnológico e organizacional alcançado contribui para aumentar a
produtividade da economia, favorecendo sua acumulação e centralização, tendo o capital
investido minimamente em força de trabalho. Na divisão internacional do trabalho, os
países imperialistas, por meio das suas empresas multi/transnacionais, deslocam produção
e recursos de acordo com os seus interesses de acumulação. A tendência acumulativa do
momento é a da especulação financeira, embora já dê sinais de estafa, evidenciada pelo
agravamento da crise atual.
O progresso técnico aplicado à forma de acumulação financeira permite a um grupo
cada vez mais seleto de capitalistas obter altos ganhos por meio de informações
privilegiadas, sem utilizar, em termos absolutos, de mão-de-obra. Por outro lado, o
incremento da composição técnica do capital amplia a utilização do trabalho morto e reduz
o uso de trabalhadores estáveis, combinado com uma grande massa de trabalhadores
informais, como explica Oliveira (2006, p.135).
Avassalada pela Terceira Revolução Industrial, ou molecular-digital, em
combinação com o movimento da mundialização do capital, a
produtividade do trabalho dá um salto mortal em direção à plenitude do
trabalho abstrato. Em sua dupla constituição, as formas concretas e a
“essência” abstrata, o consumo das forças de trabalho vivas encontrava
obstáculos, a porosidade entre o tempo de trabalho total e o tempo de
trabalho da produção. Todo o crescimento da produtividade do trabalho é
a luta do capital para encurtar a distância entre essas duas grandezas.
Teoricamente, trata-se de transformar todo o tempo de trabalho em
trabalho não-pago; parece coisa de feitiçaria, e é o fetiche em sua
máxima expressão. Aqui, fundem-se mais-valia absoluta e relativa: na
sua forma absoluta, o trabalho informal não produz mais do que uma
reposição constante, por produto, do que seria o salário; e o capital usa
o trabalhador somente quando necessita dele; na forma relativa, é o
avanço da produtividade do trabalho nos setores hard da acumulação
molecular digital que permite a utilização do trabalho informal. (Grifo
nosso).
Esse processo abre espaço para um grupo de trabalhadores informais que dominam
a informática e desenvolvem trabalhos em residência, com comunicação em tempo real via
internet com a empresa, alargando o leque de alternativas ocupacionais. Amplia-se, em
escala nunca dantes vista no desenvolvimento capitalista, um tipo de gestão da produção
descentralizada, “flexível”, decorrente da acumulação de mais-valia via progresso técnico,
direcionada para diminuir os custos da empresa e aumentar a produtividade. E, ao mesmo
tempo, cria-se um tipo de “trabalho abstrato virtual” (OLIVEIRA, 2006, p. 138), podendo
ser ilustrado no caso do sistema on line dos bancos o oferecimento de serviços por meio da
internet 24 horas por dia, sem necessitar do trabalho de funcionários, quando alguém, de
dentro de sua casa ou num terminal bancário em qualquer parte do país ou do exterior faz o
trabalho por ele.
Observa-se, portanto, que as mudanças operadas no mundo do trabalho por meio da
flexibilização mostram que o capitalismo cria novas - e recria antigas - formas de
exploração a serviço da acumulação. Na atual conjuntura de crise capitalista – intensificada
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nos anos 1970 até os dias atuais - a diminuição dos custos do trabalho, reforçando as
formas de trabalho precário é a ‘alternativa’ ensejada.
Voltando o nosso olhar para as feiras livres, tendo como objeto a “Feira do
Paraguai” de nossa cidade, notamos a convivência de fragmentos de organização sócioeconômica e cultural de várias etapas da história da humanidade, também a materialização
de variados tipos de trabalhos em estado precarizado. Tomando o emblemático exemplo da
atividade dos vendedores ambulantes e dos barraqueiros de produtos importados do
Paraguai, destacamos duas visões diametralmente opostas. Por um lado, a ocupação de
ambulante é vista sob um prisma que enxerga na atividade uma precarização das mais
degradantes, chegando a uma condição muito próxima à da economia subterrânea, a qual
envolve o tráfico de drogas ou correlatos (TAVARES, 2004). Conforme essa ótica, o
ambulante só tem a sua força de trabalho para vender e, para sobreviver, não a vende para
o capital: “o fato de estarem no circuito do mercado não significa que são trabalhadores do
capital” (idem, p. 153) e, portanto, em princípio parece ser um tipo de trabalho que não
interessa ao capital, uma vez que não é considerado trabalho produtivo e nem
improdutivo14. A sua importância está na realização do valor das mercadorias; o ambulante
oferece todo tipo de produto. No entanto, se as mercadorias são produtos do capital e a
realização delas se faz por meio da circulação, como separar produção e circulação do
processo de realização da mais-valia?
Oliveira (2006, p.140) aproxima-se mais da concretude das relações que perpassam
esta atividade econômica, ao lembrar que os vendedores ambulantes de refrigerante em
qualquer lugar vêem o aumento da produtividade do seu trabalho graças à preocupação das
indústrias em produzir segundo a filosofia do modelo Japonês (jus-in-time). A realização
do valor das mercadorias e a forma do trabalho dos vendedores são “primitivas”; isto não
importa, o que vale é o uso da força de trabalho para garantir o ciclo de reprodução do
capital por meio da acumulação “molecular-digital”.15
Outro elemento a ser destacado para analisar as atividades acima elencadas é o
tempo de trabalho. Este, na organização do mercado formal pode ser compreendido pelas
explicações dadas por MARX (1985), quando analisa a relação que se estabelece entre o
capitalista e o trabalhador na compra e venda da força de trabalho.
O valor da força de trabalho, como o de toda mercadoria, é determinado
pelo tempo de trabalho necessário à produção, portanto também
reprodução, desse artigo específico. (...). Para sua manutenção o
indivíduo vivo precisa de certa soma de meios de subsistência. O tempo
de trabalho necessário à produção da força de trabalho corresponde,
portanto, ao tempo de trabalho necessário à produção desses meios de
subsistência ou o valor da força de trabalho é o valor dos meios de
subsistência necessários à manutenção do seu possuidor. A força de
trabalho só se realiza, no entanto, mediante sua exteriorização, ela só se
aciona no trabalho (MARX, 1985, p.141).
Dadas essas condições, no instante em que o trabalhador vende a sua força de
trabalho para a sua reprodução, para a sua subsistência, ele também produz trabalho
excedente. O trabalho despendido pelo trabalhador que não cria valor é definido por Marx
como tempo de trabalho excedente: mais-trabalho. Essa capacidade de produzir excedente
de trabalho é revertida pelos capitalistas a seu favor, pelo controle da força de trabalho
aumentando a sua produtividade.
No trabalho informal o tempo despendido pelo trabalhador é determinante para a
sua sobrevivência e reprodução. Desse modo, e neste sentido, tem razão Tavares (2004,
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p.109) quando argumenta que, “dadas as condições técnicas menos desenvolvidas que o
trabalho se realiza, produzir um quantum suficiente para realizar suas trocas no mercado
implica a necessidade de um volume maior” de trabalho. Ou seja, se por alguma razão
deixar de trabalhar um dia, terá que produzir dobrado no dia seguinte. Por este raciocínio, o
tempo de trabalho não-pago (tempo do não-trabalho do ponto de vista do trabalho
assalariado) é apropriado pelo capital no intuito de completar o seu ciclo de reprodução. A
expansão desse tipo de trabalho é fruto do aumento do número de desempregados oriundos
da atual configuração de crise capitalista, traduzida na recomposição neoliberal, que veio
disponibilizar um alto contingente de força de trabalho que, “sobrante”, abriu
possibilidades para o ressurgimento de formas arcaicas de exploração, tais como empresas
familiares, trabalho domiciliar, sem garantias legais, etc., permitindo a extração do
sobretrabalho na sua forma absoluta. Portanto, trabalho utilizado indiretamente, pelo
capital monopolista, como elemento de extensão do processo de realização do lucro, sem
os custos que teria caso tal realização se desse nos parâmetros formais.
O “trabalhador informal” é, portanto, um operário que, uma vez demitido de seu
posto no mercado formal de trabalho, passa à condição de “subcontratado”. O resultado
desta operação, para o capital monopólico, é a elevação da sua taxa de lucro, ao passo que,
para o trabalhador (a), é a queda do seu nível de renda.
Nesse sentido, a ocupação de vendedor de produtos industrializados (inclusive
piratas: brinquedos, eletro-eletrônicos, etc.) contrabandeados do Paraguai, em barraquinhas
(camelôs) trata-se de uma força de trabalho por conta própria ou de empregados sem
vínculo. É uma atividade precária, incerta, suscetível ao risco da fiscalização que, em
determinadas ocasiões resolve controlar o fluxo de mercadorias, principalmente quando
busca proteger os interesses de indústrias nacionais ou do capital monopólico internacional
dono de patentes e marcas. São formas de organização do trabalho desenvolvidas pelos
sujeitos no intuito de superar as dificuldades de sobrevivência, ao mesmo tempo em que
contribuem para a reprodução do capital.
A precarização, longe de quebrar a rede rotineira de acumulação via realização da
mercadoria - ou seja, nos moldes tradicionais -, realiza utilizando-se de formas não
propriamente capitalistas de trabalho, permitindo dar continuidade ao ciclo cumulativo das
relações capitalistas no todo, ou seja, em escala ampliada. Não à-toa a maioria das
mercadorias ali vendidas por esses comerciantes são artigos de plataformas produtivas –
principalmente da China e Taiwan – com mão-de-obra semi-escrava (portanto não
capitalista), por empresas que desterritorializam a produção em busca de níveis mais
rebaixados de remuneração da força de trabalho.
As relações descritas no cenário aqui evocado estão presentes em qualquer lugar
por onde se espraiaram as relações capitalistas, em distintos graus, formas e intensidade.
Talvez, não na totalidade dos seus elementos, na pujança, no alcance e em tamanha
magnitude com que se mostram na contemporaneidade. Assim, a realização da mais-valia
sob as formas adversas concretizadas na “Feira do Paraguai” combina com a forma na qual
é produzida, consumando a sanha acumulativa do sistema.
Mirando o atual quadro de acumulação e centralização capitalista, vê-se que ele é
deturpado pela invenção “globalizacionista”, tipificada nas adequações econômicas das
políticas neoliberais, de caráter predominantemente financeiro, sobre a organização do
trabalho. O “globalizacionismo” trata-se de uma tendência do discurso ideológico dos
intelectuais burgueses, ilustrado pela dissonância entre os estratosféricos números
macroeconômicos mundiais e o crescimento real da economia16, marcado pelo
descompromisso com o bem-estar social. Outra sua característica é a compreensão do todo
de forma a dissociar a questão social da econômica, o que nos cobra uma abordagem que
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constitua um elo entre a reestruturação econômico-produtiva e seu vínculo com o
ajustamento social.
É nesse sentido que se entende que o cenário evidenciado aponta para uma crise
capitalista de múltiplas dimensões: econômica (caracterizada por uma desaceleração no
crescimento baseado na tradicional dinâmica de reprodução ampliada17 via realização da
mercadoria); social, de conflitos intra e interclasses, num processo de profunda
concentração/centralização econômica; e política, caracterizada pela recusa interminável
contra a submissão estadunidense (e, por extensão, do grande capital transnacionalizado),
entendida por alguns como “antiamericanismo”, mas que evidencia uma resistência
antiimperialista, e, em alguns casos, à própria essência capitalista.
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1
Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB e pesquisadora do grupo de estudos
História, Trabalho e Educação do Museu Pedagógico da UESB.
2
Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, pesquisador do Neils/PUCSP e do
Museu Pedagógico da UESB.
3 ZOLA, Émile. Germinal. São Paulo: Círculo do Livro, 1996. p. 197.
4
Cidade do interior da Bahia.
5 Organização da produção agro-exportadora em larga escala voltada para o mercado externo, utilizando mãode-obra escrava, grandes unidades produtivas (latifúndio) e o regime de monocultura. A aproximação aqui é
meio tosca, mas refere-se à manutenção – e reprodução - dos traços gerais do plantation colonizador através do
agronegócio. Aliás, este termo constitui elemento do discurso ideológico surgido nos EUA em meados do
século XX e difundido na América Latina na década de 1990 com o intuito de formatar uma imagem
“moderna” da agricultura capitalista, que já se encontrava desgastada. No agronegócio, a mão-de-obra escrava
ou servil foi substituída pela assalariada em condições muito semelhantes ao plantation onde o status jurídico é
a diferença palpável. Acerca ver SADER Emir et alli (orgs.). Enciclopédia contemporânea da América Latina e
do Caribe. São Paulo, Boitempo, 2006.
6 O processo de produção é entendido aqui sob a ótica marxiana, ou seja, como uma combinação de trabalho e
valor, ao passo que a reprodução compreende a produção mais a criação de condições pelas quais ela continue a
ocorrer. Em outras palavras, processo empreendido pelo capital determinante de um novo ciclo de produção. A
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reprodução pode ser simples (quando o novo ciclo é encetado com o mesmo valor com que iniciou o ciclo
anterior), ou ampliada (quando o novo ciclo começa com um valor acima do que iniciou o ciclo anterior).
7 Aumento de valor do capital em toda empresa capitalista em conseqüência da acumulação e da concorrência
(eliminação dos capitalistas menores e mais fracos). Na concepção de Lênin (1986), a livre concorrência
engendra a concentração da produção que, por sua vez, em certo grau de evolução, conduz ao monopólio.
8 Encontro realizado entre os dias 1º e 22 de julho de 1944, reunindo 730 delegados de 44 países do mundo
então em guerra, em Bretton Woods, no Estado de New Hampshire, EUA. Foi uma espécie de pré-ONU onde
se discutiu o que deveria ser a “Nova Ordem Econômica Mundial” no que se referia à questão da estabilidade
financeira a nível planetário. O resultado foi a criação dos dois motores da ordem financeira: o FMI e o BM (á
época, Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)). Conferência que, para Galbraith
(1983, p.224), não foi entre nações, mas de nações com Keynes.
9 O quadro de crise em que imergia o capitalismo mundial mostrava certo cansaço do modelo constituído em
Bretton Woods. Nos EUA, o déficit do balanço de pagamentos e de investimentos externos, a quantidade de
dólares que espalhou pelo mundo para custear suas aventuras militares, a queda nas suas reservas de ouro e o
aumento contínuo das suas dívidas, resultaram numa insegurança internacional nos negócios que levou a uma
corrida por converter dólares em moedas mais seguras então (o iene, o marco e o franco suíço). Em 1971,
Richard Nixon desvalorizou o dólar, dando um grande calote nos investidores internacionais e congelou preços
e salários, jogando a crise nas costas dos trabalhadores. Nesse ínterim, as economias japonesa e alemã passaram
a competir em pé de igualdade e, em certos setores, superaram a estadunidense (LENS, 2006, p. 628-629).
10 Conjunto de profundas reformas político-econômicas aplicadas nos países periféricos do sistema capitalista,
durante a década de 1980, levado a cabo pelo FMI e pelo Banco Mundial, como condicionamento do acesso a
novos empréstimos por parte das instituições multilaterais.
11 Assinala-se aqui que o que denominam de “pirataria” faz parte da demanda efetiva global, sendo computada
nas estatísticas que registram renda e emprego, representando parte do bem-estar social e possibilidades de
crescimento de significativa parcela da população economicamente ativa.
12
Frase do artigo “Como fazer uma empresa de sucesso partindo do nada” Disponível em:
www.endeavor.org.br. Acessado em 20/10/2008.
13
Empregabilidade refere-se às condições subjetivas de inserção e permanência dos sujeitos no mercado de
trabalho, e, também, às estratégias de valorização e negociação de sua capacidade. Tem sido ponto de
referência de várias políticas educacionais de formação profissional e discursos de empresários “sobretudo,
quando centra nos indivíduos, a responsabilidade de sua integração no mercado de trabalho” (idem),
relacionando-o ao emprego/desemprego e dispositivos de formação (EVANGELISTA & MACHADO, 2000,
141). Descolada das instituições formais e da experiência adquirida no trabalho, a empregabilidade dá maior
peso aos aspectos pessoais e disposições subjetivas: atitudes e características de personalidade, elementos
menos mensuráveis objetivamente (PAIVA, 2000). Observa-se, portanto, que a noção de “empregabilidade”
se caracteriza como um conceito que transfere da empresa e do governo a responsabilidade pelo emprego e o
desemprego, para os sujeitos individuais.
14
Para Marx (1978, p. 70-72) trabalho produtivo é aquele que emprega a força de trabalho e diretamente
produz mais-valia. É o trabalho consumido diretamente no processo de produção com vistas à valorização do
capital, o trabalho que se realiza concretamente em mercadoria. O trabalho improdutivo é aquele que se
compra como valor de uso, como serviço, não como trabalho que gera valor de troca. Na sociedade
“molecular –digital” trabalho produtivo e improdutivo se confundem.
15
De acordo com Oliveira (apud Frigotto, 2002, p. 34-35) “a massa de capital fictício e especulativo
configura um movimento de passagem de uma sociedade jurídico-política em direção à sociedade moleculardigital. Este movimento afeta, em última análise, a base fundamental da forma capitalista de relações sociais
– a propriedade privada. O processo invisível por excelência é o capital fictício, que viaja em tempo realdigital de um para outro mundo, e viaja em moléculas, que é o próprio dinheiro, não necessitando fixar-se em
unidades físicas. Mesmo quando se fixa em unidades industriais, o que preside a ordem desta fixação é o
caráter fictício do capital dinheiro, ao contrário da sociedade do conflito, em que o capital-dinheiro só existe
depois de construir a força do trabalho vivo. A sociedade da ordem jurídico-política é fundada na propriedade
tangível, enquanto na sociedade molecular-digital a regra é o intangível, o invisível”. A nosso ver, nessa
aparente transição de ordem social centra-se a real contradição do capitalismo que explode na atual crise
sistêmica.
16 Aqui entendido o crescimento (ou desenvolvimento) econômico no sentido aludido por Baran (1984:47),
que concebe esta categoria como relacionada a um aumento, ao longo do tempo, da produção per capita – para
além do sentido burguês do termo atualmente - de bens materiais.
17 No sentido capitalista, este processo é caracterizado pelo crescimento do capital por meio de capitalização
progressiva da mais-valia. Marx a expressava como “acumulação de capital” num contexto em que a mais-valia
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já não é consumida totalmente pelos capitalistas, mas dividida entre três esferas, sejam: a parte consumida por
estes; a parte que se acrescenta ao capital constante (meios empregados para a produção, constando do capital
fixo e circulante: máquinas, imóveis, matérias-primas, mercadorias...); e uma terceira acrescentada ao capital
variável (trabalho vivo, calculado como a soma de salários pagos pela exploração da força de trabalho). (Acerca
ver SWEEZY, 1983, p.75-76 e 129-151). A reprodução ampliada do capital equivale à capitalização da maisvalia anteriormente realizada. Aqui estas expressões se alternam, mas sem perder de vista este significado.
Artigo recebido em: 20/11/2008
Aprovado para publicação em: 03/12/2008
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