UMA CONTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA PARA O ENTENDIMENTO DE UM TEMPLO CATÓLICO E SUA RELEVÂNCIA NA ÁREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO Ivo VENEROTTI Guimarães Bolsista PIBIC Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Espaço e Cultura – NEPEC Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Tv. Inácio Bittencourt, número 22/101, Tijuca – Rio de Janeiro – RJ CEP: 20540-060 [email protected] RESUMO: O culto à Senhora Santana – avó de Jesus – causa impactos urbanísticos no espaço carioca desde a chegada de sua imagem, no século XVIII. A igreja de outrora derrama sua toponíma para um imenso descampado, que passa a ter relevância mais expressiva quando da instalação da edificação religiosa. Tal esplanada passa a ter a denominação de Campo de Santana, onde ocorreram importantes fatos, religiosos e profanos, que comprovam sua relevância na urbe da ex capital do país. Dentre os diversos eventos ocorridos nesse logradouro, entre outros acontecimentos de ponta, destacam-se: comemorações do casamento de D. Pedro I e D. Leopoldina, aclamação de D. João VI, afora a Proclamação da República, em 1889, efetivada por Marechal Deodoro. O santuário de então é arrasado e construído em localidade próxima, em um imponente prédio na “Pequena África do Rio de Janeiro” sendo, logicamente, assim como o anterior, um pólo atrator de fiéis. A primeira construção dedicada à Santana cedeu à Gare Dom Pedro II (Central do Brasil) – mais importante estação ferroviária da via entre a cidade e o complexo cafeeiro do Vale do Paraíba. A partir desses diversos elementos, o presente texto procura retratar a expressiva carga simbólica, bem como o teor toponímico exercido por conta do santuário no transcurso do tempo. Tal fixo religioso intervém na área central do Rio de Janeiro, sendo a igreja, portanto, um sagrado elemento de produção do espaço. PALAVRAS-CHAVE: TEMPLO CATÓLICO – SANTANA – TOPONÍMIA - ÁREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO - GEOGRAFIA HUMANÍSTICA ABSTRACT: The cult to Saint Anne - Jesus' grandmother - has had urban impacts on the carioca space since her image arrived, in the XVIII century. The former church named a huge open field after the saint, which gave the place its most expressive relevance when it was biult. Such place, therefore, received the name of Campo de Santana (Santana - or Saint Ana - Field), where important facts, either religious or profane, have ocurred, which proves its importance in the country's ex-capital's area. Among the various events ocurred in that public park, some highlights are: D. Pedro I and D. Leopoldina's marriage celebrations, D. João VI's acclamation, the Republic Proclamation in 1889 declared by Marechal Deodoro. That sanctuary is destroyed and rebuilt in a near place: in an imponent building in the "Pequena África do Rio de Janeiro", logically becoming, as its former location, a worshipers' attractor. The first building dedicated to Saint Anne yielded to Gare Dom Pedro II (Central do Brasil) - the most important train station between the city and the coffee complex at Vale do Paraíba. From these various elements, the presenting text intends to show the expressive simbolic force of this sanctuary as well as its toponimic content through the passage of time. Such religious place intervines in the central area of Rio de Janeiro, so the chuch is, thus, a sacred production element in the place. KEY-WORDS: CATHOLIC TEMPLE - SAINT ANNE - TOPONOMY - CENTRAL AREA OF RIO DE JANEIRO - HUMANISTIC GEOGRAPHY Esta comunicação pretende entender parte da a dinâmica da periferia da Área Central do Rio de Janeiro explorando a Igreja dedicada à de Santana. A relevância desta edificação religiosa interferiu de tal sorte no arranjo do solo urbano carioca, que podemos evidenciar sua repercussão na geografia, na história, na religiosidade, na arte e na vida de relações da urbe carioca. sua importância viceja representatividade que viceja desde a chegada da imagem da santa nos idos do século XVIII. Com vistas ao desenvolvimento deste texto, pesquisas foram realizadas na Biblioteca Nacional, no Arquivo Geral da Cidade e na Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Investigações outras foram complementadas por trabalhos de campo realizados na área em estudo e por entrevistas a religiosos e fiéis. Preocupado em enfocar o caráter simbólico deste santuário, é identificada uma vastidão de rastros que comprovam a contribuição da construção erigida em honra à santa para o pulsar de seu entorno, a começar pela toponímia de terrenos, estabelecimentos e, sobretudo, logradouros contíguos. Neste ensejo, momentos diversos da construção sagrada e de seu entorno são detalhados, afora as festas religiosas e profanas promovidas em devoção à santana e aquelas em adoração ao Divino Espírito Santo, bem como um mosaico de fatos, aspectos e atos que desembocam em importantes manifestações culturais, religiosas, políticas e do cotidiano vivido. Diante do exposto, prosseguiremos focando trajetória de Santana, bem como a etimologia de seu nome. Tal abordagem serve para elucidar o porquê da forte devoção à santa e a sua importância perante o catolicismo, que contribui sobejamente para que o templo dedicado a esta santidade ela interferisse de tal sorte no espaço carioca. Isto posto, convém sublinhar: “Ana” tem sua origem e formação no hebraico, encontrando significado na tradução, em português, “graça”. Compaixão, dádiva e clemência são, portando, qualidades caras a esse nome. Essa pia mulher de linhagem cristã, vale frisar, descende da família do sacerdote Aarão, enquanto, seu marido, São Joaquim, da família do Rei Davi. O martírio até o nascimento de Maria se inicia em uma celebração religiosa, na qual Joaquim se oferece para penitência no templo. A empreitada desse devoto homem foi mal sucedida, sendo recusado para a tarefa na construção sagrada sob a justificativa de que um homem sem prole não era apto para tal desafio. Em meio à desolação, o retorno a casa não ocorre e o futuro pai de Maria se recolhe nas montanhas, envolvido em meditação, isolamento e penitência. Ana, estéril e idosa, ao saber o porquê da longa ausência do marido, roga a deus que os agraciasse com um filho, com a promessa de dedicá-lo ao serviço divino. Suas preces foram atendidas: um anjo vem avisá-la que o senhor a ouvira e que ela teria uma filha. O mesmo anjo levou a boa nova a Joaquim, que retorna ao lar. Pouco tempo após o seu regresso, a que seria a avó de cristo engravida e dá a luz à Maria, mãe de Jesus (CATHOLIC ENCYCLOPEDIA). A devoção à Senhora das Graças, no Ocidente, remonta ao século VIII, quando suas relíquias migram e são distribuídas de Constantinopla para outros lugares da Europa, tais como, entre outros, França e Alemanha, país este no qual se encontra o templo tido como o mais importante dedicado à Santa, avó de Jesus. No transcurso do tempo, seu culto se torna muito popular na Idade Média sendo a mesma canonizada em 1584. Mais recentemente, o Papa Paulo VI unificou as datas comemorativas em homenagem aos pais da Virgem Santíssima firmando, justamente, o dia 26 de julho, como tal, uma vez que os avós de Cristo tinham dias distintos de celebração (CATHOLIC ENCYCLOPEDIA). Em meio a tanto fervor e festividades, os templos em honra a Santana espraiaram-se pelo mundo cristão. Em Jerusalém há uma Basílica de Santana, no mesmo lugar onde a família residiu, e em outras partes do Planeta há, igualmente, vários santuários consagrados à Senhora da Graça, protetora do Canadá, de Porto Rico e das grávidas. Particularmente, no Rio de Janeiro, o templo erguido em sua glória data do século XVIII, muito embora a devoção a esta santa possa ser evidenciada quando se lembra da imagem mantida na capela de São Domingos. Esta derramou sua toponímia para um enorme campo que, com o passar do tempo e a expansão do tecido urbano carioca, perdeu espaço exatamente para o Campo de Santana (CATHOLIC ENCYCLOPEDIA; IPLANRIO, 1997; GERSON, 2000). Na realidade, uma primeira ermida foi construída em 1735, em terreno arenoso aplainado para tal destinação. A mesma derivou de uma doação efetivada por um cônego de parte da sua chácara, cujos domínios passaram a ter a denominação em referência à Senhora da Graça. Remotamente consta que este imenso perímetro era uma esplanada, bem afastada da urbe, utilizada como uma espécie de “lixão”, e, tempos depois, a mesma se constituirá no parque em questão. Neste ponto, cabe dizer, a ermida foi edificada em lugar ermo da porção efetivamente ocupada pelos cariocas. Esta, inicialmente subordinada à Paróquia de Santa Rita, tempos depois, tornou-se uma igreja, erigida ao longo de décadas, em reverência à avó de Jesus, elevada à condição de paróquia em 1814 (EMBRATUR, 1979; IPLANRIO, 1997; GERSON, 2000; ENDERS, 2002). No decorrer do tempo, a área em tela foi palco de uma série de manifestações profanas e religiosas. Cabe dizer, contudo, que a relevância do templo foi determinante para tais efemérides. Em sua festiva galeria de eventos constam concorridas festas juninas, bem como em louvor à padroeira do lugar, afora a ressonância emitida pelo batuque dos negros, uma vez que a veneração à Santana fechava um período de comemorações. O descampado, entretanto, era igualmente lugar de trabalho como pode ser ilustrado pela presença das lavadeiras junto aos chafarizes abastecidos com água provinda do rio Maracanã (ABREU, 1994; EMBRATUR, 1979; GERSON, 2000; ENDERS, 2002; ABREU, 2006). No século dezenove, com a chegada da Coroa Portuguesa, as solenidades da Corte sucederam com o casamento de D. Pedro e Dona Leopoldina e, nos idos de 1818, a consagração popular do soberano Rei de Portugal, Brasil e Algarves, Dom João VI quando se constrói uma galeria de madeira de lei para tal. Em 1822 é a edificado um palacete de pedra e cal para a ocasião de aclamação de D. Pedro I, Imperador do Brasil. O mesmo palacete abriga a celebração do casamento do Monarca com Dona Amélia. Estes fatos contribuíram para que o imenso logradouro passasse oficialmente a ter a denominações como Praça da Aclamação e Campo da Honra. No entanto, o povo insistia em veicular a nomenclatura anterior, qual seja: a de Campo de Santana (EMBRATUR, 1979; MELLO, 1993; GERSON, 2000; ENDERS, 2002). A igreja continuou sendo um importante pólo atrator de fiéis. Sua centralidade serviu mesmo de pretexto para que a mesma fosse deslocada e merecesse uma construção mais imponente. Na verdade, por trás desse discurso havia um interesse maior, como pode ser verificado com a permuta prevendo a construção da Gare Dom Pedro II, principal estação ferroviária do novo meio de transporte que ligaria o Rio de Janeiro ao cafeeiro Vale do Paraíba. A edificação dedicada à Avó de Jesus seria instalada na Rua das Flores, alocada em terreno governamental aproveitando as fundações do que seria a cadeia nova. O templo passou a ter definitivamente um novo endereço e derrama sua toponímia para o logradouro que passa a ser a Rua de Santana. No entanto, a aura de respeitabilidade ao templo outrora fincado na área da atual Central do Brasil permanece na Gare Dom Pedro II com um nicho em honra à Mãe de Maria e em lugar de clara visibilidade (EMBRATUR, 1979; MELLO, 1993; GERSON, 2000; ENDERS, 2002; ABREU, 2006). Convém ressaltar, contudo, que o descampado merecedor de várias denominações continuou sendo Campo de Santana, na “boca do povo”, sofrendo uma significativa transformação quando o paisagismo inglês capitaneado por Glaziou passou a ostentar grutas, alamedas, lagos, cotias, gansos, marrecos, gatos, arbustos, árvores frondosas, entre outros melhoramentos aprontados no início do último quartel do século dezenove (EMBRATUR, 1979; MELLO, 1993; GERSON, 2000; CZAJKOWSKI, 2001). O Campo de Santana viveu uma outra extraordinária página da vida política e histórica do país com a Proclamação da República emitida pelo Marechal Deodoro da Fonseca no dia 15 de novembro de 1889. Momentos como este reforçaram o caráter simbólico do logradouro com nome de santa. Contudo, como lembra o economista Carlos Lessa (2000:183), em sua obra “O Rio de Todos os Brasis”, recorrendo à Aristides Saldanha, “a população da capital assistiu bestificada à Proclamação” (LESSA, 2000:183) e os residentes e freqüentadores da Pequena África do Rio de Janeiro (Praça Onze e arredores) reagiram em manifestações pró-Imperador, comandados por Dom Oba, habitué do Palácio Imperial e que se auto-intitulava “Príncipe do Povo, Rei da Ralé”. Neste âmbito, a transferência da Igreja de Santana para os limites do “berço do samba” reforçou ainda mais a devoção dos negros à Senhora da Graça. Ao longo do século vinte, o Campo de Santana mais uma outra vez foi mutilado, em meio a uma outra “varredura”, com vistas à abertura de uma colossal artéria que conecta o Centro da cidade à Zona Norte do Rio de Janeiro: a avenida Presidente Vargas com seus oitenta metros de largura e mais de dois quilômetros de extensão. Sua área persiste sendo ponto de lazer, contemplação e passagem, sobretudo por estar situada em frente ao terminal metro-rodo-ferroviário da chamada Central do Brasil. Nas palavras de Mello (1993:34) “seus atalhos e, notadamente, seu interior estão a salvo do barulho ensurdecedor e do fantástico movimento de veículos que transitam em suas redondezas. Protegido por grades e portões de ferro, o uso do Campo de Santana se restringe ao horário diurno e às primeiras horas da noite, evitando, assim, segundo os administradores públicos, que o local se transforme em antro noturno de vadios, mendigos e assaltantes”. No que tange ao santuário propriamente dito, além dos costumeiros rituais religiosos, como missas, casamentos, batizados e outras celebrações, cabe acentuar uma particularidade da igreja de Santana, qual seja a permanente vigília de orações instaladas pelo Cardeal Dom Sebastião Leme quando da instituição do Santuário Nacional do Coração Eucarístico de Jesus. Eis porque as orações jamais cessam e prosseguem sendo realizadas por leigos religiosos, cabendo as mulheres a adoração diurna e aos homens a noturna. O citado prelado em um ato de humildade teve o seu pedido concretizado para ser enterrado na igreja, o que faz com que seja pisado pelos fiéis após uma vida de entrega e expiação. À Guisa da Conclusão Um símbolo, como a Igreja de Santana, no Rio de Janeiro, vicejou a partir da chegada, em tempos pretéritos, de uma imagem a uma capelinha situada em um imenso descampado. A própria representatividade desta senhora de vida consagrada a Deus nos conduz a um simbolismo no mundo cristão por ser ela a avó do Menino Jesus. Como visto, diversos fatos ocorridos no decorrer do tempo no santuário e no campo merecedor do nome da santa contribuíram para que os dois artefatos geográficos criados pelo homem no bojo da organização do espaço urbano carioca superassem suas condições originais e alcançassem o patamar de símbolos. Nestes termos, o presente estudo procurou abordar uma temática que une o urbano ao sagrado (CORRÊA; ROSENDAHL, 1998; ROSENDAHL, 1999), constituindo-se em uma contribuição com vistas ao reconhecimento do “sagrado como elemento de produção do espaço” (ROSENDAHL, 1999:13), e transcendendo tal condição, focalizando a questão simbólica construída ao longo de um espaço-tempo-vivido e acontecimentos sagrados e profanos. Desse modo, a carga simbólica do templo de Santana no Rio de Janeiro, transbordando sua aura pelo entorno imediato e arredores, foi tecida e continua sendo forjada, em meio a bençãos, bem querência e a dinâmica e o ritmo do cotidiano (MELLO, 2006). Neste pulsar de empatia e laços topofílicos (TUAN, 1980), frutos de cultos, processos e movimentos diversos, o santuário e o parque continuam emanando e atraindo significados em seus interiores e fachadas de grandes esplendores e ressonâncias na religiosidade, na geografia, na história, na política, na arte e no dia-a-dia da Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro. Referências: ABREU, Marta. Festas Religiosas no Rio De Janeiro: perspectivas de controle e tolerância no século XIX. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 14, 1994, p. 183-203. Disponível em: www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/154.pdf. Acessado em 15/03/2007. ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2006. 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