Palestra em Belém do Pará 11/11/01 Palestra: O ESTATUTO DA CIDADE E A QUESTÃO URBANA BRASILEIRA Todos sabemos que somos um país das leis que “pegam e das que não pegam”. Será que o Estatuto “vai pegar”? Será que o princípio da função social da cidade e da propriedade privada da terra efetivamente irão resultar na adoção pelas prefeituras de um novo padrão de política urbana fundado na justiça distributiva? Responder a estas questões implica em refletir sobre os desafios políticos e intelectuais a serem enfrentados na adoção do Estatuto da Cidade decorrentes das transformações da questão urbana brasileira neste quadro mudanças que atravessamos nas quais observamos: (i)a emergência de novas forças e novos atores reivindicando a integração no que chamamos “poder urbano corporativo”, (ii)ao mesmo tempo em que as conseqüências sociopoliticas e sócioterritoriais da globalização e a reestruturação produtiva destituem amplas parcelas da população da capacidade de constituírem-se em atores da política local e, (iii)enquanto um novo ambiente intelectual-político legitima um discurso público hostil a políticas urbanas redistributivas. Trataremos neste texto destas questões e de suas implicações para a implementação do Estatuto da Cidade. O Estatuto da Cidade e a Reforma Urbana Antes, porém, são necessários dois preâmbulos. O primeiro de caráter histórico. O debate sobre a cidade e a questão distributiva da sociedade brasileira inicia-se com a realização do famoso seminário “Habitação e Reforma Urbana” realizado em 1964, como parte integrante do programa de “reformas de base”, consideradas como instrumentos fundamentais para o desenvolvimento econômico nacional. As reformas agrárias e urbanas teriam impactos na melhoria das condições de vida da população brasileira e, ao mesmo tempo, permitiriam o alargamento do mercado interno. Esta discussão ficou adormecida na sociedade brasileira durante o longo período que durou o regime autoritário, que não apenas abandona o tema das reformas como impulsiona a consolidação do Palestra em Belém do Pará 11/11/01 modelo concentrador de renda, riqueza e poder que orientava a nossa industrialização. As primeiras notícias do que hoje chamamos de Estatuto da Cidade datam de 1976, quando vazou para a imprensa a existência de um “anteprojeto de desenvolvimento urbano” elaborado pela antiga Comissão de Política Urbana- CNPU do Ministério do Interior, com ajuda e apoio de técnicos e consultores. Esta notícia suscitou manchetes alarmistas em alguns jornais e semanários da época, um dos quais chamava a atenção do leitor para o fato do governo militar pretender “socializar o solo urbano”. O tratamento dado pela imprensa ao anteprojeto não deixava de ser intrigante e paradoxal, já que atribuía às elites autoritárias, imbricadas com as oligarquias regionais e locais que tradicionalmente viviam da riqueza patrimonial, intenções que implicavam em regular uma das fontes de ganhos patrimoniais: o solo urbano. O clima criado com as críticas alarmistas feitas nos jornais foi responsável pelo aborto do anteprojeto, jamais transformado em proposição de lei. Posteriormente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil- CNBB lançou o “solo urbano” como tema da Campanha da Fraternidade, na qual argumentava a necessidade de um controle público sobre o mercado imobiliário e como caminho para o enfrentamento das desigualdades das condições urbanas de vida. A iniciativa da CNBB suscitou a retomada da mobilização de liderança de movimentos sociais e de técnicos progressistas em torno da questão urbana e sua relação com o tema da justiça social, ativando um debate sobre a necessidade de uma política nacional de desenvolvimento urbano capaz de resolver a carências das cidades em matéria de serviços coletivos e de coibir a tolerância e permissividade com o poder público tratava a especulação mobiliária. A campanha eleitoral para governador de 1981 traz novo fermento a este debate. A sociedade brasileira se mobilizou intensamente para as primeiras eleições para governador e no Rio de Janeiro ocorreu a surpreendente vitória de Leonel Brizola, que recém retornado ao país entra na campanha com não mais de 5% das preferências do eleitorado. A sua eleição é percebida como ameaça ao projeto de transição controlada (“distensão política”) pretendida pela ala moderado dos militares, tendo como seu principal artífice o Golbery de Couto e Silva. Brizola centra sua campanha na proposta “Cada Família Um Lote”, Palestra em Belém do Pará 11/11/01 apresentado como um programa de reforma urbana através do qual o seu governo pretendia assentar cerca de 1 milhão de famílias nos lotes vazios existentes na região metropolitana, frutos do laissez-faire do processo especulativo de loteamento periférico ocorrido desde os anos 40. A percepção de que a questão urbana pudesse empolgar as camadas populares em torno de lideranças da oposição ao regime autoritário faz com o governo militar decida tomar a iniciativa e “desengavete” aquele antigo ante-projeto e o transforme em projeto de lei de desenvolvimento urbano. No entanto, como é sabido de todos os iniciados na matéria, a tramitação do projeto no congresso nacional foi longo e tortuoso, no que resultou em sucessivas emendas e substitutivos. O traço marcante deste processo é o fato da questão urbana não parecer galvanizar a mobilização parlamentar em uma vontade política, não obstante as intensas e constantes mobilizações de lideranças sociais, instituições profissionais, técnicos progressistas, etc. As razões das vicissitudes da tramitação parlamentar do projeto de lei de desenvolvimento urbano não estão esclarecidas. Podemos supor, porém, que além da ação de lobbies contrários à regulação do uso e ocupação do solo urbano, também tenham atuado o fato da questão urbana não constituir um segmento políticoeleitoral claro como clientela interessada na sua equação, embora a sua importância nacional e social. O Estatuto da Cidade foi finalmente colocado na pauta de discussão e deliberação do Congresso por iniciativa da bancada de sustentação do governo e da bancada de oposição e aprovada por votação simbólica no colégio de líderes. Todo este complicado processo da formulação desta proposta suscitou nos anos 80 a emergência de uma proposta de reforma urbana, associada à retomada dos ideais reformistas dos anos 60, cujo centro é a instauração de um sistema de proteção social universalista e redistributivo. Um dos seus principais eixos é o projeto de reforma urbana, elaborado a partir de um amplo espectro de forças, articuladas em torno de um corpo de intelectuais reformistas1. Partindo da concepção do espaço como arena 1 Quando tomamos os dados sobre a criação do Movimento da Reforma Urbana, encontramos indícios nítidos da presença deste corpo técnico reformista. Assim, na constituição do Forum Nacional da Reforma Urbana estão presentes importantes segmentos da pesquisa na área urbana: ANPUR, Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo, ANSUR, POLIS, FAU-USP. Do I Forum participaram 11 técnicos, 11 ONG's, 10 instituições de pesquisa acadêmica e 7 entidades populares. Na análise dos processos de formação e implementação das políticas públicas vários autores têm destacado a importância do papel deste corpo Palestra em Belém do Pará 11/11/01 onde se defrontam interesses diferenciados em luta pela apropriação privada dos benefícios em termos de rendas e ganhos gerados pela ocupação do solo da cidade, o projeto de reforma urbana tem como objetivo central a instituição de um novo padrão de política pública, fundado nas seguintes orientações: a) instituição da gestão democrática da cidade, com a finalidade de ampliar o espaço de exercício da cidadania e aumentar a eficácia/eficiência da ação governamental; b) fortalecimento da regulação pública do uso solo urbano, com a introdução de novos instrumentos (solo criado, imposto progressivo sobre a propriedade, usucapião especial urbano, etc) de política fundiária que garantam o funcionamento do mercado de terras condizente com os princípios da função social da propriedade imobiliária e da justa distribuição dos custos e benefícios da urbanização; c) inversão de prioridades no tocante à política de investimentos urbanos que favoreça às necessidades coletivas de consumo das camadas populares, submetidas a uma situação de extrema desigualdade social em razão da espoliação urbana. As mudanças do quadro social geradas pelo aprofundamento da crise econômica, assim como pela globalização e reestruturação produtiva em curso, está redefinindo a natureza da questão urbana no Brasil e colocando novos desafios ao projeto das cidades. O surgimento de uma pobreza essencialmente urbana, os indícios de fragmentação do tecido social, a expansão da ilegalidade na cidade e a crise fiscal do Estado são, com efeito, alguns dos novos problemas cujo tratamento poderá exigir a avaliação crítica dos pressupostos teóricos do projeto da reforma urbana. É nesse debate que nos situamos. Esta digressão nos serve para evidenciar que O Estatuto da Cidade é produto de um longo processo de intelectual-político de elaboração da questão urbana no Brasil como resultado da chamada técnico internos e externos à burocracia púbica. Ver Melo (1993) e e Marques (1993). Palestra em Belém do Pará 11/11/01 questão distribuição do renda, da riqueza e do poder na sociedade brasileira. Ele contém dois modelos de políticas urbanas. O primeiro, é redistributivo e regulatório na medida em que pretende capturar parte da renda real gerada pela expansão urbana para financiar a ação pública que igualize as condições habitacionais e urbanas da cidade e regulatório por pretender submeter o uso e a ocupação do solo urbano, vale dizer, a valorização da terra aos imperativos das necessidades coletivas. Este modelo está expresso no princípio da função social da propriedade na regulação dos mecanismos de produção e do uso da cidade. Está também expresso nos instrumentos de “solo criado”, IPTU progressivo, etc. também expressam esta modalidade de política. Este modelo redistributivo e regulatório implica em ações conflituosas já que intervém nos interesses econômicos e patrimoniais que historicamente comandam a política urbana no Brasil. O segundo modelo é distributivo. Tem a ver a provisão de serviços habitacionais e urbanos direta ou indiretamente pelo poder público: regularização fundiária, urbanização de favelas, usocapião espacial urbano, urbanização das favelas, etc. Estas constatações nos servirão para a reflexão sobre os interesses que poderão sustentar politicamente a aplicação do Estatuto da Cidade. As intervenções distributivas serão muito provavelmente apoiadas por todas as forças , já que, de um lado, os políticos vêm nelas um poderoso mecanismo de consolidação e ampliação de suas bases eleitoriais e, por outro lado, não intervêm nos interesses econômicos e patrimoniais. Já as ações redistributivas intervêm na correlação de forças existentes em cada cidade organiza os interesses constituídos em torno da apropriação dos ganhos com o uso e a ocupação do solo urbano, com a construção da infraestrutura e os equipamentos urbanos e a concessão dos serviços coletivos. Política de Demanda e Política de Oferta É ainda necessário fazer um segundo preâmbulo. Este de natureza teórica, que no servirá para empreender uma reflexão sobre os desafios do Estatuto da Cidade no plano da disputa intelectual e ideológica. O Palestra em Belém do Pará 11/11/01 planejamento público é filho direto do surgimento do Estado de BemEstar Social no desenvolvimento do capitalismo depois da Segunda guerra mundial. Ele tornou-se necessário em razão do papel do fundo público na fase monopolista, como o mecanismo pelo qual o Estado passa a prover as condições não-capitalistas da acumulação do capital e da reprodução social. Estamos nos ferindo aqui ao surgimento e crescimento de um sistema público de produção e gestão da infra-estrutura, dos equipamentos coletivos e dos serviços urbanos cujo papel foi o aumento da produtividade do trabalho, aceleração da acumulação do capital, aumento da rentabilidade dos investimento, ao mesmo tempo, em que melhorou as condições de vida do conjunto da população. O fundo público fez surgiu nas sociedade capitalistas uma forma de riqueza social que se diferencia do capital por produzida e distribuída segundo as necessidades sociais legitimadas socialmente. Como muito bem formulou Francisco de Oliveira, trata-se de um anti-valor que funciona a serviço da produção, circulação e crescimento do valor. Todo o aparato de planejamento está então voltado para mensurar o uso de uma parte do valor que perdeu a referência da sua existência, ou seja, o próprio valor, mas que deve funcionar para sustentar a produção do mais-valor. A tarefa do planejamento público passa ser tentar ligar o anti-valor com o valor. O ponto nevrálgico desta questão é a relação que se estabelece entre público-privado. Através do planejamento, o Estado passou a regular não apenas o mercado mas também compatibilizar as necessidades coletivas da reprodução (do capital como totalidade e da população) com os imperativos da acumulação privada. O sociólogo alemão Claus Offe chegou a falar em “abolição do mercado” como resultado da expansão da atividade planejadora do Estado. Esta expressão sublinha o caráter não-mercantil de um vasto conjunto de serviços prestados pelo Estado …………………… A harmonia entre valor e anti-valor nas sociedades capitalistas foi constantemente abalada pelo avanço da luta de classes que fez avançar em momentos históricos a legitimação de necessidades sociais de consumo para além das necessidades da reprodução ampliada do capital. Por outro lado, o Estado Planejador adotou várias técnicas para buscar compatibilizar esta necssidades com o valor, tais como a análise Palestra em Belém do Pará 11/11/01 custo/benefício, pela qual pretendeu-se estabelecer a “produtividade” das despesas públicas do ponto de vista econômico, o orçamento-programa que pretendia associar a despesas do governo com metas de crescimento econômico, etc.. O advento do fundo público como pressuposto da acumulação privada da riqueza tem também o lado da instauração de uma esfera pública através da qual busca-se compatibilizar os interesses privados com as necessidades coletivas. É a instauração de uma esfera pública nãoburguesa, através da qual se passou do capitalismo concorrencial fundado exclusivamente no jogo cego da competição dos interesses privados para um capitalismo caracterizado pela previsibilidade, negociação entre esfera pública e esfera privada. Esta mudança do capitalismo garantiu uma extraordinária expansão da produtividade do trabalho. Mas, por outro lado, desmercantilizou uma parte da força de trabalho. Consequentemente, também politizou fortemente o capitalismo, fato que chegou a produzir a noção de “crise de governabilidade” por excesso de demanda da população dirigida ao Estado do Bem-Estar Social. O ponto central hoje é que a crescence re-mercantilização das condições de produção e reprodução em razão da crise de sobreacumulação (Harvey, ) gerar uma vasta fração de “sobrante” a à busca de nova frentes de acumulação. A privatização dos serviços públicos atende a esta necessidade de expansão das fronteiras da acumulação, assim como o crescimento da esfera financeira e a sua autonomização e a globalização. Por outro lado, modelo de intervenção pública abandona a idéia do planejamento público. A adoção do modelo do “planejamento estratégico” no setor público é a expressão destas mudanças, em vários aspectos, entre eles o da re-definição da relação entre público-privado como resultado da pressão do valor de troca sobre o valor de uso, do valor sobre o anti-valor, do mercado sobre o Estado. A questão do planejamento público deixa de orientar-se pelo lado da demanda e passa a fundar-se nas exigências da oferta. A racionalidade do mercado passa a ser a referência: critério de retorno dos investimentos, eficiência de custos. O setor público passa a ser Palestra em Belém do Pará 11/11/01 pensado como uma empresa, com reflexos no próprio modelo de organização. É por isto que se fala na idéia de um Estado Gerencial, como nos propõe Bresser Pereira2. É a luz desta questão que devemos entender o discurso sobre a necessária “despolitização” da gestão urbana. Ver a este respeito o livro de Myriam Revault D‟Allones –Le Dépérissement de la Politique”, que faz uma análise histórica da origem deste “lugar comum”. É comum a nos momentos das campanhas políticas surgirem discursos que identificam a figura do governante com a de um síndico. Um novo vocabulário tem surgido em função desta mudanças: parceria, governança, projeto, etc. Tal discurso estaria expressando mudanças nas representações hegemônicas da função do Estado que passa a incorporar os ideais da racionalidade do mercado, que a racionalidade dos meios e não dos fins. Os fins tem a ver com opções política que devem expressar valores quando aos destinos da cidade, que devem ser necessariamente plurais em razão da diversidade social da sociedade. Esta diversidade é social (classe sociais, idade, “raça‟, etc,) e cultural. As classes e os grupos sociais têm concepções diferentes sobre “as necessidades” Por outro lado, esta diversidade ganha contornos específicos na gestão da cidade em razão do sistema urbano, em sua organização/mudança e em sua gestão, ser um grande “mecanismo oculto de distribuição de recursos. Entendemos recursos aqui como a os recursos de cujo domínio eu posso participar da distribuição dos recursos escassos da sociedade. Por este motivo, devemos buscar, ao contrário, lutar pela representação da ação do poder público na cidade como fundamentalmente política, envolvendo opções de caminhos e trajetórias que atingem diferentemente as classes e os grupos sociais. Palestra em Belém do Pará 11/11/01 Olhando por este ângulo, a questão da gestão democrática da cidade pretendida pela reforma urbana coloca uma ameaça à esta redefinição, já que ela traz consigo a possibilidade de ampliar o campo da racionalidade substantiva. A Cidade: acumulação, poder e desigualdade Chegou o momento para entrar neste tema. Comecemos pela reflexão do papel da cidade no processo histórico de constituição do capitalismo no Brasil. Permitam-me explicitar melhor este ponto de vista fazendo uma referência aos países desenvolvidos e suas cidades que nos suscitam tanto admiração pela organização, homogeneidade, funcionalidade, planejamento. Nem sempre foi assim, quando olhamos o passado. Nos países desenvolvidos, com efeito, a questão urbana entra na questão social na virada do século por que a organização urbana pré-existente colocava obstáculo ao capitalismo da grande empresa industrial. Por um lado, ela permitia aos trabalhadores resistirem à generalização do salariat requerido pela ordem industrial nascente e, ao mesmo tempo, as necessidades da acumulação do capital requer a cidade como força produtiva. Re-organizar a ordem sócio-espacial foi, portanto, uma necessidade da acumulação do capital: re-organizar o modo de vida dos trabalhadores para impor o assalariamento e re-organizar o território para que surgisse uma economia de aglomeração. Em compensação, as reforma urbanas levaram a inclusão da classe operária na cidadania. Trataremos deste tema no próximo tópico. Antes de entrarmos, porém, neste ponto um rápido bosquejo histórico sobre a nossa formação urbana. Percorremos três etapas: (i)o urbano na colônia como locus do controle da acumulaçào do capital mercantil através da exploração do trabalho escravo: a cidade é improdutiva; (ii)a cidade como sede de parte da acumulação do capital mercantil, quando se desenvolve uma economia urbana no interior da economia agrária-exportadora; (iii)a cidade da indústria, com dois subperíodos, o primeiro correspondendo à fase do populismo onde a Palestra em Belém do Pará 11/11/01 estruura produtiva estava orientada à produção dos bens salariais de consumo (vestuário, téxtil, alimentos, etc.), e a segunda fase correspondente ao desevolvimento-associado, onde a produção foi orientada para os bens de cosnumo de luxo. Esta estrutura produtiva foi o resultado daquilo que Celso Furtado chamou de “processo de modernização” , ao invés do desenvolvimento, através do qual se importou um modelo cultural dos países desenvolvidos. Para viabilizar esta “modernização” foi necessário realizar e manter uma estrutura de desigualdade com forte concentreação da renda e da riqueza. O estado teve um importate papel na concentração da renda. Como produto deste modelo é a industrialização com a geração de uma “massa marginal”. Desta concentração resultou uma concentração do poder, que por sua vez alimenta a concentração da renda e da riqueza. As raízes do nosso modelo de desenvolvimento urbano está no seu modelo de desenvolvimento. Seu ponto central é a existência de uma associação ao movimento de globalização em curso desde dos após Segunda Guerra Mundial. Pelas palavras de Fiori “o desenvolvimentista transformou-se em uma resposta- tolerada pelos liberais- ao projeto socialista para os países subdesenvolvidos. “ (Teoria e Debates, abril/mai/jun, 200:25). Ela teve como base a formação de uma “coalisão desevolvimentista”. De fato naquele período, o desenvolvimentismo não foi “intensivo”e concentrado em certos setores e espaços geográficos. Pelo contrário, veio acompnhado da expansão das fronteiras agrícola e urbana, o que permitiu amplas possibilidades de ganhos patrimoniais. O próprio sistema de intermediação financeira, que acompanhou o crescimento da economia real, manteve-se nas mãos do capital nacional. Por outro lado, foi esse mesmo dinamismo e a permanente mobilidade da fronteira capitalista que deu ao modelo uma enorme capacidade de amortecimento das tensões presentes num processo que foi ao mesmo tempo desigual e excludente. “(Fiori, 2000:25) Esta visão é absolutamente coerente com a da “sagrada aliança” formulada por Lessa e Dain. Ela nos permite pensar o papel da cidade, do seu modelo de desenvolvimento, vale dizer padrão de organização territorial da economia e da sociedade e dinamismo, como Palestra em Belém do Pará 11/11/01 efeito e base do “desenvolvimentismo” . A urbanização tinha de combinar dois movimentos; a concentração econômica, social e territorial e a fluidez da expansão das suas fronteiras sociais e territoriais. Podemos mesmo pensar nas fronteiras econômicas, porque a criação de um pólo moderno da estrutura produtiva dependia na manutenção e expansão de pólos “atrasados” como mecanismos de acomodar na cidade a “massa marginal” produzida pelo dinamismo do desenvolvimento. No plano sócio-cultural, este o nosso modelo de desenvolvimento urbano Estas seria as raízes sócio-ecônomicas de nossa “modernização seletiva” (Jessé), isto de uma modernização via mercado e Estado racional-burocrático, mas que não revolucinou as relações sociais integralmente e tampouco o sistema de representações coletivas. Revolucionou apenas a dimensão material das cidades, ou como formulou Someck produziu a modernização, mas não modernidade. A prevalência dos aspectos “embelezadores” e funcionais em nosso urbanismo desde o início do século, sob fortes influências e valores europeus (ver a dissertação de Denise, Lúcia, o livro sobre Cidade, Povo e Nação, os textos de Nicolau Sevesencko) tem raízes neste mode de urbanização. As nossas cidades expressam e participaram da construção, viabolização deste modelo: laissez-faire como decorrência da tolerância com os interesses privados, favorecimento dos interesses dos capitais empreteiro e concessionário na direção das políticas urbanas; ilegalidade, transportes privados, especulação imobiliária, etc,; com a produção de uma estrutura urbana que sustentasse a expansão econômica baseada nos bens de consumo coletivo. O urbano no Brasil expressa as necessidade e cultura das classes médias. A Cidade Brasileira: mobilidade e desigualdades Em todos estes momentos temos três aspectos marcantes que estão na raiz dos nossos problemas urbanaos: (i)a industrialização com a formação concomitante de uma “massa marginal”constrituída por um excessivo exército industrial de reserva; (ii)o bloqueio da formação da moderna cidadania; e, (iii)a constituição de podersos interesses mercantis Palestra em Belém do Pará 11/11/01 ligados à acumulação urbana, base ba chamamos anteriormente de poder urbano corporativo. A cidade da industrialização com “massa marginal” permitiu que a formação da classe operária fisse vivida como um processo de mobilidade social, já que ela está associada à intensa migração dos camponeses empobrecidos do campo em razão dos efeitos de desarticulação das economias regionais pelas relações de dependência. A migração foi um fator de “mobilidade social ascendente” para estes trabalhadores dadas as enormes disparidades de condições de vida. A formação de um extenso exército industrial de reserva na cidade. Ao mesmo tempo, a nossa industrialização em sua gênese “prescinde”de um urbano capaz de fornecer a os meios necessários à reprodução coletiva da força de trabalho, pelo caráter autárquico. A indústria nascente produziu, com efeito, o seu “urbano”, através do modelo da “servidão burguesa” (Sérgio Lopes). Estamos aqui nos referindo ao primeiro ciclo da industrialização. No segundo ciclo, o do capitalismo monopolista parte das necessidades urbanas da acumulação foram asseguradas pelas empresas multinacionais elas mesmas. Por exemplo, o sistema de transporte para o trabalho. Em conseqüência, a “urbanização” da força de trabalho, isto é a sua reprodução passando pelo mercado e pelo acesso a bens de consumo coletivo foi assegurada pela existência do imenso exército industrial de reserva, que produziu sob as mais variadas formas de produção parte destes bens e serviços: a produção doméstica simples (família) ou ampliada (comunidade de vizinhos) de valores de uso e a produção simples de mercadorias ( o conta-própria). Salvo em algumas situações específicas de São Paulo, especialmente nos municípios que sediaram o complexo auto-mobilístico, os bairros populares, loteamentos periféricos, favelas, cortiços constituíram-se em territórios da reprodução precária e predatória da força de trabalho (massa marginal?) liberada do campo e concentrada na cidade. Mas, ao mesmo tempo, nos territórios da reprodução precária da força de trabalho, onde as fronteiras e limites entre os ativos são Palestra em Belém do Pará 11/11/01 borrados na vida quotidiana, desenvolvia-se um sistema de reciprocidade pelos qual a coletividade resolvia suas necessidades3. Este modelo de urbanização assegurou a manutenção de taxas de salários extremamente. Cidade e Cidadania no Brasil A cidadania incompleta e a não constituição de uma esfera pública. As três dimensões da formação da cidadania: a cidadania civil, a cidadania política e cidadania social., como nos propõe T. H. Marshal. A construção dos direitos e instituições da cidadania foi uma tentativa de responder a dois clamores gerados pela Revolução Burguesa: de um lado, os idéias de liberdade e de autonomia, produzindo a democracia cívica igualdade de oportunidades garantida por uma sociedade civil forte, de outro lado, as reivindicações de igualdade social, produzindo a democracia do bem-estar garantida por um Estado social. As três dimensões como seqüência lógica-hostórica. 3 Ângela Ramalho Viana em um clássico estudo de uma favela popular em Salvador (Nova Brasília) no início da década de 70, registrava: “Complementando o trabalho que se articula ao nível do domicílio, vigora no interior, um sistema de solidariedade entre vizinhos para a realização de serviços não pagos sob a forma monetária mas que envolvem um certo compromisso de retribuição. Solicita-se a ajuda de vizinhos para construir ou melhorar uma casa. Uma vizinha lava a roupa da outra que sai para trabalhar; o vendeiro “olha os meninos” enquanto a mãe está fora; a costureira conserta de graça as roupas de uma vizinha, etc. “ (Bahia de Todos os Pobres, p. 209) Por outro lado, este mesmo trabalho identificou que as práticas de reprodução precária neste bairro era indiferenciada se tomássemos um trabalhador da ativa ou da reserva. “de modo geral, as estratégias desenvolvidas por operários e biscateiros compõem-se dos mesmo recursos e procedimentos: produção e venda de artigos no âmbito doméstico(alimentos, miudezas, etc.); burla sistemática do pagamento da luz; compra a crédito nos mascates e volantes; mobilização do trabalho infantil; estabelecimento de uma venda no local de moradia, etc. Embora a diferença formal entre biscateiro e o operário- formalização das relações de trabalho- faculte ao segundo a possibilidade de se valer do atendimento médico do INPS, nem por isso esse recurso deixa de ser combinado com outras formas de atendimento das quais se vale o biscateiro(posto médico, o médico do bairro, o receitador de ervas) Palestra em Belém do Pará 11/11/01 No Brasil. Os limites da democracia política. Desde a Revolução de 1930, num espaço de 60 anos, tivemos duas ditaduras, que ocuparam 35 anos deste período; se contarmos , além dois golpes que resultaram em ditadura ou tentativas, chega-se a uma média de um golpe ou tentativa para cada três anos. As bases desta cidadania: (i)direitos sociais outorgados e administrados pelo Estado, formando aquilo que Wanderley Guilherme chamou de „cidadania regulada‟ e o José Murilo de Carvalho de „estadia‟; (ii)frágeis direitos civis; e, (iii)uma cultura hierárquica, entendida como a compreensão compartilhada- compreensão que molda expectativas e comportamentos- de que a humanidade não é naturalmente igual e com,posta de individualidades independentes,mas ao contrário, as pessoas são diferentes e ocupam, naturalmente, níveis diferentes de poder e relevância social. “ (Luiz Eduardo do Soares) Uma cultura diferentes, chamada de igualitarista, teria como base a crença de que as diferenças e desigualdades decorrem das posições exercidas pelas pessoas, mas que o acesso a estas posições é livre, decorrente da competição em ter os indivíduos. A ordem híbrida urbana brasileira. Papel da ilegalidade urbana na manutenção da ordem híbrida. A Cidade e as Classes Médias Seguindo as pegadas de Francisco de Oliveira, as classes médias ganham uma centralidade social na sociedade contemporânea, isto é, as aspirações coletivas têm como padrão ser classe média. Esta centralidade tem haver com o crescimento numérico das classes médias, em razão das mudanças do mundo do trabalho, mas seu fundamento é o papel dos administradores da medida no capitalismo que troca a regulação vida mercado, pela regulação política. São as conseqüências da crescente importância do Fundo Público na reprodução econômica e social. Palestra em Belém do Pará 11/11/01 Na sociedade brasileira, a centralidade social se transforma em centralidade política por razões históricas. As classes médias em certas circunstâncias políticas, como as vigentes no Brasil, assumem o papel de intermediações sem mediações , isto é substituindo algumas classes no poder. As circunstâncias próprias da sociedade brasileiro é fato das classes médias surgirem e crescerem no vácuo da representação das outras classes na política. No Brasil, historicamente as classes médias têm a função de tradutora e de articulação das “demandas particulares, privadas, na operação de confluência, negociação e viabilização de interesses, antagônicos ou não.” (286) As classes médias e a inteligentsia ultrapassam hoje a burocracia. A centralidade política das classes média e a inteligentsia no Brasil decorre do fato delas nascerem e crescerem no momento da expansão econômica ocorrida no autoritarismo. Ou seja, é neste período que cresce a administração da medida, portanto, durante um período em que há intermediações sem mediações. No autoritarismo as classes médias e a inteligentsia transformam-se em quase sujeitos. “A transição do autoritarismo para a democracia carrega praticamente todas a heranças do regime autoritário. “(p.289) As classes médias integram o poder urbano corporativo e Os Desafios 3.1. A Constituição de 1988 e a Cidade Deliberativa. O conceito de cidadania ativa. A existência de governos populares. 3.2. A expansão da cultura igualitarista na sociedade. O papel da educação. O papel da cultura dos direitos Palestra em Belém do Pará 11/11/01 3.2. Desafios A nova economia e a desafialiação social pela economia aumentando a “massa marginal”. A desafiliação pela desresponsabilização do Estado e das Elites. A fuga da cidade realizada elas elites. 3.2.1. A des-responsabilização das elites. Na crise, as elites utilizam o igualitarismo para se des-responsabilizarem com o destino daquelas com quem mantém relações de tutela. A transformação da ordem em apenas em dominação, sem a mutualidade. Conseqüências: passividade X individualismo agnóstico. (Velho) 3.2.2. Auto-segregação. A manutenção do sistema de clausura excludente como forma de dominação das elites e a difusão do individualismo agnóstico a)Res-Responsabilização Social das Classes Médias, Segregação e a Cultura Anto-Urbana “Na experiência cotidiana, de há muito as burguesias e seus altos correlatos, as altas classes médias e todos os que o Reich e Lasch chamaram de “analistas simbólicos”, já não têm nenhuma experiência de transcenderem seus limites de classe, a experiência de convivência com as outras classes sociais. Seus cotidianos são extremamente fechados, cerrados, clautofóbicos, homogênos. Uma breve descrição servirá para mostrar que esse cotidiano foi forjando uma subjetividade a qual se aparenta com as outras descritas, formando o “homem privado” contemporâneo, que é a base social sobre a qual se sustenta o neoliberalismo; que no final de contas é a sua expressão”. (Oliveira, F. (1999: 70) “Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal”, In Oliveira, F e Paoli, M. C. Os sentidos da democracia, Nedic/FAPESP/Editora Vozes, Rio de Janeiro). Palestra em Belém do Pará 11/11/01 De certa maneira parece que se concretiza alguns dos temores dos autores que na década de 70 analisavam as condições para a democratização do país. “Sem a reativação das bases populares e sem um ideologia anti-burocrática baseada na responsabilidade individual e na consciência das necessidades sociais, o salto do patrimonialismo ao corporativismo tecnocrático pode levar os povos latinoamericanos a reviver na “selva das cidades” a barbárie tão temida pelos socialistas do século XIX. Se não houver a reativação da sociedade por meio de vigorosos movimentos sociais forçando a participação política e a definição de novas formas de controle das empresas, das cidades, do estado e das instituições sociais básicas, há o risco da criação de um horroroso mundo novo que subistuirá a cidade- o antigo foro da liberdade- por Alphavilles plenamente aparelhados, através da tecnologia das comunicações de massas e da apatia, para reproduzir um estilo de “sociedade congelada”. (F.H. Cardoso- “A cidade e a política: do compromisso ao inconformismo” IN Autoritarismo e Democratização, p. 163) b)O individualismo Agnóstico A ausência da democracia civil Segregação. Desigualdade e Cidadania “Desde Rousseau, Jefferson ou Tocqueville sabemos que a democracia exige a participação de pessoas dotadas de autonomia moral, sem o que não são possíveis nem deliberações nem escolhas conscientes e responsáveis. Por sua vez, essa autonomia moral demanda um.n grau razoável de independência e segurança econômicas, e por isso o farmer cumpria papel central n as reflexões desses autores. Muitos anos depois, o trabalhador estável da sociedade salarial iria substituir o farmer como Palestra em Belém do Pará 11/11/01 sujeito de uma cidadania não somente civil e política, como também social” (Nun, J. 2000:62) Para Nun estaria ocorrendo na América latina um processo de implantação da democracia representativa excludente, em razão do aumento da pobreza, das desigualdades e da inexistência de redes de proteção social. Como respostas estariam surgindo “formas perversas de integração social que se encarnam no clientelismo, na criminalidade, no comércio ilegal, na proliferação de guetos e populações marginalizadas e na ersistência de modos brutais de exploração da mão-obra. “(Nun, 2000:62)b 3.2.3. Os novos modelos de gestão contratualista e a despolitizaçào da cidade. Papel dos discursos catastrofistas e triunfantes da globalização. A importância de discursos “comunitaristas” que desqualificam o conflito. 3.2.4. Os novos modelos de gestão da pobreza. No USA é clara a política de gestão do sub-proletariado urbano tornado “massa marginal” através do isolamento territorial, da estigmatização e do abandono. O gueto e as prisões. 3.2.5. A inclusão dos novos sócios do poder urbano corporativo sem alterar a sua composição. A privatização e os capitais internacionais. A saída das necessidades de consumo coletivo da órbita dos “direitos sociais” e a sua inclusão nos direitos civis, em uma sociedade onde as desigualdades de renda, riqueza e poder é ainda estatutária. Mencionar o fato da existência hoje de cerca de 4,5 milhões de assinantes do serviços de telefonia inadimplentes. 3.2.6. As possibilidades da aplicação do Estatuto da Cidade ficar apenas na vertente provisão.distribuição, pela adoção das políticas de regularização fundiária, urbanização de favelas, etc. Palestra em Belém do Pará 11/11/01 3.2.7. A raiz do problema: a oferta de moradia é incapaz de atingir grande parte da população. Quem está fora do mercado, deve suprir a sua necessidade de habitação fora da cidade. Estimase que apenas não mais de 20% das moradias produzidas no Brasil passe pelo mercado. Grande arte da população não forma uma demanda solvável. Resultado: Ilegalidade=Inacessibilidade. a)Oferta de créditotaxa de juros e distribuição da renda. Taxa de juros te a ver com a questão da globalização. O juros para moradia tem que ser subsidiado. A concentração da renda tem a manter-se elevada no atual modelo de desenvolvimento. b)A oferta de solo urbanoA cidade brasileira tem abundância de terra e escassez de solo urbano, isto é, de moradias devidamente conectada ao sistema de equipamentos e serviços urbanos necessários a vida na cidade. O mercado se concentrada nestas áreas. O poder urbano corporativo também. A necessidade da política urbana quebrar este círculo vicioso. Importância dos mecanismos regulatórios, re-distributivos e do fundo público. Ao mesmo tempo, permitiu a aliança política que sustentou este modelo de desenvolvimento.